quinta-feira, 29 de março de 2012

O DRAMA DA REDENÇÃO

Por: D. M. Lloyd Jones

Ef 4:8-10; Ef 1:19-23

Nestes versículos o apóstolo põe-se a provar e a demonstrar que a declaração do Salmo 68, versículo 18, que ele tinha citado, deve ser aplicada ao nosso bendito Senhor e Salvador. Na versão Autorizada, estes dois versículos são colocados entre parên­teses para indicar que eles são parte da exposição daquilo que ele acabara de dizer, como o indica a palavra “Ora”. “Ora”, diz ele; e depois faz a pergunta, “que é, senão”? Então se concentra na palavra “subiu”. Esta palavra prova que Ele tinha que ter descido primeiro.

O Salmo 68 é um grande hino de louvor a Jeová, que dera a Davi uma vitória maravilhosa. Mas Davi afirma que Jeová tinha “subido”. A questão é: como pode Jeová, o “Eu sou o que sou”, o Único Ser eternamente existente - como pode Jeová subir? A resposta do apóstolo é que há só um modo de explicar isso. É que o próprio uso do termo “subir” implica uma descida anterior - “Ora isto - ele subiu - que é, senão que também antes tinha descido às partes mais baixas da terra?” Há somente uma maneira pela qual podemos falar de uma descida da Deidade, e é com relação a Jesus de Nazaré, o Filho de Deus. É nEle, e somente nEle, que Deus, Jeová, desceu. Assim o apóstolo argumenta que a declaração do Salmo 68, versículo 18, só pode ser uma referência ao nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo. Não há outra explicação concebível, é a única maneira pela qual Deus desceu à terra e subiu de volta ao céu.

Chegamos agora à afirmação que se evidenciou ser mais difícil na história da interpretação - “que também antes tinha descido às partes mais baixas da terra”. Como sabem os que têm conhecimento da história da Igreja, a expressão “às partes mais baixas da terra” tem provocado muita discussão. Têm sido sugeridas muitas explicações dela, das quais não po­demos tratar exaustivamente. Mas devemos dar uma olhada nalgumas delas. Alguns dizem que as pa­lavras de Paulo fazem referência ao túmulo. “Terra” é a terra, argumen­tam eles, porém “as partes mais baixas da terra”, indicando algo que está abaixo do nível do solo, devem, portanto, ser o túmulo. Outros, que vão mais longe ainda, dizem que as palavras em questão se referem ao inferno. O inferno está embaixo, o céu em cima; assim, a frase “as partes mais baixas da terra” é uma referência ao inferno ou ao Hades. A interpretação que nos é importante considerar é a segunda, pois é a que tem figurado mais proeminentemente na história da Igreja e na história das doutrinas.

Há, digo, aqueles que crêem que as palavras de Paulo ensinam que o nosso Senhor, depois da Sua morte e do Seu sepultamento, desceu ao inferno e fez certas coisas, em particular que Ele derrotou ali o diabo e as suas hostes. Outros acreditam que o que o nosso Senhor fez quando desceu ao inferno foi proclamar a salvação a certas pessoas que estavam lá. Eles baseiam essa idéia, não somente neste texto, e sim também no que vemos na Primeira Epístola de Pedro 3: 17- 20:

“Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito... e pregou aos espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé...”

A frase importante é “pelo Espírito; no qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão”. Isto sustentam eles, só pode ter o sentido de que o nosso Senhor, após a Sua morte e sepultamento, desceu ao inferno e lá pregou o evangelho aos que foram destruídos no Dilúvio dos dias de Noé, com o fim de conceder-lhes “uma segunda chance”, outra oportunidade para arrependimento e fé. Das explicações sugeridas, da expressão “as partes mais baixas da terra”, essa é a mais popular.

São essas as declarações que se fazem de tempos em tempos, ao longo da história da Igreja. Minha opinião é, pois, que ela não tem nenhum desses sentidos, mas que o sentido da frase, “as partes mais baixas da terra” é simplesmente a terra mesma. A questão crucial, contudo, é a exposição de 1 Pedro 3:19. Estará o apóstolo Pedro dizendo que o nosso Senhor foi pregar aos que tinham sido destruídos no Dilúvio do tempo de Noé? Por que haveriam de ser eles os únicos a quem Ele pregou? Nas gerações anteriores houve muitos que tinham pecado antes dos que viveram na época do Dilúvio, pois, só a eles foi dada mais uma oportunidade? Por que não também ao povo de Sodoma e Gomorra? Por que não a muitos outros que foram mortos e destruídos repentinamente pela ação de Deus? Os que ensinam que o nosso Senhor pregou no Hades àquelas pessoas, não têm resposta para estas pergun­tas. A verdade dessa questão é que o apóstolo Pedro não está dizendo tal coisa. Nesta parte da sua Epístola, Pedro está lembrando aos seus leitores que eles estavam vivendo num tempo de juízo. No capítulo subseqüente ele diz:

“Já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus”.

Ele os está advertindo da vinda do juízo e lhes diz que há somente um modo de serem salvos, o modo que ele menciona nos versículos que se seguem. Lembra-lhes ele que Noé e sua família foram salvos por meio de uma arca; e lhes diz que nós somos salvos por um similar do tipo de arca, a saber, Cristo. Em Cristo, que é a nossa Arca, somos salvos.

