quarta-feira, 30 de junho de 2010

ESTUDO DO LIVRO DE EFÉSIOS

CAPÍTULO 13
FEITURA DE DEUS

"Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas."
- Efésios 2:10

1) INTRODUÇÃO
Temos visto de relance esta grande afirmação quando a tomamos em seu contexto, com relação aos dois versículos anteriores, os versículos 8 e 9. Estes três versículos juntos, como vimos, são uma declaração composta, pelo que, antes de chegarmos a este versículo especifica¬mente, foi certo examiná-lo como parte do argumento que o apóstolo colocou diante de nós nos três versículos juntos. O argumento é que a nossa salvação é inteiramente de graça; ela resulta da graça de Deus. Não há jactância; é excluída completamente. Também não devemos gloriar¬-nos da nossa fé, não devemos tomar a nossa fé em "obras". "Somos salvos pela graça, por meio da fé." A fé é o instrumento, o canal, não a causa determinante. Pois esse é o grande argumento, vocês recordam, que é tudo pela graça e de graça. O apóstolo o expressa de maneira negativa e positiva. E no versículo dez ele expõe o que, de muitas maneiras, é o seu argumento final. Ele afirma que é inteiramente de graça; não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie, "porque somos feitura sua" – qualquer outro conceito é impossível, é totalmente inadequado e ridículo. E de fato, diz ele, isto se pode fixar definitivamente pelo fato de que as boas obras que devemos realizar como cristãos são obras que já antes foram ordenadas para que andemos nelas. Mesmo as boas obras que praticamos como cristãos foram de antemão preparadas para que andássemos nelas. Até aqui, pois, examinamos esta declaração de maneira geral e, mormente, negativa.
Contudo, é uma declaração tão profunda e gloriosa que seria um grande erro deixá-la aqui. Ela faz parte de um argumento, mas também é uma declaração em si mesma, uma declaração positiva, e uma das mais importantes e vitais que já pudemos ver. Aqui nos é dada uma das definições que Paulo faz do que significa ser cristão. E não existe, suponho, nenhuma declaração mais elevada a respeito deste assunto do que justamente esta, que somos feitura de Deus. Essa é a verdade acerca de nós todos como cristãos, e essa é a verdade acerca da Igreja Cristã.
Cabe a nós aprender a pensar em nós mesmos desse modo; e somente quando o fizermos é que funcionaremos verdadeiramente como cris¬tãos.
Cada vez mais me parece que todas as nossas dificuldades provêm realmente da nossa incapacidade de compreender a verdade a nosso respeito e a nossa situação como cristãos. A nossa dificuldade central¬ – e é uma coisa espantosa de se ver – é a nossa incapacidade inicial de obter o conceito verdadeiro destas questões. Somos em demasia criaturas presas à tradição. Começamos com ideias erradas – o homem sempre começa com uma concepção errada do cristianismo. Persistimos em pensar nele em termos de bondade, de prática do bem ou algo seme¬lhante; é extremamente difícil desfazer-nos dessa ideia. No entanto, isso é algo que fica desesperadamente aquém do grande conceito neotestamentário. Estes cristãos do Novo Testamento estão sendo constantemente exortados a aperceber-se do privilégio da sua posição. Embora não passando de um punhado de gente numa grande sociedade pagã, sempre lhes é dito que se regozijem, que considerem o seu destino maravilhoso; sempre se lhes faz lembrar o que eles são, e lhes é dito que levantem a cabeça e avancem triunfantemente. Tudo isso é feito, é claro, à luz do que o Novo Testamento expõe como sendo a verdadeira doutrina concernente ao cristão.
