quarta-feira, 30 de março de 2011

CRISTO NO CORAÇÃO


Por: D.M. Lloyd Jones

CAPÍTULO 11

"Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações." – Efésios 3:17

Aqui estamos diante da maior de todas as altitudes da vida cristã e do que nos é possível como novo cristão. Portanto, este não é um trecho fácil das Escrituras. Mas não existe nada que seja mais glorioso. Os montanhistas contam-nos que, quanto mais alto se chega, mais difícil é escalar; e, todavia, é cada vez mais gratificante e maravilhoso. A mesma coisa aplica-se às Escrituras. E certamente aqui nos achamos deveras no pico culminante da experiência cristã.
Pois bem, tornemos a lembrar-nos de que isto é algo destinado a todos os cristãos. O apóstolo escreve para todos os membros da igreja de Éfeso e, obviamente, queria que eles compreendessem isso; na verdade ele pressupõe que serão capazes de compreendê-lo. Digo isso porque há muitos cristãos hoje que não procuram entender nada que seja difícil. Mas isso é ignorar deliberadamente o claro ensino de que se espera que cresçamos "na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (2 Pedro 3:18). Como o apóstolo diz no capítulo seguinte, não devemos ser crianças, não devemos permanecer crianças, deixando-nos levar "em roda por todo o vento de doutrina". E estas palavras, jamais nos esqueçamos, foram escritas a pessoas que provavelmente eram escravas, que não tinham recebido nenhuma instrução escolar e que não tinham nenhuma das vantagens que nós desfrutamos. Assim, para usar a linguagem de Pedro, devemos "cingir os lombos do nosso entendimento" (1:13). Temos que esforçar-nos para entrar nesta atmosfera rarefeita. Precisamos mover-nos com precisão e com toda a nossa capacidade e poder. Mas acima de tudo devemos prestar atenção nas petições do apóstolo.
A primeira petição, como vimos, é para que sejamos "fortalecidos com poder pelo Espírito de Deus no homem interior". Quando formos fortalecidos "segundo as riquezas da glória de Deus" pelo Espírito Santo, seremos capazes de subir e chegar a esta grande altitude. Podemos testar-nos neste ponto fazendo a nós mesmos uma pergunta simples – estou olhando para frente e para o alto? Fico em comovida expectação quando considero estas ardorosas frases colocadas diante de nós pelo apóstolo?

Passamos agora à petição, “para que Cristo habite pela fé nos vossos corações". Tem havido muita discussão sobre como se deve tomar esta petição e as duas anteriores (ver vss. 14-16). Dizem a mesma coisa de maneira diferente, ou o apóstolo estaria colocando primeiro a petição sobre "serem fortalecidos" por ser uma essencial preliminar a esta petição posterior? Eu pessoalmente não duvido que esta última possi¬bilidade é a correta, embora haja um sentido em que é igualmente certo dizer que estas coisas sempre se fundem mais ou menos e não podem ser dividas em nenhum sentido terminante. O apóstolo as coloca nesta ordem – o fortalecimento primeiro e, depois, "para que Cristo habite pela fé nos vossos corações".
Ao abordarmos esta estonteante declaração – e devemos andar, como sugeri, com cautela, com cuidado, e circunspectos – é essencial que nos lembremos uma vez mais de que esta oração é feita em favor de crentes. Dou ênfase à questão porque se tornou corrente uma frase relacionada com a evangelização, que tem causado confusão com respeito a este versículo particular. Ao relatarem sua experiência e falarem da sua conversão as pessoas muitas vezes dizem: "Já faz muitos anos que eu recebi Cristo no meu coração". Com frequência os evangelistas comunicam a sua mensagem desse modo e perguntam às pessoas se querem receber Cristo em seus corações. Mas esta expres¬são não é bíblica e pode levar a um entendimento errôneo, particular¬mente quando nos defrontamos com uma frase como a que estamos estudando agora. É por esta razão que lhes faço lembrar que o apóstolo está fazendo esta oração por pessoas que já são crentes. Elas outrora estavam longe, porém foram trazidas para perto, pelo sangue de Cristo. Já são crentes, já estão unidas a Cristo, sua Cabeça, já são membros do Seu corpo, que é a Igreja. Estes crentes estão "nEle", e Ele está neles.
Noutras palavras, o apóstolo não está orando com o fim de que estas pessoas se tornem cristãs; está orando com o fim de que Cristo habite pela fé nos seus corações, conquanto Ele já esteja presente. Paulo não está orando pela conversão delas, ou pela sua salvação, ou pela sua justificação. Tudo isso é tomado como líquido e certo; já se realizou. Para tirar qualquer possível dúvida ou confusão concernente a isto, lembremo-nos de novo da exposição do apóstolo na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo 13, versículo 5: "não sabeis quanto a vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados". Diz ele que sermos crentes, sermos cristãos, significa que Jesus Cristo está em nós. Ninguém pode ser cristão se Cristo, nalgum sentido, não estiver nele. Igualmente há a declaração registrada em Romanos, capítulo 8, versículo 9: "se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele". Isso era verdade quanto a estes efésios; eles já são cristãos. De fato é porque eles são cristãos que ele vai adiante e faz esta oração por eles, para que Cristo habite pela fé nos seus corações.

Qual é, pois, a diferença entre esta condição e a condição normal, a condição invariável de todos quantos são cristãos verdadeiros? A resposta deve achar-se primariamente na palavra "habitar". No grego é uma palavra composta que, basicamente, significa "viver numa casa". Mas quando é acrescentado o prefixo que significa "abaixo", a palavra passa a significar "instalar-se e estar em casa". O apóstolo decide deliberadamente utilizar esta palavra para salientar a ideia de fazer morada em você, de instalar-se, de fazer seu lar permanente, em distinção de uma simples visita ou de estar num lugar, num sentido geral.
Lança luz sobre esta concepção o que lemos no capítulo três do livro de Apocalipse, na mensagem à igreja de Laodicéia, principalmente no versículo 20. O Senhor ressurreto diz: "Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo". Às vezes penso que não há nenhuma declaração das Escrituras mais frequentemente mal compreendida, mais mal empregada e mais objeto de abuso do que essa declaração em particular. Quase invariavelmente é tomada num sentido evangelístico. Cristo é retratado como de pé, do lado de fora da porta fechada do coração humano, e implorando ao pecador que O deixe entrar e que O receba em seu coração. Mas essa é uma interpretação completamente falsa de Apocalipse 3:20. A carta aos laodicenses é, naturalmente, uma carta dirigida a uma igreja; é "o que o Espírito diz às igrejas". Suas palavras não são dirigidas a incrédulos, e sim a cristãos que estão dentro da Igreja Cristã. Todo o conteúdo dos capítulos 2 e 3 do livro de Apocalipse, devemos lembrar, é dirigido a cristãos, a crentes, a pessoas que já criam no Senhor Jesus Cristo e que estão unidas a Cristo, que estão nEle, e Ele nelas. E ainda a mensagem do bater à porta trancada é dirigida a essas pessoas, em particular à igreja dos laodicenses. Eles eram cristãos; mas estavam em más condições, "nem frios, nem quentes"; achavam que eram ricos e que tinham tudo; no entanto, na realidade eram pobres e estavam nus, cegos e vazios. É a tal espécie de cristãos que o nosso Senhor diz: "Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo".
Então, essas palavras são dirigidas a cristãos que têm vida espiritual, porém que se acham em condições de muita pobreza e imaturidade. Há um sentido em que eles conhecem o Senhor Jesus Cristo, mas num sentido mais profundo não O conhecem. Estão num relacionamento com Ele, mas não são dominados por Ele. Certamente estão numa posição em que se comunicam com Ele; todavia Ele não está no centro das suas vidas. Ele não está realmente nos corações deles, Ele não está "habitando" ali, Ele não "se instalou" ali, ele não "fez ali Sua habita¬ção".
A carta à igreja dos laodicenses nos fornece uma chave para entendermos a petição que está sendo elevada pelo apóstolo Paulo em favor dos efésios. Ele dá graças a Deus por tudo quanto lhes acontecera; mas deseja ansiosamente que eles percebam o que ainda lhes é possível, e especialmente esta ulterior intimidade pessoal com o Senhor Jesus Cristo. Isto não poderá acontecer, enquanto não forem fortalecidos. Temos que ser preparados para isto, como um lar tem que ser preparado para algum grande e importante hóspede. Como já lhes dissera, o cristão foi feito para ser, e é para ser "morada de Deus em Espírito" (ou "mediante o Espírito", Ef 2:22), e individualmente os cristãos devem ser moradas para Cristo mediante o Espírito. Isto ainda não acontecera com os cristãos efésios, entretanto Paulo deseja que aconteça.
O apóstolo anseia que isto aconteça com eles porque ele mesmo sabia exatamente o que significa experimentá-lO. Este é o homem capaz de dizer, escrevendo aos gálatas: "vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim" (Gl 2:20). Ele estava numa posição em que podia dizer, sem dúvida ou hesitação: "vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim". Assim ele ora no sentido de que os efésios tenham e gozem uma experiência semelhante.
Também podemos examinar a petição de Paulo em termos de uma passagem do capítulo 14 do Evangelho segundo João. Nosso Senhor, às vésperas da Sua crucificação, volta-se para estes homens que se sentem tão mal, infelizes e de crista caída, e diz: "Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize" (versículo 27). Diz Ele que num sentido vai deixá-los, mas noutro sentido, virá a eles. Depois Ele apresenta a verdade concernente ao Espírito Santo e à Sua vinda, e lhes diz que, resultante da vinda do Espírito, Ele próprio voltará para eles, para "habitar" e "fazer Sua habitação" neles. Diz Ele mais: "Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em vós" (Jo 14:20). Não tinham esse conhecimento naquela ocasião; por isso Ele diz: "Naquele dia" conhecereis.
Quando o Senhor lhes estava falando, eles já eram cristãos, pelo que continua a dizer-lhes: "Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado" (Jo 15:3). Ele diferencia também entre eles e o mundo no capítulo 17, quando diz: "Eu rogo por eles: não rogo pelo mundo..." (versículo 9). São cristãos; porém não se dão conta de que eles estão nEle e de que Ele está neles. Ou veja o versículo 21 nesse mesmo capítulo 14 do Evangelho segundo João. O Senhor está falando acerca do cristão a quem o Espírito terá vindo e que está guardando os Seus mandamentos. Diz Ele: "eu o amarei e me manifestarei a ele". Ele acentua que não se manifestará desse modo ao mundo, mas unicamente a quem já é cristão. Isto não pode referir-se à revelação geral que temos nas Escrituras porque os discípulos já criam nela. A referência aqui é a algo mais, como fica ainda mais claro quando o Senhor continua, no versículo 23, a dizer, falando de Si mesmo ao Pai: "viremos para ele, e faremos nele morada". A palavra "morar" ou "habitar" é característica do Evangelho segundo João. Ela transmite esta mesma ideia de "instalar-se", de "estabelecer residência permanente" – não de estar presente ocasio¬nalmente, mas de estar ali permanentemente.