A afirmação de Pedro é que a situação dos cristãos é similar à situação que prevalecia imediatamente antes do Dilúvio. Cristo está falando no Espírito por meio dos apóstolos (Pedro e outros), e está exortando o povo de Deus e outros a “fugir da ira que está para vir”. Há somente dois grandes julgamentos universais na história da humanidade - o primeiro foi o Dilúvio; o segundo será quando o Senhor vier de novo, e os elementos se fundirão com o tremendo calor do juízo final. Assim Pedro está dizendo que há um paralelo entre os que estão vivendo na época e era anteriores ao segundo grande julgamento e os que viveram antes do primeiro grande julgamento. O paralelo é perfeito: Cristo prega “no Espírito” agora por intermédio dos apóstolos, como pregou “no Espírito” naquele tempo por intermédio de Noé àquele povo antigo. Esta não é somente a exposição verdadeira; é a única que evita a idéia de que o evangelho foi pregado somente a certos pecadores particulares, e não a todos.

Não há prova nenhuma para dizer-se que o nosso Senhor alguma vez pregou no inferno. É uma suposição, mera especulação, e uma teoria. Não há nada nas Escrituras que a consubstancie, nenhuma palavra que insinue que Ele tenha libertado pessoas que tinham sido mantidas cativas. Não há qualquer indicação de que o nosso Senhor finalmente tenha vencido o diabo e os seus poderes (no) inferno, depois da Sua morte; na verdade, é-nos dito, positivamente, que essa obra foi realizada na cruz. Veja o que Paulo ensina na Epístola aos Colossenses 2:15:

“e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz.”

Não “nas partes mais baixas da terra”, mas “publicamente” - “e deles triunfou em si mesmo” - a saber, em Sua morte na cruz. Nada foi deixado para completar-se no inferno; a obra foi realizada completamente na cruz. Para concluir esta exposição, há outras declarações nas Escrituras que, quando tomadas juntas com esta declaração, leva à conclusão de que aquilo de que estamos tratando nada é, senão uma maneira de descrever a vinda do nosso Senhor à terra. Não é Sua descida a estas ou aquelas profundezas da terra, mas é Sua vinda do céu à terra. Veja João 3:13:

“Ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu”.

Temos aí de novo o subir e descer, a descida e a subida; não em termos de descer ao inferno, porém de vir para viver na terra. O nosso Senhor estava na terra e estava falando com Nicodemos na terra, e estava reivindicando autoridade única para o Seu ensino. “Nós dizemos o que sabemos e testificamos o que vimos.” Eu vim do céu e continuo no céu. Ou tomem o que se vê em João 8:23:

“Vós sois de baixo, eu sou de cima”

Ele não quis dizer que eles estavam embaixo, nalguma cova, debaixo da terra; eles estavam na terra, mas, em comparação com o “de cima” do qual Ele viera, eles eram “de baixo”. Pedro está pregando no dia de Pentecoste, e cita o profeta Joel: vejam Atos 2:19:

“E farei aparecer prodígios em cima, no céu; e sinais em baixo, na terra...”

O contraste é, patentemente, entre o céu em cima e a terra em baixo. Diz o apóstolo que este Jeová subiu “acima de todos os céus”, significa no mais alto céu, no lugar mais alto que se pode conceber.

Assim o apóstolo está asseverando que o que coloca o nosso Senhor na condição em que Ele é o doador de todos estes dons à Igreja, a Cabeça da Igreja e o Senhor de toda a Igreja, é a obra que Ele realizou quando esteve aqui na terra. Ele subiu, e está em condições de dispensar dons porque primeiro desceu e veio à terra para aqui habitar e para fazer certas coisas enquanto estivesse aqui. Esta exposição e explicação evita toda confusão e toda especulação desnecessária sobre o que o nosso Senhor pode ou não ter feito depois da Sua morte e antes da Sua ressurreição. O que podemos dizer desta declaração de Ef 4:8-10? O que temos aqui é uma descrição de todo o movimento da salvação. O apóstolo está descrevendo o grande drama da salvação. Por que há necessidade de salvação? A resposta é, porque a humanidade em peca­do está numa condição de escravidão. Um inimigo entrou no mundo. O diabo, o inimigo de Deus, fingindo-se amigo do homem, foi o maior inimigo do homem. Ele dominou o homem e daí em diante o mantém em escravidão e cativeiro. Veja Hb 2:14,15:

“... para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão

Ele está efetivamente dizendo que o versículo do Salmo 68 que tinha citado é uma descrição de como o nosso Senhor realizou a salvação e redenção, e, na qualidade de poderoso Vencedor, agora está dando dons ao Seu povo na Igreja. O homem em pecado é escravo do diabo; está sob o domínio de satanás. Satanás, o arquiinimigo, é o coman­dante dos exércitos do inferno; e ele atacou e derrotou a humanidade, e a tornou cativa. Ele exerce um terrível domínio e poder sobre a humanidade. O pecado é semelhante a uma terrível escravidão. Muitos pensam que uma vida de pecado é uma vida de liberdade, mas é a maior escravidão de todas. Eis o poderoso inimigo que mantém a humanidade em escravidão a vida inteira, o medo da morte. Veja 1 Coríntios 15:26:

“Ora o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte”

Esta é a condenação, e dela não podemos escapar. Satanás maneja e usa esse medo para manter-nos na escravidão. A humanidade em pecado odeia esse temível espectro que cada vez mais se aproxima de nós. Ela faria qualquer coisa para evitá-lo, todavia não consegue. Estes são os inimigos que derrotaram o homem. O Filho de Deus veio a este mundo a fim de vencer estes inimigos e pôr em li­berdade todos os que nEle crêem. Cristo veio para redimir a Igreja, para resgatar o Seu próprio povo dessa escravidão, desse cativeiro, dessa tirania. Ele veio com esse objetivo específico, e o levou a cabo. Veja Ef 4:8:

“Por isso, diz: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro...”

