terça-feira, 8 de março de 2011

CONTINUAÇÃO DO ESTUDO DA EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS


Por: D.M Lloyd Jones

CAPÍTULO 8

ORANDO AO PAI


"Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome." – Efésios 3:14-15


A Versão Revista (Revised Version) omite as palavras "de nosso Senhor Jesus Cristo" e traduz deste modo: "Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome". Com ligeira variação, a Versão Revista Modelo (Revised Standard Version) a segue de perto. Com estas palavras o apóstolo toma o assunto que obviamente pretendera tomar no início do capítulo, como vimos quando estávamos examinando o versículo primeiro. Notem que o versículo primeiro começa com as palavras "Por esta causa", como também o versículo 14. * Ele estava para dizer aquilo que agora vai dizer, depois do versículo 15. Seu grande interesse, como ele diz no versículo 13, é: "Portanto vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, que são a vossa glória". Ele abrira o seu caminho através da grande digressão, e agora retoma àquilo que originariamente tivera a intenção de dizer.
A expressão "Por causa disto" no versículo 14, como no versículo 1, refere-se ao que o apóstolo estivera dizendo no fim do capítulo 2. Portanto, em nossa exposição da afirmação que vamos examinar, devemos ter o cuidado de assegurar-nos de que se ligue com o que fora dito no fim do capítulo 2. Seu ponto essencial era mostrar a estes efésios que eles tinham sido introduzidos num estado de completa unidade, na Igreja Cristã, com os judeus que também tinham crido no evangelho. Vós não sois mais, garantiu-lhes ele, "separados e estranhos, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; e sois edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo Jesus Cristo mesmo a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor; no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito". Essa é a elevada concepção e descrição que ele faz ali da Igreja Cristã.

* No grego as expressões são idênticas nos dois lugares. Nota do tradutor.
É-nos claramente importante que tenhamos em mente a conexão, pois é só quando nos lembramos do que Paulo vem dizendo que temos a possibilidade de entender o que ele está para dizer agora. Esta outra verdade, esta oração que agora ele vai oferecer em favor destes efésios, surge por causa da posição deles como concidadãos dos santos e como membros da família de Deus. Pertenciam à família de Deus e constitu¬íam parte do templo santo no Senhor em que Deus faz a Sua habitação pelo Espírito. Tendo isso tudo em mente, podemos acompanhar o apóstolo quando diz a estes efésios que ele está orando por eles. "...Me ponho de joelhos perante o Pai".
Por ora me proponho apenas a fazer alguns comentários sobre o modo pelo qual o apóstolo introduz a grande oração que oferece pelos efésios. A primeira coisa que se deve acentuar é que ele ora por eles. E, tomando isto em seu contexto, é uma coisa de grande valor para nós. Quando Paulo estava escrevendo esta carta era prisioneiro; esta é uma das "epístolas da prisão". Provavelmente era prisioneiro em Roma, porém isto é pouco importante. O importante para nós é saber que ele está realmente dizendo que, embora prisioneiro, embora um perverso inimigo o tenha encarcerado, o tenha posto em grilhões, o tenha impossibilitado de visitá-los em Éfeso e de pregar-lhes (ou de ir a qualquer outro lugar para pregar), há uma coisa que o inimigo não pode fazer – não pode impedi-lo de orar. Ele ainda pode orar. O inimigo pode confiná-lo numa cela, pode meter ferrolhos e trancas nas portas, pode algemá-lo a soldados, pode pôr grades nas janelas, pode enclausurá-lo e confiná-lo fisicamente, entretanto nunca poderá obstruir o cami¬nho do coração do crente mais humilde para o coração do Deus eterno. De muitas maneiras, neste nosso incerto mundo moderno esta é uma das mais confortantes e consoladoras verdades que podemos aprender. Pensem no que isto significa para centenas, para não dizer milhares de cristãos em diversas partes do mundo neste momento. Alguns estão na prisão, alguns em campos de trabalho forçado. Estão sujeitos a incontáveis sofrimentos e indignidades, porém graças a Deus ainda podem asseverar que "muros de pedra não fazem uma prisão, nem barras de ferro uma jaula". O espírito de oração continua livre, apesar de toda a malignidade dos cruéis tiranos. Os homens podem proibir¬-nos de falar com os lábios, mas ainda que juntassem os nossos lábios e os costurassem, poderíamos continuar orando em nossos espíritos, poderíamos continuar orando a Deus.