Essa matéria pode ser colocada na forma de perguntas. Somos dominados por um senso de privilégio e por um sentimento de alegria? Qual é o nosso entendimento do que seja um cristão? Qual é o nosso conceito da Igreja? Não é verdade que, geralmente falando, sempre nos inclinamos a pensar nela meramente em termos humanos? Temos a tendência de pensar na Igreja de Deus como uma instituição e sociedade humana, pensamos nela em termos das atividades dos homens e do que os homens estão fazendo e não estão fazendo, e de comissões e reuniões e organizações e coisas parecidas. Indubitavelmente, todas estas coisas fazem parte dela, e são essenciais, mas não constituem a Igreja. Não é isso que faz da Igreja a Igreja. E também é exatamente a mesma coisa quanto ao cristão individual. Estamos confiantes, temos segurança, quando pensamos em nós mesmos e consideramos a vida cristã completa e tudo o que pertence a essa vida? Pensamos nela unicamente em termos de nós mesmos e do que fazemos e pretendemos fazer, ou nos vemos como parte de um grande processo? Compreendemos que temos o privilégio de ser introduzidos num grande projeto, num grande plano? Ora, essa é a ideia e a perspectiva que o apóstolo está colocando diante de nós nesta passagem, de maneira positiva. Passemos imediatamente, pois, à consideração dos termos que ele emprega.
2) SOMOS FEITURA DE DEUS
A primeira proposição de Paulo é esta: somos feitura de Deus. Essa é a primeira coisa que temos de compreender acerca de nós mesmos como cristãos. Negativamente, como já vimos, isso não significa que nós nos fazemos cristãos por nós mesmos. Não somos o que somos como resultado de algo que nós tenhamos feito. Absolutamente nada! – a jactância é excluída. "Não de obras." "Não de vós." Mas não paramos na negativa, temos que ir adiante e examinar tudo isso positi¬vamente, como estamos fazendo. Somos feitura de Deus. Esse é o significado da expressão. Somos, por assim dizer, uma coisa da Sua fabricação. Para mim este é um pensamento sumamente notável e emocionante, que somos algo que está sendo feito e modelado por Deus. Podemos pensar nisto individualmente a nosso respeito como cristãos; e devemos pensar nisto como uma verdade relativa à Igreja toda. Permitam-me colocar mais uma vez a questão em forma de perguntas. Pensamos habitualmente em nós desse modo? É pena, porém não seria verdade que muitos de nós persistimos de algum modo em pensar em Deus como sendo Ele inteiramente passivo? A nossa ideia de Deus é que Ele está no céu, inteiramente passivo e esperando que nos aproximemos dEle. Pensamos: naturalmente, se eu buscar a Deus, Ele me ouvirá, me responderá, me abençoará. Mas, dessa maneira, sempre pensamos na atividade real como sendo da nossa parte. Deus tem uma grande casa do tesouro, um grande armazém; Ele tem grandiosos presentes para dar, sim, mas não faz nada a respeito, apenas espera até que nós façamos algo, e então, quando entramos em ação, Deus responde.
Examinemo-nos de novo à luz disso. Porventura não temos a tendência de pensar dessa maneira? Eu me decido por Cristo e, portanto, estou justificado. Posso ficar nisso anos e anos. Então eu decido que quero ser santificado, e assim solicito isso também, e Deus me atende. Mas Deus é passivo o tempo todo; é a minha atividade que importa, o que eu decido, o que eu faço. Tudo isso, naturalmente, é completamente contrário ao ensino do apóstolo, que nos lembra, e dá tremenda ênfase ao fato, que o cristianismo é totalmente resultante da atividade de Deus. "Somos feitura sua."
3) DEUS É O ARTÍFICE
Deus é o artífice. Deus é que age. É assombroso que alguém possa ter caído no erro específico que acabei de esboçar, porque a Bíblia não é senão o registro da atividade de Deus. Como é possível que alguém possa ler a Bíblia, começando com as palavras, "No princípio... Deus", possa depois pensar que a coisa toda é atividade do homem? Em toda parte é Deus quem age. Ele fez o homem, Ele fez o mundo. O homem pecou – Deus foi em busca dele. Foi Deus quem chamou Abraão; foi Deus quem criou os reis; foi Deus quem chamou os profetas; foi Deus quem deu a lei; foi Deus quem deu as instruções para a construção do tabernáculo e do templo; e foi Deus quem, na plenitude dos tempos, enviou Seu Filho. É feitura de Deus, atividade de Deus, do princípio ao fim. E, contudo, até nós, que somos cristãos, somos propensos a esquecer isso e muitas vezes somos propensos a pensar em nossa vida cristã, e no fato de sermos cristãos, em termos de algo que nós fizemos, ou de algo que nós alcançamos. Mesmo tendo começado da maneira certa, inclinamo-nos a deixar que, com o tempo, a outra ideia se insinue. Insistimos em pensar que Deus é mais ou menos passivo e simplesmente está pronto a reagir favoravelmente ao que fazemos e ao que desejamos. Mas o próprio termo que o apóstolo utiliza aqui deveria impossibilitar esses pensamentos. Deus é o artífice. Deus é Quem está modelando a obra. É um maravilhoso quadro que representa Deus como uma espécie de Artesão, uma espécie de Artífice. O quadro nos convida a pensar em Deus como numa grande oficina, e nos impulsiona a observá-lO dando forma, modelando e trazendo à existência alguma coisa.