Está bem claro que isso é algo que está muitíssimo além do simples crer; muitíssimo além da justificação; muitíssimo além da salvação no sentido da experiência do perdão dos pecados. Bem podemos referir¬-nos de novo, nesta altura, às palavras de Spurgeon sobre a existência de um ponto na experiência do cristão que se acha tão acima da experiência do cristão comum como a experiência do cristão comum está acima do não cristão. Então, em favor do quê o apóstolo está realmente orando aqui? Devemos examinar outra palavra, antes de responder a pergunta. A palavra "habitar" realmente diz tudo, no entanto o apóstolo a sublinha, por assim dizer, orando "para que Cristo habite pela fé nos vossos corações." Nas Escrituras a palavra "cora¬ção" geralmente significa o próprio centro da personalidade. Não é apenas a sede das afeições; inclui igualmente a mente, o entendimento e a vontade. É, portanto, a verdadeira cidadela da alma. Assim, o que o apóstolo deseja para os efésios é que Cristo habite em suas mentes; não somente nos seus intelectos, mas também no centro mesmo das suas personalidades. Cristo já estava nas mente deles, pois eles já tinham crido; contudo há uma grande diferença entre ser crente em Cristo e ter Cristo morando no coração. Essa é a distinção que Paulo está traçando com nitidez aqui, no caso dos cristãos efésios.
É vitalmente importante que apliquemos isto a nós. Crer no Senhor Jesus Cristo não é o fim do cristianismo; é apenas o começo. Crer na verdade acerca da Sua pessoa e acerca da Sua obra é absolutamente essencial e, se nós não subscrevemos estas verdades, simplesmente não somos cristãos. Ninguém pode ser cristão se não crê no Senhor Jesus Cristo nesse sentido. Mas não é isso que o apóstolo tem em mente aqui. Você pode ter Cristo em sua mente e em seu intelecto, e ainda não ser capaz de dizer: "vivo, não mais eu...". O desejo de Paulo é que Cristo habite igualmente em suas afeições, que Cristo habite em sua vontade, que Cristo seja o fator dominante na totalidade da vida deles, exercendo o controle sobre ela e dirigindo-a. Cristo deve ser o próprio coração deles, deve estar no verdadeiro centro das suas vidas.
É então aqui que nós penetramos naquela atmosfera rarefeita a que me referi. Se Cristo está no seu coração, significa que Cristo Se manifestou a você. E quando Cristo Se manifesta a nós, não é apenas uma figura de linguagem; é real, é fatual. É tão definido que não deixa nenhuma dúvida a respeito. Quando você lê as experiências de alguns santos do passado, você vê que eles tiveram todo o cuidado de traçar esta distinção. Dizem eles que houve uma ocasião em que passaram a crer em Cristo, quando tiveram a certeza de que os seus pecados foram perdoados. Sabiam que estavam relacionados com Ele, que estavam nEle e que tinham encontrado paz e descanso para as suas almas. Dizem eles também que, por algum tempo, às vezes por anos, pensavam que isso era todo o cristianismo. Não obstante, depois começaram a descobrir que havia algo mais vasto e maior, que jamais tinham conhecido. Encontraram a promessa do Senhor expressa nas palavras: "eu me manifestarei a ele" (João 14:21), e começaram a perguntar-se se Cristo Se manifestara a eles. Não estavam certos do sentido disso. Eles criam nEle e estavam cientes da Sua influência geral sobre eles; mas esta declaração de que Ele Se manifestaria aos Seus pareceu-lhes uma declaração deveras específica. Então começaram a dar-se conta de que nunca tinham conhecido essa manifestação.
Quando Cristo Se manifesta a nós, Ele Se torna real para nós como pessoa. Chegamos a conhecê-lO num sentido pessoal. Noutras pala¬vras, tal experiência é o cumprimento de tudo que o Senhor promete no capítulo 14 do Evangelho segundo João. Permita-me fazer-lhe uma pergunta pessoal: você conhece de fato o Senhor Jesus Cristo pessoal¬mente? Você O conhece como pessoa? Como pessoa Ele é real para você? Ele Se manifestou a você nesse sentido? É evidente que isso tinha acontecido com o apóstolo Paulo. Não somente O vira de fato na estrada de Damasco, não somente tivera uma visão no templo mais tarde; em acréscimo a isso, e acima disso, diz ele, escrevendo aos gálatas: "aprouve a Deus revelar seu Filho em mim" (Gl 1:15-16). Ele diz "em mim", não "a mim". É uma manifestação interna do Filho de Deus na qual Ele Se faz tão real para nós como qualquer outra pessoa, e até mais. Neste ponto não posso fazer melhor que citar uns versos que Hudson Taylor costumava usar como oração por si mesmo todo dia de sua vida:

“Ó Senhor, faze-Te para mim
uma fulgente e viva realidade,
mais presente à visão da fé vibrante
do que qualquer objetivo exposto à vista
mais caro e mais intimamente próximo
que o laço terrenal mais doce e amado.”

Esse é o objetivo da súplica do apóstolo em favor dos efésios. Ele parece dizer: sei que vocês são cristãos, sei que há um sentido em que Cristo está em vocês, pois não poderiam ser cristãos sem estarem unidos a Ele como sua Cabeça, sei que vocês estão nEle e que Ele está em vocês; mas, além disso, vocês O conhecem? Cristo ocupa o centro de suas vidas? É Ele de fato real para vocês, e conhecido por vocês? Ou é Ele alguém que estava vagamente à distância, alguém de quem vocês se aproximam somente em termos de crença? Ele Se manifestou realmente a vocês?
Há mais um elemento na declaração de Paulo que dá maior seguran¬ça a esta exposição. O tempo do verbo que ele emprega em conexão com o "habitar" é o aoristo, que traz o sentido de algo que acontece uma vez e para sempre. Aqui, pois, ele está orando por uma bênção específica, e não por uma bênção geral para os efésios, bênção que leva a pessoa a dizer: "Até este momento eu não conhecia de fato a Cristo pessoalmente, mas agora Ele Se manifestou a mim e eu O conheço. Ele Se tornou real e vivo para mim. Este é um momento sublime da minha vida". Não é uma questão de visões ou de transes, mas de um conhecimento espiritual de Cristo. O Espírito Santo O traz a nós, e mediante o Espírito Ele Se manifesta de modo que Se torna real, vivo e verdadeiro para nós. Em seu grande hino, J. Caspar Lavater ora rogando esta mesma bênção quando pede: "Ó Jesus Cristo, cresce Tu em mim, E todas as outras coisas se afastarão". Num poema posterior ele ora no sentido de que Jesus Cristo Se torne mais real, mais amado, a paixão da sua alma. Isto só passa a ser uma realidade quando se tem este conhecimento pessoal do Senhor Jesus Cristo.
Isto, por sua vez, leva a um consciente sentimento de comunhão com o Senhor e leva a pessoa a desfrutá-Ia. Sabemos o que é desfrutar consciente comunhão com o Senhor Jesus Cristo? Falemos disto com clareza; você pode ser cristão sem isto. Graças a Deus por isso! Você pode ser cristão sem gozar consciente comunhão com Cristo. Você pode estar na posição na qual descansa no Senhor, descansa na obra perfeita que Ele realizou em seu favor, e pode mesmo orar a Ele e, todavia, não ter comunhão consciente, uma consciente percepção da Sua proximidade e uma consciente fruição dEle. É isso que o apóstolo deseja para estes efésios, "para que Cristo habite pela fé nos vossos corações". E, naturalmente, quando isto é real, é obvio que Ele domina tudo em nossas vidas. Podemos sumariar o assunto repetindo palavras empregadas pelo apóstolo noutro lugar. É quando Cristo nos é conhe¬cido desse modo, e está em nossos corações, que podemos dizer com sinceridade e verdade: "vivo, não mais eu" (Gálatas 2:20), e "Posso todas as coisas naquele que me fortalece" (FiIipenses 4:13). O apóstolo não está se gabando quando escreve essas coisas. Há sempre o perigo, quando lemos as suas Epístolas, de o considerarmos como um homem literário que gosta de hipérboles. Mas não é esse o caso. Quando o apóstolo utiliza estas frases está sendo rigorosamente preciso, está expondo a sua experiência; tudo isso foi real quanto a ele. Ele conhecia tão bem o Senhor Jesus Cristo, que podia dizer: "Posso todas as coisas naquele que me fortalece" e "Sei estar abatido, e sei também ter abundância" (Filipenses 4:12), ser rico e ser pobre. Não importa o que aconteça, afirma Paulo, desde que Ele esteja comigo, Ele me fortalece, e eu posso fazer todas as coisas. Não estou só. Esta é na verdade doutrina sumamente elevada.
Demos, porém, um passo mais. Esta presença de Cristo no coração é algo real. Não significa somente que Ele está presente por meio do Espírito, ou que está presente no sentido de que nos influencia de maneira geral, e nos dá graças e nos habilita a sentir-nos seguros da Sua influência. É mais que isso. Significa que Ele próprio, nalgum sentido místico que nem começamos a compreender, realmente habita em nós. É isto que o apóstolo tem em mente quando repreende os cristãos coríntios como culpados de certos pecados corporais da carne, e diz: "não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós?" (1 Coríntios 6:19). Não significa apenas que o Espírito Santo nos influencia de modo geral. Quando Paulo diz "corpo" quer dizer "corpo" – carne, ossos, músculos; quer dizer nossa estrutura física. Isto se refere, não à Sua influência, mas ao fato de que Ele está pessoalmente em você. Eis por que pecar com o seu corpo é tão grave; e é desta maneira que o cristão deve encarar o pecado. Não deve olhar só para os pecados particulares e confessar que fez o que é errado e que não deveria tê-lo feito; o apóstolo ensina que temos que dar-nos conta de que o Espírito Santo reside em nossos corpos e de que não devemos usar o templo do Espírito Santo de maneira indigna.
De modo similar, quando o Espírito Santo habita em nossos corpos, o Senhor Jesus Cristo entra da mesma maneira. Ele bate à porta do coração do cristão que não O conhece e efetivamente diz: gostaria que você Me conhecesse. Se você tão somente abrir a porta, Eu entrarei e Me manifestarei a você; sentar-Me-ei e cearei com você, e você coMigo. Então você Me conhecerá com uma intimidade que nunca ainda tinha experimentado. Entrarei em seu ser, e farei habitação em você. É real assim!
Devemos notar que tudo isso se torna possível pela fé – "Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações". "Pela fé" significa que é a fé que nos revela esta possibilidade. Você tinha percebido que isto era uma possibilidade para você? É-nos possível ler as Escrituras com muito entendimento intelectual, porém sem fé será possível passar os olhos sobre estas grandes palavras sem entender o seu significado real. Você pode ter lido este capítulo três da Epístola aos Efésios e ter dito muitas vezes, "Maravilhoso! Magnífico! Como o apóstolo é eloquen¬te!" Mas você compreendeu que ele está dizendo que Cristo quer vir para dentro do seu coração e quer que você O conheça num sentido vívido e real? É a fé que revela esta possibilidade para nós.
Semelhantemente é também a fé que nos habilita a crer que habita¬ção de Cristo no coração é uma realidade, e não apenas uma frase. O homem carente de fé nunca acreditará nisso. Posso imaginar um homem ouvindo ou lendo isto e dizendo: "Que quer dizer isso tudo? Realmente não tenho ideia do que o apóstolo esteve falando. Parece estar sobre as nuvens, nalgum lugar. Sou um homem prático, e tenho que lutar contra a tentação e o pecado, e vivo num mundo em que estou cercado de problemas – que é isso tudo?" Quem fala desse jeito está dizendo que não tem fé; consequentemente, ele jamais conhecerá esta verdade, pois ela é conhecida "pela fé". A fé revela que se trata de uma realidade.
Posso levar o assunto para mais longe ainda. A fé revela que se trata de uma realidade para mim, pessoalmente. A fé capacita você a dizer a si mesmo, quando a lê ou a ouve: é a Palavra de Deus que afirma que me é possível conhecer o Senhor Jesus Cristo desta maneira íntima. A fé toma posse da promessa pessoal e individualmente. A fé, e tão¬-somente a fé, capacita o homem a crescer na palavra proferida por Deus, a aceitá-la plenamente e a descansar nela. E depois de vir a crer, começa a orar pela bênção prometida. O apóstolo, ele mesmo crendo nisso e tendo experiência disso, orava sem cessar pelos cristãos efésios. Ele "se põe de joelhos" diante do Pai e ora para que sejam fortalecidos, a fim de que lhes suceda isto. E se eu e você crermos, começaremos a orar desde este momento, pedindo isto para nós mesmos. Diremos: não conheço a Cristo desta maneira íntima, e quero conhecê-la assim. Creio que isso é possível, e vou pedi-lo. Assim você vai a Deus com fé, com confiança, com ousadia, com segurança, e diz: "Sei que isto não depende de mim, mas oro, rogando que TU me fortaleças com poder pelo Espírito em meu homem interior, para que eu obtenha este conhecimento, para que Cristo se manifeste a mim. Quero conhecê-lO, quero que Ele viva em minha vida e domine todo o meu ser".
Assim você começa a orar, e continua a orar dessa maneira, com fé, até que chega um momento maravilhoso e, de repente, você se vê conhecendo a Cristo. Ele ter-Se-á manifestado a você, Ele terá feito Sua habilitação em você, instalando-Se em seu coração. E, admirado, você dirá: "Como pude passar tantos anos satisfeito com os simples rudi¬mentos do cristianismo, com os simples portais do templo, quando me era possível tão glorioso e magnificamente entrar no "lugar santíssimo"?”

Ó Senhor Jesus Cristo, cresce Tu em mim,
e as outras coisas todas as retirarão;
meu coração de Ti cada dia mais perto,
do pecado liberto estará cada dia.

Cada dia, Senhor, Teu poder que sustenta
Continue a envolver minha debilidade;
a minha escuridão Tua luz desvanece,
Tua vida elimina a minha morte.

Mais e mais da Tua glória permite-me ver,
Tu, Jesus Cristo, Santo, Sábio e Verdadeiro!
O meu desejo é ser a Tua imagem viva,
tanto nas alegrias como nas tristezas.

Faze este pobre ego decrescer;
sê Tu a minha vida e a minha meta.
Oh, faz-me, diariamente, pela graça,
mais disposto a levar Teu santo nome!

(Johann Caspar Lavater)

segunda-feira, 28 de março de 2011

AS 42 JORNADAS NO DESERTO – CAPÍTULO 99

Por: Luiz Fontes

19ª Estação, Queelata – parte 9

TEXTOS: Judas 3-19; 2Pe 2:1-21

Temos estudado em várias oportunidades a 19ª estação, Queelata, onde a Palavra de Deus tem nos ensinado alguns princípios tão importantes com relação à autoridade delegada de Deus. Creio que isso para nós é uma grande advertência. A experiência de Datã, Coré e Abirão é uma escola de advertência para nós. Precisamos ser cuidadosos com relação ao ministério, com relação a nossa vocação, como relação ao nosso encargo em servir aos santos; jamais deve haver em nosso coração pretensões, motivações, que não sejam governadas pela Palavra de Deus. Temos que permitir que o Espírito Santo governe os nossos corações pela Palavra, para que não venhamos cair na contradição de Coré, Datã e Abirão.
Estamos na parte final desse estudo, e hoje eu quero apenas ler algumas passagens na Epístola de Judas e também na Epístola de Pedro. Creio que será muito importante para a nossa vida lermos esses textos conjuntamente. Em Judas, a partir do versículo 3, vamos ver uma sequência. Alguns textos aqui estão em ordem e outros estão alternados, mas vamos seguir a leitura tendo a certeza de que Deus tem algo a nos falar:

“3 Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos. 4 Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais, desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta condenação, homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.”

