quarta-feira, 30 de março de 2011

CRISTO NO CORAÇÃO


Por: D.M. Lloyd Jones

CAPÍTULO 11

"Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações." – Efésios 3:17

Aqui estamos diante da maior de todas as altitudes da vida cristã e do que nos é possível como novo cristão. Portanto, este não é um trecho fácil das Escrituras. Mas não existe nada que seja mais glorioso. Os montanhistas contam-nos que, quanto mais alto se chega, mais difícil é escalar; e, todavia, é cada vez mais gratificante e maravilhoso. A mesma coisa aplica-se às Escrituras. E certamente aqui nos achamos deveras no pico culminante da experiência cristã.
Pois bem, tornemos a lembrar-nos de que isto é algo destinado a todos os cristãos. O apóstolo escreve para todos os membros da igreja de Éfeso e, obviamente, queria que eles compreendessem isso; na verdade ele pressupõe que serão capazes de compreendê-lo. Digo isso porque há muitos cristãos hoje que não procuram entender nada que seja difícil. Mas isso é ignorar deliberadamente o claro ensino de que se espera que cresçamos "na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (2 Pedro 3:18). Como o apóstolo diz no capítulo seguinte, não devemos ser crianças, não devemos permanecer crianças, deixando-nos levar "em roda por todo o vento de doutrina". E estas palavras, jamais nos esqueçamos, foram escritas a pessoas que provavelmente eram escravas, que não tinham recebido nenhuma instrução escolar e que não tinham nenhuma das vantagens que nós desfrutamos. Assim, para usar a linguagem de Pedro, devemos "cingir os lombos do nosso entendimento" (1:13). Temos que esforçar-nos para entrar nesta atmosfera rarefeita. Precisamos mover-nos com precisão e com toda a nossa capacidade e poder. Mas acima de tudo devemos prestar atenção nas petições do apóstolo.
A primeira petição, como vimos, é para que sejamos "fortalecidos com poder pelo Espírito de Deus no homem interior". Quando formos fortalecidos "segundo as riquezas da glória de Deus" pelo Espírito Santo, seremos capazes de subir e chegar a esta grande altitude. Podemos testar-nos neste ponto fazendo a nós mesmos uma pergunta simples – estou olhando para frente e para o alto? Fico em comovida expectação quando considero estas ardorosas frases colocadas diante de nós pelo apóstolo?

Passamos agora à petição, “para que Cristo habite pela fé nos vossos corações". Tem havido muita discussão sobre como se deve tomar esta petição e as duas anteriores (ver vss. 14-16). Dizem a mesma coisa de maneira diferente, ou o apóstolo estaria colocando primeiro a petição sobre "serem fortalecidos" por ser uma essencial preliminar a esta petição posterior? Eu pessoalmente não duvido que esta última possi¬bilidade é a correta, embora haja um sentido em que é igualmente certo dizer que estas coisas sempre se fundem mais ou menos e não podem ser dividas em nenhum sentido terminante. O apóstolo as coloca nesta ordem – o fortalecimento primeiro e, depois, "para que Cristo habite pela fé nos vossos corações".
Ao abordarmos esta estonteante declaração – e devemos andar, como sugeri, com cautela, com cuidado, e circunspectos – é essencial que nos lembremos uma vez mais de que esta oração é feita em favor de crentes. Dou ênfase à questão porque se tornou corrente uma frase relacionada com a evangelização, que tem causado confusão com respeito a este versículo particular. Ao relatarem sua experiência e falarem da sua conversão as pessoas muitas vezes dizem: "Já faz muitos anos que eu recebi Cristo no meu coração". Com frequência os evangelistas comunicam a sua mensagem desse modo e perguntam às pessoas se querem receber Cristo em seus corações. Mas esta expres¬são não é bíblica e pode levar a um entendimento errôneo, particular¬mente quando nos defrontamos com uma frase como a que estamos estudando agora. É por esta razão que lhes faço lembrar que o apóstolo está fazendo esta oração por pessoas que já são crentes. Elas outrora estavam longe, porém foram trazidas para perto, pelo sangue de Cristo. Já são crentes, já estão unidas a Cristo, sua Cabeça, já são membros do Seu corpo, que é a Igreja. Estes crentes estão "nEle", e Ele está neles.
Noutras palavras, o apóstolo não está orando com o fim de que estas pessoas se tornem cristãs; está orando com o fim de que Cristo habite pela fé nos seus corações, conquanto Ele já esteja presente. Paulo não está orando pela conversão delas, ou pela sua salvação, ou pela sua justificação. Tudo isso é tomado como líquido e certo; já se realizou. Para tirar qualquer possível dúvida ou confusão concernente a isto, lembremo-nos de novo da exposição do apóstolo na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo 13, versículo 5: "não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados". Diz ele que sermos crentes, sermos cristãos, significa que Jesus Cristo está em nós. Ninguém pode ser cristão se Cristo, nalgum sentido, não estiver nele. Igualmente há a declaração registrada em Romanos, capítulo 8, versículo 9: "se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele". Isso era verdade quanto a estes efésios; eles já são cristãos. De fato é porque eles são cristãos que ele vai adiante e faz esta oração por eles, para que Cristo habite pela fé nos seus corações.

