quarta-feira, 30 de maio de 2012

O ministério do Espírito – parte 2


Capítulo VII

O Espírito nas reuniões da Igreja

A partir do dia de Pentecostes, o Espírito Santo ocupa uma posição inteiramente nova. Toda a administração dos assuntos da Igreja de Cristo, desde aquele dia, foi delegada a Ele... ofício que Ele exercerá soberanamente, de acordo com as necessidades que surgirem. Há somente um outro grande evento para o qual as Escrituras nos ordenam que olhemos, a segunda vinda do Senhor. Até lá, vivemos na era de Pentecostes, e sob o governo do Espírito Santo. — James Elder Cumming, D. D.

2. O Espírito Santo na adoração e nas reuniões da igreja.

Haverá alguma coisa que somos chamados a fazer, da mais elevada à mais simples, em relação à casa de Deus, da qual o Espírito Santo não é o agente nomeado? É verdade que os crentes são os instrumentos pelos quais Ele age; mas eles não têm função nenhuma à parte da inspiração e da direção dEle. Para tornar isso claro, vamos considerar as várias partes das reuniões da igreja como normalmente são conduzidas, reparando a ligação que têm com o seu divino Ministro.
(1)  A pregação - é, por consentimento geral, um importante fator da obra do ministério, tanto do pastor como do evangelista. Em que consiste a sua inspiração e autoridade? Pedro expõe de forma simples o método apostólico: (1 Pe 1.12).

pelo Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho

O verdadeiro pregador não é o que usa o Espírito Santo, mas é aquele que é usado pelo Espírito. Ele fala como alguém que se move no elemento e na atmosfera do Espírito Santo, e que é controlado pelo Seu divino poder.
É nesse aspecto que o sermão se diferencia infinitamente do discurso, e o pregador, do orador. Paulo enfatiza claramente esse contraste na carta aos coríntios. O único assunto da sua pregação, diz ele, era “Jesus Cristo e este crucificado”, e a única inspiração da sua pregação, o Espírito Santo: (1 Co 2.4).

“A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder

O que quis dizer Philip Henry, quando resolveu “pregar Cristo crucificado de forma crucificada”? Possivelmente mais do que ele pensou ou sabia. Ele “dará testemunho de mim”, é o que Jesus diz a respeito do Paráclito prometido. O Consolador dá testemunho dAquele que foi crucificado. Nenhum outro assunto no púlpito tem assegurada a Sua cooperação. Filosofia, poesia, arte, literatura, sociologia, ética e história são assuntos que atraem a atenção de muita gente, e aqueles que lidam com esses temas no púlpito podem até apresentá-los com palavras atraentes da genialidade humana; mas não há garantia de que o Espírito Santo dê o aval do Seu testemunho a essa apresentação. A pregação da Cruz possui a garantia da demonstração do Espírito, como não o tem nenhum discurso secular, ou moral, ou mesmo religioso. Quando Paulo escreve aos tessalonicenses: (1 Ts 1.5),

“o nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas, sobretudo, em poder, no Espírito Santo e em plena convicção

Precisamos lembrar que “nosso evangelho” significava uma única coisa para Paulo, a apresentação de Jesus Cristo crucificado no meio do povo. Se virmos isso, teremos encontrado o segredo do poder do Evangelho. Não deverá ser, então, essa a suprema questão do pregador, os assuntos que com certeza garantem o testemunho do Espírito Santo, em vez dos assuntos que atraem a atenção do povo? Coloquemos lado a lado o pregador popular e o pregador apostólico, e avaliemos qual recompensa queremos escolher: admiração geral do povo, ou o testemunho de Deus, “por sinais, e milagres, e várias maravilhas, e dons do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade” (Hb 2.4)? O sermão aprovado com aplausos e aclamações, ou a Palavra recebida “com alegria do Espírito Santo” (1 Ts 1.6)? Admiração pelo pregador por parte de todos os que ouviram o discurso, ou cair “o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra” (At 10.44)? Não há palavras que descrevam a gravidade do assunto que estamos ventilando. A presente geração está rapidamente perdendo a compreensão do sobrenatural; como conseqüência disso, o púlpito está rapidamente descendo ao nível da plataforma do discurso. E cremos que esse declínio deve-se, mais do que a qualquer outra coisa, à desconsideração do Espírito Santo como o supremo inspirador da pregação. Queremos ver um grande orador no púlpito, esquecendo-nos que o menor expositor da Palavra, quando cheio do Espírito Santo, é maior do que ele. Com certeza, queremos o evangelho; mas na tenaz tentativa de que seja apresentado de acordo com o “espírito desta era”, desconsideramos a supremacia do “Espírito de Deus”. E o método do discurso logo se impõe nesse assunto. Não há como manter por muito tempo a verdade no púlpito depois que perdemos ali “o Espírito da verdade”. Vinet diz: “Aquele que não possui a totalidade da vida também não possui a verdade por completo”.
Em tudo que dissemos, não estamos desconsiderando o elemento humano na pregação, nem subestimando o estudo e o treinamento mental santificado como preparação desse nobre ofício. Estamos unicamente destacando o extremo perigo de considerar como principal aquilo que Deus fez inferior. O Espírito Santo é quem ergue o pregador muito acima do homem extremamente capacitado. O pregador que levou com um só sermão três mil pessoas à fé no Cristo crucificado, respondeu por antecipação a pergunta daqueles que, reparando apenas na elaboração humana do seu sermão, talvez perguntem qual foi o segredo do seu poder. Ele revela o segredo numa simples e curta frase:

“pelo Espírito Santo enviado do céu”.