O nosso Senhor agora está na glória, assentado à destra de Deus, tendo posto todos os inimigos debaixo dos Seus pés. Mas, quando pen­sarmos nEle, devemos pensar também nalguma coisa mais - “que é, senão que também antes tinha descido às partes mais baixas da terra?” Ele está nos altos céus agora, mas já esteve na terra. Ele “deixou o palácio real celestial”, Ele “humilhou-se”; estes são outros modos de dizer, “que é, senão que também antes tinha desci­do?” Estes são modos de descrever a Encarnação. Ele não poderia levar cativo o cativeiro enquanto não descesse primeiro e enfrentasse o inimigo. No entanto Ele veio, Ele desceu. Ele veio dos mais altos palácios reais do céu ao ventre da virgem, à terra, na forma de homem, na forma de servo, com toda a pobreza e com tudo o que caracterizava o lar para o qual Ele veio. Ele desceu para defrontar-Se com os inimigos que nos derrotaram, e especialmente o poderoso adversário que nos mantém na escravidão. Ele veio para empenhar-Se num conflito terrível; ainda quando Ele era um bebê, o Rei Herodes tentou matá-l0. Sujeitou-Se ao batismo, apesar de não ter feito nada de errado e não ter nenhuma necessidade de ser batizado. Recordem o que João Batista Lhe disse. Mas Ele estava Se identifican­do com o Seu povo, pelo qual Ele ia lutar. Ele foi tentado pelo diabo. Durante quarenta dias e quarenta noites no deserto, Ele esteve em combate singular e mortal com o principal inimigo. Tudo isso faz parte do drama da redenção e da luta, do conflito para libertar o Seu povo. Ele “desceu” para fazer isso. Veio depois aquele terrível momento no Jardim do Getsêmani, quando Ele viu claramente o que a nossa redenção ia envolver, e clamou:

“Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres”

Ele foi até à cruz a fim de que esta vitória fosse completa. No Calvário eles puseram à mostra as suas últimas reservas. O diabo supunha que, se O matasse, ficaria livre dEle, e assim O derrotaria. Mas quando eles O estavam matando, Ele os estava destruindo. Foi morrendo e ressucitando que Ele derrotou finalmente o diabo e todas as suas hostes. Ele morreu e foi sepultado; os Seus amigos fizeram rolar uma grande pedra sobre a boca do túmulo, e os Seus inimigos puseram soldados para vigiá-lo. O inimigo parecia vitorioso, e tudo parecia estar perdido. Mas Ele “rompeu as ataduras da morte” e Se levantou triunfante sobre o túmulo. “Tragara foi a morte na vitória.” Ele venceu a morte e o túmulo, de modo que podemos dizer com Paulo:

“Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Jesus Cristo”

O nosso Senhor venceu o último inimigo. Todo inimigo que alguma vez escravizou o homem e o manteve em cativeiro foi vencido e derrotado. Assim, tendo completado a obra, Ele ressurgiu e subiu da terra ao céu. A asserção do apóstolo é que é porque Ele fez tudo o que viera fazer na terra, que Ele está agora “acima de todos os céus”. Veja Fp 2:9,10:

“Pelo que também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, na terra, e debaixo da terra”

Aquele que subiu está em condições de dar dons, primeiro desceu, venceu todos os nossos inimigos e captores e os levou em Seu séquito triunfal. Ele conquistou o direito de ser a Cabeça da Igreja, e tem todo o poder. Assim, Ele dispensa estes dons ao Seu povo na Igreja, segundo a medida que Ele próprio determinou.

Certamente devemos juntar-nos todos para agradecer a Deus o grande apóstolo ter interrompido o seu argumento e ter-nos dado esta exposição, e, com ela, esta estupenda visão do drama da redenção - do céu à terra, ao túmulo, e de volta ao céu. Esse é o quadro com o qual o apóstolo descreve Cristo como a Cabeça da Igreja, concedendo e distribuindo graças e dons ao Seu povo na Igreja.

“que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”.

segunda-feira, 26 de março de 2012

AS 42 JORNADAS NO DESERTO – CAPÍTULO 143


Por: Luiz Fontes

30ª Estação – Jotbatá (parte 2)

TEXTOS: Nm 33:33; Jo 7:37-39; I Co 6:17; Rm 16:18; Fp 3:17-19; 4:4-5; Sl 121:1-2; Gl 5:16; Jo 4:14; Tg 3:11

Como já temos visto, essa 30ª estação, Jotbatá, mostra para nós um aspecto muito profundo da vida espiritual: o fluir do Espírito. Em cada uma dessas estações temos aprendido sobre as experiências do povo de Deus e a aplicação espiritual Neo Testamentária da revelação.

O significado da palavra Jotbatá é “algo bom, agradável”. Trata-se de uma região de fontes de águas, onde o povo de Israel pode saciar a sua sede. E quando olhamos para essa realidade no Novo Testamento, nós somos levados para o Evangelho de João, capítulo 7 e versículos 37 e 38. Vamos, então, dar continuidade a esse estudo sobre o fluir do Espírito.