Pois bem, este é o ensino bíblico característico com relação a Deus. Vejam a descrição que as Escrituras nos dão de Deus como Oleiro. Vocês as veem no Velho Testamento, vocês as veem no Novo Testa¬mento. Este mesmo apóstolo, escrevendo aos romanos, emprega essa metáfora. Aí está um pouco de barro; o artífice, o oleiro, vem e apanha essa massa de barro informe, e se põe a trabalhar nele. Ele o faz girar e vai tirando as arestas e as pontas; ele tem certos tornos de modelagem, e o coloca num deles. Ele vai modelando, vai fazendo algum tipo de vaso; essa é a descrição que nos é dada – o oleiro e o barro –, e essa é precisamente a ideia do apóstolo aqui, que Deus é o Oleiro, e nós somos o barro que está sendo formado e modelado. A obra é Sua, não nossa. Ele é o Oleiro, o Artesão, que está produzindo uma peça de arte.
Na verdade o apóstolo usa outro termo que é ainda mais explícito. "Somos feitura sua, criados em Cristo Jesus." Naturalmente isso nos leva direto de volta à ideia original da criação. "No princípio criou Deus os céus e a terra." Que é criação? A ideia mesma, a ideia essencial da criação, é que algo é feito do nada; não existia, mas foi trazido à existência. É precisamente esse o modo como o apostolo pensa no cristão. Portanto, devemos dar adeus para sempre a todas as ideias de melhoramento, e especialmente de automelhoramento. O fato mais importante acerca do cristão é que ele é uma nova criação, uma nova criatura. Deus, o Criador, Deus o Oleiro, Deus o grande Artífice, Deus o Autor de grandes realizações, Deus o Artesão, trouxe à existência algo em minha vida, algo que não estava lá antes – é isso que faz de mim um cristão. Eu não seria cristão sem isso. Assim é que, naturalmente, falar em nações cristãs e dizer que alguém é cristão porque pertence a uma nação cristã é simplesmente uma gritante negação de todo o ensino bíblico. É ação de Deus, ação específica, uma nova criação. O Deus que no princípio (como Paulo o expressa em 2 Coríntios 4:6) "disse que das trevas resplandecesse a luz", esse mesmo Deus, de igual modo, “resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo". É isso que significa ser cristão. Nada menos que isso! Como se pode expressar essa verdade mais claramente? O que me interessa não é simplesmente que tenhamos a ideia certa, porém que todos nós venhamos a ver que não existe maior falsificação do cristianismo do que a ideia de que somos cristãos por causa de alguma coisa que nós somos, ou de alguma coisa que nós fazemos. Temos que dar-nos conta de que somos feitura do grande Artífice, do grande Artesão. Não existe nada mais maravilhoso do que isto, que eu, assim como sou, sou algo que foi trazido à existência, algo que foi modelado por Deus, que sou como barro nas mãos do oleiro. Quando penso em minha vida cristã neste mundo, devo parar de pensar nela simplesmente em termos do que faço e do que estou fazendo, mas, antes, devo pensar nela em termos do que Ele está fazendo comigo, que estou nas mãos do Autor de grandes realizações, do grande Criador, e que Ele está trabalhando em mim e sobre mim. Essa é a concepção e esse é o ensino do apostolo nesta passagem.
4) COMO DEUS REALIZA ESTA OBRA?
