sexta-feira, 18 de março de 2011

CONTINUAÇÃO DO ESTUDO DA EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS


CAPÍTULO 9

"O HOMEM INTERIOR"

Por: D. M. Lloyd Jones

"Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior." – Efésios 3:16

Estas palavras são uma parte da exposição que, começando no versículo 14, vai até o versículo 21:

"Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual a família nos céus e na terra toma o nome, para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior; para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus. Ora àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segun¬do o poder que em nós opera, a esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém".

Por mais tempo que vivamos neste mundo, seja qual for o orador que surja, vocês jamais ouvirão coisa alguma que se iguale a isso quanto à eloquência, à elevação do pensamento, à profundidade da linguagem e à concepção. É indubitavelmente um dos picos culminan¬tes das Escrituras. De fato há muitos que dizem que este é o pico mais elevado em toda a cadeia de montanhas da verdade e da revelação divina nas Escrituras. Lembremo-nos de que estamos focalizando a oração que concretamente o apóstolo eleva em favor do povo cristão de Éfeso. Estudamos o modo pelo qual ele se aproxima de Deus, e notamos quão cuidadoso ele é ao fazer-nos recordar os seus pontos essenciais e a nossa necessidade de nos ajustarmos a isso. Ele "se põe de joelhos" perante o Pai, perante Aquele a quem, graças ao nosso bendito Senhor e Salvador, também temos o direito de chamar "nosso Pai". Tendo assim chegado à presença de Deus, que é que o apóstolo pede em oração a favor destes cristãos efésios, que tão profundamente estão em seu coração?
No Novo Testamento temos registradas diversas orações de Paulo, e todas são dignas da nossa mais diligente e séria consideração, mas nenhuma das suas orações se eleva mais alto que esta. Aqui ele nos eleva diretamente aos céus, e ora por coisas quase incríveis, subindo ao clímax – "para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus". Lembrem-se de que ele está orando assim por pagãos convertidos, muitos dos quais tinham sido escravos, e talvez ainda o fossem, pessoas desconhecidas. Visto que eram cristãos o apóstolo faz esta oração por eles e, ao fazê-la, leva-nos aos pontos mais altos, ao nível mais elevado da experiência cristã e daquilo que é possível aos homens e mulheres no presente mundo. Esta é a verdadeira chave da genuína vida cristã; portanto, não há como exagerar no exame desta oração.