Isto será sempre aplicável a nós, sejam quais forem as nossas circunstâncias e condições. Há ocasiões em que parece que nós, cristãos, estamos numa espécie de prisão. Podemos ser enclausurados e amarrados, talvez por alguma doença ou debilidade física, ou pelas circunstâncias, ou pode ser que as circunstâncias nos impeçam de vir à casa de Deus ou de manter companheirismo com outros. Com frequência os cristãos se vêem nessas circunstâncias ou condições. Lembremos que, o que quer que as circunstâncias ou os perversos nos façam, sempre estará aberto para nós este ministério e atividade. Nada terá por que impedi-lo. Noutras palavras, se você se achar doente e preso ao leito, não significa que será inútil durante esse período, não significa que não poderá fazer nada. Ainda poderá orar. Poderá orar por si mesmo; poderá orar por outros; poderá tomar parte num grande ministério de intercessão.
Às vezes temo que nos inclinamos a esquecer isto. Tornamo-nos uma geração de cristãos tendentes a viver de reuniões. Isto pode soar estranho numa época em que a frequência à igreja é muito baixa. Não obstante, penso que é verdade que os que ainda se reúnem tendem a depender demais da sua frequência às reuniões e a achar que, quando são deixados de lado em seus leitos de enfermidade, não há nada que possam fazer, exceto esperar até ficarem bem de saúde novamente. Isso é uma total falácia. Paulo estava muito ativo e ocupado na prisão. Passava o tempo, deduzimos, em oração por várias igrejas. Vemos nas epístolas da prisão que ele afirma que estava orando constantemente, diariamente por elas. Ocasionalmente podia enviar-lhes cartas, embora apenas algumas tenham sobrevivido. Contudo ele constantemente amparava todas as igrejas com as suas orações, e orava pelas pessoas a elas pertencentes. Estava exercendo um grande ministério na prisão. Não era o seu ministério usual, pois ele era pregador, evangelista, era um mestre incomparável. Ele não diz aos seus amigos que agora não pode fazer nada, pois está sem ânimo na prisão, e a única coisa que pode esperar é que, de um modo ou de outro, logo seja posto em liberdade. Absolutamente não! Esta tremenda atividade na oração continua. Tenhamos este fato em mente.
E quanto mais há pelo que orar na época atual, com o mundo como está, e com tantos cristãos sofrendo como estão! Posso fazer uma pergunta simples e óbvia? Quanto do nosso tempo dedicamos diaria¬mente à oração em favor de cristãos doutros países? Temos o tempo e o vagar; nem estamos na prisão. Temos tempo para fazer muitas coisas não essenciais e nem mesmo proveitosas. Quanto tempo estamos dedicando à intercessão e à oração pelos outros? Somos chamados para levar as cargas uns dos outros, para compartir os infortúnios uns dos outros. Eis aqui um homem que fez isso na prisão tendo tudo contra ele. Vamos, digo eu, vamos dar ouvidos a este chamamento para a oração. Assim como Paulo sabia que podia ajudar os efésios orando por eles, nós também podemos ajudar outras pessoas – pessoas com as quais talvez nunca nos tenhamos encontrado, mas sabemos que nesta hora estão sofrendo e estão com vários tipos de problema. Passemos algum tempo junto ao trono da graça em favor delas.