Judas queria tratar de alguns pontos elementares concernentes à salvação, mas foi levado a mudar de assunto, por causa de alguns indivíduos que se haviam introduzido no meio do povo de Deus, como diz ele aqui no versículo 4, “dissimuladamente” (a palavra no grego aqui é “pareisduno” e significa entrar secretamente, intrometer-se secretamente, entrar furtivamente). Por causa desses indivíduos, ele não pode tratar dos aspectos comuns da salvação, e foi encorajado pelo Espírito Santo a tratar deste outro assunto, desses que entraram secretamente no meio do povo de Deus.
O versículo 4 diz:

“(...) os quais, desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta condenação, homens ímpios (...)”

A palavra “ímpios”, no grego, é “asebes”: destituídos de reverência e temor a Deus.
E diz mais:

“(...) que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus (...)”

A palavra libertinagem, no grego, é “aselgeia”: luxúria desenfreada; uma prosperidade desenfreada, descontrolada. Eles “transformaram em libertinagem a graça de Deus”. Olhe bem, eles transformaram a graça de Deus em um assunto de luxúria, de prosperidade desenfreada.
Na sequência Judas diz:

“(...) e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.”

Eles transformaram o caráter do Evangelho da graça num evangelho de luxúria, de uma prosperidade descontrolada. E, por causa disso, negam o nosso único soberano, nosso Senhor Jesus Cristo. Então, Judas está sendo muito enfático aqui, pois diz que esses elementos que se introduziram secretamente no meio do povo de Deus baratearam a mensagem da graça, colocaram outra mensagem, a mensagem da luxúria desenfreada.
No versículo 5 ele diz:

“5 Quero, pois, lembrar-vos, embora já estejais cientes de tudo uma vez por todas, que o Senhor, tendo libertado um povo, tirando-o da terra do Egito, destruiu, depois, os que não creram;”

Essa é uma referência ao capítulo 16 de Números que estamos estudando, onde fala da contradição de Coré, Datã e Abirão. Diz o texto: “tirando-os”, isto é, “tirando o povo do Egito, destruiu, depois, os que não creram”.
No versículo 8 diz:

“8 Ora, estes, da mesma sorte, quais sonhadores alucinados, não só contaminam a carne, como também rejeitam governo e difamam autoridades superiores.”

Esses homens ímpios que baratearam a graça de Deus, que entraram secretamente no meio do povo de Deus, são chamados aqui por Judas de “sonhadores alucinados”. A palavra “alucinado” no grego é “enupniazomai” e significa pessoas que sofrem perturbações nas suas mentes; que possuem visões ímpias; ensandecidas, loucas; pessoas que perderam uma razão, um equilíbrio moral, por causa dos desejos descontrolados das suas mentes.
Ele diz ainda no versículo 8:

“(...) não só contaminam (...)”

Isto é, não só estão poluindo, porque a palavra “contaminam” é “miaino”: manchar, poluir, sujar, contaminar, ficar sujo.

“(...) não só contaminam a carne, como também rejeitam governo”.

A palavra aqui é “atheteo” que significa desprezar, negligenciar, recusar, fazer pouco caso do governo. E diz mais:

“(...) difamam (...)”

Isto é, injuriam, caluniam autoridades.

Versículo 10:

“10 Estes, porém, quanto a tudo o que não entendem, difamam; e, quanto a tudo o que compreendem por instinto natural, como brutos (...)”

Observem bem essa palavra – “brutos”.

“(...) sem razão, até nessas coisas se corrompem. 11 Ai deles! Porque prosseguiram pelo caminho de Caim, e, movidos de ganância, se precipitaram no erro de Balaão, e pereceram na revolta de Corá (...)”

Revolta aqui é a “contradição de Coré”.

“12 Estes homens são como rochas submersas (...)”

O que significam essas rochas submersas? Essa frase fala das rochas do mar que estão escondidas, mas que causam grande dano às embarcações. Aqui nós temos uma metáfora que se refere às pessoas que, pela sua conduta, causam uma grande ruína moral e espiritual no meio do povo de Deus – “essas rochas submersas”, como ele diz.

“(...) em vossas festas de fraternidade (...)”

A palavra aqui é “ágape” – a reunião de amor que a igreja primitiva tanto praticava.

“(...) banqueteando-se juntos sem qualquer recato, pastores que a si mesmos se apascentam (...)”;

Temos aqui uma frase muito forte. Creio que para entender melhor essa frase, para compreender o que o Espírito Santo está dizendo aqui, é importante ler Ezequiel 34.

“(...) pastores que a si mesmos se apascentam; nuvens sem água impelidas pelos ventos (...)”

Há uma versão alternativa que diz assim “são como nuvens levadas pelo vento e não trazem nenhuma chuva”. Quero destacar aqui essa frase “nuvens levadas pelo vento”, que aparece também em Efésios 4:14:

“para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro (...)”

Agora, olhem bem:

“(...) e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro”.

Isso é sério! Você se dá conta da seriedade de tudo isso? Você se dá conta do que o Espírito Santo claramente está nos falando aqui acerca desse assunto? Ele diz mais ainda no versículo 12 de Judas:

“(...) árvores em plena estação dos frutos, destes desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas;”

Versículo 13:

“13 ondas bravias do mar, que espumam as suas próprias sujidades (...)”

A palavra “sujidades” é “aischune”, que significa ignomínia, vergonha, desonra.

“(...) estrelas errantes, para as quais tem sido guardada a negridão das trevas, para sempre.”

Versículos 16 a 19:

“16 Os tais são murmuradores, são descontentes, andando segundo as suas paixões. A sua boca vive propalando grandes arrogâncias; são aduladores dos outros, por motivos interesseiros. 17 Vós, porém, amados, lembrai-vos das palavras anteriormente proferidas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo (...)”

Aqui Judas está fazendo uma clara referência a Pedro. Vamos ler, então, o que Pedro diz acerca deste mesmo assunto lá na sua Segunda Epístola, capítulo 2, a partir do versículo 1. Vamos fazer o mesmo tipo de leitura, vendo alguns textos numa sequência, depois intercalando dentro do mesmo capítulo. Ao ler você vai ver que Pedro usa palavras que Judas depois usou. Então, 2Pe 2, a partir do versículo 1, diz assim:

“1 Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão (...)”

A palavra “introduzirão” aqui no grego é “pareisago”: introduzir com astúcia, secretamente. Lá em Judas nós vimos aqueles que secretamente se envolveram no meio do povo de Deus; e aqui nós vemos: trazer algo secretamente para o povo de Deus.
Pedro continua:

“(...) introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição.”

Você lembra que lá no versículo 4 de Judas ele diz que esses homens ímpios entraram secretamente no meio do povo de Deus, transformaram em libertinagem, em luxúria desenfreada, a graça de nosso Deus, e que esses negam o único e soberano Senhor Jesus Cristo? Aqui Pedro está falando justamente disso, ele fala claramente disso. Essas pessoas entraram dissimuladamente, secretamente, no meio do povo de Deus, com heresias destruidoras a ponto de renegar o soberano Senhor que os resgatou.
2Pe 2:2:

“2 E muitos seguirão as suas práticas libertinas (...)”

Lembra das palavras que Judas usa para falar dessas “práticas libertinas”? Judas diz que eles “transformam em libertinagem a graça”. Aqui Pedro chama de “práticas libertinas”, isto é, transformaram a graça, baratearam a graça, rebaixaram a graça de Deus com o evangelho de luxúria desenfreada.
Pedro diz:

“(...) e, por causa deles, será infamado o caminho da verdade”.

Por quê? Porque eles estão barateando o caminho da verdade. Judas diz que esse tipo de pessoas são escarnecedores, vivendo segundo as suas ímpias paixões; pessoas que promovem divisões e sensualidades, pessoas que não têm o Espírito; são aduladores. Judas 16 diz que esses são murmuradores, são descontentes, que andam segundo as suas paixões; pessoas que vivem propalando grande arrogância; são aduladores dos outros por motivos interesseiros. Pedro, abertamente, fala da mesma coisa.
2Pe 2:3:

“(...) também, movidos por avareza (...)”

Isto é, por amor ao dinheiro.

“(...) farão comércio de vós, com palavras fictícias (...)”.

Essa palavra, “fictícia” é: formar, moldar. As pessoas vão sendo moldadas, vão sendo modeladas como alguém que pega um barro para fazer um vaso ou um objeto de cera com a própria cera. Pessoas estão sendo moldadas sem perceberem que estão entrando em um comércio libertino, de práticas que nada têm a ver com o Evangelho de Cristo. As pessoas estão infamando o Caminho da verdade com muito daquilo que tem pregado e nós temos que ter muito cuidado com isso.
2Pe 2:10 diz:

“especialmente aqueles que, seguindo a carne, andam em imundas paixões e menosprezam qualquer governo (...)”.

Não é o que Judas diz lá no versículo 8? “Não só contaminam a carne como também rejeitam qualquer governo e difamam autoridades”. Aqui nós vemos Pedro dizer a mesma coisa: “menosprezam qualquer governo” (v. 10). Você pode colocar esses textos juntos.
2Pe 2:12 diz:

“Esses, todavia, como brutos irracionais (...)”.

A palavra “brutos”, no grego, é “alogos”: pessoas destituídas da razão. Você lembra que Judas diz isso no versículo 10? “10 Estes, porém, quanto a tudo o que não entendem, difamam; e, quanto a tudo o que compreendem por instinto natural, como brutos sem razão (...)”. E Pedro diz:

“(...) como brutos irracionais, naturalmente feitos para presa e destruição, falando mal daquilo em que são ignorantes, na sua destruição também hão de ser destruídos”

Versículo 3:

“recebendo injustiça por salário da injustiça que praticam. Considerando como prazer a sua luxúria carnal em pleno dia, quais nódoas e deformidades, eles se regalam nas suas próprias mistificações, enquanto banqueteiam junto convosco”.

Lembra que Judas havia falado disso? Que esses homens ímpios, esses que entraram sutilmente no meio do povo de Deus, estavam participando daquelas festas de comunhão do povo de Deus, daquelas reuniões de comunhão da Igreja do Senhor Jesus (J 12). Ele diz: “Esses homens são como rochas submersas em vossas festas de fraternidade, banqueteando-se juntos sem qualquer recato”. Judas havia falado disso, e veja que Pedro fala da mesma coisa, da mesa situação. Ao escrever essas verdades para nós, o Espírito Santo repetiu as palavras de Pedro e Judas porque Ele tem como foco as nossas vidas. É algo muito sério e nós precisamos considerar tudo isso.
2Pe 2:14:

“tendo os olhos cheios de adultério e insaciáveis no pecado, engodando almas inconstantes (...)”.

Essa palavra “engodando” aqui no grego é “deleazu”: capturar como uma isca, fascinar, seduzir, iludir.

“(...) engodando almas inconstantes (...)”.

Capturando, seduzindo, iludindo almas “inconstantes”, aquelas pessoas que não são firmes, pois a palavra aqui no grego é “asteriktos”: fala de pessoas que não têm firmeza, pessoas cuja vida espiritual é superficial, pessoas instáveis na fé.
2Pe 2:18:

“porquanto, proferindo palavras jactanciosas (...)”.

Isto é, “extravagantes”: pessoas que dão ênfases bombásticas, mas que na verdade não passam de coisas superficiais.

“(...) proferindo palavras jactanciosas de vaidade, engodam com paixões carnais, por suas libertinagens (...)”.

Novamente a mesma palavra que Judas usa: luxúria desenfreada, licenciosidade, caráter ultrajante.

“(...) aqueles que estavam prestes a fugir dos que andam no erro”.

2Pe 2:19:

“prometendo-lhes liberdade, quando eles mesmos são escravos da corrupção, pois aquele que é vencido fica escravo do vencedor”.

Essa palavra “liberdade” aqui no grego é “eleutheria”: liberdade imaginária, liberdade para fazer o que se quer. Nós temos que saber que a verdadeira liberdade consiste em viver como devemos e não em viver como queremos. E muitas pessoas estão sendo enganadas pela falsa liberdade.
2Pe 2:20-21:

“20 Portanto, se, depois de terem escapado das contaminações do mundo mediante o conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, se deixam enredar de novo e são vencidos, tornou-se o seu último estado pior que o primeiro. 21 Pois melhor lhes fora nunca tivessem conhecido o caminho da justiça do que, após conhecê-lo, volverem para trás, apartando-se do santo mandamento que lhes fora dado.”