(2)  A oração - é um dos elementos mais vitais da adoração na igreja de Deus. “Senhor, ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus discípulos”. Jesus satisfez literalmente esse pedido dos Seus discípulos. Assim como João, sob a lei, podia somente dar regras e noções, por não haver ainda chegado a dispensação da graça e do Espírito, assim Jesus lhes deu um modelo de oração, uma lição sobre a “técnica de adoração”. Mas é somente quando chega à noite anterior à Sua morte, quando anuncia a chegada do Consolador, que Ele introduz os discípulos ao coração e ao mistério do grande assunto, ensinando-os a orar como João não podia ter ensinado aos seus discípulos. “Até agora nada tendes pedido em meu nome”, disse Jesus em Seu discurso pascal. Mas agora que Ele estava prestes a começar o Seu ofício mediatório à direita de Deus, e prestes a enviar o Consolador para os Seus discípulos, Ele podia conceder esse alegre privilégio: (Jo 16.23).

“se pedirdes alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome” [1] Essa expressão equivale a dizer “em mim”.

É evidente que não significa usar o nome de Jesus como uma senha ou como amuleto, mas é participar da Sua pessoa e adequar-se à vontade dEle; de forma que quando oramos será como se o próprio Jesus estivesse na presença de Deus intercedendo. Nem é “como se” — é o próprio fato. Somos identificados com Cristo por meio do Espírito que foi enviado, e a Sua vontade é forjada dentro de nós pelo Espírito Santo, de tal forma que pedir a Ele aquilo que desejamos é pedir aquilo que Ele deseja para nós. Ficamos cheios da Sua vontade porque somos inspirados pelo Seu Espírito, que vive e sussurra dentro de nós. É por isso que podemos saber que somos sempre ouvidos, uma vez que estamos nAquele que pode dizer com toda ousadia ao Pai: “Eu bem sei que sempre me ouves”. É a mediação de Cristo para com o Pai, e a mediação do Espírito Santo para conosco, que nos dá o alto privilégio de orar em nome de Jesus, como está escrito:

“porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito”.

Por isso, quando lemos mais tarde, nas epístolas, onde a doutrina é exposta mais plenamente, “com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito” (Ef 6.18), e “orando no Espírito Santo” (Jd 20), entendemos que essas são simplesmente admoestações para usar o privilégio de pedir em nome de Jesus. Pois estar no Espírito é estar em Cristo, unido à Sua pessoa, identificado com a Sua vontade, revestido da Sua justiça, de forma que estamos diante do Pai como se fosse o próprio Senhor Jesus.
Em Romanos 8, onde encontramos a mais completa exposição da doutrina do Espírito, vemos claramente que o ministério do Consolador consiste em operar em nós aquilo que Cristo realiza por nós no trono. Isso é especialmente verdade com respeito à oração. Na Epístola aos Hebreus, lemos: (Hb 7.25).

“Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles”

Na Epístola aos Romanos, lemos: (Rm 8.26,27).

“Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos

Essas passagens, lidas em conjunto, claramente mostram o Espírito fazendo em nós a mesma coisa que Cristo está fazendo no céu por nós. E, além disso, elas nos revelam o método usado pelo Cristo glorificado para ajudar aqueles que não sabem como orar quando devem orar, ensinando-os, não por meio de um método exterior, mas pela direção interior. De fato, a oração inspirada pelo Espírito Santo muitas vezes é tão profunda que não pode ser expressa em palavras comuns, mas chegam aos ouvidos do Pai unicamente em suspiros sem palavras, em gemidos inexprimíveis (oh, Senhor). A tônica de toda intercessão verdadeira é a vontade de Deus. Na oração dos discípulos, como o Senhor lhes ensinou, ouve-se distintamente essa nota: “faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu”. Na oração que o Salvador fez no Getsêmani, ouve-se outra vez essa nota, quando com forte clamor e lágrimas o Filho de Deus exclama: “não seja como eu quero, e sim como tu queres”. E na revelação da doutrina da oração por meio de um apóstolo inspirado lemos: “se lhe pedirmos alguma coisa conforme a sua vontade, ele nos ouve”. A mais profunda obra do Espírito Santo no crente é harmonizar a sua mente a essa elevada nota, uma vez que “segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos”. Há uma promessa que todos os discípulos gostam de citar quando querem segurança nas orações: (Mt 18.19).

“Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus”

A palavra traduzida como “concordarem” é muito significativa. É a palavra grega “sumfwnhswsin”, de onde vem nossa palavra “sinfonia”. Se dois estão de acordo ou estão em sinfonia quanto ao que pedem, eles têm a promessa de que serão atendidos. Mas, da mesma forma que todas as notas de um órgão precisam estar ajustadas ao diapasão, senão se torna impossível a harmonia, assim também acontece com a oração. Não basta que dois discípulos concordem um com o outro; eles precisam estar em harmonia com a terceira Pessoao justo e santo Senhor — para que possam concordar em intercessão no verdadeiro sentido bíblico. É possível haver concordância em assuntos inteiramente pecaminosos, em total discordância da vontade de Deus, como se vê na pergunta de Pedro a Safira, esposa de Ananias: (At 5.9).

“Por que entrastes em acordo [sunefwnhyh a mesma palavra] para tentar o Espírito do Senhor?”

Ali havia mútuo acordo, mas flagrante desacordo com o Espírito Santo. Ao contrário do que aconteceu nesse incidente, é o ministério do Espírito Santo harmonizar a nossa vontade com a de Deus; e é somente assim que se pode orar no Espírito.
Por essa razão, não é possível dar ênfase demasiada ao ministério do Espírito na direção do culto na casa de Deus. Usar formas litúrgicas é recair no legalismo, é consentir em ser ensinado a orar “como João ensinou aos seus discípulos”. É verdade que pode haver formas improvisadas bem como formas escritas, orações decoradas bem como orações lidas num livro. A esses hábitos nós contrapomos o mais elevado ensino do Espírito, que é privilégio da atual dispensação, na qual o Pai procura adoradores que o adorem “em Espírito e em verdade”. Orar de forma correta é a mais alta das realizações. E isso é assim porque o segredo se encontra entre estes dois opostos: um espírito intensamente ativo e ao mesmo tempo intensamente passivo (submisso); um coração que prevalece diante de Deus porque foi conquistado por Deus. Vemos isso na oração de um grande santo:

“Ó Senhor! Meu espírito, esta manhã, era como uma harpa, produzindo música diante de Ti, porque Tu primeiro afinaste o instrumento pelo Espírito Santo, e então escolheste o salmo de louvor que devia ser tocado nele”.