A seguir lembra-nos aqui o apóstolo que a oração é sempre neces¬sária como instrução. Seria um grande engano ficarmos com a impres¬são de que o apóstolo estava orando por estes efésios só porque não lhes podia pregar; no entanto quero deixar igualmente claro que não foi esse o seu único motivo para orar por eles. Estivesse ele em liberdade, continuaria orando por eles. Aqui, mais uma vez, está um principio que parece um tanto negligenciado por nós. E essencial que oremos por nós mesmos como o é que nos instruamos. Acreditamos que temos neces¬sidade de instrução: lemos a Bíblia, lemos comentários, lemos livros sobre a história da Igreja, lemos livros sobre doutrina. É certo fazê-lo, é essencial; nunca poderemos saber demais. Precisamos de instrução, precisamos de esclarecimento – para isso estas Epístolas foram escritas. O apóstolo acreditava que a doutrina é essencial; a instrução deve ter prioridade. Mas transmitir conhecimento não basta. É igual¬mente essencial que oremos – que oremos por nós mesmos, para que Deus nos faça receptivos ao conhecimento e à instrução; que oremos para sermos capacitados a agasalhar o conhecimento recebido e aplicá-lo; que oremos para que não fique só em nossas mentes, e sim que se apegue aos nossos corações, dobre as nossas vontades e afete o homem todo. O conhecimento, a instrução e a oração devem andar sempre juntos; jamais devem estar separadas.
A oração é igualmente necessária em nossos procedimentos para com os outros. Isso é deveras proeminente aqui, por certo. Paulo estava escrevendo esta rica e profunda doutrina, e ele sabia que os efésios a iriam ler, discutir e estudar juntos. Mas sabia que isso não é suficiente, de modo que orava no sentido de que o ensino que lhes ministrava se tornasse real para eles. E sabia que nunca poderia tornar-se real, a não ser sob a direta bênção de Deus. O melhor ensino do mundo é inútil, se o Espírito não o toma, não o aplica e não abre o nosso entendimento para ele, e não lhe dá um amplo e profundo lugar em todo o nosso ser para abrigá-lo. Já vimos no capítulo primeiro como o apóstolo estivera orando pelos cristãos efésios para que "tivessem iluminados os olhos do seu entendimento." Pois se o Espírito não abrisse "os olhos do seu entendimento", o ensino do apóstolo seria completamente inútil e vazio.
Tiremos uma lição muito prática disso. Todos nós temos amigos não cristãos, com os quais nos preocupamos. Desejamos muito ajudá-los e lhes falamos acerca destas coisas. Citamos e explicamos as Escrituras para eles. Tentamos mostrar-lhes a atitude e a posição cristãs com respeito às presentes condições da vida em todos os seus aspectos. Todavia devo salientar que se pararmos aí, poderá dar em nada. Não se pode levar ninguém à vida cristã pelo raciocínio. Vocês podem dar as razões para crerem, mas não podem levá-los a crer pela razão. Vocês podem pôr a causa diante deles, mas não podem prová-la como se fosse questão de um teorema da geometria. Devemos compreender que, enquanto os instruímos, devemos orar por eles também. É só quando o Espírito Santo lida com eles e os prepara e abre o entendimento deles, que eles podem receber a verdade.
O apóstolo é perfeitamente coerente com a sua doutrina. Ele sabia que era tão essencial orar por estes efésios como instruí-los por meio desta Epístola. Nós, igualmente, jamais deveremos esquecer que a instrução e a oração andam juntas. Se você, irmão, está interessado numa pessoa em particular, e deseja a sua salvação, você não deve ficar só nisso de favorecê-la, ajudá-la, gastar tempo com ela e expor-lhe a verdade; também deve orar por ela. De fato vou longe a ponto de dizer que, se você não der mais peso à sua oração do que à instrução que lhe oferece, o seu trabalho terá a probabilidade de ser um fracasso. Note o lugar dado à oração intercessória no Novo Testamento. É extraordiná¬rio e espantoso, e é exemplificado particularmente no apóstolo Paulo. Observe também quão dependente era Paulo das orações doutros cristãos. Na maioria das suas cartas ele insta com eles para que orem por ele. Ele os concita a orar no sentido de que haja para ele uma porta à oportunidade, de que tenha liberdade, e assim por diante. Ele compre¬endia plenamente a sua dependência das orações alheias. Nalguns aspectos isto é um mistério; e alguns são tentados a dizer: Deus é Todo¬-poderoso, não há nada que Ele não possa fazer; por que, pois, há necessidade de oração? A resposta é que Deus, em Sua sabedoria eterna, escolheu operar deste modo. Ele faz divisão do trabalho e, de um modo ou de outro, usa as nossas orações e leva os Seus grandes propósitos à execução mediante a instrumentalidade da intercessão dos santos.