João 7:37-39 diz:

37 No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. 38 Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. 39 Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado.”

Amados irmãos e irmãs, nós estamos estudando especialmente sobre esta palavra: interior. O Senhor Jesus disse que quem crer nEle, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Por que muitas pessoas dizem crer no Senhor, e o Espírito Santo, que é este rio de água viva, não tem fluido? Para entendermos isso, teremos que estudar o significado desta palavra interior. No grego ela é “koilia”. Quando a estudamos no Novo Testamento, entendemos algo muito especial. O primeiro ponto que vai nos abrir este assunto está no texto de I Coríntios 6:17, quando Paulo diz:

17 Mas aquele que se une ao Senhor é um espírito com ele.”

Isso é muito interessante porque nós vemos aqui o aspecto radical do Evangelho de Cristo Jesus. O Evangelho não é opcional, ele é radical. E nós temos que estar certos disso. Precisamos viver uma vida unida com o Senhor; precisamos ter uma vida íntima como Senhor. E por que muitas vezes nós não temos vivido esta realidade? Romanos 16:18 começa a introduzir o significado desta palavra interior (ou melhor, “koilia”:

“porque esses tais não servem a Cristo”

Nesse contexto Paulo está falando dos maus obreiros, e diz: esses tais não servem a Cristo”. A palavra servem, aqui, tem o sentido de adorar. Ela é latréia. Porque servir é adorar e adorar é servir. Essas pessoas não adoram a Cristo, nosso Senhor, e sim ao seu próprio ventre. Isso significa que essas pessoas são ególatras, adoradoras de si mesmas. O texto ainda diz:

“e, com suaves palavras e lisonjas, enganam o coração dos incautos.”

Vemos, então, que essas pessoas têm um Deus que é o seu próprio ventre. Elas não servem a Cristo, mas a si mesmas. São pessoas que procuram, através de palavras, enganar o coração de pessoas simples. E isso revela que esse tipo de pessoas, que procuram enganar os corações desprevenidos, que fazem discípulos para si e não para Cristo, estão com o interior cheio de lisonjas, de engano, de perversidade. Por isso o Espírito Santo não pode fluir da vida delas.

Depois nós temos outro exemplo que está em Filipenses 3:17-19. E mais uma vez nós vamos ver nesses textos:

17 Irmãos, sede imitadores meus e observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós. 18 Pois muitos andam entre nós, dos quais, repetidas vezes, eu vos dizia e, agora, vos digo, até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo. 19 O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas.

Vemos aqui pessoas que são inimigas da cruz de Cristo, porque pregam a mensagem sem o conteúdo da cruz. Pessoas que não vivem uma realidade viva do Evangelho de Cristo. Essas pessoas vivem para si mesmas. E Paulo diz que o destino dessas pessoas é a perdição. Isso nos leva a alguns pontos importantes:

1 – A necessidade de exercermos um espírito de discernimento. Nós não podemos viver a vida cristã na superficialidade. Temos que ser sérios, prudentes, ousados, com relação àqueles que procuram afrontar o Evangelho de Cristo Jesus na vida do corpo, que é a igreja. Paulo era assim, pois todas as vezes que detectava algo que realmente feria a integridade do corpo de Cristo, ele reagia com veemência. Paulo sempre foi coerente na conduta de viver o Evangelho.

2 – Na sequência, Paulo diz que o Deus dessas pessoas é o ventre. Nesse sentido, vemos o culto ao ego. Vivemos num tempo onde os manuais de autoajuda têm se incorporado à vida moderna de uma forma muito natural, assim como os telefones celulares, a internet. Você pode ver que cada vez mais pessoas encontram inspiração e conselhos para obter uma vida melhor – seja do ponto de vista material ou mesmo do ponto de vista espiritual. Se você puder fazer um estudo vai ver claramente que os livros mais vendidos, os títulos de maior sucesso são aqueles que ensinam a ficar rico em pouco tempo, aqueles que ensinam a galgar degraus no trabalho rapidamente. Se todos os títulos de autoajuda fossem colocados em uma centrífuga, o conselho fundamental que daí resultaria seria: goste de você; tenha confiança em si mesmo; acredite em você; acredite na sua capacidade; você é o melhor.

Irmãos e irmãs, nós precisamos ser cuidadosos com tudo isso. Existe uma sutileza por trás dessas frases de efeito. O ensino de Paulo não é para nós desdenharmos de nós mesmos. Ele mostra o caminho para vivermos uma vida adequada. Note o versículo 19, onde ele diz:

“visto que só se preocupam com as coisas terrenas”.

Também quero que vocês leiam Filipenses 4:4-5, onde Paulo diz:

4 Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo: alegrai-vos. 5 Seja a vossa moderação conhecida de todos os homens. Perto está o Senhor.”