Qual é, pois, a diferença entre esta condição e a condição normal, a condição invariável de todos quantos são cristãos verdadeiros? A resposta deve achar-se primariamente na palavra "habitar". No grego é uma palavra composta que, basicamente, significa "viver numa casa". Mas quando é acrescentado o prefixo que significa "abaixo", a palavra passa a significar "instalar-se e estar em casa". O apóstolo decide deliberadamente utilizar esta palavra para salientar a ideia de fazer morada em você, de instalar-se, de fazer seu lar permanente, em distinção de uma simples visita ou de estar num lugar, num sentido geral.
Lança luz sobre esta concepção o que lemos no capítulo três do livro de Apocalipse, na mensagem à igreja de Laodicéia, principalmente no versículo 20. O Senhor ressurreto diz: "Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo". Às vezes penso que não há nenhuma declaração das Escrituras mais frequentemente mal compreendida, mais mal empregada e mais objeto de abuso do que essa declaração em particular. Quase invariavelmente é tomada num sentido evangelístico. Cristo é retratado como de pé, do lado de fora da porta fechada do coração humano, e implorando ao pecador que O deixe entrar e que O receba em seu coração. Mas essa é uma interpretação completamente falsa de Apocalipse 3:20. A carta aos laodicenses é, naturalmente, uma carta dirigida a uma igreja; é "o que o Espírito diz às igrejas". Suas palavras não são dirigidas a incrédulos, e sim a cristãos que estão dentro da Igreja Cristã. Todo o conteúdo dos capítulos 2 e 3 do livro de Apocalipse, devemos lembrar, é dirigido a cristãos, a crentes, a pessoas que já criam no Senhor Jesus Cristo e que estão unidas a Cristo, que estão nEle, e Ele nelas. E ainda a mensagem do bater à porta trancada é dirigida a essas pessoas, em particular à igreja dos laodicenses. Eles eram cristãos; mas estavam em más condições, "nem frios, nem quentes"; achavam que eram ricos e que tinham tudo; no entanto, na realidade eram pobres e estavam nus, cegos e vazios. É a tal espécie de cristãos que o nosso Senhor diz: "Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo".
Então, essas palavras são dirigidas a cristãos que têm vida espiritual, porém que se acham em condições de muita pobreza e imaturidade. Há um sentido em que eles conhecem o Senhor Jesus Cristo, mas num sentido mais profundo não O conhecem. Estão num relacionamento com Ele, mas não são dominados por Ele. Certamente estão numa posição em que se comunicam com Ele; todavia Ele não está no centro das suas vidas. Ele não está realmente nos corações deles, Ele não está "habitando" ali, Ele não "se instalou" ali, ele não "fez ali Sua habita¬ção".