São extremamente solenes e sugestivas as palavras do Senhor Jesus: “são estes que o Pai procura para seus adoradores”. Em meio a toda repetição de formas e monotonia das liturgias, quão intensamente o Altíssimo procura aquele que O adora em espírito, com um coração contrito diante de Deus, com um espírito tão sensível às operações secretas do Espírito Santo que, quando os lábios falam, o fazem expressando a oração eficaz que pode muito em seus efeitos!
Se alguém argumentar que aquilo que estamos dizendo é elevado demais para ser prático, talvez seja bom confirmar nossa posição com o testemunho da experiência. As coisas que dissemos não se referem especificamente às orações feitas no púlpito. O sacerdócio universal dos crentes, tão claramente ensinado pelas Escrituras, constitui a base da intercessão comum, pois “orar uns pelos outros” é a característica distintiva da dispensação do Espírito Santo. Por isso, a reunião de oração, na qual o corpo todo dos crentes participa, provavelmente se aproxime mais do padrão da adoração dos cristãos primitivos do que qualquer outra atividade que temos como igreja. Se aplicarmos o nosso princípio aqui, então, qual é o método mais satisfatório? Será que o culto deve ser planejado de antemão, uma pessoa escolhida para orar, outra para exortar; e durante o andamento da adoração, deve alguém ser chamado para dirigir as orações, e depois outro em seguida? Em resumo, deve-se planejar a reunião com antecedência e determinar como deve desenvolver-se, conforme se acha conveniente e oportuno? Alguém, depois de muitos anos de experiência, pode dar poderoso testemunho do valor de outro caminho — o caminho de exaltar o ministério do Espírito Santo como o condutor da reunião, e dessa forma restringir a pressão humana na assembléia, para que o Espírito tenha a mais alta liberdade de mover um para orar e outro para dar testemunho, este para cantar e aquele para dizer “amém depois da tua ação de graças”, conforme a Sua própria soberana vontade. (2 Co 3:17) 

“Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”.

Aqui não estamos falando de teoria, mas de forma prática, experimental. O fervor e a espiritualidade e a doce naturalidade deste último método tem-se mostrado muito mais do que uma possibilidade, e isso depois de prolongadas tentativas em ambos os caminhos, o primeiro sendo trilhado por desconhecer caminho melhor, em constante esforço e inquietação e aflição, e este último com indizível calma e conforto e refrigério espiritual.

Q             Honremos o Espírito Santo como o Senhor da assembléia;
Q             Apliquemo-nos para conhecer o segredo da entrega a Ele;
Q             Cultivemos um ouvido pronto para ouvir a Sua voz interior e uma língua pronta para dar o Seu testemunho audível;
Q             Sejamos submissos para guardar silêncio quando Ele proíbe, bem como para falar quando Ele ordena, e aprenderemos quão melhor é o caminho de Deus do que o caminho do homem, ao conduzir a adoração da Sua casa[2].

“Continua..........”




[1] Enquanto o Senhor Jesus não tinha sido glorificado, era impossível orar ao Pai em nome dEle. A possibilidade de fazê-lo é um privilégio peculiar à dispensação do Espírito Santo. — Alford.
[2] Seríamos muito beneficiados se prestássemos mais atenção à voz da história cristã em questões como esta. É muito sugestivo o surgimento de seitas como os “Quietistas”, os “Místicos”, os “Amigos”, e os “Irmãos”, que dão ênfase à “voz tranquila” e à “direção interior”. Se nós não avançamos tanto quanto alguns desses avançam na insistência de falar apenas quando são movidos de maneira perceptível pelo Espírito, talvez precisemos ser admoestados quanto à forma rígida, artificial e humana de adoração, que tornou necessário o protesto dessas seitas.