Outra importante questão que devemos notar é a maneira pela qual o apóstolo ora; ou seja, devemos dar atenção ao método, modo ou maneira da sua oração. Vê-se aqui uma coisa notável e significativa. "Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai." Não é preciso afirmar que no momento em que escrevia, o apóstolo se pôs de joelhos literalmente. Pode tê-lo feito; não sei. Mas o que evidentemente ele está dizendo é que orava por eles, e o que nos interessa é o modo como ele decidiu descrever a oração. Ele não orava ao acaso, acidentalmente, porém muito deliberadamente. Sob a inspiração divina o homem não fala casualmente, não diz coisas acidentalmente. Muito deliberadamente, quando vem a falar sobre a oração que faz, diz ele: "Ponho-me de joelhos".
Esta expressão nos coloca face a face com a questão geral da nossa postura na oração. É um ponto que tem perturbado muitas pessoas de duas maneiras diametralmente opostas; a tendência e ir de um extremo a outro. Contudo as Escrituras são muito claras sobre a questão. Elas ensinam que às vezes os homens dobram os joelhos ou se ajoelham para orar; mas igualmente é clara em seu ensino que outros ficam de pé para orar. Ambos os métodos são mencionados nas Escrituras, e ainda outros, como prostrar-se em terra.
Esta questão deve reter-nos por um momento, porque pode ser manipulada de maneira errônea, e até estulta. Há dois extremos que devemos observar. Um é o formalismo, e o outro é a irreflexão ou negligência. O formalismo virtualmente ensina que, se não ajoelhar¬mos de verdade não estaremos orando de modo algum. Há gente que acredita sinceramente que os não-conformistas, isto é, pessoas não anglicanas nunca oram verdadeiramente na igreja simplesmente por¬que não se ajoelham. Para tais pessoas o ajoelhar-se é vital e essencial à oração. Esquecem-se totalmente das referências bíblicas ao ficar de pé. Podemos colocar dentro da mesma categoria todos os que pensam que as formas de liturgia são absolutamente essenciais. Do outro lado estão os que afirmam o princípio da liberdade. No entanto, também é possível exagerar no princípio da liberdade, dando em licença, frouxi¬dão, relaxamento e irreflexão, podendo levar a um modo de orar totalmente indigno de Deus.
Certamente o princípio vital envolvido é que o que importa não é a postura ou a atitude por si só, mas o que esta representa ou indica. Dobrar os joelhos é uma indicação de reverência, daquilo que o autor da Epístola aos Hebreus quer dizer quando escreve no capítulo 12, sobre "reverência e piedade". Indica uma atitude de culto, adoração e louvor. É óbvio que alguém pode cair sobre os joelhos mecanicamente, quando são pronunciadas certas palavras, mas o coração pode estar longe. Há pessoas cuja reverência é inteiramente determinada pelo tipo de edifício em que elas se acham. Se se vêem em tipos de edifícios semelhantes a catedrais caminham suavemente e falam sussurrando; porém assim que saem podem até blasfemar e amaldiçoar. Assim, o que fazem no edifício não é demonstrar reverência, é simplesmente refletir que o edifício as afeta psicologicamente. As Escrituras não estão interessadas nesse tipo de comportamento. Há homens que podem ser sumamente devotos em sua postura, fazendo o sinal da cruz ou cunhando outras atitudes; mas isso não tem valor, se não for verdadeira expressão do estado dos seus corações. Contudo – e isto precisa ser salientado – o estado do coração expressa-se inevitavel¬mente. E é aqui que a expressão utilizada pelo apóstolo é tão interes¬sante.