4.1) Ele o faz no Senhor Jesus Cristo e por meio dEle
Consideremos agora a questão um pouco mais em detalhe, porque, quanto mais entendermos esta verdade em detalhe, mais admiração e emoção nos causará. Como Deus realiza esta obra? A primeira coisa que devemos ressaltar é que Ele o faz no Senhor Jesus Cristo e por meio dEle: “criados em Cristo Jesus”! É sempre assim. Já o vimos nos versículos 4 a 7, onde nos foi dito que fomos vivificados com Ele, ressuscitados juntamente com Ele, que Deus nos fez assentar com Ele nos lugares celestiais. Noutras palavras, Deus nos faz cristãos aplicando a nós, passando para nós, aquilo que Ele fez por nós em Cristo. Portanto, é tudo em Cristo. É nEle, em Sua Pessoa. É "da sua plenitude que recebemos, e graça por graça" (cf. João 1:16). Recebemos os benefícios da Sua morte, recebemos os benefícios da Sua vida; recebemos a Sua própria vida. Todo bem nos vem de Cristo. É assim que Deus o faz. Ele enviou Seu Filho, e então Ele nos leva ao Seu Filho. Ou, para usar outra expressão, Ele forma o Senhor Jesus Cristo em nós. É isso que Ele está fazendo: Ele está formando Cristo em nós. "Meus filhinhos", diz Paulo aos gálatas (4:19), "por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós." Essa é a ideia neotestamentária do que é ser cristão. É uma grande concepção mística, uma concepção vital. Neste ponto nós estamos totalmente fora do domínio das nossas pequenas obras e decências e moralidades. Cristo está sendo formado em mim!
5) OS MEIOS QUE DEUS EMPREGA PARA FORMAR CRISTO EM NÓS
Como será que Deus faz isso? Vejam por um momento os meios que Deus emprega para formar Cristo em nós. Tomem a minha ilustração da oficina ou da fábrica. Vocês podem ir a uma loja e ver ali um artigo já pronto para a venda, uma bela taça, um belo vaso, ou lá o que seja. Como esse artigo veio a existir? Talvez vocês tenham tido a feliz ocasião de ser levados a visitar a fábrica. Vocês já foram a uma fábrica de vidro ou a um lugar semelhante? Lembro-me de haver visitado uma em Veneza, e lá vimos os homens fazendo realmente as coisas maravilhosas que tínhamos visto prontas. Ficamos admirados quando vimos o comecinho. Bem, é algo parecido que temos que pensar agora. Como Deus produz este artigo concluído, o cristão? Vão à oficina, e lá vocês verão exatamente como é feito. É isto que esta Epístola nos diz.
5.1) A obra do Espírito Santo
A primeira coisa da qual nos tornamos cônscios é a obra do Espírito Santo. Vocês certamente observaram a notável ordem que se vê nas Escrituras – Deus o Pai, Deus o Filho, Deus o Espírito Santo. O Pai planeja a salvação; Ele envia o Filho para efetuá-la; e então Ele e o Filho enviam o Espírito para que a aplique. Deus age em nós e Deus faz de nós cristãos, e nos modela segundo a imagem de Cristo, ou forma Cristo em nós, primariamente pela obra do Espírito Santo. "Não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo?", diz o apóstolo escrevendo aos coríntios (1 Coríntios 6:19). O Espírito Santo está em nós se somos cristãos; não podemos ser cristãos sem termos o Espírito Santo em nós. E Ele age em nós. Mais adiante consideraremos como exatamente Ele o faz. No momento apenas estou lhes apresentando os meios que Deus emprega. Há esta constante atividade do Espírito Santo nos cristãos individuais, em grupos de cristãos, na Igreja. O Espírito Santo está na Igreja, e Ele está agindo e Ele está realizando a obra de Deus; Deus está agindo por meio dEle.