Vindo, pois, ao conteúdo real da sua oração, notemos primeiro aquilo pelo que ele não ora. Nas Escrituras o negativo é sempre significativo. Às vezes é quase tão importante como o positivo. E aqui, aquilo pelo que o apóstolo não ora merece atenção. Imaginem-se na situação do apóstolo. Como vocês poderiam orar por estes efésios? Que é que rogamos quando oramos uns pelos outros? Quando sabemos que outros estão com problemas e em dificuldades, qual é a nossa petição a favor deles, qual o caráter da nossa intercessão? Paulo não ora pedindo que haja mudança nas circunstâncias, nem com relação a si mesmo, nem com relação a outros. Sua oração não é no sentido de que ele seja solto da prisão para poder voltar a pregar-lhes em Éfeso. Isso era muito desejável e, sem dúvida, ele orava pedindo isso; mas não era essa a coisa de maior importância, não era o que ele colocava no centro, não era a coisa que ele queria inculcar neles. Tampouco fez apenas um tipo geral de oração por eles, rogando a Deus que os abençoasse e fosse bom para eles. Saliento particularmente isto porque me parece que muitíssimas vezes as nossas orações são deste caráter. Oramos pedindo a Deus que abençoe as pessoas. Rogamos a Deus que seja gracioso para com elas, e que olhe por elas; e assim nos limitamos a um tipo de oração geral.
Positivamente, a primeira petição do apóstolo é: "Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder pelo seu Espírito no homem interior". Aqui temos o que é sempre característico das orações de Paulo, e, ao mesmo tempo, é sempre característico de todas as orações bíblicas, tanto no Velho Testamento como do Novo. Ao mesmo tempo nos é apresentado o modo caracte¬risticamente cristão de ver os problemas que incidentalmente sobre¬vêm às nossas vidas neste mundo, muitos dos quais surgem diretamen¬te por causa da nossa profissão de fé cristã.
A primeira característica é que a sua oração é exclusivamente espiritual. Ele está preocupado, não com o material, porém com o espiritual. Ele focaliza a sua atenção e o seu interesse no estado espiritual dos efésios. Toda a atitude do apóstolo para com a vida é espiritual, e ele sempre parte do espiritual. Este é um princípio que ignoramos, com risco nosso. Nesta questão ele segue o Senhor nosso, que ensinava: "Buscai primeiro do reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas (outras) coisas vos serão acrescentadas" (Mateus 6:33). Nosso bendito Senhor estava lidando com pessoas que viviam preocupadas com comida, bebida, roupas e outras coisas materiais. O problema com vocês, diz Ele efetivamente, é que vocês estão começando com o material e com o visível; comecem com o invisível, "procurem primei¬ro o reino de Deus e a sua justiça". É precisamente isso que o apóstolo faz aqui. O que está acima de tudo em sua mente e em seu coração é a condição espiritual e o bem-estar espiritual destas pessoas.
A segunda característica da oração de Paulo é que é uma oração muito específica. Como digo, não é simplesmente uma oração geral; ele seleciona certas coisas, isola certas particularidades e as apresenta uma por uma em sua oração a Deus em favor dos efésios. A verdadeira oração cristã – a oração no Espírito, a oração em Cristo – não é somente de caráter espiritual, mas também é sempre específica. Pomos à mostra muita verdade a nosso respeito em nossas orações e em nossa maneira de orar. Em última análise, não há melhor indício do estado e condição espiritual de uma pessoa do que as suas orações. Se as suas orações são formais, significa que toda a sua posição é formal. Se está mais preocupado com a beleza da linguagem e da dicção, vocês podem estar certos de que o seu principal interesse é, de novo, por exterioridade. Há liberdade, há espiritualidade na oração? Demonstra-se entendimen¬to do caráter e a natureza essencial da vida cristã? Encaremos isto individualmente com relação a nós. Quando vocês oram a Deus, qual é a sua maior preocupação referente a si próprios? Preocupam-se principalmente com as circunstâncias e ambições – com os seus corpos, os seus quefazeres –, ou se preocupam primordialmente com o seu estado e condição espiritual? Que é que recebe maior atenção e mais tempo em suas orações e devoções pessoais? Vocês se preocupam primariamente com toda a questão do seu crescimento e desenvolvi¬mento espiritual, com o seu conhecimento de Deus, com a sua relação com Ele e com o modo como O fruem? É esse o grande interesse? Ou vocês dão prioridade às coisas que pertencem às exterioridades da vida? As orações do apóstolo não são só essencialmente espiri¬tuais; são também específicas. Há certos aspectos da prosperidade espiritual dos efésios que o preocupam em particular, e assim ele os menciona um a um.