sábado, 26 de maio de 2012

O PENTECOSTES

Inicia-se esta noite, após o pôr do sol, a festa judaica do Shavuot, ou das Semanas, ou dos Primeiros Frutos. Amanhã, Domingo, os cristãos também celebram pelo mundo fora a Festa do Pentecoste, ou o "50º dia".
Pensa-se muitas vezes que a festa judaica do Shavuot e que a festa cristã do Pentecoste têm pouco ou nada em comum. Nada podia estar mais longe da realidade. As 2 festas são realmente na mesma data, a mesma celebração, apesar das variadas tradições e uma extensiva interpretação feita do lado cristão.
Até mesmo o nome Pentecoste (literalmente, no grego: "o 50º dia") é uma referência a um dos elementos chave do Shavuot: a contagem dos 50 dias a partir da Páscoa judaica, conhecido no mundo judaico como "contagem do omer". Tal como o Shavuot ocorre 50 dias após a Páscoa, o Pentecoste é também contado exactamente 50 dias depois da Páscoa.
O tema do Pentecoste é também um tipo de extensão do tema do Shavuot, que é uma celebração da dádiva da Torah (Palavra de Deus) a Moisés, no Monte Sinai.
Os cristãos acreditam que Jesus é a "Palavra encarnada" (João 1:14) e que o Pentecoste é o momento seguinte à morte e ressurreição quando essa Palavra foi espiritualmente implantada nos corações dos Seus seguidores.
Faz então algum sentido os cristãos celebrarem a festa bíblica do Shavuot juntamente com o Pentecoste?
Claro que sim! O povo judeu e cristão pode estar juntos na celebração da entrega da Palavra, ainda que para os primeiros signifique ainda a Palavra escrita em tábuas de pedra, enquanto que para os cristãos a Palavra já foi escrita em tábuas de carne, i.e., nos seus corações.
Mas a coincidência das duas datas é de suprema importância para os cristãos, uma vez que foi exactamente no dia da Festa do Shavuot, um Domingo (o 50º dia após o sábado da semana da Páscoa) que Deus visitou o Seu povo em Jerusalém, constituindo a Sua família espiritual, iniciando uma nova era, a "era do Espírito", em que o Espírito Santo enviado pelo Messias (em cumprimento da Sua promessa antes de partir) iria baptizar e habitar todos aqueles homens e mulheres, de todas as raças, tribos, línguas e nações, formando a Igreja, o Corpo do Messias Jesus!
Esta festa tão importante para Israel é também chamada de "Festa das Semanas", "Festa da Colheita", ou ainda "Festa das Primícias, ou dos Primeiros Frutos" (Deuteronómio 16:10), uma vez que é nesta época que os primeiros frutos da terra são recolhidos (leia-se Rute) - simbolizando os "primeiros frutos" para Cristo, a Sua Igreja, o Seu povo. A próxima festa em Israel é a Festa das Trombetas, daqui a uns 4 meses, portanto um extenso período de crescimento e colheita da seara, simbolizando o tempo em que o Espírito do Eterno Deus está semeando a Palavra (a semente de Deus) nos corações de milhões de homens e mulheres ao longo destes quase 2 mil anos, até que se ouça o "toque da Trombeta" de Deus, finalizando assim este período de sementeira e colheita, quando o Messias recolherá para Si todos os "escolhidos desde os quatro cantos da terra" e que estará para muito breve.
O judeu é assim fruto da Lei dada no Monte Sinai, mas o cristão está em vantagem, uma vez que tem a Lei implantada no seu coração, foi "visitado" pelo Espírito de Deus no Dia de Pentecoste, e aguarda o final da colheita, este longo período que antecede o regresso do Messias Jesus para recolher o Seu "fruto" dos quatro cantos da terra!
Por isso mesmo, o cristão deve orar pela salvação dos judeus (Romanos 10:1) , para que eles, que já foram privilegiados com a primeira visita do Eterno Deus no Monte Sinai, possam agora também receber a visita do Altíssimo ao Monte Sião, o lugar onde a nossa história comum se iniciou!
A primeira Igreja (conhecida como: "Igreja primitiva") era composta exclusivamente de judeus, mas logo se expandiu por todo o mundo conhecido de então. Foi em Jerusalém que ela se reuniu nos primeiros anos. Foi sobre Jerusalém que a bênção veio sobre os judeus. Foi em Jerusalém que a Igreja nasceu.
O cristão e o judeu nascido de novo, o "judeu messiânico" (crente no Senhor Jesus como Messias) podem então celebrar juntos o aniversário do seu nascimento comum, na Igreja, o Corpo do Messias, agora composto de ambos os povos, sem barreiras nem distinções.
Se há então uma festa que o cristão deve celebrar é o aniversário da Igreja, nascida há quase 2 mil anos em Jerusalém, no coração dos judeus e agora uma dádiva do Eterno Deus à humanidade!
Shalom!

Fonte: http://shalom-israel-shalom.blogspot.com.br/

quarta-feira, 23 de maio de 2012

A comunhão do Espírito



Tesouros ocultosparte II

3. O Espírito da glória: nossa transfiguração.

Pedro escreve: “sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus” (1 Pe 4.14). Vamos lembrar o hábito deste apóstolo de dividar em dois os estágios da redenção: “os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam”. Aqui ele parece dar a entender que o corpo místico do Senhor, a igreja, também passa pela mesma experiência da sua Cabeça, primeiro a humilhação, depois a exaltação. Mesmo no tempo da sua humilhação, a igreja é habitação do Espírito da glória, assim como a nuvem de glória repousava sobre o tabernáculo no deserto durante todo o tempo da peregrinação dos filhos de Israel. E não está Pedro dizendo a mesma coisa que Paulo, quando este usa a figura da criação que sofre: “E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23). Ainda não alcançamos a consumação da nossa esperança, por ocasião da “manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tt 2.13). Mas o Espírito, por cujo poder essa grande mudança se efetuará, já habita em nós, concedendo-nos por Sua atual operação a garantia e o antegozo da nossa glória definitiva. E lemos isso também em outro lugar das Escrituras: “Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita” (Rm 8.11). Não se diz aqui que o nosso corpo morto será objeto da vivificação do Espírito, mas sim nosso corpo mortal – corpo que ainda não provou a morte, mas é propenso à morte, e está destinado à morte se o Senhor tardar. Portanto, a vivificação referida nesse texto diz respeito mais exatamente aos santos ainda vivos, do que à ressurreição dos santos que já morreram.

É claro que a consumação dessa vivificação se dará na vinda do Senhor, quando os que morreram haverão de ressurgir, e os que estão vivos serão transformados. Mas pelo fato de o Espírito da vida habitar em nós, quem pode dizer que esse processo ainda não começou? Para esclarecer, Paulo diz: “Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta” (1 Co 15.51,52). Ou seja, assim como na vinda de Cristo os santos já mortos serão ressuscitados, assim os santos ainda vivos serão trasladados sem ver a morte. Eles serão transformados, pelo que conseguimos compreender, assim como Jesus o foi quando ressuscitou – o corpo glorificado, livre num instante de tudo que por natureza é terreno e mortal. O Espírito Santo transformará e imortalizará tão completamente esse corpo, que ele se tornará perfeitamente conformado à semelhança do corpo glorificado de Cristo. Mas como temos o Espírito habitando em nós, gozamos as primícias (os primeiros frutos) dessa transformação na renovação diária do nosso homem interior, no auxílio e na cura e no fortalecimento que por vezes vêm ao nosso corpo por meio da vida oculta do Espírito Santo. A santificação é progressiva, aguardando ser consumada no futuro; assim também a glorificação é, de certa forma, progressiva, uma vez que pela presença do Espírito já temos a garantia da glória que haverá de ser. Edward Irving declara de forma muito bonita e resumida: “Da mesma forma que a doença é a forma visível do pecado no corpo, a antecipação da morte, o precursor da corrupção, e assim como a doença de qualquer tipo é o começo da morte, assim a vivificação do nosso corpo mortal por meio da influência interior do Espírito é a antecipação da ressurreição, a antecipação da redenção, o início da glória enquanto ainda estamos na humilhação”.