Este assunto está ligado diretamente ao que estivemos considerando sobre a magnífica e animadora declaração do apóstolo: "No qual temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele". Como é vital que isso esteja sempre acoplado a "Ponho-me de joelhos", a fim de lembrar¬-nos de que ousadia não significa descaramento, e que confiança não significa familiaridade fácil. Ousadia junto ao trono da graça não é presunção. Confiança não é atrevimento. Acentuo isto porque existem aqueles que parecem pensar que a marca por excelência da espiritualidade e da segurança da salvação é orar a Deus com familiaridade frouxa e verbosa, o que é uma completa negação daquilo que é ensinado aqui e em toda parte das Escrituras.
Há um tipo de pessoa que pensa que, se você quer provar quanto é espiritual, terá que orar à moda comercial. Deverá proferir petições curtas, petições quase telegráficas. Essa gente ensina que você deve estar tão seguro da sua posição diante de Deus que ignorará por completo isso de "temor e tremor", na verdade ignorará todo e qualquer ato de culto e adoração antes de apresentar os seus pedidos. Muitas vezes, infelizmente notei isto em congressos de cristãos conservado¬res. Com frequência a reunião de oração é dirigida da seguinte maneira: lê-se uma lista de coisas pelas quais orar, os chamados pedidos de oração, e depois o dirigente diz: "Bem, agora vamos ao trabalho, vamos orar". E assim as pessoas presentes se levantam uma após outra e apenas elevam petições muito curtas concernentes a estes vários problemas. Estive em reuniões desse tipo e não hesito em afirmar que não houve ali nenhuma adoração. Deus não foi cultuado, não foi louvado, não foi adorado. Nem mesmo Lhe deram graças por Suas grandes mercês. Não houve menção de Sua majestade e de Sua glória, Não houve o "dobrar de joelhos". Alguns talvez se tenham ajoelhado literalmente, porém seus espíritos não se curvaram. Tudo era tomado como líquido e certo.
Essa é a atitude que a declaração de Paulo corrige tão drasticamente. É uma atitude que, longe de ser um sinal de espiritualidade é, na verdade, o inverso. Sua base está na ignorância – ignorância quanto às Escrituras e ignorância quanto a Deus. Se já houve um homem que conheceu a Deus, se houve um homem que conheceu o caminho para a presença de Deus, foi este vigoroso apóstolo; e, todavia, ele "dobra os seus joelhos". Ele sabia de quem se aproximava. Não agia em termos de uma verbosa familiaridade com Deus. "Ousadia e acesso com confiança", sim, mas juntamente com "reverência e santo temor", pois "o nosso Deus é um fogo consumidor". Recordemos a interpretação do versículo 12, segundo a qual devemos livrar-nos de um covarde temor porque conhecemos as bases da nossa posição, e também sabemos que temos acesso e entrada à presença de Deus. No entanto isso não significa que podemos caminhar atrevidamente, com o peito para a frente, por assim dizer, para a presença do Deus Todo-Poderoso. Devemos estar sempre e humildemente cientes do nosso grande privilégio. Sabemos que temos acesso, entretanto lembramos de que se trata de acesso à presença do Deus vivo, em toda a Sua glória e poder. "Ponho-me de joelhos." Culto, adoração, louvor! Jamais devemos começar a fazer petições particulares enquanto primeiro não tivermos prestado culto, louvor e ação de graças a Deus, e não nos tivermos submetido completa e inteiramente a Ele.
A palavra perante – "me ponho de joelhos perante" – é muito expressiva e significa "frente a" ou "face a face". Ele dobra os joelhos para ficar face a face com Deus. No momento em que compreendermos que a oração significa vir e ficar face a face com Deus, não poderemos fazer outra coisa senão dobrar os joelhos. Quando Isaías teve a sua visão de Deus, disse: "Ai de mim, pois sou homem de lábios impuros" (6:5). Quando João teve a sua visão "em Patmos, caiu por terra como morto" (Apocalipse 1:17). Não seria necessária esta exortação se tivéssemos uma real concepção da glória de Deus. Se tão-somente tivéssemos um vislumbre de Deus, tremeríamos ao estar face a face com Ele. Demos de novo graças a Deus por isto. Onde quer que estejamos, quaisquer que sejam as nossas circunstâncias, no Senhor Jesus Cristo e por meio dEle podemos vir e estar face a face com Deus. "Todos nós, com cara descoberta, refletindo como um espelho a glória do Senhor..." – diz o mesmo apóstolo aos Coríntios (2 Coríntios 3:18).