Veja o quanto tudo isso é sério! “Pois melhor lhes fora nunca tivessem conhecido o caminho da justiça do que, após conhecê-lo, volverem para trás, apartando-se do santo mandamento que lhes fora dado”.
Podemos encerrar aqui essa série de estudos na esperança de que Deus tenha falado poderosamente, a todos nós, advertências tão sérias para a nossa vida. Como precisamos ser cuidadosos, diligentes com o ministério, com a vocação e com o encargo de servir aos santos pela vontade de Deus.
Que o Senhor nos guarde de tudo isso que vimos. Essas palavras de Judas e de Pedro são as palavras de Deus. Que o Espírito Santo possa tocar-nos profundamente. Vamos nos sentir guardados de santo temor por causa dessas palavras ministradas a nós, porque qualquer um de nós pode incorrer no erro de Coré, Datã e Abirão. Basta que saiamos alguns milímetros da centralidade de Cristo, a vontade de Deus.
Que o Senhor guarde sua vida, que o Senhor guarde cada um de nós, que o Senhor guarde-nos debaixo da sua Palavra. Que Ele lhe abençoe ricamente e poderosamente, em nome de Jesus.

sábado, 26 de março de 2011

"FORTALECIDOS COM PODER”


ESTUDO DA EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS

CAPÍTULO 10

POR: D.M Lloyd Jones


"Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito, no homem interior." – Efésios 3:16


Diz-nos agora o apóstolo que está orando para que o homem interior seja corroborado ou fortalecido com poder pelo Espírito Santo. Devo acentuar que esta oração está sendo elevada a favor dos que já são cristãos. Está orando pelas pessoas que estivera descrevendo nos dois primeiros capítulos, onde dissera algumas coisas muito notáveis, como, "Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa. O qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão de Deus" (Ef 1:13-14). Não só isso! O apóstolo já elevara uma grande oração por eles no capítulo 1, a saber, "Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de sabedoria e de revelação" (Ef 1:17). Mas ainda não estava satisfeito. Ele continua a orar por eles, e os fez sabedores de que, conquanto na prisão e distante deles, ele está se ajoelhando e está orando na presença de Deus, está com os olhos postos no semblante de Deus em favor deles, e está orando para que, no homem interior, fossem fortalecidos com poder pelo Espírito de Deus.
Saliento o fato de que ele eleva esta oração em favor dos cristãos porque a experiência do perdão e da salvação é meramente o princípio da vida cristã. É só o primeiro passo, uma indicação da entrada para o reino de Deus. Desafortunadamente, há muitos cristãos que param nesse ponto; só se preocupam com a sua proteção e segurança pessoal; seu único interesse é pertencer ao reino de Deus. Seu desejo é saber que os seus pecados estão perdoados, que não vão para o inferno e que podem ter a esperança de ir para o céu. Contudo, assim que passam por esta experiência inicial, parecem descansar nela. Jamais crescem, jamais poderemos perceber alguma diferença neles, se os encontrar¬mos cinquenta anos mais tarde. Permanecem onde estavam. Pensam que têm tudo, e neles não há sinal nenhum de desenvolvimento.
Ora, isso está muito longe do que vemos aqui sobre os cristãos. Há grandes e gloriosas possibilidades para os cristãos. Uma delas é que "Cristo pode habitar pela fé nos vossos corações" e que eles podem vir a conhecer algo do amor de Deus em sua "largura, comprimento, altura e profundidade"; de fato eles podem "ser cheios de toda a plenitude de Deus".
Não é somente uma possibilidade para todos os cristãos; é dever de todos os cristãos ocuparem esta posição. O grande Charles Haddon Spurgeon, tratando deste assunto, disse um vez: "Na graça há um ponto situado tão acima do cristão comum, como o cristão comum está acima do mundano". Noutras palavras, há na vida cristã um estágio "situado tão acima do cristão comum, como o cristão comum está acima do mundano". Isso coloca a coisa de maneira impressionante e forte, mas é certa e verdadeira. Todos nós sabemos a diferença de nível entre o não cristão e o cristão. O cristão está num nível mais elevado, num plano mais alto que o do não cristão. Mas Spurgeon nos lembra que na vida cristã pode-se alcançar pontos mais elevados, pontos que se acham tão acima deste nível cristão comum, como o cristão está acima do não cristão. Só temos que aceitar isto, se é que nós cremos que Cristo pode habitar em nossos corações, que podemos conhecer este amor de Deus e de Cristo em todas as suas dimensões, que podemos conhecer este amor de Deus e de Cristo em todas as suas dimensões, que podemos ser cheios de toda a plenitude de Deus. Evidentemente, isto se acha tão acima do nível cristão comum, como este nível está acima do não cristão.
Portanto, a questão que devemos encarar é esta: já alcançamos este nível a que se refere Spurgeon? Correspondemos à descrição que o apóstolo aqui faz daquilo que é possível para o cristão? Cristo habita pela fé em nossos corações? Vemos por dentro este grande "cubo" do eterno amor de Deus? Ficamos pasmos quando examinamos as suas dimensões? Sabemos o que significa ser "cheios de toda a plenitude de Deus"? Conhecemos o Deus que pode fazer por nós tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos? Atingimos esse nível, essa altura? Estamos permanecendo ali? Ou ainda estamos embaixo, no nível cristão comum? Sempre há o perigo de imaginarmos que, porque nos convertemos, podemos repousar sobre os nossos louros, ou de simplesmente nos tomarmos obreiros ativos e ocupados, sempre a correr para a realização das nossas atividades.
Havendo tratado deste assunto, devemos passar para a questão subsequente. Se achamos que ainda permanecemos neste nível co¬mum, como poderemos chegar ao nível mais elevado? Há unicamente uma resposta para essa pergunta, a resposta dada pela oração do apóstolo. Que sejamos fortalecidos ou "corroborados com poder pelo seu Espírito (de Deus) no homem interior."

Por que o nosso homem interior precisa ser fortalecido?

A primeira resposta é que, inicialmente, o cristão é apenas um bebê. É dessa maneira que se expressa o Novo Testamento. Paulo, escreven¬do aos coríntios, diz: "não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais, como a meninos (ou bebês) em Cristo". O bebê mal começou a viver; não se desenvolveu plenamente e precisa ser fortalecido. É fraco, é ignorante, é ingênuo quanto a muitas coisas do mundo que o cerca, e não tem imunidade contra as coisas tendentes a atacá-lo. Isto sempre caracteriza a infância. Daí por que a criança tem que ser protegida pelos pais; é óbvio que ela não sabe nem entende. Julga a todos pelo seu valor aparente, toma o mundo como ele é, e vê todas as coisas muito superficialmente. Nada sabe da feiúra do mundo e das coisas vis nele existente. Somente quando crescemos é que começamos a compreender estas coisas. Não estou dizendo que o bebê é sem pecado, ou que é inocente. Não concordo com a ideia de Wordsworth, de que entramos neste mundo "arrastando nuvens de glória", e de que mais tarde "as sombras do cárcere começam a fechar-se sobre o menino que cresce". O que estou dizendo é que devido à sua ignorância, a criança não tem consciência dos perigos e, portanto, precisa ser protegida.
A mesma coisa acontece com o novo homem em Cristo Jesus. Por mais idoso que o homem seja quando é convertido, a princípio é um bebê em Cristo. E como bebê ele acha, no início, que tudo está resolvido, que nunca mais terá outra dificuldade. Com muita frequên¬cia os evangelistas são responsáveis por esse modo de pensar; eles lhe dão essa impressão. Em sua total candura o bebê imagina que nunca mais haverá outra nuvem, em toda a sua vida. Mas, infelizmente, as nuvens vêm, surgem as dificuldades, problemas cruzam o seu cami¬nho; e ele fica desnorteado e muitas vezes cai. Pode até vir a ser um apóstata. Em grande parte acontece isto porque ele era um bebê e não estava ciente dos fatos. Assim, o bebê necessita ser fortalecido. Em sua primeira epístola o apóstolo João escreve aos "filhinhos", aos "jovens" e aos "pais", porque há esta gradação na vida cristã, que é um processo de crescimento e de desenvolvimento.
Uma segunda razão da necessidade deste fortalecimento do "ho¬mem interior" é a existência do diabo, o adversário, o acusador dos irmãos. Quem quer que não tenha percebido que é confrontado por este poder é o mais rematado neófito na vida cristã. O apóstolo dá ênfase à questão no último capítulo desta Epístola aos Efésios, dizendo: "não temos que lutar contra a carne e o sangue." O problema não é somente que temos que lutar contra a nossa própria carne e sangue, isto é, contra os nossos corpos. Tampouco é apenas uma luta contra outros homens. O verdadeiro problema, diz Paulo, é a luta "contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais". O homem interior precisa ser fortalecido porque este poder não somente é grande em força, como também em sutileza e em astúcia. Este mesmo apóstolo diz aos coríntios que o arqui-inimigo é tão poderoso que é capaz de "transfigurar-se em anjos de luz" (2 Coríntios 11:14). Ele pode citar as Escrituras, pode arrazoar com você, pode expor argumentos e apresen¬tar exemplos, e pode confrontar você com uma aparência da verdade que parece correta e verdadeiramente cristã, porém que é falsa; e pode levá-lo a desviar-se e a cair em armadilhas que o prenderão. Não existe razão mais forte para a necessidade de fortalecimento com poder pelo Espírito no homem interior, do que a realidade do diabo.
Sempre o diabo faz deste homem interior um alvo especial. Muitas vezes tive que lidar com pessoas que estavam com problemas e dificuldades em sua vida espiritual simplesmente porque não se havi¬am dado conta da existência e da astúcia do diabo. Pareciam pensar que os únicos pecados eram os da carne. Mantinham-se cautelosas e vigilantes contra estes, e tinham chegado a um ponto em que eram relativamente livres. Por isso achavam que essa era a única linha em que o diabo ataca, e não tinham consciência de que, com grande sutileza c como anjo de luz, ele pode fazer ataques diretos ao homem interior, e ali insinuar os seus pensamentos e ideias malignos, as suas induções e sugestões. Inconscientes disto, aquelas pessoas de repente se viram infelizes e em condição miserável, e se perguntavam se alguma vez foram cristãs. Isto era totalmente devido ao fato de que o diabo, em sua sutileza, tinha deixado por completo o exterior e concentrara toda a sua atenção no homem interior. Daí a exortação presente no Velho Testa¬mento: "Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as saídas da vida" (Provérbios 4:23).
Uma terceira razão pela qual necessitamos do fortalecimento do homem interior é a própria grandeza daquilo que nos é oferecido, e que é possível para nós. Esta possibilidade é "que Cristo pode habitar pela fé em nossos corações", e que podemos conhecer o amor de Deus e podemos "ser cheios de toda a plenitude de Deus". A própria grandeza daquilo que nos é oferecido exige que sejamos fortalecidos para recebê-lo, para não suceder que sejamos destruídos por aquilo. Este é um ponto sumamente importante, e um ponto que com frequência é mal compreendido; muitos cristãos não avaliam a sua significação.
Uma ilustração do que considero um completo fracasso em compreender o ponto ocorre nalgumas palavras escritas pelo piedoso bispo Handley Moule. Ele escreve: "E por que precisamos de um supremo revestimento de poder tão-somente para recebermos a nossa vida, a nossa luz?" Acha ele que é estranho dizer que precisamos ser fortale¬cidos para recebermos Jesus Cristo, que é a nossa vida e a nossa luz. Ele indaga: "O errante faminto precisa de forças para comer o alimento sem o qual ele logo sucumbirá? O marinheiro desorientado precisa de forças para receber o piloto que, só ele, pode conduzi-lo ao porto desejado? Não!" A pura e simples ideia, opina ele, parece inteiramente ridícula. Contudo, em minha opinião, isto soa completamente errado. Paulo ora no sentido de que sejamos fortalecidos com poder pelo Espírito de Deus no homem interior, para recebermos Cristo. Mas, diz o bom bispo, Cristo é a nossa força. De que modo precisamos de forças a fim de recebermos forças? Depois de apresentar as suas duas ilustrações, ele prossegue dizendo que Paulo deve estar referindo a uma tendência que há dentro de nós de espantar-nos com a ideia da "absoluta habitação" de Cristo em nossos corações e de ficarmos com medo disso, e de indagarmos o que isso poderia fazer-nos. Embora haja um elemento de verdade nessa declaração, rejeito-a como exposição deste versículo em particular. Diz o bispo que precisamos ser fortalecidos pelo Espírito porque, deixados entregues a nós mesmos, temos medo de receber Cristo em Sua plenitude.
Há uma bem definida falha no argumento do bispo Moule, e uma falha precisamente em função das suas próprias ilustrações. Ele per¬gunta se o homem que ficou muito tempo sem alimento precisa de forças para tomar o alimento que lhe vai dar forças. Diz ele: "Não"! Aventuro-me a sugerir, com grande respeito, que a resposta pode ser: "Sim!" Deixem-me explicar. Provavelmente alguns de nós leram sobre homens que, durante a última guerra, foram torpedeados e passaram muitos dias em jangadas ou barcos no oceano; ou sobre homens que estiveram em campos de concentração onde chegaram ao cúmulo da desnutrição. Finalmente estes homens foram resgatados ou postos em liberdade. A tendência geral da gente seria fazê-los sentar-se a uma mesa e servir-lhes uma tremenda refeição. Entretanto isto bem poderia matá-los. A explicação é que o homem não está bastante forte para comer essa comida. Antes de estar em condições de consumir uma refeição pesada, terá que recuperar as forças. Para isso é preciso injetar glicose em suas veias, em seu sangue; pode-se dar-lhe diversos extratos de alimentos, ou um ovo ligeiramente cozido, que contém poucos elementos nutritivos. No início é preciso submetê-lo a um regime alimentar muito suave. Um homem enfraquecido e exausto simples¬mente não pode comer alimento forte; é perigoso para ele. Portanto, eu afirmo que, nos termos da própria argumentação do bispo, sua causa está completamente errada. Certamente perde de vista a intenção espiritual da oração do apóstolo neste ponto que, em minha opinião, é que aquilo que vamos receber é tão poderoso, tão vigoroso, tão forte, que precisamos ser fortalecidos para podermos recebê-lo.
Permitam-me dar respaldo ao meu argumento referindo-me ao que Paulo escreveu ao coríntios: "Com leite vos criei, e não com manjar, porque ainda não podíeis, nem tão pouco ainda agora podeis" (1 Coríntios 3:2). Correspondentemente, o autor da Epístola aos Hebreus escreve: "O mantimento sólido é para os perfeitos" (ou "maduros") (Hb 5:14), quer dizer, para os que cresceram e se desenvolveram. Se você der a um bebê carne ou comida pesada, isso vai lhe dar indigestão aguda e vai causar-lhe grande mal-estar e moléstia. Não se dá comida pesada a bebês; o que se lhes dá é leite. Alimento pesado só é próprio para aqueles cujos organismos foram exercitados pelo uso, que se desenvol¬veram, que são bastante fortes para o assimilar. Na verdade o apóstolo Paulo dissera a mesma coisa aos coríntios na primeira Epístola, capítulo 2, versículo 6: "Todavia, falamos sabedoria entre os perfei¬tos". Ele não lhes tinha ensinado "sabedoria" porque ainda eram carnais, eram, de fato, simples bebês na graça. Ele lhes havia dado o alimento apropriado para eles. Antes de poderem receber "sabedoria" precisavam ser fortalecidos.
Isso tudo é plenamente consubstanciado pelo que vemos nas expe¬riências de muitos santos de Deus. Há uma bem conhecida história de uma experiência pela qual passou D. L. Moody quando caminhava pela Wall Street em Nova York uma tarde. Subitamente lhe sobreveio o Espírito Santo; foi batizado com o Espírito Santo. Diz-nos ele que a experiência foi tão tremenda, tão gloriosa, que ele ficou em dúvida se poderia aguentá-la, num sentido físico; tanto assim que ele clamou a Deus que segurasse a sua mão, para que ele não caísse na rua. Foi assim por causa da glória transcendental da experiência. Quando Cristo entra no coração a glória é tal, que a própria estrutura parece desmoronar-se sob o seu impacto, e somos levados a tremer e a estremecer. Pode-se ver a mesma coisa nas experiências de homens como Jonathan Edwards e David Brainerd. Quando Cristo vem habitar pela fé no coração, e quando somos cheios de toda a plenitude de Deus, precisamos ser fortes. É uma experiência lancinante e irresistível. Assim o apóstolo ora no sentido de que estes efésios sejam fortalecidos com poder no homem interior. Quanto maior o poder, maior será a força necessária para contê-lo.