Quando é que se completa a santificação? Na morte, é a resposta que encontramos em alguns credos e manuais de teologia. Talvez seja verdade; mas não afirmamos isso, pois as Escrituras não o afirmam. Pelo que conseguimos inferir da Palavra de Deus, a data da nossa santificação ou perfeição em santidade é fixada de forma definitiva no aparecimento do Senhor “segunda vez, sem pecado, aos que o aguardam para a salvação”. Nossa santificação em progresso no presente é o começo da glória em nós; nossa glorificação que será então operada será a glória completada em nós. O Espírito da glória que agora opera em nós transmite e já desenvolve dentro de nós o princípio da vida perfeita. Pelo fato de termos sido feitos “participantes do Espírito Santo”, provamos “os poderes do mundo vindouro” (Hb 6.4,5), o tempo de completa libertação do pecado, da doença e da morte. Mas por enquanto apenas provamos isso; ainda não bebemos plenamente da fonte da vida imortal. É na vinda de Cristo que se consumará essa bênção: “a fim de que seja o vosso coração confirmado em santidade, isento de culpa, na presença de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos” (1 Ts 3.13). Não somente isentos de culpa, mas sem defeitos, parece ser a condição aqui prenunciada, visto que se refere à esfera, ao ambiente da santidade.
Com isso está de acordo outro texto nessa mesma epístola: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Ts 5.23). O tempo estabelecido para a consumação dessa completa isenção de culpa é a vinda do Salvador em glória. E quão sugestiva é a ordem seguida na citação do homem tripartido: “vosso espírito, alma e corpo”. A nossa santificação se move de dentro para fora. Ela começa no espírito, que é o santo dos santos; o Espírito de Deus atua primeiro no espírito do homem ao renová-lo pela graça. Depois age na alma, até que por fim alcança o pátio exterior do corpo, na ressurreição e na transformação que então ocorrerá. Somente quando o corpo for glorificado é que se consumará a santificação, pois somente então o homem todo – espírito, alma e corpo – se encontrará sob o poder aperfeiçoador do Espírito.

Podemos ver a diferença entre a santificação progressiva e a santificação perfeita (ou glorificação) ao comparar alguns textos conhecidos. Já mencionamos um deles neste capítulo: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2 Co 3.18). Aqui encontramos graus de avanço: “de glória em glória”, e é um avanço na vida glorificada – conformação gradual com o Senhor da glória, por meio de sucessivos estágios de glória, operados pelo Espírito da glória. O fraseado dessa passagem inevitavelmente nos traz à lembrança a grande experiência de transfiguração de nosso Senhor quando, numa espécie de arrebatamento Ele foi, por um pouco, retirado “do presente século mau” (Gl 1.4 – RC)e trasladado para “o século vindouro”, levando-o a provar o seu poder quando “apareceu em glória” (Hb 6.5). Assim diz o apóstolo: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm 12.2). Ou seja, pela transformação interior que opera, o Espírito Santo reproduz em nós a glorificação do Senhor, separando-nos do presente século de pecado e morte, tornando-nos semelhantes ao século vindouro, com sua ressurreição triunfante e sua perfeita restauração a Deus, quando seremos apresentados “diante da sua glória sem defeito em grande gozo” (Jd 24 – Tradução Brasileira). Esse é o nosso avanço passo a passo até a herança que nos foi predestinada; e é necessário que, no presente, seja passo a passo. “E todos nós recebemos também da sua plenitude”, mas podemos nos apropriar dessa plenitude unicamente “graça por graça” (Jo 1.16). Fomos todos feitos participantes dessa justiça, mas avançamos na posse dela unicamente “de fé em fé” (Rm 1.17). Mesmo ao passar pelo vale árido podemos fazer dali um lugar de fontes, indo “de força em força” à medida que nos colocamos “diante de Deus em Sião” (Sl 84.6). Assim, nosso crescimento na graça é o início da glória; mas o progresso é como o lento e paciente aperfeiçoamento de uma tela. Veja agora outra declaração: “Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1 Jo 3.2). Qualquer dificuldade que se tenha na interpretação dessa passagem, um pensamento parece claro de todo o contexto: a plena manifestação de Deus trará a completa perfeição dos Seus santos. Alford resume da seguinte forma o significado dessa passagem: o crente regenerado pelo conhecimento de Deus “se torna mais e mais semelhante a Deus, por ter em si a Sua semente; a plena e perfeita consumação desse conhecimento, quando o crente entrar na real fruição do próprio Deus, haverá de trazer consigo, obrigatoriamente, a inteira semelhança com Deus”. Em resumo, parece-nos que a santificação, por ocorrer na manifestação de nosso Senhor encarnado, se assemelhará à fotografia instantânea, em comparação com a lenta e paciente produção da imagem de Cristo em nosso estado presente. “...num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1 Co 15.52). Daí o corpo glorificado e o espírito glorificado, há tanto tempo divorciados pelo pecado, se casarão outra vez. Enquanto esses dois estão separados pela morte, ou estão em guerra em nossa vida terrena, nossa perfeição em santidade é impossível.