Ora eu creio que esses textos devem impactar o nosso coração, porque nós vivemos hoje essa febre por autoajuda, em ler livros de autoajuda, em buscar autoajuda. Agora olhe esses versículos que lemos até aqui, especialmente os versículos 4 e 5 do capítulo 4 de Filipenses: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez vos digo: alegrai-vos”. Amados, vocês sabem que quando escreveu esta carta aos filipenses, Paulo não estava à beira de um lago lindo, calmo e sereno. Não! Paulo estava numa terrível prisão romana. Paulo estava vivendo uma experiência profundamente frustrante do ponto de vista humano, porque aquelas prisões não se comparam nem mesmo com aquilo que nós conhecemos do sistema prisional brasileiro. Por mais perverso, por mais ordinário, injusto e imundo que seja, não se compara com as prisões daquele tempo. E Paulo tinha uma alegria. Ele falou de uma alegria numa forma como nós não podemos ler em outros lugares na Bíblia. Com uma verdade tão impressionante, com uma essência viva de uma realidade que nos toca profundamente. Mas o que levou Paulo a uma condição daquela, vivendo a expectativa da sua própria morte e falar de alegria? O que isso tem a ver com aquilo que nós compreendemos através dos livros de autoajuda sobre alegria? Porque, irmãos, quando falo de autoajuda é porque eu não creio em autoajuda. Eu creio é na ajuda que vem do alto, a ajuda que vem de Deus. Eu não acredito e nem confio nessa psicologia moderna de autoajuda, mas creio e prego a ajuda que vem do alto, como diz o Salmo 121:

“Elevo os olhos para os montes: de onde me virá o socorro? 2 O meu socorro vem do SENHOR, que fez o céu e a terra.”

Não é autoajuda; é a ajuda que vem do alto. E agora você vê Paulo aqui exortando os irmãos à alegria. Veja que ele diz: “seja a vossa moderação”. Essa palavra, no original, é “epieikes”, e significa virtude de permanecer na exata medida. Ela fala de tranquilidade, comedimento. Uma pessoa que vive em Cristo é tranquila, é pacífica. Uma pessoa perturbada não vive em Cristo, mas vive oprimida por satanás. Quando Paulo diz aqui: “Perto está o Senhor”, ele não se refere à vinda do Senhor, e sim à presença do Senhor. É essa presença que nos traz tranquilidade; é essa presença que nos traz a moderação. Nós temos que ter convicção da fé que nós temos recebido por meio do Evangelho. Nós temos que exercê-la. Por isso, a vida cristã é uma vida radical.

Em Gálatas 5:16 Paulo diz:

andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne”.

Esse texto nos diz que nós temos que crescer, porque a vida cristã é progressiva. Na vida cristã não há estagnação. Quando nós estagnamos, nós retrocedemos. Ou nós estamos andando para frente ou estamos andando para trás – não tem como parar na carreira cristã.

Nesse sentido, vemos Filipenses 3:19, onde Paulo diz que “o Deus deles é o ventre. O termo aqui é “koilia”. Trata-se da autoglorificação. Servem a si mesmos, amam a si mesmos. “A glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas”. Então, irmãos e irmãs, vejam que essa palavra “kolia” revela o nosso interior. E os textos que lemos nos levam a refletir sobre o que realmente está fluindo de nós, o que realmente está fluindo da nossa vida. Nos textos que lemos vemos pessoas que servem ao seu próprio ventre, pessoas que se autoglorificam. Segundo esses textos, essas pessoas não andam segundo o Espírito, elas pregam o Evangelho diferente, focadas em si mesmas, em seus interesses.

Mais uma vez eu quero lhe perguntar: o que é que tem fluido da sua vida? Amados, quero ainda ler dois textos com vocês. O primeiro está aqui no Evangelho de João, capítulo 4 e versículo 14, quando o Senhor Jesus encontrou com aquela mulher samaritana. Diz assim:

14 aquele, porém, que beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna.”

A ação do verbo “jorrar”, aqui no original grego, conforme a gramática, expressa a ideia de prosseguimento. É jorrando, entende? Como vamos explicar a nossa vida diante desse versículo? Será que existe um rio fluindo da sua vida? Será que na sua vida existe um rio fluindo incessantemente? É por isso que as pessoas vivem atrás de autoajuda, porque elas esqueceram de viver o Evangelho. O Evangelho que elas creram é o “evangelho de meias verdades”. Como se explica o “evangelho de meias verdades”? O “evangelho de meias verdades” não é o Evangelho. O Evangelho é puro, simples, poderoso, glorioso e completo. Não é um “evangelho de meias verdades”. O Evangelho é a Verdade!

Então, olhe para isso. O outro texto que quero ler com você está aqui em Tiago 3:11. Olhe o que diz:

11 Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso?”

Veja que o Senhor Jesus disse: “A água que Eu lhe der será uma fonte a jorrar para a vida eterna”. Esta água é uma clara referência à obra e à Pessoa do Espírito Santo em nós. Veja que o Senhor Jesus disse: “essa água será nela uma fonte”. Está vendo? Uma fonte a jorrar. Isso tem que ser claro na sua mente, tem que estar claro na sua experiência. Essa fonte não pode jorrar para outro lugar, a não ser para a vida eterna. Mas se ela estiver suja, se ela estiver contaminada, ela jamais poderá jorrar para a vida eterna. Ela só pode jorrar para a vida eterna se ela for uma fonte de água cristalina. Olhe agora as palavras de Tiago: “Acaso pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso?” Na versão Rainha Valéria, em espanhol, está assim: “Será possível que do mesmo manancial brote água doce e amarga pela mesma abertura?”.

Amados irmãos e irmãs, em síntese, os textos que já estudamos em Romanos 16:18 e em Filipenses 3:17-19 nos dizem que essas pessoas citadas por Paulo servem ao seu próprio ventre, andam como inimigos da cruz de Cristo, porque só se preocupam com as coisas terrenas. Como poderemos permitir o fluir do Espírito Santo em nós se em nosso interior estamos contaminados pela egolatria, por uma paixão exacerbada pelas coisas desse mundo?