Então, como se mostra esta fraqueza do homem interior? Primeiramente, a mente precisa ser fortalecida num sentido espiritual. Isto porque somos assaltados por dúvidas. Alguns dos maiores santos relataram que foram assaltados até o fim das suas vidas por dúvidas. Eles não davam crédito às dúvidas, mas estas se apresentavam a eles e os perturbavam por algum tempo. Depois vem o problema da depres¬são. É muito difícil definir a depressão. Você pode despertar de manhã e ver-se com a mente num estado de depressão. A mente que pode ter estado funcionando perfeitamente ontem, não parece estar funcionan¬do bem hoje. Sentimos uma espécie de entorpecimento, lentidão e incapacidade para pensar com clareza. Parece que a mente precisa ser fortalecida. Ou podemos ser perturbados por maus pensamentos que invadem a mente. Parece que estes estão sendo lançados em nós. Mais adiante, no capítulo 6, Paulo fala dos "dardos inflamados do maligno". O diabo os arremessa na mente. Eles começam quando você acorda de manhã, antes de ter tempo para pensar. Assim a mente precisa ser fortalecida. Outro problema é o de pensamentos dispersos. Todos nós temos experiência disto. Você vê que pode ler uma literatura leve ou um jornal sem dificuldade, no concernente à concentração. No entanto quando procura ler a Bíblia, a sua mente parece vagar por todas as direções e você não consegue concentrar-se. Está olhando para as palavras, está lendo os versículos, mas a sua mente parece estar noutro lugar.
Também precisamos ser fortalecidos na mente por causa da nature¬za da verdade cristã. Embora o evangelho do Senhor Jesus Cristo seja, num sentido, gloriosamente simples, é igualmente verdadeiro que ele é a verdade mais profunda do mundo. Esta Epístola aos Efésios não é simples. Vocês não poderão compreendê-la de maneira casual e sem esforço. Não podem passar por ela a galope. Há nela uma verdade profunda, e uma sutil argumentação. Há "imensidões e infinidades" para citar Thomas Carlyle. Vocês não podem tomar estas coisas "às carreiras". Os nascidos de novo, os cristãos, quando lêem esta Epístola bem podem dizer: "não a compreendo". Assim a mente precisa ser fortalecida. O propósito quanto a nós é que apreendamos a verdade; e não poderemos apreendê-la e compreender o que ela significa e o que ela nos está dizendo, a não ser que as nossas mentes sejam fortalecidas.
Lamentavelmente existem muitos cristãos que não sabem disto e absolutamente não o compreendem. Não só não o sabem; não querem sabê-lo. É desse tipo o cristão que diz: "Sou um cristão simples, um homem comum; posso testificar, posso dar o meu testemunho. Posso realizar obra prática. Todavia estas outras coisas são difíceis demais para mim; não consigo ligar-me a elas. Doutrina e teologia não me interessam; creio no evangelho simples". Mas nenhum cristão tem direito de falar dessa maneira. Se vocês não fazem nenhum esforço para entender esta Epístola aos Efésios, ou todos os outros ensinamentos profundos do Novo Testamento, culpa de pecado pesa sobre vocês. Esta Epístola foi escrita para cristãos comuns. O propósito é que todos nós entendamos estas coisas; e não temos nenhum direito de reduzir as nossas responsabilidades e dizer que queremos uma mensagem sim¬ples, um evangelho comum. Dizer um cristão que ele não pode perder tempo, que fazer isso requer muito esforço, que sua mente está cansada, que ele tem muitas ocupações e muitos problemas na vida diária, que não tem inclinação para ser leitor ou pensador – é negar as Escrituras. O apóstolo ora no sentido de que as mentes destes efésios sejam fortalecidas para que venham a compreender estas possibilidades mais elevadas da vida cristã, e venham a experimentá-las, a regozijar-se nelas e a dar vigoroso testemunho e demonstração da glória de Deus. A letargia intelectual é, sem dúvida, o maior pecado de muitos cristãos hoje em dia. Jamais crescem no conhecimento; terminam onde come¬çaram. Estão sempre falando das primeiras experiências que tiveram, porém nunca adentraram estas riquezas a que Paulo se refere; jamais escalaram os picos das montanhas, e jamais respiraram o ar puro da santa verdade de Deus. Estão contentes com o nível comum; ignoram o ensino mais avançado porque este exige esforço intelectual.
Exatamente da mesma maneira o coração precisa ser fortalecido porque somos invadidos por temores e imaginações. Somos sujeitos ao desânimo. Temos a tendência de render-nos a maus pressentimentos. Mesmo quando tudo vai bem conosco, os nossos corações começam a dizer: "Ah, vai tudo bem por ora, mas nunca se sabe o que está para vir!". E de imediato ficamos deprimidos. Já não experimentamos isso, todos nós? Quão traiçoeiro pode ser o coração! Ele pode evocar possibilida¬des; e vamos encontrá-las na imaginação: que será, se acontecer isto? Que será, se acontecer aquilo? Que será, se esta criança morrer? Que será, se eu perder o ser amado? – e assim por diante. Dessa maneira podemos fazer-nos sentir em miseráveis condições. De fato não está acontecendo nada; só estamos imaginando como nos sentiríamos se acontecesse. Assim, muitas vezes estes temores, presságios, desânimo e más imaginações arruínam o cristão. Há alguns cristãos cuja carreira se resume em estar "preso a superficialidade e aflições" porque nunca se aperceberam da necessidade de terem o seu coração fortalecido pelo Espírito Santo.
De igual modo a vontade precisa ser fortalecida. Nossas vontades são fracas e irresolutas, como resultado do pecado e da Queda. Com sinceridade resolvemos e fazemos o propósito de fazer certas coisas; e realmente desejamos fazê-las. Então, no último instante, ficamos com medo ou desistimos. Por causa de indagações como esta: que será ou que acontecerá se eu o fizer? A vontade parece ficar paralisada ou tornar-se irresoluta, e deixamos de fazer aquilo que sabemos que devíamos fazer. Quantas vezes falhamos exatamente no último instan¬te!
Assim que começarem a olhar para este homem interior, e a examiná-lo, verão que ele é muito fraco, muito débil, e que necessita ser fortalecido. Não fora o fato de que podemos fazer a nosso favor a oração que Paulo estava fazendo pelos efésios, cada um de nós vacilaria e fracassaria. Quantas vezes vacilamos e fracassamos em nossa mente, em nosso coração ou em nossa vontade! Se fôssemos deixados entre¬gues a nós mesmos, não haveria esperança para nós, e não haveria ninguém para recomendar o evangelho. Graças a Deus, porém, há este meio pelo qual podemos ser fortalecidos. O apóstolo o estabelece perfeitamente para nós aqui. Assim é que, por mais fraco ou frágil que vocês se sintam neste momento, por muito que tenham falhado, este é o meio. A oração do apóstolo é para que "o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome" os fortaleça no homem interior. Não podemos, então, dizer: tudo está bem; posso ser revigorado por Deus? Não posso fazer-me forte: não posso introduzir este ferro nas muralhas da minha alma; faça o que fizer, fracassarei. Mas eis aí a força que vem de Deus. Ele é totalmente suficiente!
A expressão subsequente diz: "vos conceda". Que bendita palavra é a palavra "conceda"! Deus me faz uma concessão; Ele me dá este meio. É uma dádiva gratuita; você não precisa conquistá-la, não precisa comprá-la. Simplesmente a pede e a recebe. "Para que vos conceda..." O mais fraco santo pode elevar o rosto, mesmo quando não possa manter-se de pé. Simplesmente olha e diz – "Senhor, tem misericórdia de mim", "Fortalece-me, ó Deus". E Ele lhe "concederá" a força de que necessita.
Mais maravilhoso ainda, porém, Paulo diz: "para que vos conceda segundo as riquezas da sua glória". A glória de Deus é a suma, a soma total de todos os atributos de Deus – Seu poder, Sua majestade, Sua santidade, Sua pureza, Sua retidão, Sua justiça; Deus na totalidade do Seu ser. A glória de Deus! E é segundo as riquezas, a plenitude dessa glória, que Deus pode fortalecer-nos com poder. Ele o faz "pelo seu Espírito". É função especial do Espírito Santo fazê-lo. Foi o mesmo Espírito Santo que nos convenceu do pecado e que nos deu o dom da fé que nos capacitou a crer. Jamais poderíamos crer sem Ele, porque "o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" (1 Coríntios 2:14). Deus, porém, nos deu do Seu Espírito, e é pelo Espírito que nós cremos e é por Ele que somos transformados em homens espirituais. O mesmo Espírito também pode fortalecer-nos no homem interior. Diz o apóstolo no capítulo 4 da Epístola aos Filipenses: "Não estejais inquietos, por coisa alguma". Quando as coisas vão mal, tendemos a ficar inquietos, e principalmente em nossos corações e mentes. Há só um meio de livrar-nos da inquietação ou ansiedade: "as nossas petições sejam em tudo conheci¬das diante de Deus pela oração e súplicas, com ação de graças" (versículo 6 a 7). Se você fizer isso, diz Paulo, "a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus". As circunstâncias não mudaram, continuam exata¬mente como eram. Donde vem, então, a paz ao coração e à mente? Vem do Espírito Santo, que fortaleceu o seu coração e a sua mente, de modo que pode resistir a tudo quanto se lance contra você; e você está a salvo.
Assim é, pois, a oração que o apóstolo faz. Estamos vivendo dias em que constantemente ouvimos falar do reforço de materiais. Reforçam o concreto, e temos o concreto armado. O concreto é muito forte, mas, se puser algum ferro nele, ficará mais forte. E quando se constroem novos e pesados edifícios, alguma coisa é necessária para aguentar com segurança o peso que terão que suportar. Esse é o princípio que está por trás daquilo que o apóstolo diz aqui. Se eu e vocês havemos de conter o Senhor Jesus Cristo dentro de nós e se havemos de ser "cheios de toda a plenitude de Deus", temos que ser reforçados no homem interior pelo Espírito Santo. E se compreendermos que há estas possibilidades para nós, e as desejarmos, e pedirmos a Deus que "segundo as riquezas da sua glória" nos reforce pelo Espírito Santo, Ele prometeu fazê-lo, e Cristo habitará pela fé em nossos corações.
Estamos nós tão acima do nível do cristão comum como o cristão comum está acima do nível do homem que não é sequer cristão? Ser alguém assim é uma extraordinária, uma gloriosa possibilidade para cada um de nós neste momento, em Jesus Cristo, pela graça de Deus.

terça-feira, 22 de março de 2011

AS 42 JORNADAS NO DESERTO – CAPÍTULO 98

Por: Ir. Luiz Fontes

19ª Estação, Queelata – parte 8

TEXTOS: Nm 16; 1 Tm 6:3-6

Vamos ler um texto que está em 1 Timóteo 6:3-7, onde Paulo diz:

“3 Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, 4 é enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, 5 altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro. 6 De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. 7 Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele.”