É porque a ressurreição e a transformação dos santos serão instantâneas que afirmamos que a santificação será instantânea na vinda do Senhor. As Escrituras são sempre coerentes consigo mesmas, embora os autores dos livros que as compõem estivessem separados uns dos outros tanto temporal como geograficamente. Davi encontrou o mesmo tom alegre de João, embora os estudiosos insistam em dizer que ele não conhecia nada a respeito da ressurreição. “Eu, porém, na justiça contemplarei a tua face” – vê-lO como Ele é e ser feito apto para vê-lO. “... quando acordar, eu me satisfarei com a tua semelhança” – a conformação com a imagem de Deus no soar da trombeta da ressurreição (Sl 17.15). Talvez conjecturemos a respeito do que é a perfeição dos ressuscitados. Podemos encontrá-lo nesta palavra: “ressuscita corpo espiritual” (1 Co 15.44). Agora, quantas vezes o corpo domina o espírito, fazendo-o agir como não quer; mas então o espírito dominará o corpo, fazendo-o agir como quer. Numa casa dividida contra si mesma, não pode haver nem perfeição nem paz. Essa é a condição de nosso presente estado de humilhação. E não apenas o corpo, mas nosso interior imaterial pode estar em guerra com Deus. É o que o apóstolo Judas quer dizer em sua descrição de certas pessoas que se desviam, dizendo que eles são “sensuais, que não têm o Espírito” (Jd 19). A alma, o agente intermediário do homem, se podemos dizer assim, em vez de fazer aliança com nossa natureza mais elevada, o espírito, apoia a mais inferior, a carne, fazendo com que, em vez de espirituais, nos tornemos terrenos, animais (sensuais), demoníacos (Tg 3.15). O homem todo precisa ser apresentado isento de culpa na vinda do Senhor, antes que passemos ao estado de bendita perfeição. Nosso espírito precisa não somente dominar nossa alma e nosso corpo, mas esses dois últimos precisam sujeitar-se ao Santo Espírito de Deus. É dessa forma vaga e imperfeita que descrevemos a perfeição do nosso “corpo espiritual”. Agora, o corpo transporta o espírito, uma lenta carruagem, cujas rodas com freqüência são impróprias, e seus mais rápidos movimentos são forçados e vagarosos. Depois, o espírito transportará o corpo, conduzindo-o como asas do pensamento para onde quiser. O Espírito Santo, pela divina operação interior da Sua vontade, terá completado em nós a semelhança de Deus, e aperfeiçoado em nós o domínio de Deus. Daí o corpo humano estará em soberana sujeição ao espírito humano, e o espírito humano, ao Espírito de Deus, e Deus será tudo em todos.



sábado, 19 de maio de 2012

A comunhão do Espírito (Continuação)




Tesouros ocultosparte II

2. O Espírito de santidade: nossa santificação.

“... segundo o Espírito de santificação”, Cristo foi “declarado Filho de Deus em poder,... pela ressurreição dos mortos” (Rm 1.4 - RC). Fica evidente a antítese entre as duas naturezas de nosso Senhor, nessa passagem bíblica: Filho de Davi, segundo a carne; Filho de Deus, segundo o Espírito. E, “segundo ele é, também nós somos neste mundo”. Nós, que somos regenerados, temos duas naturezas, uma derivada de Adão; a outra, de Cristo, e nossa santificação consiste no duplo processo de mortificar e vivificar: amortecer e subjugar o que é velho, e despertar e desenvolver aquilo que é novo. Em outras palavras, aquilo que se operou em Cristo, que “foi morto na carne mas vivificado em espírito” é outra vez operado em nós pela constante ação do Espírito Santo, e por meio da cruz e da ressurreição estende a sua influência a toda a vida do cristão. Considere as seguintes duas experiências.

A mortificação não é o mesmo que ascetismo. Não é compunção autoimposta, mas uma crucificação imposta por Cristo. O relacionamento de nosso Senhor com a cruz acabou no momento em que, no Calvário, Ele gritou: “Está consumado”. Mas onde Ele terminou, cada discípulo precisa começar: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á” (Mt 16.24,25). Essas palavras, tão frequentemente repetidas por nosso Senhor, de uma ou de outra forma, deixam claro que o princípio da morte precisa ser operado dentro de nós, para que o princípio da vida tenha sua influência definitiva e triunfante. No batismo, é com essa verdade que cada discípulo se compromete solenemente: “Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida” (Rm 6.3,4). O batismo é o monograma do cristão; por meio dele, cada crente é selado e recebe a certificação de que é participante da morte e da vida de Cristo; e o Espírito Santo foi concedido para ser o Executor do contrato feito dessa forma no túmulo simbólico de Cristo.
Quando consideramos o grande fato da morte do crente, em Cristo, para o pecado e para a lei, não devemos confundir aquilo que as Escrituras claramente distinguem. Nós participamos de três mortes:

1. Morte no pecado, nossa condição natural.
2. Morte com relação ao pecado, nossa condição judicial.
3. Morte para o pecado, nossa condição santificada.

1. Morte no pecado. “... estando vós mortos nos vossos delitos e pecados”, “E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões” (Ef 2.1; Cl 2.13). Essa é a condição em que nos encontramos por natureza, como participantes da queda e ruína em que a transgressão de nossos primeiros pais imergiu toda a raça humana. É uma condição em que nos encontramos destituídos de sensibilidade moral para com as exigências da santidade e do amor de Deus; e nos encontramos sob a sentença de punição eterna da lei que transgredimos. Cristo encontrou o mundo inteiro nesse estado de morte no pecado, quando veio para ser nosso Salvador.

2. Morte com relação ao pecado. “Assim, meus irmãos, também vós morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo” (Rm 7.4). Essa é a condição para a qual Cristo nos trouxe por meio do Seu sacrifício na cruz. Ele sofreu por nós a pena devida à transgessão da lei, e por essa razão somos vistos como quem sofreu a pena nEle. Aquilo que Ele fez é considerado como sido feito por nós: “... julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram” (2 Co 5.14). Somos feitos um com Cristo, por meio da fé, e somos identificados com Ele na cruz: “Estou crucificado com Cristo” (Gl 2.19). Essa condição de morte com relação ao pecado, executada em nosso favor por nosso Salvador, faz com que estejamos legalmente ou judicialmente livres da penalidade destinada a quem transgride a lei, se consentirmos, pela fé, com essa transação.