A carta à igreja dos laodicenses nos fornece uma chave para entendermos a petição que está sendo elevada pelo apóstolo Paulo em favor dos efésios. Ele dá graças a Deus por tudo quanto lhes acontecera; mas deseja ansiosamente que eles percebam o que ainda lhes é possível, e especialmente esta ulterior intimidade pessoal com o Senhor Jesus Cristo. Isto não poderá acontecer, enquanto não forem fortalecidos. Temos que ser preparados para isto, como um lar tem que ser preparado para algum grande e importante hóspede. Como já lhes dissera, o cristão foi feito para ser, e é para ser "morada de Deus em Espírito" (ou "mediante o Espírito", Ef 2:22), e individualmente os cristãos devem ser moradas para Cristo mediante o Espírito. Isto ainda não acontecera com os cristãos efésios, entretanto Paulo deseja que aconteça.
O apóstolo anseia que isto aconteça com eles porque ele mesmo sabia exatamente o que significa experimentá-lO. Este é o homem capaz de dizer, escrevendo aos gálatas: "vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim" (Gl 2:20). Ele estava numa posição em que podia dizer, sem dúvida ou hesitação: "vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim". Assim ele ora no sentido de que os efésios tenham e gozem uma experiência semelhante.
Também podemos examinar a petição de Paulo em termos de uma passagem do capítulo 14 do Evangelho segundo João. Nosso Senhor, às vésperas da Sua crucificação, volta-se para estes homens que se sentem tão mal, infelizes e de crista caída, e diz: "Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize" (versículo 27). Diz Ele que num sentido vai deixá-los, mas noutro sentido, virá a eles. Depois Ele apresenta a verdade concernente ao Espírito Santo e à Sua vinda, e lhes diz que, resultante da vinda do Espírito, Ele próprio voltará para eles, para "habitar" e "fazer Sua habitação" neles. Diz Ele mais: "Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós" (Jo 14:20). Não tinham esse conhecimento naquela ocasião; por isso Ele diz: "Naquele dia" conhecereis.
Quando o Senhor lhes estava falando, eles já eram cristãos, pelo que continua a dizer-lhes: "Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado" (Jo 15:3). Ele diferencia também entre eles e o mundo no capítulo 17, quando diz: "Eu rogo por eles: não rogo pelo mundo..." (versículo 9). São cristãos; porém não se dão conta de que eles estão nEle e de que Ele está neles. Ou veja o versículo 21 nesse mesmo capítulo 14 do Evangelho segundo João. O Senhor está falando acerca do cristão a quem o Espírito terá vindo e que está guardando os Seus mandamentos. Diz Ele: "eu o amarei e me manifestarei a ele". Ele acentua que não se manifestará desse modo ao mundo, mas unicamente a quem já é cristão. Isto não pode referir-se à revelação geral que temos nas Escrituras porque os discípulos já criam nela. A referência aqui é a algo mais, como fica ainda mais claro quando o Senhor continua, no versículo 23, a dizer, falando de Si mesmo ao Pai: "viremos para ele, e faremos nele morada". A palavra "morar" ou "habitar" é característica do Evangelho segundo João. Ela transmite esta mesma ideia de "instalar-se", de "estabelecer residência permanente" – não de estar presente ocasio¬nalmente, mas de estar ali permanentemente.