Que Deus, pelo Seu Espírito, nos limpe pela Sua Palavra. Que Deus, pelo Seu Espírito, nos lave pela Sua Palavra. Que o Senhor venha operar de uma forma abundante e poderosa em cada um de nós, para que o Seu Espírito venha fluir como um rio de águas vivas a jorrar, a saltar para a vida eterna. Irmãos, a eternidade já começou dentro de nós e nós temos que ter certeza e experiência quanto a isso, porque a vida cristã é uma vida de realidade espiritual. Não seja negligente quanto a isso. Não seja leviano quanto à vida cristã. Entenda o que Deus tem reservado para você, entenda o que Deus quer para você, entenda o que Deus tem depositado na sua vida. Creia, viva uma vida cristã pela fé. Que Deus lhe abençoe!

terça-feira, 20 de março de 2012

UM SÓ DEUS

Por: D. M. Lloyd Jones


Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos”

Ef 4:6

Estas palavras completam a grande declaração do apóstolo iniciada no versículo 4: “um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos”. É também o clímax do apelo de Paulo aos cristãos efésios para “se esforçarem para guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Como vimos, ele lhes dá estas sete razões para fazê-lo, e as divide em três grupos principais. As três primeiras centralizam-se no Espírito Santo; as três seguintes no Filho; e agora chega ao - “um só Deus e Pai de todos”.

Vemos outro exemplo disto no capítulo onze da Epístola aos Roma­nos. Veja Rm 11:36:

“Porque dele (Deus), e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!”

O apóstolo não pára no Espírito ou no Filho, como tantos cristãos são tentados a fazer; ele sempre prossegue indo ao Pai. Ele coloca estas verdades numa ordem experimental. Como membros da Igreja, naturalmente pensamos primeiro na obra do Espírito Santo. Mas o Espírito Santo leva-nos ao Filho, pois Ele foi enviado para glorificar o Filho. E o principal desejo e propósito do Filho era glorificar o Pai.

Há uma escola popular de teologia que dá ênfase ao aspecto cristocêntrico da salvação. Num sentido é correto fazê-lo; todavia nunca devemos parar no Filho. Veja 1 Pe 3:18:

“Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus

O apóstolo está interessado em mostrar que tudo que se relaciona com a nossa salvação sugere o elemento de unidade; e em nenhuma outra parte se vê isso mais claramente do que na doutrina das Pessoas da bendita e santa Trindade. Cada Pessoa da Trindade está interessada em nós e em nossa salvação; cada Uma delas trata de um aspecto particular dessa obra, e cada Uma delas coopera com as Outras. O apóstolo está incentivando os crentes efésios a se lembrarem disto sempre. Vejo cada vez mais que a maioria das dificuldades da vida cristã deve-se ao fato de que somos demasiado subjetivos e passamos muito tempo examinando-nos a nós mesmos e tomando o nosso pulso espiritual, por assim dizer. A cura para muitas doenças e enfermidades da alma está em dar atenção à grande verdade objetiva, à glória da nossa redenção e salvação. Se tão-somente nos déssemos conta de que as três benditas Pessoas de Trindade santa estão íntima e ativamente interessadas em nós e em nossa salvação, toda a nossa situação mudaria completamente. O ensino bíblico concernente à salvação é que, antes mesmo do tempo, num eterno conselho do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a nossa salvação foi planejada e projetada; e na plenitude do tempo ela foi posta em ação. Como membros da Igreja, estamos em relação (relacionamento) com o Espírito e o Filho e o Pai. E esta relação toma inevitável a questão da unidade.

E agora chegamos à verdade particular concernente a “um só Deus e Pai de todos”. Estamos constantemente em perigo de esquecer que a Igreja é, depois de tudo, “a igreja de Deus”. Há um sentido em que a Igreja é a Igreja de Cristo, porém a expressão empregada na Bíblia é “a igreja de Deus”. Veja 1 Co 1:2:

“à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus...”

Veja também 2 Co 1:1:

“Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, à igreja de Deus que está em Corinto...”

Como será que isto nos ajuda a entender este princípio de unidade? A primeira expressão é, “um só Deus”. Isto quer dizer que, como cristãos, constatamos que existe somente um Deus. O mundo pagão ao qual os cristãos efésios tinham pertencido anteriormente não cria nesta verdade. Como o apóstolo lembra aos Coríntios 8:4:

“todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos;”

Aqui também, no interesse da unidade, o apóstolo está apresentando o argumento do “um só Deus”. A crença numa multiplicidade de deuses sempre leva à divisão. Este adora a Júpiter, aquele a Mercúrio, outro adora ao deus Marte ou a algum outro Deus. Como Paulo viu em Atenas. Paulo ensinava em toda parte, era resultado da obra do diabo; pois há unicamente “um Deus”. E, uma vez que há somente um Deus, tem que haver unidade essencial entre os que crêem nEle. O apóstolo não está só ensinando que há somente um Deus, mas também está acentuando o fato de que Deus é um só. Este é um grande mistério, porém é a essência da doutrina da Trindade. Não cremos que existem três deuses; há um só “Deus em três Pessoas, a bendita Trindade”. Isto explica por que alguns dos judeus a princípio achavam difícil crer no Senhor Jesus Cristo, que Se dizia um com o Pai. Veja Jo 10:30:

Eu e o Pai somos um.”