Nós estamos estudando a 19ª estação da peregrinação do povo de Israel aqui em Queelata (Números 16), aquela contradição, revolta, rebelião de Datã, Coré e Abirão. Já temos compartilhado algumas palavras que revelam para nós a natureza daquele comportamento – que hoje podemos ver dentro do nosso próprio contexto espiritual.
Aqui Paulo diz “Se alguém ensina outra doutrina...”. Ele usa uma palavra no grego que é “heterodidaskaleo”: desviando-se da verdade. “Se alguém ensina a doutrina desviando-se da verdade”. Essa é a palavra que Paulo usa.
Ele diz que essa pessoa “... não concorda...”. Prestando atenção no original grego como foram escritas essas palavras, “não concorda” é “proserchomai”: aquilo que não está próximo, que não é intimo. Essa palavra “proserchomai” vem de dois vocábulos: “pros” – em benefício, perto, em direção a; e “erchomai” – aqui nós temos o verbo primário na língua grega que tem um significado muito interessante: influência, aquilo que é estabelecido. Então, quando Paulo diz aqui sobre “proserchomai”, significa aquilo que não está de acordo, que não exerce fundamento, não exerce influência. Isto é, todo o ensino que não está de acordo com a verdade, tudo aquilo que é diferente da doutrina, tudo aquilo que desvia da verdade, não tem nenhum benefício para nós. Tudo aquilo que não está de acordo com o Evangelho de Cristo Jesus. Quando ele usa a palavra “... não concorda...”, significa não tem fundamento, não pode influenciar nossa vida, não pode nos conduzir às sãs palavras. Devemos tomar nota disso.
Depois ele diz: “... com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo...”. A doutrina tem que estar fundamentada nas palavras do nosso Senhor Jesus Cristo e o “... ensino segundo a piedade...”. Essa palavra “piedade”, na língua grega, é a palavra “eusebeia”: reverência à fidelidade de Deus; aquilo que significa o caráter prático daquilo que é a vida cristã. Se quisermos entender o que significa “eusebeia” veremos que é aquilo que está de acordo com o caráter de Deus; tem relação com a nossa devoção Cristã, com a nossa piedade cristã, com a nossa conduta cristã.
Então Paulo é muito claro. Ele diz que este tipo de pessoa é “enfatuado”. Esse vocábulo no grego é “tuphoo”: pessoa que se torna arrogante, enche-se de orgulho, insolente. Significa que por causa do orgulho perdeu a visão espiritual, tornou-se tolo, estúpido. Por isso é muito bom examinar como essas palavras foram escritas no original.
No versículo 4 de 1 Tm 6 temos mais um vocábulo – “... nada entende...”. Essa palavra “entende” tem aqui uma negativa antes que é “epistamai”: por atênção em, fixar os pensamentos em. Isto é, uma pessoa que está “enfatuada”, com acabamos de ver, uma pessoa arrogante, insolente, que foi cega pelo orgulho, não entende. O que isso significa? Ela não tem como fixar os pensamentos, ela não pode familiarizar-se com a doutrina, com as palavra do Senhor Jesus. Podemos ver a clareza da Palavra de Deus?
E ele ainda diz: “... mas tem mania...”. No grego, “mania” é “noseo”: uma indisposição. É como uma pessoa que está doente, que perdeu o interesse, completamente obcecada, que tem obsessão por coisas vazias, isto é, uma inclinação mórbida para tudo aquilo que não edifica. Olhe o que o apóstolo diz: “... mas tem mania por questões e contendas de palavras...”. Preste atenção na palavra “questões”. No grego é “zetesis”: pessoas que vivem por debates, questionando as coisas, que tem mania de controvérsia. É isso mesmo. Uma pessoa que não tem o fundamento da Palavra vive de quê? Vive de controvérsias, de debates. Não é aquela pessoa que tem o “coração bereano” (At 17:11), que investiga a Palavra com o propósito de encontrar a verdade, mas aquela pessoa que nunca tem uma mente fixa na verdade, que sempre está questionando a verdade.
E Paulo diz: “... contendas de palavras...”. Temos aqui um outro vocábulo grego. Na língua portuguesa temos uma frase, “contendas de palavras”, mas, no grego, uma palavra só – “logomachia”: pessoas que vivem em contendas acerca de assuntos vazios, superficiais. Essas pessoas não têm com que questionar a verdade, porque suas vidas são superficiais; suas mentes estão focadas em coisas superficiais. Ele diz: “... de que nasce inveja...”. Essa superficialidade gera inveja, gera provocação, contenda, discussão, difamações, calúnia, suspeitas, desconfiança. Diz também: “... suspeitas malignas...”. É interessante observar que essa palavra “malignas” é, no grego, a palavra “poneros”: uma coisa má, de natureza ou condição má.
Então o apóstolo Paulo segue (v. 5) – “... altercações sem fim...”. No grego temos uma outra palavra. No português é uma frase, mas no grego apenas uma palavra – “paradiatribe”: ocupação inútil, negócio vazio. Essa palavra vem de dois vocábulos: “para” – de, em, por, ao lado, perto; e “diatribo” – desgastar, consumir, passar o tempo. “Paradiatribe” significa, então, uma ocupação inútil, uma vida vazia.
E ele continua: “... altercações sem fim por homens cuja vida é pervertida...”: uma pessoa corrompida pela conduta, por causa da mente vazia; uma pessoa arruinada.
Ele diz mais: “... privados da verdade...”. A palavra “privados” no grego é “apostereo”: defraudar, roubar, despojar. Significa uma pessoa que tem furtado a verdade.
“... Supondo que a piedade é fonte de lucro...”. Interessante que essa palavra “lucro” no grego é “porismos” – ganho, aquisição, fonte de riqueza. E ele diz: “... de fato, grande fonte de lucro é a piedade, mas com o contentamento...”. No grego a palavra “contentamento” é “autarkeia” – uma condição de vida ideal. Essa palavra no grego significa uma pessoa que está suprida em todas as suas necessidades; uma pessoa que está contente com a sua porção. Na verdade, você não faz um meio de lucrar, um meio de levar vantagem. Isso é muito sério, porque o apóstolo Paulo está exortando Timóteo acerca dos falsos mestres, daqueles que estavam cobrando taxas por seus ensinos. Aqui ele está mostrando como muitos hereges estavam tendo lucro por seus ensinos cheios de maldade, de perversidade. Quantas pessoas temos visto hoje que têm procurado ter lucro na vida da igreja! Mas nós temos que entender que o lucro da igreja é a piedade com o contentamento, com a suficiência em Cristo. Isto é resultante de uma satisfação íntima com Deus, em Deus.
Você se lembra do profeta Balaão? Vemos que Balaão tem sido duramente criticado por muitos estudantes da palavra de Deus. Muitos têm criticado Balaão como mercenário, porque ele cobrava por suas “profetadas”. Será que ele tem sido diferente de muitos de nós? Muitos que em nossos dias fazem campanha barganhando, negociando com os membros, com os irmãos, com a igreja do Senhor Jesus. Aqueles que vivem enchendo sacos e mais sacos de dinheiro retirado dos bolsos dos cristãos nos cultos, onde se vê as trocas das bênçãos de Deus. Quantas vezes escutamos as pessoas dizerem “Oferta em dez, cinquenta, mil..., que em troca você receberá quatro vezes mais”. Já vimos isso? Quantas pessoas dizem: “Olha, nós falamos e Deus garante: você será rico, terá casa, carro, telefone, será uma pessoa muito rica”; “Se você não for dizimista fiel e ofertante, será excomungado, retirado do rol de membros”. Quantas vezes temos negociado o céu, a salvação; temos enganado, ludibriado, vilipendiado a fé do povo de Deus. E depois queremos condenar Balaão.
Precisamos voltar e olhar que a prática de Datã, Coré e Abirão, a rebelião deles, que não era contra Moisés e Arão, era contra Deus. A natureza da rebelião deles consistia num único fato: eles não estavam compreendendo os caminhos de Deus; não compreendiam o propósito de Deus. Queriam fabricar uma religião no meio do povo de Deus para si. Aquela revolta deles contra Moisés e Arão, que revela a revolta que tinham contra o próprio Deus, mostra que eles buscavam um tipo de religião na qual simplesmente se elevariam com um único propósito: o de sobrepujar as pessoas, de estar acima delas, de poder conduzi-las a seu modo.
Precisamos entender que ninguém se desvia do dia para a noite. Lembram de Ló? Em Gênesis 13:12 diz:

“(...) e Ló, nas cidades da campina e ia Armando as suas tendas até Sodoma.”

Fazendo um estudo gramatical da composição de toda essa frase, no original hebraico, veremos que Ló não foi direto para Sodoma. Ele foi armando suas tendas até lá, isto é, foi pouco a pouco. Isso vem revelar para nós a condição do nosso próprio coração. Podemos imaginar quantas coisas erradas existem hoje no meio do povo de Deus? Quantas coisas que não pertencem ao caráter de Deus, à obra de Deus, à vontade de Deus, ao plano de Deus, ao propósito de Deus? Quanto temos visto em termos de louvor, de músicas, de adoração, de pregação de cruzadas, de campanhas e de tantas coisas que não procedem da palavra de Deus, que não estão de acordo com o caráter de Deus!
Apocalipse 2:14 diz:

“Tenho, todavia, contra ti algumas coisas, pois que tens aí os que sustentam a doutrina de Balaão, o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição.”

Sabemos que esta é uma mensagem, uma carta, à igreja de Pérgamo. Precisamos atentar aqui para duas palavras: “armar” e “ciladas”. Façamos uma análise delas.
Primeiro temos “armar” – no grego, “ballo”: lançar ou jogar uma coisa sem cuidar aonde ela cai; espalhar. Significa que em natureza é entregar aos cuidados de alguém sem saber o resultado.
Em seguida, “ciladas” – no grego, “skandalon”: a vara móvel ou gancho de uma armadilha, onde qualquer pessoa poderá cair de surpresa. Vemos, então, um evangelho inconsequente, atitudes, comportamentos inconsequentes.
Quando olhamos para Coré, Datã e Abirão, o que vemos? Uma teologia inconsequente, pessoas que estão querendo viver a vida cristã sem imaginar o resultado disso tudo. Datã, Coré e Abirão não imaginavam onde dariam sua teologia, suas ideias, suas motivações. Quando achavam que estavam enfrentando Moisés e Arão para o bem do povo, não percebiam que estavam cavando debaixo de si a própria sepultura, onde foram tragados vivos – eles e mais duzentas e cinquenta pessoas. Lendo a sequência do texto em Números 16 veremos que depois quatorze mil pessoas ainda morreram em consequência de tudo isso.
Podemos imaginar a seriedade, a gravidade de pregar a palavra hoje? De pregar o Evangelho do Reino hoje? Será que as pessoas têm noção da responsabilidade que têm diante de Deus? Será que hoje as pessoas se dão conta do que Deus exige, apesar de exigir muito mais de nós que ensinamos a palavra, do que dos nossos próprios irmãos que a ouvem? Tiago, no capítulo 3, a partir do versículo 1, diz:

“1 Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo”.