Notem que Paulo não faz pouco caso dos problemas envolvidos. A abordagem neotestamentária, a abordagem verdadeiramente cristã dos problemas da vida, nunca os menospreza. Contudo, é característico da psicologia que esta geralmente o faz. Interessada primariamente em fazer-nos felizes, não toma muito cuidado quanto à maneira de conse¬guir isso. Assim é que ela vem e nos dá uma certeza geral de que tudo estará bem e que o pior nunca acontecerá. Ou poderá examinar a situação da pessoa e dizer que, depois de tudo, a situação não é tão ruim como poderia ter sido. Esse não é, absolutamente, o método do apóstolo, e esse método não se encontra em parte alguma do Novo Testamento. As Escrituras jamais procuram diminuir um problema ou uma dificuldade; fazem exatamente o oposto. O modo terrenal de tentar ajudar-nos quando estamos em dificuldade é dar palmadinhas nas costas e dizer: "Está tudo bem!" Mas é muito errado dizer que está tudo bem quando não está. Uma sinceridade essencial sempre caracteriza a abordagem bíblica e cristã.
Tampouco o método cristão promete levianamente que o problema ou dificuldade ou o que quer que seja será afastado logo. Nada é tão característico das Escrituras como o seu realismo. Dou ênfase a isto porque é a chave para compreendermos esta oração. O Novo Testa¬mento diz-nos com muita franqueza e clareza: "No mundo tereis aflições" (João 16:33). Ele não nos promete tempos fáceis. Não constitui um alegre tipo de otimismo. Ele não diz que, uma vez que você se torne cristão, o mundo inteiro mudará; que você andará sobre rosas e nunca mais terá nenhum problema. Ao contrário, estas são as suas afirmações: "Por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus" (Atos 14:22). "A vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele" (Filipenses 1:29). "Todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições" (2 Timóteo 3:12). O livro de Apocalipse, igualmente, está repleto de profecias de provações, problemas e tribulações. Nada do Novo Testamento nos leva a pensar que todas as nossas dificuldades serão removidas subitamente e que andaremos dentro de um círculo mágico. Muito ao contrário! Se o Novo Testamento não nos falasse desta maneira realista, não nos ajudaria a enfrentar as situações em que nos acharmos, a sobrepujá-las e a sermos mais que vencedores.
É da essência do método bíblico mostrar-nos que, visto que este mundo é pecaminoso, necessariamente há nele provações, lutas, pro¬blemas e tribulações. O cristão não deve ficar surpreso face às condi¬ções do mundo, pois o pecado traz tristes consequências. São os filósofos, os psicólogos e os falsos otimistas que devem ficar surpre¬sos, pois eles acreditam que há dentro do homem poder para pôr tudo em ordem neste mundo. Mas o cristão parte deste princípio – que enquanto houver pecado neste mundo, haverá problema. "O caminho dos prevaricadores é áspero" (Provérbios 13:15). "Os ímpios, diz o meu Deus, não têm paz" (Isaías 57: 21). Não têm, não terão e não poderão ter. O pecado, a luxúria que está no peito e no coração humanos, é a causa da guerra, da discórdia e de todos os problemas. Se você opinar em que este conceito é muito pessimista, replico que é realista. Não é pessimismo encarar os fatos. O pessimismo vem depois de encaramos os fatos, e principalmente como resultado do modo pelo qual os encararmos. Não é verdadeiro otimismo negar-nos a olhar sinceramente para os fatos, porque o verdadeiro otimismo é sempre e completamente realista. Começa vendo todas as coisas como são, e em sua pior condição, e depois as domina. E aqui o apóstolo não promete nada fácil ou simples. Na vida espiritual não há atalhos.