Finalmente chegamos à descrição que o apóstolo faz aqui de Deus, Aquele de quem ele se aproxima de espírito humilde e ajoelhado em seu coração. Diz ele que vem "ao Pai, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome". A Versão Autorizada (Authorized Version) e Almeida, Revista e Corrigida têm "o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo", ao passo que outras versões têm simplesmente "o Pai". Isto é pura questão de crítica textual que em nada afeta o sentido. O apóstolo já deixara mais que claro que Deus só é nosso Pai no Senhor Jesus Cristo e por meio dEle.
No versículo 15 temos uma afirmação sumamente interessante. "Do qual" significa realmente "Segundo o qual" ou na verdade "Procedente do qual". Quanto ao restante da afirmação, a Versão Autorizada (e Almeida) tem "Do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome". Certas outras traduções têm "Do qual (ou procedente do qual) toda a família nos céus e na terra toma o nome". Em última análise, a diferença não é séria; mas a interpretação feita particularmente varia conforme a tradução ou versão adotada. A tradução "Do qual (ou procedente do qual) toda a família nos céus e na terra toma o nome" coloca a ênfase na palavra "família" com o sentido de "pertencente a uma linhagem comum”. Esse é o significado da palavra "família" propriamente dita. Pode significar também tribo ou classe ou nação. Além disso toda família tem um nome de família. O nome de família deriva de um pai originário; as tribos de Israel todas tomaram seus nomes de um homem em particular. "Nosso Senhor veio da família e linhagem de Davi" Ele era "da descendência de Davi segundo a carne". Todos os grupos receberam seus nomes de uma procedência semelhante a essa. E assim, de acordo com esta interpretação, o que o apóstolo está dizendo aqui é que todas estas distinções e divisões em famílias, tribos, grupos e nações, que reconhecem algum líder ou pai, são apenas pálidos reflexos do fato de que Deus é o Pai de todos; Ele é o Pai de todas as famílias de cada família. Ele é Aquele de quem deriva todo parentesco ou toda paternidade subsidiaria. Portanto, em última instância, Ele é o Pai de todos.
Observemos que o apóstolo não diz somente "na terra", e sim também "nos céus" – "toda a família nos céus e na terra" – e a linha de interpretação a que me referi há pouco dá a seguinte explicação. No versículo 10 Paulo diz: "Para que agora os principados e potestades nos céus”; e no fim do capítulo primeiro ele escreveu mais detalhadamente ainda, dizendo que Cristo está "acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia". Há diferentes grupos no céu; os seres angelicais se dividem em anjos e arcanjos, e há varias outras subdivisões. Dividem-se, por assim dizer, em grupos, famílias e tribos. Assim aqui, conforme afirmam, o apóstolo está dizendo que não somente todas paternidade, nação, tribo e divisão têm sua origem última na paternidade de Deus, mas também que os próprios agrupamentos do céu estão todos sob esta paternidade universal. Na verdade dizem que o Velho Testamento se refere aos anjos como “filhos de Deus”, de modo que, num sentido eles são Sua prole e ”Deus é o seu Pai."
Esta linha de exposição é verdadeira; porém é verdadeira só no sentido em que Deus é o Criador de todos. O apóstolo seguiu esta linha quando, pregando em Atenas, disse: "Pois somos também sua geração (de Deus)" (Atos 17:28). Nesse sentido o mundo todo é geração de Deus. Ele é o Pai no sentido em que é o Criador de todos. Se isto for mantido em mente, a interpretação a que me referi é legítima e veraz. E contudo, quanto a mim, não a aceito aqui, e isso porque não me parece adequar-se ao contexto; parece extrair algo que, neste ponto em particular, é irrelevante.