3. Morte para o pecado. “Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus” (Rm 6.11). Essa é a condição que torna real em nós aquilo que já é verdade por nós em Cristo; é tornar prático aquilo que já é judicial. Em outras palavras, estar morto para o poder do pecado em nós, assim como já estamos mortos para a penalidade do pecado por meio de Jesus Cristo. Como está escrito na Epístola aos Colossenses: “porque já estais mortos” (judicialmente, em Cristo), “mortificai” (façam morrer, na prática), “pois, os vossos membros que estão sobre a terra” (Cl 3.3,5 – RC). É essa a condição que o Espírito Santo estará constantemente operando em nós, se o permitirmos. “...se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis” (Rm 8.13). Isso não é algo que fazemos com nós mesmos, como a Versão Corrigida parece sugerir, ao colocar em letra minúscula a palavra “Espírito”. O ego não é suficientemente poderoso para conquistar-se a si mesmo, nem o espírito humano é capaz de triunfar sobre a carne humana. Isso seria como um náufrago segurar com a mão direita a sua própria mão esquerda; ambas afundariam nas ondas do mar. Lutero, o reformador, dizia: “O velho Adão é forte demais para o jovem Melanchthon[1]”. A nossa única segurança é o Espírito de Deus vencer nossa natureza carnal, por meio da Sua vida que habita em nós. Nosso cuidado principal, então, deve ser “andar no Espírito” e sermos “cheios do Espírito”, e tudo o mais virá espontaneamente e de forma inevitável. Da mesma forma que a crescente seiva da árvore expurga as folhas que, apesar das tormentas e do frio do inverno insistem em permanecer na árvore, assim faz o Espírito Santo em nós, quando Lhe damos pleno domínio, subjugando e expelindo os resíduos da nossa natureza pecaminosa.

Não é possível deixar de ver que o ascetismo é uma completa inversão da ordem de Deus, já que o asceta procura a vida por meio da morte, em vez de encontrar a morte por meio da vida. Nenhum grau de mortificação conseguirá jamais conduzir-nos à santificação. Nós temos de nos despojar “do velho homem com os seus feitos”. Mas como? Revestindo-nos “do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou”. Paulo diz: “Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte” (Rm 8.2). Aqui está uma sugestiva declaração de alguém que descreve a mudança da antiga vida para a nova, da vida de constante derrota para a vida de vitória por meio de Cristo: “Antigamente era um constante desligar-se, agora é uma entrada diária”. Ou seja: antes, o esforço se concentrava em livrar-se dos hábitos inveterados e das más inclinações da velha natureza – o egoísmo, o orgulho, as paixões, e a vaidade. Agora, o empenho concentra-se em suplicar ao Espírito que faça a obra, em beber da Sua divina presença, em respirar, como uma atmosfera santa, a Sua vida sobrenatural. É somente a habitação do Espírito que pode operar a expulsão do pecado. Isso fica claro quando consideramos aquilo que se tem chamado de “poder expulsivo de uma nova afeição”. “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo”, dizem as Escrituras. Mas a experiência comprova que só é possível não amar quando se ama, ou seja, o amor ao mundo é vencido pelo amor às coisas celestiais.

Esse método está claramente exposto na Palavra. O “amor do Espírito” (Rm 15.30) nos é concedido para vencer o mundo. A vida divina é a fonte do amor de Deus. Por isso, “o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado”. Pelo fato de estarmos, por natureza, tão completamente sem o amor celestial, Deus, por meio da habitação do Espírito, nos dá o Seu próprio amor, para que O amemos. Aqui está a mais alta credencial do discipulado: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.35). Assim como Cristo manifestou ao mundo o amor do Pai, assim devemos manifestar o amor de Cristo – uma manifestação, contudo, que só é possível porque possuímos a mesma vida dEle. Alguém disse acertadamente a respeito do mandamento do nosso Salvador (de que os Seus discípulos devem amar uns aos outros): “É um mandamento que seria inteiramente sem valor se não fosse pelo fato que Ele, o Amado, está pronto a colocar o Seu próprio amor em mim. O mandamento, na verdade, é que sejamos ramos da videira verdadeira. Eu paro de viver e amar por mim mesmo, e me rendo para expressar o amor de Cristo”.

E aquilo que é verdade a respeito do amor de Cristo, também é verdade a respeito da semelhança de Cristo. Como se adquire essa semelhança? Por meio da contemplação e da imitação? Alguns ensinam isso. E é verdade, se a habitação do Espírito envolve e circunda e poderosamente efetua tudo. Como está escrito: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2 Co 3.18). É somente o Espírito do Senhor habitando em nós que pode transformar-nos à imagem do Senhor que contemplamos. Quem é capaz de conformar-se à imagem de Cristo por meio de imitação externa? Imagine alguém desprovido de talento e de treinamento artístico sentado diante da famosa pintura da Transfiguração, de Rafael, tentando reproduzi-la. Quão grosseira e sem graça e sem vida seria essa obra! Mas se fosse possível que o espírito de Rafael entrasse nesse mesmo homem e controlasse a sua mente e olhos e mãos, seria totalmente possível que ele pintasse essa obra prima. Pois seria meramente Rafael reproduzindo a si mesmo. Esse é o verdadeiro mistério que ocorre com o discípulo cheio do Espírito Santo. Cristo, que é “a imagem do Deus invisível”, é colocado diante dele como o seu divino modelo, e Cristo, pelo Espírito, habita dentro dele como a vida divina, e Cristo é capaz de expressar a Si mesmo a partir da vida interior para o exemplo exterior.