Notem ademais que Paulo não ora pedindo que apareça um método para combater diretamente estes problemas, dificuldades e situações. Nunca o cristianismo se preocupa primariamente com a destruição dos nossos inimigos, ou com a solução das nossas dificuldades e proble¬mas. Antes, o método do apóstolo consiste em orar no sentido de que, face a face com todas estas coisas, ante o aprisionamento e tudo mais que Deus possa permitir, sejamos "corroborados (ou fortalecidos) com poder pelo seu Espírito no homem interior", "segundo as riquezas da sua glória". Noutras palavras, o modo cristão de lidar com todos os problemas da vida não é, em primeiro lugar, fazer algo acerca deles, mas sim, tratar das nossas condições espirituais. O método cristão consiste em edificar a nossa resistência em nosso homem interior, pelo Espírito.
Uma ilustração lançará luz sobre o que estou querendo dizer. O ensino bíblico referente à nossa reação aos ataques é análogo ao que sucede na natureza no caso do corpo físico e da doença. É um modo conveniente de estudar este problema em geral. O pecado, o mal, satanás e todos os poderes que querem derribar-nos, deprimir-nos e destruir-nos, são como doenças resultantes dos ataques de germes, micróbios e vírus fortes e poderosos, capazes até de destruir a vida. Estamos sendo atacados constantemente desta maneira, quer esteja¬mos conscientes disso, quer não. Eles estão dentro de nós; há em nossos corpos muitos milhões de germes, alguns dos quais a qualquer instante podem tornar-se letais e destruir-nos. Como o corpo lida com estas coisas? Há no corpo um mecanismo destinado a resistir a tais ataques. É questão de infecção e resistência. Às vezes se faz referência à resistência como constituição natural do homem; alguns lhe chamam físico. Uns nascem com constituição melhor e mais forte que outros, de modo que quando dois homens são expostos à mesma infecção, enquanto um deles pode cair de cama, o outro não é afetado. Isso porque o último tem melhor resistência. Vocês decerto ouviram falar de alguma criança que foi vacinada, e a vacina não pegou. O médico pode pensar que houve algum engano, de modo que repete a vacinação. Mas esta ainda não pega. Então o médico conclui que a criança tem "imunidade natural". Faz parte da natureza dessa criança, da sua constituição.
Há um mecanismo para a resistência no corpo. Nem sempre a resistência é muito forte; na verdade, pode ser muito fraca. Assim, o que é necessário fazer para enfrentar a infecção é fortalecer a resistência. Há muitas maneiras de fazê-lo. Uma é fazer exercício, sair ao ar livre e encher os pulmões de ar puro e oxigênio. Outro é alimentar-se com o tipo certo de comida. Há, porém, outra linha de abordagem, a saber, tomar remédios de várias espécies e tentar atacar diretamente o inimi¬go. Esta abordagem não se relaciona com o fortalecimento da resistên¬cia; lida de maneira direta com os germes invasores. Outro método possível é operar e remover algum órgão infeccionado.
Ora, o método que está sendo empregado pelo apóstolo é o fortale¬cer a resistência dos cristãos efésios. Aí estão as circunstâncias, aí está o ataque sofrido, e assim o apóstolo ora rogando a Deus que, "segundo as riquezas da sua glória, os fortaleça com poder no homem interior". Seja qual for o ataque, a resistência pode ser tão fortalecida que eles se farão mais que vencedores. Este é o ensino bíblico essencial quanto a como viver num mundo como este, como perseverar nisso e como ser "mais que vencedor", a despeito de tudo quanto possa acontecer nesta existência.