A expressão "Por causa disto", como vimos, refere-se ao capítulo 2, e ali certamente nós temos a chave para a explicação daquilo que Paulo quer dizer aqui. Pois no versículo 18 do capítulo 2, lemos: "Por que por ele (Cristo) ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito". Esteja atento a esta referência ao Pai. E ainda: "Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus" – "família de Deus"! Temos aqui as duas expressões, o "Pai" e a "família". Certamente o que o apóstolo está dizendo aqui no versículo 15 do capítulo 3 é que Deus é o Pai de toda a família. Que família? A família dos redimidos! Desta "família" dos redimidos, alguns já estão no céu, e alguns ainda estão na terra; mas todos eles pertencem à mesma família, a toda a família. Noutras palavras, a minha opinião é que o apóstolo está dizendo aqui precisamente o que o autor da Epístola aos Hebreus diz no capítulo 12 da sua Epístola. Eis suas palavras: "Porque não chegastes ao monte palpável... Mas chegastes ao monte de Sião, e à cidade de Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal assembleia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e a Jesus". Assim o apóstolo está dizendo que ora em favor dos efésios, Àquele que é o Pai de todos. Agora Ele é o Pai deles, visto que entraram na Igreja, como também é o Pai do apóstolo. Ele é o Pai de todos os que crêem. Agora já "não há grego nem judeu... bárbaro, cita, servo ou livre" (Colossenses 3:11). Não mais distanciados, os cristãos chegaram perto.
Creio que o apóstolo empregou esta forma de expressão com o fim de ensinar estes cristãos efésios a não pensarem mais em si mesmos como gentios. Agora deviam pensar em si mesmos como filhos de Deus, como pertencentes à grande família de Deus. Este foi o maravi¬lhoso resultado daquilo que lhes acontecera, quando foram feitos "membros da família de Deus", "co-herdeiros" com os judeus, mem¬bros do mesmo corpo, participantes das mesmas promessas; eles tinham sido introduzidos na grande família de Deus.
Nada do que possamos aprender nos é mais precioso do que compreendermos esta gloriosa verdade. Você pode ser um desconhe¬cido para o mundo, pode ser insignificante, ou pode sentir-se esquecido e achar que ninguém sabe nada a seu respeito; e pode ser verdade. Não obstante, se você está "em Cristo", se você é cristão, você pertence a Deus, está em Sua família, e seu Pai olha por você. Nada poderá acontecer a você sem a Sua participação e a Sua permissão; "os cabelos da vossa cabeça estão todos contados" (Mateus 10:30). Você é tanto filho de Deus como o maior santo, como o mais poderoso apóstolo que já viveu. Há somente uma família, "toda a família", e Ele é o Pai de toda a família, tanto da Igreja "militante" como da Igreja "triunfante". Todos nós temos este acesso à Sua presença. E aqui este grande irmão, o apóstolo Paulo, este poderoso irmão que era tão adiantado em conhe¬cimento, diz aos seus humildes irmãos, aos seus recém-chegados irmãos de Éfeso, que ele vai à presença do "nosso Pai" a favor deles e que está a ponto de pedir-Lhe certas coisas para eles.
Pertencemos a esta família, a "toda (esta) família". Nunca nos esqueçamos disto – principalmente quando orarmos e nos aproximar¬mos de Deus em adoração. Mas nunca nos esqueçamos disto também em nossa conduta e em nosso comportamento. Sabemos o que é ter orgulho das nossas famílias e do "nome de família". Sabemos o que é ter orgulho do país, de uma classe, ou de um grupo, ou de uma escola – orgulho do nome! Portanto, como cristãos, vamos lembrar-nos sempre de que o Nome que está sobre nós é o nome de Deus, "do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome". O que realmente importa não é mais a família de Davi, não é mais esta ou aquela tribo, não é mais este ou aquele país, esta ou aquela classe, este ou aquele grupo. Não! O nome de família que me arrogo é o nome de Deus, e devo viver neste mundo como alguém que representa está família, como alguém que representa este Pai. Seu nome está sobre mim; assim, oxalá nunca seja ele manchado. Que jamais os homens venham a pensar mal de Deus e do Seu nome por causa daquilo que eles vêem em mim!
Queira Deus abrir os nossos olhos para os privilégios que temos graças ao Nome que levamos, e também para a alta e, de muitas maneiras, tremenda responsabilidade de levar sobre nós o nome de Deus!

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