5.2) A Palavra
Depois, o meio subsequente que devemos mencionar é a Palavra, as Escrituras. Vocês recordam a grande oração sacerdotal do nosso Senhor, na qual Ele diz: "Santifica-os na tua verdade, a tua palavra é a verdade" (VA). Como nascemos de novo? Segundo a Epístola de Tiago, somos gerados "pela palavra da verdade" (1:18). Pedro diz: "Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sem¬pre" (1 Pedro 1:23). Deus se utiliza da Palavra para dar-nos vida. A Palavra é pregada e a Palavra se torna vida para nós. Há nela uma semente de vida, e Deus introduz a vida em nós mediante a introdução da Palavra em nós. Tem-se a mesma ideia no capítulo cinco desta Epístola aos Efésios, onde o apóstolo nos fala sobre "a lavagem da água, pela palavra". Quando pensamos neste processo que Deus está levando a efeito em nós, temos que pensar nesta Palavra. É aí que entra a importância da leitura das Escrituras. Elas são o meio que o próprio Deus utiliza. Deus poderia realizar esta obra sem utilizar-se de meios, mas escolheu esta maneira de agir. Por isso Ele deu o Espírito Santo a estes escritores, para dar-lhes entendimento, para abrir-lhes as mentes para a verdade, e para habilitá-los a transmitir a verdade. E o Espírito os dirigiu e os guiou. Tudo visando a este grande fim – Deus, como o Artífice, produzir cristãos e aperfeiçoar cristãos! Quão tremendamente impor¬tante é a Palavra!
5.3) A pregação da Palavra
Não somente isso, porém; também a pregação da Palavra. Vocês verão no capítulo quatro desta Epístola aos Efésios que Paulo faz esta colocação: "E deu dons aos homens. E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres". Para quê? – para o "aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo". Vocês entendem isso? Vocês veem o que está acontecendo na fábrica onde estão sendo feitos os cristãos? Olhem os bancos, olhem os tornos. O que é que vocês veem ali? Apóstolos, profetas, pastores, mestres, pregado¬res – todos colocados ali por Deus, e Ele está realizando a Sua grande obra com eles e por meio deles. Ele está usando todos estes homens para modelar cristãos. Esta é a ideia neotestamentária do cristianismo! – não alguém hesitando em seu leito domingo de manhã sobre se vai ou não a um local de culto; ou se vai ler a Bíblia, ou se vai orar. A obra não é nossa; "não vem de vós". Deus está fazendo isto, e é desta maneira que Ele o faz. É Deus quem chama homens para pregarem o evangelho. A pregação não é uma profissão – que lástima, muitas vezes é como se fosse, mas então não tem valor. É Deus quem chama homens e quem os coloca em seus diferentes ofícios. Ele planejou tudo. O projeto é Seu, o desenho é Seu, e tudo está sendo posto em execução. A pregação e o ensino, os dons que Deus dá aos homens, e os dons que Deus dá à Igreja, constituem todos eles parte do processo. Nenhum deles é dado em atenção aos que os recebem; são dados simplesmente para que Deus faça uso deles a fim de levar avante o Seu grande propósito.
5.4) Circunstâncias e disciplina
Que mais? Vemos outro elemento posto diante de nós no capítulo doze da Epístola aos Hebreus. Circunstâncias e disciplina. Qual será o ensino do capítulo doze de Hebreus? Estes cristãos hebreus estavam tendendo a murmurar e queixar-se porque estavam passando por prova¬ções, dificuldades e tribulações; e o argumento que lhes é apresentado é que tudo isso está acontecendo com eles porque eles são filhos. “O Senhor corrige a quem ama"! (ARA). O autor faz uso de uma ilustração. Vejam os nossos pais terrenos, diz ele. Eles nos corrigem; porém, por que nos corrigem? Porque estão preocupados com o nosso bem-estar, porque estão preocupados com o nosso desenvolvimento. O bom pai castiga o filho, não simplesmente para aliviar as suas emoções contidas, mas porque isso é do mais alto interesse do filho, porque ele ama o filho; porque ele está pensando no futuro do filho. E o argumento do autor é que Deus, como nosso Pai, faz exatamente a mesma coisa conosco. Não significa que toda vez que algo vai mal conosco necessariamente estamos sendo castigados por Deus. Estamos vivendo num mundo de pecado, estamos vivendo num mundo no qual as causas secundárias operam, e com muita frequência as nossas doenças, enfermidades e provações