Está bem claro que isso é algo que está muitíssimo além do simples crer; muitíssimo além da justificação; muitíssimo além da salvação no sentido da experiência do perdão dos pecados. Bem podemos referir¬-nos de novo, nesta altura, às palavras de Spurgeon sobre a existência de um ponto na experiência do cristão que se acha tão acima da experiência do cristão comum como a experiência do cristão comum está acima do não cristão. Então, em favor do quê o apóstolo está realmente orando aqui? Devemos examinar outra palavra, antes de responder a pergunta. A palavra "habitar" realmente diz tudo, no entanto o apóstolo a sublinha, por assim dizer, orando "para que Cristo habite pela fé nos vossos corações." Nas Escrituras a palavra "cora¬ção" geralmente significa o próprio centro da personalidade. Não é apenas a sede das afeições; inclui igualmente a mente, o entendimento e a vontade. É, portanto, a verdadeira cidadela da alma. Assim, o que o apóstolo deseja para os efésios é que Cristo habite em suas mentes; não somente nos seus intelectos, mas também no centro mesmo das suas personalidades. Cristo já estava nas mente deles, pois eles já tinham crido; contudo há uma grande diferença entre ser crente em Cristo e ter Cristo morando no coração. Essa é a distinção que Paulo está traçando com nitidez aqui, no caso dos cristãos efésios.
É vitalmente importante que apliquemos isto a nós. Crer no Senhor Jesus Cristo não é o fim do cristianismo; é apenas o começo. Crer na verdade acerca da Sua pessoa e acerca da Sua obra é absolutamente essencial e, se nós não subscrevemos estas verdades, simplesmente não somos cristãos. Ninguém pode ser cristão se não crê no Senhor Jesus Cristo nesse sentido. Mas não é isso que o apóstolo tem em mente aqui. Você pode ter Cristo em sua mente e em seu intelecto, e ainda não ser capaz de dizer: "vivo, não mais eu...". O desejo de Paulo é que Cristo habite igualmente em suas afeições, que Cristo habite em sua vontade, que Cristo seja o fator dominante na totalidade da vida deles, exercendo o controle sobre ela e dirigindo-a. Cristo deve ser o próprio coração deles, deve estar no verdadeiro centro das suas vidas.
É então aqui que nós penetramos naquela atmosfera rarefeita a que me referi. Se Cristo está no seu coração, significa que Cristo Se manifestou a você. E quando Cristo Se manifesta a nós, não é apenas uma figura de linguagem; é real, é fatual. É tão definido que não deixa nenhuma dúvida a respeito. Quando você lê as experiências de alguns santos do passado, você vê que eles tiveram todo o cuidado de traçar esta distinção. Dizem eles que houve uma ocasião em que passaram a crer em Cristo, quando tiveram a certeza de que os seus pecados foram perdoados. Sabiam que estavam relacionados com Ele, que estavam nEle e que tinham encontrado paz e descanso para as suas almas. Dizem eles também que, por algum tempo, às vezes por anos, pensavam que isso era todo o cristianismo. Não obstante, depois começaram a descobrir que havia algo mais vasto e maior, que jamais tinham conhecido. Encontraram a promessa do Senhor expressa nas palavras: "eu me manifestarei a ele" (João 14:21), e começaram a perguntar-se se Cristo Se manifestara a eles. Não estavam certos do sentido disso. Eles criam nEle e estavam cientes da Sua influência geral sobre eles; mas esta declaração de que Ele Se manifestaria aos Seus pareceu-lhes uma declaração deveras específica. Então começaram a dar-se conta de que nunca tinham conhecido essa manifestação.
Quando Cristo Se manifesta a nós, Ele Se torna real para nós como pessoa. Chegamos a conhecê-lO num sentido pessoal. Noutras pala¬vras, tal experiência é o cumprimento de tudo que o Senhor promete no capítulo 14 do Evangelho segundo João. Permita-me fazer-lhe uma pergunta pessoal: você conhece de fato o Senhor Jesus Cristo pessoal¬mente? Você O conhece como pessoa? Como pessoa Ele é real para você? Ele Se manifestou a você nesse sentido? É evidente que isso tinha acontecido com o apóstolo Paulo. Não somente O vira de fato na estrada de Damasco, não somente tivera uma visão no templo mais tarde; em acréscimo a isso, e acima disso, diz ele, escrevendo aos gálatas: "aprouve a Deus revelar seu Filho em mim" (Gl 1:15-16). Ele diz "em mim", não "a mim". É uma manifestação interna do Filho de Deus na qual Ele Se faz tão real para nós como qualquer outra pessoa, e até mais. Neste ponto não posso fazer melhor que citar uns versos que Hudson Taylor costumava usar como oração por si mesmo todo dia de sua vida:

“Ó Senhor, faze-Te para mim
uma fulgente e viva realidade,
mais presente à visão da fé vibrante
do que qualquer objetivo exposto à vista
mais caro e mais intimamente próximo
que o laço terrenal mais doce e amado.”

Esse é o objetivo da súplica do apóstolo em favor dos efésios. Ele parece dizer: sei que vocês são cristãos, sei que há um sentido em que Cristo está em vocês, pois não poderiam ser cristãos sem estarem unidos a Ele como sua Cabeça, sei que vocês estão nEle e que Ele está em vocês; mas, além disso, vocês O conhecem? Cristo ocupa o centro de suas vidas? É Ele de fato real para vocês, e conhecido por vocês? Ou é Ele alguém que estava vagamente à distância, alguém de quem vocês se aproximam somente em termos de crença? Ele Se manifestou realmente a vocês?
Há mais um elemento na declaração de Paulo que dá maior seguran¬ça a esta exposição. O tempo do verbo que ele emprega em conexão com o "habitar" é o aoristo, que traz o sentido de algo que acontece uma vez e para sempre. Aqui, pois, ele está orando por uma bênção específica, e não por uma bênção geral para os efésios, bênção que leva a pessoa a dizer: "Até este momento eu não conhecia de fato a Cristo pessoalmente, mas agora Ele Se manifestou a mim e eu O conheço. Ele Se tornou real e vivo para mim. Este é um momento sublime da minha vida". Não é uma questão de visões ou de transes, mas de um conhecimento espiritual de Cristo. O Espírito Santo O traz a nós, e mediante o Espírito Ele Se manifesta de modo que Se torna real, vivo e verdadeiro para nós. Em seu grande hino, J. Caspar Lavater ora rogando esta mesma bênção quando pede: "Ó Jesus Cristo, cresce Tu em mim, E todas as outras coisas se afastarão". Num poema posterior ele ora no sentido de que Jesus Cristo Se torne mais real, mais amado, a paixão da sua alma. Isto só passa a ser uma realidade quando se tem este conhecimento pessoal do Senhor Jesus Cristo.
Isto, por sua vez, leva a um consciente sentimento de comunhão com o Senhor e leva a pessoa a desfrutá-Ia. Sabemos o que é desfrutar consciente comunhão com o Senhor Jesus Cristo? Falemos disto com clareza; você pode ser cristão sem isto. Graças a Deus por isso! Você pode ser cristão sem gozar consciente comunhão com Cristo. Você pode estar na posição na qual descansa no Senhor, descansa na obra perfeita que Ele realizou em seu favor, e pode mesmo orar a Ele e, todavia, não ter comunhão consciente, uma consciente percepção da Sua proximidade e uma consciente fruição dEle. É isso que o apóstolo deseja para estes efésios, "para que Cristo habite pela fé nos vossos corações". E, naturalmente, quando isto é real, é obvio que Ele domina tudo em nossas vidas. Podemos sumariar o assunto repetindo palavras empregadas pelo apóstolo noutro lugar. É quando Cristo nos é conhe¬cido desse modo, e está em nossos corações, que podemos dizer com sinceridade e verdade: "vivo, não mais eu" (Gálatas 2:20), e "Posso todas as coisas naquele que me fortalece" (FiIipenses 4:13). O apóstolo não está se gabando quando escreve essas coisas. Há sempre o perigo, quando lemos as suas Epístolas, de o considerarmos como um homem literário que gosta de hipérboles. Mas não é esse o caso. Quando o apóstolo utiliza estas frases está sendo rigorosamente preciso, está expondo a sua experiência; tudo isso foi real quanto a ele. Ele conhecia tão bem o Senhor Jesus Cristo, que podia dizer: "Posso todas as coisas naquele que me fortalece" e "Sei estar abatido, e sei também ter abundância" (Filipenses 4:12), ser rico e ser pobre. Não importa o que aconteça, afirma Paulo, desde que Ele esteja comigo, Ele me fortalece, e eu posso fazer todas as coisas. Não estou só. Esta é na verdade doutrina sumamente elevada.
Demos, porém, um passo mais. Esta presença de Cristo no coração é algo real. Não significa somente que Ele está presente por meio do Espírito, ou que está presente no sentido de que nos influencia de maneira geral, e nos dá graças e nos habilita a sentir-nos seguros da Sua influência. É mais que isso. Significa que Ele próprio, nalgum sentido místico que nem começamos a compreender, realmente habita em nós. É isto que o apóstolo tem em mente quando repreende os cristãos coríntios como culpados de certos pecados corporais da carne, e diz: "não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós?" (1 Coríntios 6:19). Não significa apenas que o Espírito Santo nos influencia de modo geral. Quando Paulo diz "corpo" quer dizer "corpo" – carne, ossos, músculos; quer dizer nossa estrutura física. Isto se refere, não à Sua influência, mas ao fato de que Ele está pessoalmente em você. Eis por que pecar com o seu corpo é tão grave; e é desta maneira que o cristão deve encarar o pecado. Não deve olhar só para os pecados particulares e confessar que fez o que é errado e que não deveria tê-lo feito; o apóstolo ensina que temos que dar-nos conta de que o Espírito Santo reside em nossos corpos e de que não devemos usar o templo do Espírito Santo de maneira indigna.