Nosso bendito Senhor ensina isto no versículo 1 do capítulo 18 do Evangelho segundo Lucas, onde Ele diz que os homens devem "orar sempre, e nunca desfalecer". Diz Ele que, se não quiserem desfalecer, orem. O que a oração faz é, por assim dizer, encher os pulmões da alma com o oxigênio do Espírito Santo e Seu poder. Se vocês quiserem permanecer de pé sem vacilar, encham-se com a vida de Deus. Orem, e não desfaleçam. Noutras palavras, não devemos perder tempo em ficar pensando nas coisas que tendem a derrotar-nos; devemos fortale¬cer-nos em nossa "santíssima fé", como nos exorta Judas.
Esta é a única maneira pela qual poderemos vir a saber o que é regozijar-nos na tribulação. Esta é a única maneira pela qual poderemos ser o que o apóstolo intitula "mais que vencedores", apesar de tudo aquilo que nos ataca. Ou, como ele afirma no capítulo 4 da sua Segunda Epístola aos Coríntios, se vocês desejarem poder dizer "a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente", deverão poder dizer também, "Não atentando nós nas coisas que se ,veem, mas nas que se não vêem" (versículos 17 e 18). O mesmo princípio funciona em toda parte, na esfera espiritual. Fortale¬çam o homem interior, fortifiquem a resistência.
O princípio deveria ser óbvio para todos. E, todavia, é tão forte a nossa tendência para deixar de vê-lo, que precisa ser repetido e salien¬tado constantemente. Outro modo de expô-lo é dizer: acerte bem o centro, e o restante se ajustará sozinho. Acerte a fonte, e não precisará preocupar-se muito com as tensões e pressões. Geralmente o problema está na fonte, pelo que nós temos que retornar ao início. Há um provérbio que diz: "como (o homem) imaginou na sua alma, assim ele é" (Provérbios 23:7), e isto corresponde perfeitamente à vida. Assim, acerte o homem, acerte o seu pensamento. Não o trate aos pedaços, tratando primeiro deste problema, depois aquele, e simplesmente remendando as coisas; retorne ao centro. O que está errado é o pensamento do homem; então conserte o seu pensamento. Ou siga o método expresso pelo homem que escreveu o livro de Provérbios no capítulo 4, versículo 23: "Guarda o teu coração, porque dele procedem as saídas da vida". Realmente o coração exerce controle sobre todas as coisas; e aqui, "coração" significa o centro da personalidade, e não apenas a sede das emoções. Acerte isso, e tudo mais se acertará.
O Senhor Jesus expôs negativamente a questão quando disse que não é o que entra no homem que o corrompe, mas, antes, o que sai dele. "Do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios" e todas as coisas desse jaez (Marcos 7:20-26). Noutras palavras, em última análise, a nossa condu¬ta não é determinada pelas tentações que nos defrontam nas ruas; é o coração do homem que as enfrenta. Dois homens podem enfrentar idênticas condições; um cai, o outro não. A diferença não está na tentação, e sim no coração do homem. "Do coração..." Devemos pois dar atenção ao coração.
Esdras expressa isto de maneira mais lírica. Vê-se que ele entendeu este princípio quando disse: "A alegria do Senhor é a vossa força" (Neemias 8:10). Como isto é verdadeiro! Quando você quer forças para fazer o seu trabalho e para enfrentar uma tarefa que o aguarda, a tendência é dar atenção unicamente aos seus músculos. Isso está certo dentro de limites. Mas não adianta quão apto você esteja fisicamente, se algo lhe corrói a mente. Se tiver alguma preocupação ou ansiedade, não será capaz de realizar o seu trabalho. Você poderá estar cem por cento apto fisicamente, porém, se houver alguma coisa a mortificar o seu coração, a perturbá-lo e a preocupá-lo, você se sentirá fisicamente fraco. Por outro lado, embora esteja muito fraco no físico, quando de repente lhe sucede algo que o enche de alegria e contentamento, você se sente como um gigante revigorado e vê que tem extraordinário poder. "A alegria do Senhor é a vossa força." Realmente o coração governa tudo.