Não tentem entender isto; ninguém pode entender este mistério último. Contudo é a verdade que encontramos nas Escrituras. Deus é Um - há uma só Deidade. Todavia há três Pessoas na Deidade. Isto não implica três deuses, não triteísmo, e sim monoteísmo - três Pessoas na Deidade Eterna e Una. Reconhecemos o Espírito; reconhecemos o Filho; reconhecemos o Pai; não obstante, dizemos que os três são um só Deus. Lemos que o Espírito está em nós, que Cristo está em nós, que Deus está em nós. Lemos que o Espírito fez certas coisas, lemos noutras partes que Cristo fez as mesmas coisas, e ainda que o Pai fez as mesmas coisas. Essa é apenas uma maneira de salientar esta verdade, que os Três são Um na Deidade eterna - “Deus em três Pessoas, a bendita Trindade”. É Trindade em Unidade, é Triunidade. Isso de novo reforça e acentua o princípio de unidade na Igreja. Assim como as três benditas Pessoas são um só Deus, também nós, que adoramos e pertencemos a Deus, somos igual e necessariamente um só. Portanto, devemos lembrar-nos de “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”.

Pode-se deduzir disto certas conclusões práticas. O fim e objetivo da salvação é trazer-nos a Deus. O objetivo da salvação não é levar- nos ao Senhor Jesus Cristo. O Senhor Jesus Cristo veio a este mundo e fez tudo que fez para trazer-nos a Deus”, a Deus o Pai. Vimos a Deus por meio do Senhor Jesus Cristo; mas a finalidade de tudo é “trazer-nos a Deus”. Assim como o pecado é aquilo que nos separa de Deus, a salvação é aquilo que nos traz de volta a Deus. O grande fim e objetivo da salvação não é somente que sejamos felizes e tenhamos certas experiências e certos benefícios. Ela faz isso, é certo, mas se eu não compreender que o principal fim da minha salvação é reconciliar-me com Deus, trazer-me a Deus e habilitar-me a compare­cer na presença de Deus, não a terei entendido verdadeiramente. Veja 1 Pedro 3:18:

“Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados... para conduzir-vos a Deus;”

Sendo este o grande fim e objetivo da salvação, todos nós, que somos cristãos, devemos, portanto e evidentemente, vir juntos ao mesmo Deus; e se viermos ao mesmo Deus, não poderá haver divisões. A fé e doutrina cristã começa com Deus, e tudo leva a Deus - “um só Deus”. Todos nós temos um e o mesmo objeto de culto. Veja Ef 2 :18:

“porque, por ele, (Cristo) ambos (judeu e gentio) temos acesso ao Pai em um Espírito.”

O judeu era anteriormente um adorador de Deus, enquanto que o gentio era um adorador de uma das divindades pagãs; mas agora tudo isso passou e tanto o judeu como o gentio têm “acesso ao Pai em um mesmo Espírito” (ou “por um mesmo Espírito”). Se compreendêssemos isto, a unidade seria totalmente inevitável. Paulo nos lembra que todos nós estamos adorando este único Deus, e quando nos apercebemos da presença de Deus, todas as distinções e cismas se desvanecerão e desaparecerão imediatamente. Na presença da glória de Deus, tudo mais empalidece, reduzindo-se à insignificância, e “nos absorvemos em encanto, amor e louvor”. Um só Deus! Nós O adoramos, ao Deus único, e o fazemos todos juntos. Não há necessidade de argumentar acerca da unidade; a percepção da presença de Deus cria unidade. Além disso, podemos e devemos lembrar-nos de que todos nós estamos indo a este único Deus, ao mesmo Deus. Todos vamos encontrar e ver o mesmo Deus. Bem-aventurado os limpos de coração, porque eles verão a Deus.” Estamos indo para o mesmo lar eterno.

Contudo, o apóstolo não nos deixa nisso; diz ele: “Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos”. Quando ele diz, “Um só Deus e Pai de todos”, não quer dizer todas as coisas - a criação, o universo, o cosmos e tudo o que ele contém - mas todas as pessoas. Há os que se dispõe a dizer que, Deus é o Pai de todos, afirmam eles, e nós, como cristãos, não devemos restringir a paternidade de Deus unicamente a nós. O apóstolo está escrevendo acerca da Igreja; não está escre­vendo acerca do mundo. Está escrevendo aos que pertencem a um “corpo”, aos que estão “em Cristo”; está escrevendo a cristãos, aos quais exorta a se esforçarem para “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Ele não está pensando no mundo em geral, porém nos que foram recolhidos do mundo e incorporados no corpo de Cristo, e que são membros do Seu corpo místico. O termo “todoscobre todos os cristãos, e ninguém mais. Não só isso, pois a última frase aí, “e em todos”, basta para firmar a questão uma vez por todas. Deus está somente “no” crente, “no” cristão. Contudo, podemos ir adiante e dar uma conclusiva prova afinal. O versículo seguinte - o verso 7 - estabelece a nossa argumentação além de toda e qualquer dúvida, no sentido de que o apóstolo está falando acerca da Igreja - “Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo” - e ele passa a tratar da distribuição de dons e trabalhos dentro do corpo, da Igreja. Assim, desde o início ele está limitando a sua atenção à Igreja, ao povo cristão, e não está dizendo coisa alguma sobre os de fora. Deus é o criador de todos, e nesse aspecto há uma espécie de paternidade geral; mas a paternidade de Deus, como exposta aqui, limita-se aos que estão em Cristo e na Igreja. Devemos crer na paternidade de Deus, no caso de todos os que pertencem a Cristo. Veja Ef 1:3:

“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo...”