De modo similar, quando o Espírito Santo habita em nossos corpos, o Senhor Jesus Cristo entra da mesma maneira. Ele bate à porta do coração do cristão que não O conhece e efetivamente diz: gostaria que você Me conhecesse. Se você tão somente abrir a porta, Eu entrarei e Me manifestarei a você; sentar-Me-ei e cearei com você, e você coMigo. Então você Me conhecerá com uma intimidade que nunca ainda tinha experimentado. Entrarei em seu ser, e farei habitação em você. É real assim!
Devemos notar que tudo isso se torna possível pela fé – "Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações". "Pela fé" significa que é a fé que nos revela esta possibilidade. Você tinha percebido que isto era uma possibilidade para você? É-nos possível ler as Escrituras com muito entendimento intelectual, porém sem fé será possível passar os olhos sobre estas grandes palavras sem entender o seu significado real. Você pode ter lido este capítulo três da Epístola aos Efésios e ter dito muitas vezes, "Maravilhoso! Magnífico! Como o apóstolo é eloquen¬te!" Mas você compreendeu que ele está dizendo que Cristo quer vir para dentro do seu coração e quer que você O conheça num sentido vívido e real? É a fé que revela esta possibilidade para nós.
Semelhantemente é também a fé que nos habilita a crer que habita¬ção de Cristo no coração é uma realidade, e não apenas uma frase. O homem carente de fé nunca acreditará nisso. Posso imaginar um homem ouvindo ou lendo isto e dizendo: "Que quer dizer isso tudo? Realmente não tenho ideia do que o apóstolo esteve falando. Parece estar sobre as nuvens, nalgum lugar. Sou um homem prático, e tenho que lutar contra a tentação e o pecado, e vivo num mundo em que estou cercado de problemas – que é isso tudo?" Quem fala desse jeito está dizendo que não tem fé; consequentemente, ele jamais conhecerá esta verdade, pois ela é conhecida "pela fé". A fé revela que se trata de uma realidade.
Posso levar o assunto para mais longe ainda. A fé revela que se trata de uma realidade para mim, pessoalmente. A fé capacita você a dizer a si mesmo, quando a lê ou a ouve: é a Palavra de Deus que afirma que me é possível conhecer o Senhor Jesus Cristo desta maneira íntima. A fé toma posse da promessa pessoal e individualmente. A fé, e tão¬-somente a fé, capacita o homem a crescer na palavra proferida por Deus, a aceitá-la plenamente e a descansar nela. E depois de vir a crer, começa a orar pela bênção prometida. O apóstolo, ele mesmo crendo nisso e tendo experiência disso, orava sem cessar pelos cristãos efésios. Ele "se põe de joelhos" diante do Pai e ora para que sejam fortalecidos, a fim de que lhes suceda isto. E se eu e você crermos, começaremos a orar desde este momento, pedindo isto para nós mesmos. Diremos: não conheço a Cristo desta maneira íntima, e quero conhecê-la assim. Creio que isso é possível, e vou pedi-lo. Assim você vai a Deus com fé, com confiança, com ousadia, com segurança, e diz: "Sei que isto não depende de mim, mas oro, rogando que TU me fortaleças com poder pelo Espírito em meu homem interior, para que eu obtenha este conhecimento, para que Cristo se manifeste a mim. Quero conhecê-lO, quero que Ele viva em minha vida e domine todo o meu ser".
Assim você começa a orar, e continua a orar dessa maneira, com fé, até que chega um momento maravilhoso e, de repente, você se vê conhecendo a Cristo. Ele ter-Se-á manifestado a você, Ele terá feito Sua habilitação em você, instalando-Se em seu coração. E, admirado, você dirá: "Como pude passar tantos anos satisfeito com os simples rudi¬mentos do cristianismo, com os simples portais do templo, quando me era possível tão glorioso e magnificamente entrar no "lugar santíssimo"?”

Ó Senhor Jesus Cristo, cresce Tu em mim,
e as outras coisas todas as retirarão;
meu coração de Ti cada dia mais perto,
do pecado liberto estará cada dia.

Cada dia, Senhor, Teu poder que sustenta
Continue a envolver minha debilidade;
a minha escuridão Tua luz desvanece,
Tua vida elimina a minha morte.

Mais e mais da Tua glória permite-me ver,
Tu, Jesus Cristo, Santo, Sábio e Verdadeiro!
O meu desejo é ser a Tua imagem viva,
tanto nas alegrias como nas tristezas.

Faze este pobre ego decrescer;
sê Tu a minha vida e a minha meta.
Oh, faz-me, diariamente, pela graça,
mais disposto a levar Teu santo nome!

(Johann Caspar Lavater)

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