Isso é muito sério! Precisamos olhar para esse texto e estremecer dentro de nós. Saber que o Senhor nos chama, dando-nos o grande e sublime privilégio de pregar o Seu evangelho, mas que isso consiste de que Ele vai exigir muito mais de nós que pregamos do que daqueles que ouviram de nós. Por isso precisamos estar com o nosso coração completamente submisso à vontade de Deus. Precisamos depender a cada dia do Espírito Santo, para que não venhamos incorrer na contradição de Coré, para que, como Balaão, não venhamos fazer da obra de Deus um negócio para nós mesmos. Precisamos ser cuidadosos, não temos o direito de ser levianos com o Evangelho.
Que essa palavra toque na sua vida, na minha vida, e nos leve ao arrependimento, se, por algum momento, temos pregado o Evangelho de Cristo sem olhar para Cristo. Não podemos pregar o Evangelho de Cristo olhando unicamente para as pessoas, como se elas fossem clientes de nossa mensagem. Temos que pregar tendo os nossos olhos em Cristo Jesus, porque quem faz a obra é Ele, quem abençoa é Ele, quem vai nos julgar é Ele. A Palavra é Ele, e a Palavra é dEle, e a Palavra é para a glória dEle. Não é para a nossa glória, não é para a nossa satisfação, não é para o nosso sucesso. É para a glória dEle.
Que Deus nos inquiete; que Deus inquiete a minha vida e a sua vida. E que Ele prossiga nos falando poderosamente, para que venhamos ser constrangidos pela Sua voz a reconhecer o quanto somos necessitados e carentes da misericórdia de Deus em cada momento e em cada oportunidade; para que não venhamos cometer os mesmos erros de Coré, Datã e Abirão. Essa é a 19ª estação que estamos estudando – Queelata (Números 33:22 e Números 16). Que tudo isso venha tocar-nos profundamente, levar-nos a fazer uma profunda reflexão sobre como temos nos envolvido, nos entregado e nos consagrado a este Evangelho. Que Deus tenha misericórdia de nós, que Ele nos ajude e que Ele não desista de nós, mas que prossiga fazendo uma obra dentro de nós, com o propósito de nos levar a viver uma vida cristã equilibrada no que concerne ao ministério da palavra.
Que Deus ricamente venha lhe abençoar, que Ele venha com as Suas mãos nos conduzir na Sua vontade.

sexta-feira, 18 de março de 2011

CONTINUAÇÃO DO ESTUDO DA EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS


CAPÍTULO 9

"O HOMEM INTERIOR"

Por: D. M. Lloyd Jones

"Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior." – Efésios 3:16

Estas palavras são uma parte da exposição que, começando no versículo 14, vai até o versículo 21:

"Por causa disto me ponho de joelhos perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual a família nos céus e na terra toma o nome, para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior; para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; a fim de, estando arraigados e fundados em amor, poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus. Ora àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segun¬do o poder que em nós opera, a esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém".

Por mais tempo que vivamos neste mundo, seja qual for o orador que surja, vocês jamais ouvirão coisa alguma que se iguale a isso quanto à eloquência, à elevação do pensamento, à profundidade da linguagem e à concepção. É indubitavelmente um dos picos culminan¬tes das Escrituras. De fato há muitos que dizem que este é o pico mais elevado em toda a cadeia de montanhas da verdade e da revelação divina nas Escrituras. Lembremo-nos de que estamos focalizando a oração que concretamente o apóstolo eleva em favor do povo cristão de Éfeso. Estudamos o modo pelo qual ele se aproxima de Deus, e notamos quão cuidadoso ele é ao fazer-nos recordar os seus pontos essenciais e a nossa necessidade de nos ajustarmos a isso. Ele "se põe de joelhos" perante o Pai, perante Aquele a quem, graças ao nosso bendito Senhor e Salvador, também temos o direito de chamar "nosso Pai". Tendo assim chegado à presença de Deus, que é que o apóstolo pede em oração a favor destes cristãos efésios, que tão profundamente estão em seu coração?
No Novo Testamento temos registradas diversas orações de Paulo, e todas são dignas da nossa mais diligente e séria consideração, mas nenhuma das suas orações se eleva mais alto que esta. Aqui ele nos eleva diretamente aos céus, e ora por coisas quase incríveis, subindo ao clímax – "para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus". Lembrem-se de que ele está orando assim por pagãos convertidos, muitos dos quais tinham sido escravos, e talvez ainda o fossem, pessoas desconhecidas. Visto que eram cristãos o apóstolo faz esta oração por eles e, ao fazê-la, leva-nos aos pontos mais altos, ao nível mais elevado da experiência cristã e daquilo que é possível aos homens e mulheres no presente mundo. Esta é a verdadeira chave da genuína vida cristã; portanto, não há como exagerar no exame desta oração.

Vindo, pois, ao conteúdo real da sua oração, notemos primeiro aquilo pelo que ele não ora. Nas Escrituras o negativo é sempre significativo. Às vezes é quase tão importante como o positivo. E aqui, aquilo pelo que o apóstolo não ora merece atenção. Imaginem-se na situação do apóstolo. Como vocês poderiam orar por estes efésios? Que é que rogamos quando oramos uns pelos outros? Quando sabemos que outros estão com problemas e em dificuldades, qual é a nossa petição a favor deles, qual o caráter da nossa intercessão? Paulo não ora pedindo que haja mudança nas circunstâncias, nem com relação a si mesmo, nem com relação a outros. Sua oração não é no sentido de que ele seja solto da prisão para poder voltar a pregar-lhes em Éfeso. Isso era muito desejável e, sem dúvida, ele orava pedindo isso; mas não era essa a coisa de maior importância, não era o que ele colocava no centro, não era a coisa que ele queria inculcar neles. Tampouco fez apenas um tipo geral de oração por eles, rogando a Deus que os abençoasse e fosse bom para eles. Saliento particularmente isto porque me parece que muitíssimas vezes as nossas orações são deste caráter. Oramos pedindo a Deus que abençoe as pessoas. Rogamos a Deus que seja gracioso para com elas, e que olhe por elas; e assim nos limitamos a um tipo de oração geral.
Positivamente, a primeira petição do apóstolo é: "Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder pelo seu Espírito no homem interior". Aqui temos o que é sempre característico das orações de Paulo, e, ao mesmo tempo, é sempre característico de todas as orações bíblicas, tanto no Velho Testamento como do Novo. Ao mesmo tempo nos é apresentado o modo caracte¬risticamente cristão de ver os problemas que incidentalmente sobre¬vêm às nossas vidas neste mundo, muitos dos quais surgem diretamen¬te por causa da nossa profissão de fé cristã.
A primeira característica é que a sua oração é exclusivamente espiritual. Ele está preocupado, não com o material, porém com o espiritual. Ele focaliza a sua atenção e o seu interesse no estado espiritual dos efésios. Toda a atitude do apóstolo para com a vida é espiritual, e ele sempre parte do espiritual. Este é um princípio que ignoramos, com risco nosso. Nesta questão ele segue o Senhor nosso, que ensinava: "Buscai primeiro do reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas (outras) coisas vos serão acrescentadas" (Mateus 6:33). Nosso bendito Senhor estava lidando com pessoas que viviam preocupadas com comida, bebida, roupas e outras coisas materiais. O problema com vocês, diz Ele efetivamente, é que vocês estão começando com o material e com o visível; comecem com o invisível, "procurem primei¬ro o reino de Deus e a sua justiça". É precisamente isso que o apóstolo faz aqui. O que está acima de tudo em sua mente e em seu coração é a condição espiritual e o bem-estar espiritual destas pessoas.
A segunda característica da oração de Paulo é que é uma oração muito específica. Como digo, não é simplesmente uma oração geral; ele seleciona certas coisas, isola certas particularidades e as apresenta uma por uma em sua oração a Deus em favor dos efésios. A verdadeira oração cristã – a oração no Espírito, a oração em Cristo – não é somente de caráter espiritual, mas também é sempre específica. Pomos à mostra muita verdade a nosso respeito em nossas orações e em nossa maneira de orar. Em última análise, não há melhor indício do estado e condição espiritual de uma pessoa do que as suas orações. Se as suas orações são formais, significa que toda a sua posição é formal. Se está mais preocupado com a beleza da linguagem e da dicção, vocês podem estar certos de que o seu principal interesse é, de novo, por exterioridade. Há liberdade, há espiritualidade na oração? Demonstra-se entendimen¬to do caráter e a natureza essencial da vida cristã? Encaremos isto individualmente com relação a nós. Quando vocês oram a Deus, qual é a sua maior preocupação referente a si próprios? Preocupam-se principalmente com as circunstâncias e ambições – com os seus corpos, os seus quefazeres –, ou se preocupam primordialmente com o seu estado e condição espiritual? Que é que recebe maior atenção e mais tempo em suas orações e devoções pessoais? Vocês se preocupam primariamente com toda a questão do seu crescimento e desenvolvi¬mento espiritual, com o seu conhecimento de Deus, com a sua relação com Ele e com o modo como O fruem? É esse o grande interesse? Ou vocês dão prioridade às coisas que pertencem às exterioridades da vida? As orações do apóstolo não são só essencialmente espiri¬tuais; são também específicas. Há certos aspectos da prosperidade espiritual dos efésios que o preocupam em particular, e assim ele os menciona um a um.