Toda a sua argumentação é que, mediante Cristo, Deus Se tornou nosso Pai também. Veja ainda Ef 3:15,16:

“Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o nome toda família...”

Se tão-somente víssemos e entendêssemos pelo Espírito que somos filhos de Deus, isto revoluci­onaria todo o nosso modo de pensar e de viver. É isso que realmente significa ser cristão. O cristão é alguém que nasceu de novo, nasceu do Espírito, nasceu de Deus. Este princípio da vida divina e eterna foi posto nele; portanto, ele é o filho de Deus. Deus é seu Pai. Veja Jo 20 17:

“Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai, mas vai ter com os meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus.”

Como cristão, somos todos filhos de Deus, filhos do mesmo Pai, pertencentes à mesma família. Pertencemos à família da qual Paulo nos lembrara no fim do capítulo dois, onde ele diz: “Já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus”. Fomos adotados na família de Deus, e Ele enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho, que clama: “Aba, Pai(Gl 4:6). Se retomássemos a estas centralidades, se tão-somente nos déssemos conta do sentido, desta particular declaração de que Deus é nosso Pai, de que pertence­mos à Sua família, e de que Ele cuida de nós como Seus filhos queridos e bem-amados, toda a nossa perspectiva mudaria e a unidade se seguiria inevitavelmente, como a noite segue-se ao dia.

O apóstolo não deixa isto como uma declaração geral; vai adiante, às particularidades, acrescentando: “O qual é sobre todos, e por todos, e em todos”. Este acréscimo não é mero floreio retórico nem vão acúmulo de palavras. Se eles captassem isto, solucionaria os seus problemas e os ajudaria a guardar “a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Significa que Deus está acima de todos. É uma referência à supremacia de Deus o Pai, à posição exaltada do Pai, ao fato de que, na “governo” da Trindade, Deus o Pai é supremo. Na obra de salvação o Filho subordinou-Se ao Pai, embora sendo co-igual e co-eterno com Ele; e o Espírito subordinou-Se ao Filho e ao Pai. O Pai está “acima de todos”; a Ele pertence a supremacia final. Ele está pensando em termos da Igreja. E quando ele diz que Deus, o único Pai, é sobre todos, está querendo dizer sobre todos na Igreja e para a Igreja dos redimidos. A Igreja é o Seu grande propósito e desígnio. O Pai concebeu a Igreja, planejou-a, projetou-a.Segundo o beneplácito de sua vontade” - a vontade de Deus. O apóstolo já estivera dizendo e expondo isto no primeiro capítulo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (versículo 3). Aí é onde ele começa, e aí é onde nós devemos começar em nosso pensamento.

O grande e eterno Deus, em Sua glória, infinidade e inefabilidade, “propusera em si mesmo” cuidar de mim e de vocês e redimir-nos, tirar-nos do domínio do pecado, de satanás e do inferno, colocar-nos “no corpo de Cristo5' e adotar-nos para a Sua família. O próprio Deus o Pai o fez. “Segundo o seu benefício, que propusera em si mesmo”. É neste sentido que Deus o Pai está "sobre todos” ou “acima de todos”. O propósito é exposto claramente em Ef 1:10:

“De tornar a congregar em Cristo todas as coisas...”

Dessas coisas o apóstolo nos está lembrando aqui, no capítulo 4, ao tratar da questão da unidade. Seu argumento é que há “um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos”, e, sendo sobre todos, o Seu plano e propósito é reunir, juntar em um só todas as coisas em Cristo. Não haverá necessidade de argumentar ou apelar acerca da unidade, se perceber que o propósito de Deus o Pai, o qual é sobre todos, é reunir, tornar a juntar em um só, aquilo que foi dividido e separado pelo pecado. A desunião e o cisma ser-nos-ão completamente impossíveis se nos regozijarmos nessa verdade; jamais deveríamos permitir-nos estar numa posição na qual causamos divisão.

Paulo diz, porém, em segundo lugar, que Deus não somente é “sobre todos”, mas também é “por todos”, ou “produz energia” em todos. Noutras palavras, Paulo está dizendo que Deus permeia toda a vida da Igreja e a sustenta. É a energia de Deus que trouxe à existência a Igreja, mantém em existência a Igreja e a manterá existindo até à consumação final. O seu desejo quanto a eles é que se apercebam da sobreexcelente grandeza do poder de Deus, “a energia da força do seu poder” (Ef 1:18-20), para com os todos os que crêem. Este é o poder que os havia tirado das trevas e da morte para a luz e a vida, quando eles estavam mortos em ofensas e pecados”. Vê-se a energia de Deus na santificação, como em todas as partes da nossa salvação. Ele é “sobre todos”; Ele é “por todos”.

Finalmente, Ele é “em todos vós”. Significa nada menos que o fato de que Deus o Pai, como Deus o Filho e Deus o Espírito Santo, está em todos nós. A Igreja é habitação de Deus. Veja Jo 14:23:

“se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada

Ele habita nela, e, portanto, em nós. “Um só Deus e Pai, o qual é sobre todos, por todos, e em todos.” Você tem contemplado esta grande verdade? Você tem considera­do o fato de que a Trindade esta interessados em sua redenção? Você entendeu que somente a percep­ção disso no faz um? “Senhor abre os nossos olhos...”