 Naturalmente, semelhança com Cristo é apenas outro nome para santidade. Quando, na ressurreição, nos satisfizermos com a Sua semelhança (Sl 17.15), seremos aperfeiçoados na santidade. Isso é o mesmo que dizer que a santificação é progressiva; ela não é como a conversão, que é instantânea. Ao mesmo tempo temos de admitir a força do argumento de um escritor piedoso e atento, sobre o perigo de considerá-la unicamente como um crescimento gradual. Se um cristão se considera como “árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto”, seu entendimento está correto. Mas deduzir que por isso o seu crescimento será tão certo como o da árvore, que ocorrerá de modo infalível simplesmente porque ele foi implantado em Cristo, pela regeneração, é um grave engano. O discípulo precisa atuar de forma ativa, consciente e inteligente, no seu próprio crescimento, diferentemente da árvore, para “confirmar a vossa vocação e eleição”. E quando dizemos “de forma ativa”, não queremos dizer apenas atividade própria, pois “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?” pergunta Jesus (Mt 6.27). Mas temos de nos render à ação de Deus no Espírito e orar no Espírito e andar no Espírito, condições essas tão essenciais ao nosso desenvolvimento na santidade, como a chuva e o sol o são para o crescimento do carvalho. É possível que, por negligenciar e entristecer o Espírito, um cristão possa ser de estatura menor quando velho do que o era em sua infância espiritual, e a sua experiência acabe sendo um retrocesso em vez de um avanço. Por isso, ao dizer que a santificação é progressiva, tenhamos cautela para não concluir que ela haverá de ocorrer inevitavelmente.

Além disso, como investigadores sinceros, temos de perguntar o que está correto e o que está errado na doutrina da “santificação instantânea”, a qual muitas pessoas piedosas dizem ter experimentado. Se estão falando de um estado de perfeição sem pecado, para o qual o crente foi subitamente elevado, e de uma libertação da natureza pecaminosa, a qual foi subitamente erradicada, temos de considerar essa doutrina como perigosamente falsa. Mas nós consideramos que se pode experimentar uma grande crise na vida espiritual, na qual ocorra uma completa rendição de si mesmo a Deus e um enchimento do Espírito Santo, e se ver liberto dos apetites e hábitos pecaminosos, e capacitado para viver em constante vitória sobre o próprio ego, em vez de sofrer constantes derrotas. Ao dizer isso, não afirmamos nada mais do que dizem as Escrituras: “andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne” (Gl 5.16).

A verdade de Deus, como está revelada nas Escrituras, parece muitas vezes estar entre dois extremos. Isso também ocorre assim, de modo enfático, com respeito à questão que estamos considerando. Na Primeira Epístola de João, encontramos um desses tremendos paradoxos. Primeiro, a vigorosa afirmação da pecaminosidade do cristão: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós”; depois a vigorosa afirmação da ausência de pecado na vida desse mesmo cristão: “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (1 Jo 1.8; 3.9). A heresia se origina com a divisão ou escolha de apenas um dos extremos, e quase todos os erros graves têm surgido por se adotar a declaração de um dos extremos das Escrituras, rejeitando o outro. Se consideramos como heresia a doutrina da perfeição sem pecado, consideramos como maior heresia ainda o contentar-se com a imperfeição pecaminosa. E receamos muito que um grande número de cristãos inconscientemente fazem das palavras do apóstolo – “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos” – uma justificativa para um baixo padrão de vida cristã. Seria quase melhor que exagerassem as possibilidades de santificação no seu anseio de alcançar a santidade, do que subestimá-las em complacente satisfação com uma costumeira impiedade. Com toda certeza, não é nada edificante ver um cristão mundano jogar pedras num cristão que aspira ao que é perfeito.

Como poderíamos, então, enunciar de forma correta a doutrina que estamos considerando, de forma que envolva os dois extremos da declaração, que aparecem na Epístola de João? Pecaminoso em si mesmo, sem pecado em Cristo – é nossa resposta: “... nele não existe pecado. Todo aquele que permanece nele não vive pecando” (1 Jo 3.5,6). Se a vida de Cristo, por meio do Espírito Santo, nos é constantemente transmitida, essa vida haverá de prevalecer em nós. Essa vida é totalmente sem pecado, tão incapaz de se contaminar como o raio solar, que tem sua fonte e origem no sol. Nossa libertação do pecado será diretamente proporcional à solidez da nossa permanência nEle. E não duvidamos que há cristãos que se renderam de tal forma a Deus, e que pelo poder sustentador do Espírito têm sido mantidos nessa entrega, que o pecado não tem tido domínio sobre eles. Mesmo que neles o conflito entre a carne e o espírito não tenha cessado para sempre, tem havido vitória, com os incômodos pecados deixando de ocorrer, e “a paz de Deus” reinando no coração.

Mas pecar é uma coisa, e outra coisa é possuir uma natureza pecaminosa. E não vemos nenhuma evidência nas Escrituras de que essa última seja jamais erradicada completamente enquanto estivermos no corpo. Se pudéssemos ver a nós mesmos com os olhos de Deus, sem dúvida descobriríamos a pecaminosidade lado a lado com nossos mais felizes momentos de conduta sem pecado, e a sujeira de nossa velha e decaída natureza manchando nossas mais alvas ações, de tal maneira a nos convencer que ainda não somos perfeitos na Sua presença. Queremos apenas enfatizar, com gratidão, este fato: assim como herdamos de Adão a natureza incapaz de livrar-se do pecado, nós herdamos de Cristo uma natureza incapaz de viver em pecado. Por isso, está escrito: “Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele”. Pecar não é da natureza da nova natureza; transgredir não é da constituição da “lei do Espírito da vida”. Pois quando o homem renascido pratica o mal ele transgride a lei da sua natureza, assim como antigamente obedecia à lei da sua velha natureza. Em resumo, antes da nossa regeneração, vivíamos em pecado e o amávamos; uma vez que fomos regenerados, talvez escorreguemos no pecado, mas nós o odiamos.



[1] Filipe Melanchthon (1497-1560). Foi amigo e colaborador de Lutero. Após a morte deste, em 1546, tornou-se líder teológico da Reforma luterana (“Martinho Lutero, Obras Selecionadas”, vol. 8, pág. 253). — N. do T.