Notem que Paulo não faz pouco caso dos problemas envolvidos. A abordagem neotestamentária, a abordagem verdadeiramente cristã dos problemas da vida, nunca os menospreza. Contudo, é característico da psicologia que esta geralmente o faz. Interessada primariamente em fazer-nos felizes, não toma muito cuidado quanto à maneira de conse¬guir isso. Assim é que ela vem e nos dá uma certeza geral de que tudo estará bem e que o pior nunca acontecerá. Ou poderá examinar a situação da pessoa e dizer que, depois de tudo, a situação não é tão ruim como poderia ter sido. Esse não é, absolutamente, o método do apóstolo, e esse método não se encontra em parte alguma do Novo Testamento. As Escrituras jamais procuram diminuir um problema ou uma dificuldade; fazem exatamente o oposto. O modo terrenal de tentar ajudar-nos quando estamos em dificuldade é dar palmadinhas nas costas e dizer: "Está tudo bem!" Mas é muito errado dizer que está tudo bem quando não está. Uma sinceridade essencial sempre caracteriza a abordagem bíblica e cristã.
Tampouco o método cristão promete levianamente que o problema ou dificuldade ou o que quer que seja será afastado logo. Nada é tão característico das Escrituras como o seu realismo. Dou ênfase a isto porque é a chave para compreendermos esta oração. O Novo Testa¬mento diz-nos com muita franqueza e clareza: "No mundo tereis aflições" (João 16:33). Ele não nos promete tempos fáceis. Não constitui um alegre tipo de otimismo. Ele não diz que, uma vez que você se torne cristão, o mundo inteiro mudará; que você andará sobre rosas e nunca mais terá nenhum problema. Ao contrário, estas são as suas afirmações: "Por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus" (Atos 14:22). "A vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele" (Filipenses 1:29). "Todos os que piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguições" (2 Timóteo 3:12). O livro de Apocalipse, igualmente, está repleto de profecias de provações, problemas e tribulações. Nada do Novo Testamento nos leva a pensar que todas as nossas dificuldades serão removidas subitamente e que andaremos dentro de um círculo mágico. Muito ao contrário! Se o Novo Testamento não nos falasse desta maneira realista, não nos ajudaria a enfrentar as situações em que nos acharmos, a sobrepujá-las e a sermos mais que vencedores.
É da essência do método bíblico mostrar-nos que, visto que este mundo é pecaminoso, necessariamente há nele provações, lutas, pro¬blemas e tribulações. O cristão não deve ficar surpreso face às condi¬ções do mundo, pois o pecado traz tristes consequências. São os filósofos, os psicólogos e os falsos otimistas que devem ficar surpre¬sos, pois eles acreditam que há dentro do homem poder para pôr tudo em ordem neste mundo. Mas o cristão parte deste princípio – que enquanto houver pecado neste mundo, haverá problema. "O caminho dos prevaricadores é áspero" (Provérbios 13:15). "Os ímpios, diz o meu Deus, não têm paz" (Isaías 57: 21). Não têm, não terão e não poderão ter. O pecado, a luxúria que está no peito e no coração humanos, é a causa da guerra, da discórdia e de todos os problemas. Se você opinar em que este conceito é muito pessimista, replico que é realista. Não é pessimismo encarar os fatos. O pessimismo vem depois de encaramos os fatos, e principalmente como resultado do modo pelo qual os encararmos. Não é verdadeiro otimismo negar-nos a olhar sinceramente para os fatos, porque o verdadeiro otimismo é sempre e completamente realista. Começa vendo todas as coisas como são, e em sua pior condição, e depois as domina. E aqui o apóstolo não promete nada fácil ou simples. Na vida espiritual não há atalhos.
Notem ademais que Paulo não ora pedindo que apareça um método para combater diretamente estes problemas, dificuldades e situações. Nunca o cristianismo se preocupa primariamente com a destruição dos nossos inimigos, ou com a solução das nossas dificuldades e proble¬mas. Antes, o método do apóstolo consiste em orar no sentido de que, face a face com todas estas coisas, ante o aprisionamento e tudo mais que Deus possa permitir, sejamos "corroborados (ou fortalecidos) com poder pelo seu Espírito no homem interior", "segundo as riquezas da sua glória". Noutras palavras, o modo cristão de lidar com todos os problemas da vida não é, em primeiro lugar, fazer algo acerca deles, mas sim, tratar das nossas condições espirituais. O método cristão consiste em edificar a nossa resistência em nosso homem interior, pelo Espírito.
Uma ilustração lançará luz sobre o que estou querendo dizer. O ensino bíblico referente à nossa reação aos ataques é análogo ao que sucede na natureza no caso do corpo físico e da doença. É um modo conveniente de estudar este problema em geral. O pecado, o mal, satanás e todos os poderes que querem derribar-nos, deprimir-nos e destruir-nos, são como doenças resultantes dos ataques de germes, micróbios e vírus fortes e poderosos, capazes até de destruir a vida. Estamos sendo atacados constantemente desta maneira, quer esteja¬mos conscientes disso, quer não. Eles estão dentro de nós; há em nossos corpos muitos milhões de germes, alguns dos quais a qualquer instante podem tornar-se letais e destruir-nos. Como o corpo lida com estas coisas? Há no corpo um mecanismo destinado a resistir a tais ataques. É questão de infecção e resistência. Às vezes se faz referência à resistência como constituição natural do homem; alguns lhe chamam físico. Uns nascem com constituição melhor e mais forte que outros, de modo que quando dois homens são expostos à mesma infecção, enquanto um deles pode cair de cama, o outro não é afetado. Isso porque o último tem melhor resistência. Vocês decerto ouviram falar de alguma criança que foi vacinada, e a vacina não pegou. O médico pode pensar que houve algum engano, de modo que repete a vacinação. Mas esta ainda não pega. Então o médico conclui que a criança tem "imunidade natural". Faz parte da natureza dessa criança, da sua constituição.
Há um mecanismo para a resistência no corpo. Nem sempre a resistência é muito forte; na verdade, pode ser muito fraca. Assim, o que é necessário fazer para enfrentar a infecção é fortalecer a resistência. Há muitas maneiras de fazê-lo. Uma é fazer exercício, sair ao ar livre e encher os pulmões de ar puro e oxigênio. Outro é alimentar-se com o tipo certo de comida. Há, porém, outra linha de abordagem, a saber, tomar remédios de várias espécies e tentar atacar diretamente o inimi¬go. Esta abordagem não se relaciona com o fortalecimento da resistên¬cia; lida de maneira direta com os germes invasores. Outro método possível é operar e remover algum órgão infeccionado.
Ora, o método que está sendo empregado pelo apóstolo é o fortale¬cer a resistência dos cristãos efésios. Aí estão as circunstâncias, aí está o ataque sofrido, e assim o apóstolo ora rogando a Deus que, "segundo as riquezas da sua glória, os fortaleça com poder no homem interior". Seja qual for o ataque, a resistência pode ser tão fortalecida que eles se farão mais que vencedores. Este é o ensino bíblico essencial quanto a como viver num mundo como este, como perseverar nisso e como ser "mais que vencedor", a despeito de tudo quanto possa acontecer nesta existência.
Nosso bendito Senhor ensina isto no versículo 1 do capítulo 18 do Evangelho segundo Lucas, onde Ele diz que os homens devem "orar sempre, e nunca desfalecer". Diz Ele que, se não quiserem desfalecer, orem. O que a oração faz é, por assim dizer, encher os pulmões da alma com o oxigênio do Espírito Santo e Seu poder. Se vocês quiserem permanecer de pé sem vacilar, encham-se com a vida de Deus. Orem, e não desfaleçam. Noutras palavras, não devemos perder tempo em ficar pensando nas coisas que tendem a derrotar-nos; devemos fortale¬cer-nos em nossa "santíssima fé", como nos exorta Judas.
Esta é a única maneira pela qual poderemos vir a saber o que é regozijar-nos na tribulação. Esta é a única maneira pela qual poderemos ser o que o apóstolo intitula "mais que vencedores", apesar de tudo aquilo que nos ataca. Ou, como ele afirma no capítulo 4 da sua Segunda Epístola aos Coríntios, se vocês desejarem poder dizer "a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente", deverão poder dizer também, "Não atentando nós nas coisas que se ,veem, mas nas que se não vêem" (versículos 17 e 18). O mesmo princípio funciona em toda parte, na esfera espiritual. Fortale¬çam o homem interior, fortifiquem a resistência.
O princípio deveria ser óbvio para todos. E, todavia, é tão forte a nossa tendência para deixar de vê-lo, que precisa ser repetido e salien¬tado constantemente. Outro modo de expô-lo é dizer: acerte bem o centro, e o restante se ajustará sozinho. Acerte a fonte, e não precisará preocupar-se muito com as tensões e pressões. Geralmente o problema está na fonte, pelo que nós temos que retornar ao início. Há um provérbio que diz: "como (o homem) imaginou na sua alma, assim ele é" (Provérbios 23:7), e isto corresponde perfeitamente à vida. Assim, acerte o homem, acerte o seu pensamento. Não o trate aos pedaços, tratando primeiro deste problema, depois aquele, e simplesmente remendando as coisas; retorne ao centro. O que está errado é o pensamento do homem; então conserte o seu pensamento. Ou siga o método expresso pelo homem que escreveu o livro de Provérbios no capítulo 4, versículo 23: "Guarda o teu coração, porque dele procedem as saídas da vida". Realmente o coração exerce controle sobre todas as coisas; e aqui, "coração" significa o centro da personalidade, e não apenas a sede das emoções. Acerte isso, e tudo mais se acertará.
O Senhor Jesus expôs negativamente a questão quando disse que não é o que entra no homem que o corrompe, mas, antes, o que sai dele. "Do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios" e todas as coisas desse jaez (Marcos 7:20-26). Noutras palavras, em última análise, a nossa condu¬ta não é determinada pelas tentações que nos defrontam nas ruas; é o coração do homem que as enfrenta. Dois homens podem enfrentar idênticas condições; um cai, o outro não. A diferença não está na tentação, e sim no coração do homem. "Do coração..." Devemos pois dar atenção ao coração.
Esdras expressa isto de maneira mais lírica. Vê-se que ele entendeu este princípio quando disse: "A alegria do Senhor é a vossa força" (Neemias 8:10). Como isto é verdadeiro! Quando você quer forças para fazer o seu trabalho e para enfrentar uma tarefa que o aguarda, a tendência é dar atenção unicamente aos seus músculos. Isso está certo dentro de limites. Mas não adianta quão apto você esteja fisicamente, se algo lhe corrói a mente. Se tiver alguma preocupação ou ansiedade, não será capaz de realizar o seu trabalho. Você poderá estar cem por cento apto fisicamente, porém, se houver alguma coisa a mortificar o seu coração, a perturbá-lo e a preocupá-lo, você se sentirá fisicamente fraco. Por outro lado, embora esteja muito fraco no físico, quando de repente lhe sucede algo que o enche de alegria e contentamento, você se sente como um gigante revigorado e vê que tem extraordinário poder. "A alegria do Senhor é a vossa força." Realmente o coração governa tudo.

O apóstolo enuncia este grande princípio desta forma interessante: "Para que, segundo as riquezas da sua glória, vos conceda que sejais corroborados com poder pelo seu Espírito no homem interior".
Consideremos ainda o que se quer dizer com "homem interior". Temos a resposta em 2 Coríntios 4, versículo 16, onde o apóstolo diz: "Ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia". De novo o apóstolo diz em Romanos, capítulo 7, versículo 22: "Segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus". Há dois homens nele. Há uma lei em seus membros arrastando¬-o para debaixo, no entanto ele diz: "Segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus". Obviamente, este homem interior é o oposto do homem exterior. Todavia, a maioria das pessoas do mundo nunca sabe ou nunca percebe que há diferença entre o homem interior e o homem exterior. É uma das mais profundas descobertas que podemos fazer em nossa experiência cristã. O homem interior é o oposto do corpo e todas as suas faculdades e funções. É este outro homem, separado destes elementos, a parte mais recôndita do nosso ser, a parte espiritual do nosso ser. Inclui o coração, a mente, a alma e o espírito do homem regenerado, do homem que "está em Cristo Jesus".
O problema fundamental com o não regenerado, com o não cristão, é que lhe falta este homem interior. Ele nada sabe do homem interior, não acredita no homem interior; vive só na parte exterior. Só vive segundo a carne, vida que não passa de vida no corpo e naquilo que se pode chamar a parte física do homem. Não há nada espiritual quanto a ele. Toda a sua vida é limitada por aquilo de que ele tem ciência, isto é, suas sensações por dentro dele e em sua correspondência com o mundo das coisas que se pode ver, ouvir, sentir e apalpar. Essa é a sua única vida, e sua vida total; está restrita ao corpo, suas faculdades e suas relações com pessoas semelhantes e com as coisas do mundo em que ele se acha. É vida puramente animal.
Essa é a tragédia do homem em pecado, do homem como resultado da Queda. Não tem consciência de que foi criado como um ser espiritual. Não tem consciência de que há algo superior a todos os sentidos do homem. Para ele o homem é, na melhor das hipóteses, um animal racional, um animal que, por acaso, tem faculdades mais altamente desenvolvidas que os animais inferiores, contudo ainda pertence à mesma ordem dos animais. Seu cérebro tem mais uma dobra que o dos animais, entretanto essa é a única diferença entre ele e o animal. Ele não está ciente de que, em acréscimo à sua natureza animal, há esta outra parte do ser humano, a parte a que Paulo se refere como "O homem interior".
A tragédia final do homem natural é que ele não tem nenhum homem interior no qual refugiar-se nas horas de dificuldade, pressão e prova¬ção. Vocês sabem o que quero dizer com "refugiar-se no homem interior"? Sabem o que é, quando as suas vidas de homens ou mulheres neste mundo são afligidas pelas coisas que lhes estão acontecendo e vocês ficam a ponto de cair e desfalecer – sabem o que é refugiar-se no "homem interior"? Essa é uma das experiências mais abençoadas que podemos ter. Ali estava o apóstolo Paulo, velho antes do tempo devido às suas pregações, às suas viagens e às perseguições e provações que sofrera e suportara, seu corpo em decadência, ainda atribulado por um antigo mal, obviamente um homem muito doente. "O nosso homem exterior vai perecendo", diz ele; mas não se assenta num canto, dizendo: é o fim; tive minhas boas oportunidades, agora devo ceder o lugar a outros, chegou a minha hora; eu bem que poderia virar o rosto para a parede e encarar o fato de que o fim está aí. Absolutamente não! Ao compreender a verdade de tudo quanto está acontecendo com o homem exterior, ele se retira para o homem interior e diz: "o interior, contudo, se renova de dia em dia". À medida que o exterior fenece, o interior se fortalece. À medida que o mundo vai levando embora a vida exterior e inevitavelmente vai se afastando dele, este homem interior vai recebendo novo acervo de poder do céu e da glória. Ele se refugiou no homem interior.
Aquele que não é cristão ignora isso tudo. Pobre sujeito! Depende só das circunstâncias, e é dominado inteiramente por elas. Ele vive unicamente numa esfera, e não sabe absolutamente nada da outra. Por isso ele não goza nenhum conforto, nenhuma consolação, e por isso terá que cair na psicologia, nas drogas e em várias tramóias que ele mesmo faz para si. Corre em busca de prazer, apenas para esquecer os seus problemas pelo momento que passa, e assim por diante. Ele realmente não pode enfrentar a vida porque vive só numa dimensão, e quando esta se vai, tudo se vai. Ele fica deprimido e desconsolado, sente-se infeliz e fica desiludido. Mas quando nos tornamos cristãos e recebemos o dom do novo nascimento e da nova vida, um novo homem é implantado em nós, uma nova ordem de vida começa, e entramos numa nova esfera, numa esfera espiritual e invisível. Não é o temporal, o físico, o desvanecente, porém é algo que é de Deus. Somos feitos participantes da natureza divina, uma semente da vida divina é plantada em nós; ela cresce e se desenvolve, e muitas vezes as provações e tribulações estimulam o seu crescimento de maneira sumamente glo¬riosa.
Devido a este homem interior existente em nós, somos capacitados a obter grandes vitórias sobre o diabo. Ele nos ataca de muitas maneiras, todavia às vezes exagera e comete um engano, e involuntariamente nos faz lembrar a nossa posição em Cristo. Mais comumente ele apenas nos mantém num estado geral de depressão. Ele pode usar as condições do tempo, por exemplo, ou tirar vantagem da nossa constituição particular ou da nossa má circulação. Ele faz que nos sintamos frouxos, sem poder pensar nem fazer coisa alguma, e depois nos desanima com maus pensamentos, e nos leva a desiludir-nos. No entanto subitamente vemos o caso doutra pessoa que está em condição similar: que se trata claramente de uma investida do diabo; e, ao vermos o que ele faz a essa outra pessoa, de repente nos despertamos para o fato de que realmente é ele que nos está atacando. Assim, o homem interior é revivido até por problemas de fora, e dominamos o diabo e nos tornamos "mais que vencedores".
Vocês têm algum conhecimento sobre "o homem interior"? Sabem que têm um "homem interior"? Há este outro do qual estão cientes e no qual podem refugiar-se? Sabem que, enquanto o homem exterior vai decaindo, arruinando-se e se decompondo, o homem interior Vai sendo renovado dia a dia, vai sendo fortalecido, e tem visão de uma glória que é "incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar"? Nosso segredo como cristãos, como no-lo recorda o apóstolo, é que temos um homem interior, e quando esse homem interior é fortalecido pelo Espírito Santo, o que acontece ao nosso redor e ao próprio homem exterior é relativamente sem importância. Oxalá Deus nos dê a segu¬rança da posse do homem interior, do homem espiritual, do novo homem em Cristo Jesus.