O apóstolo enuncia este grande princípio desta forma interessante: "Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior".
Consideremos ainda o que se quer dizer com "homem interior". Temos a resposta em 2 Coríntios 4, versículo 16, onde o apóstolo diz: "Ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia". De novo o apóstolo diz em Romanos, capítulo 7, versículo 22: "Segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus". Há dois homens nele. Há uma lei em seus membros arrastando¬-o para debaixo, no entanto ele diz: "Segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus". Obviamente, este homem interior é o oposto do homem exterior. Todavia, a maioria das pessoas do mundo nunca sabe ou nunca percebe que há diferença entre o homem interior e o homem exterior. É uma das mais profundas descobertas que podemos fazer em nossa experiência cristã. O homem interior é o oposto do corpo e todas as suas faculdades e funções. É este outro homem, separado destes elementos, a parte mais recôndita do nosso ser, a parte espiritual do nosso ser. Inclui o coração, a mente, a alma e o espírito do homem regenerado, do homem que "está em Cristo Jesus".
O problema fundamental com o não regenerado, com o não cristão, é que lhe falta este homem interior. Ele nada sabe do homem interior, não acredita no homem interior; vive só na parte exterior. Só vive segundo a carne, vida que não passa de vida no corpo e naquilo que se pode chamar a parte física do homem. Não há nada espiritual quanto a ele. Toda a sua vida é limitada por aquilo de que ele tem ciência, isto é, suas sensações por dentro dele e em sua correspondência com o mundo das coisas que se pode ver, ouvir, sentir e apalpar. Essa é a sua única vida, e sua vida total; está restrita ao corpo, suas faculdades e suas relações com pessoas semelhantes e com as coisas do mundo em que ele se acha. É vida puramente animal.
Essa é a tragédia do homem em pecado, do homem como resultado da Queda. Não tem consciência de que foi criado como um ser espiritual. Não tem consciência de que há algo superior a todos os sentidos do homem. Para ele o homem é, na melhor das hipóteses, um animal racional, um animal que, por acaso, tem faculdades mais altamente desenvolvidas que os animais inferiores, contudo ainda pertence à mesma ordem dos animais. Seu cérebro tem mais uma dobra que o dos animais, entretanto essa é a única diferença entre ele e o animal. Ele não está ciente de que, em acréscimo à sua natureza animal, há esta outra parte do ser humano, a parte a que Paulo se refere como "O homem interior".
A tragédia final do homem natural é que ele não tem nenhum homem interior no qual refugiar-se nas horas de dificuldade, pressão e prova¬ção. Vocês sabem o que quero dizer com "refugiar-se no homem interior"? Sabem o que é, quando as suas vidas de homens ou mulheres neste mundo são afligidas pelas coisas que lhes estão acontecendo e vocês ficam a ponto de cair e desfalecer – sabem o que é refugiar-se no "homem interior"? Essa é uma das experiências mais abençoadas que podemos ter. Ali estava o apóstolo Paulo, velho antes do tempo devido às suas pregações, às suas viagens e às perseguições e provações que sofrera e suportara, seu corpo em decadência, ainda atribulado por um antigo mal, obviamente um homem muito doente. "O nosso homem exterior vai perecendo", diz ele; mas não se assenta num canto, dizendo: é o fim; tive minhas boas oportunidades, agora devo ceder o lugar a outros, chegou a minha hora; eu bem que poderia virar o rosto para a parede e encarar o fato de que o fim está aí. Absolutamente não! Ao compreender a verdade de tudo quanto está acontecendo com o homem exterior, ele se retira para o homem interior e diz: "o interior, contudo, se renova de dia em dia". À medida que o exterior fenece, o interior se fortalece. À medida que o mundo vai levando embora a vida exterior e inevitavelmente vai se afastando dele, este homem interior vai recebendo novo acervo de poder do céu e da glória. Ele se refugiou no homem interior.
Aquele que não é cristão ignora isso tudo. Pobre sujeito! Depende só das circunstâncias, e é dominado inteiramente por elas. Ele vive unicamente numa esfera, e não sabe absolutamente nada da outra. Por isso ele não goza nenhum conforto, nenhuma consolação, e por isso terá que cair na psicologia, nas drogas e em várias tramóias que ele mesmo faz para si. Corre em busca de prazer, apenas para esquecer os seus problemas pelo momento que passa, e assim por diante. Ele realmente não pode enfrentar a vida porque vive só numa dimensão, e quando esta se vai, tudo se vai. Ele fica deprimido e desconsolado, sente-se infeliz e fica desiludido. Mas quando nos tornamos cristãos e recebemos o dom do novo nascimento e da nova vida, um novo homem é implantado em nós, uma nova ordem de vida começa, e entramos numa nova esfera, numa esfera espiritual e invisível. Não é o temporal, o físico, o desvanecente, porém é algo que é de Deus. Somos feitos participantes da natureza divina, uma semente da vida divina é plantada em nós; ela cresce e se desenvolve, e muitas vezes as provações e tribulações estimulam o seu crescimento de maneira sumamente glo¬riosa.
Devido a este homem interior existente em nós, somos capacitados a obter grandes vitórias sobre o diabo. Ele nos ataca de muitas maneiras, todavia às vezes exagera e comete um engano, e involuntariamente nos faz lembrar a nossa posição em Cristo. Mais comumente ele apenas nos mantém num estado geral de depressão. Ele pode usar as condições do tempo, por exemplo, ou tirar vantagem da nossa constituição particular ou da nossa má circulação. Ele faz que nos sintamos frouxos, sem poder pensar nem fazer coisa alguma, e depois nos desanima com maus pensamentos, e nos leva a desiludir-nos. No entanto subitamente vemos o caso doutra pessoa que está em condição similar: que se trata claramente de uma investida do diabo; e, ao vermos o que ele faz a essa outra pessoa, de repente nos despertamos para o fato de que realmente é ele que nos está atacando. Assim, o homem interior é revivido até por problemas de fora, e dominamos o diabo e nos tornamos "mais que vencedores".
Vocês têm algum conhecimento sobre "o homem interior"? Sabem que têm um "homem interior"? Há este outro do qual estão cientes e no qual podem refugiar-se? Sabem que, enquanto o homem exterior vai decaindo, arruinando-se e se decompondo, o homem interior Vai sendo renovado dia a dia, vai sendo fortalecido, e tem visão de uma glória que é "incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar"? Nosso segredo como cristãos, como no-lo recorda o apóstolo, é que temos um homem interior, e quando esse homem interior é fortalecido pelo Espírito Santo, o que acontece ao nosso redor e ao próprio homem exterior é relativamente sem importância. Oxalá Deus nos dê a segu¬rança da posse do homem interior, do homem espiritual, do novo homem em Cristo Jesus.

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