nos acontecem meramente como resultado de causas secun¬dárias; entretanto há nas Escrituras ensino muito claro e explícito, segundo o qual Deus castiga os Seus filhos. Ele o faz com a finalidade de aperfeiçoá-los. Noutras palavras, se não dermos ouvidos ao ensino das Escrituras, se não o aceitarmos positivamente, se Deus começou a operar em nós e a formar-nos e a modelar-nos, Ele produzirá o resultado final mediante este outro método. Este pode incluir correção, castigo – ¬o uso que o oleiro faz do torno sugere isto, certos ângulos têm que ser removidos, e é preciso eliminar certas arestas. Deus nos coloca no torno, por assim dizer. Ou, para usar a mesma ilustração deste capítulo doze de Hebreus, Ele nos coloca num ginásio, Ele faz que passemos por ditos exercícios para podermos ser perfeitos. Sua intenção é que nos desen¬volvamos. Na verdade, eu gostaria de remetê-los ao capítulo onze da Primeira Epístola aos Coríntios, com referência à Ceia do Senhor, onde o apóstolo nos ensina muito explicitamente que alguns membros da igreja de Corinto estavam doentes e fracos simplesmente por causa do pecado deles e da sua recusa a julgar-se, examinar-se e corrigir-se a si mesmos. Deus estava lidando com eles por mero das doenças. E o apóstolo acrescenta: "e (há) muitos que dormem". Grande mistério, esse, mas é evidente que o ensino é que alguns podem até morrer, porque isso faz parte do método de Deus tratar com eles. Não entendemos isso plenamente, porém aí está o ensino. E tudo o que me interessa neste momento é que vejamos que isso faz parte do processo que se segue na grande fábrica. Se houver resistência desta massa de barro, se houver alguma dureza, se houver alguma dificuldade, Deus tem o Seu método, Ele tem a Sua maquinaria, Ele tem a Sua maneira de agir. Ele está produzindo um artigo perfeito e usa todos estes diversos meios e métodos. Somos feitura Sua!
6) QUAL É A OBRA PROPRIAMENTE DITA?
6.1) Convicção do pecado
Se são esses os meios que Deus usa, qual é a obra propriamente dita? O que é que, concretamente, Ele faz conosco? O que é que Ele faz em nós? De novo simplesmente destaco certas coisas que são da maior importância. Uma das primeiras coisas das quais o homem toma consciência quando Deus começa a agir nele é que ele fica inquieto, torna-se convicto do seu pecado. Olhe para o passado, para a sua experiência pessoal, e estou certo de que você verá que essa é a verdade. Você estava levando a sua vida de certa maneira e seguindo certo rumo. Milhares de outras pessoas estavam fazendo a mesma coisa. Subita¬mente (ou gradativamente, não importa), você tomou consciência de certa inquietação. De um modo ou de outro, deixou de ser feliz como era. Questões começaram a surgir em sua mente. Note que não digo que você se sentou e disse de si para si: "Agora estou começando a pensar". Nada disso – surgiram perguntas em sua mente. Não foi assim? Donde elas vieram? Vieram de Deus. Isso é obra do Espírito Santo – a convicção de pecado. O homem é detido. Sente que tem de parar, fica inquieto; não entende o que se passa, fica aborrecido; de fato procura safar-se disso. Talvez se entregue à bebida, ou mergulhe no trabalho, em qualquer coisa, para livrar-se dessa inquietação. Mas aí está, algo está aconte¬cendo com ele. Deus está em perseguição do homem. Como diz o poeta:
Do Senhor eu fugia
nas veredas das noites,
nas veredas dos dias;
Do Senhor eu fugia
pelos portais dos anos;
Do Senhor eu fugia
nos secretos labirintos
da minha mente.
Mas do glorioso Caçador Celestial não há como fugir.
Vocês sabem do que eu estou falando? Feitura Sua! Convicção de pecado! Inquietações! Estas curiosas interferências e interrupções, este senso de que estamos sendo tratados mediante estas coisas. Ninguém pode ser cristão sem ter algum conhecimento disso tudo. Se, de alguma forma e em alguma medida, você não entende o sentimento do salmista no Salmo 139, quando ele brada: "Para onde fugirei da tua presença?", você simplesmente não é cristão. O próprio sentimento de resistência a Deus é uma prova de que Deus está tratando com você e fazendo algo com você. Essa é sempre a primeira coisa – inquietação, convicção de pecado, ser detido, ser contido, ser levado a pensar, perguntas, inquiri¬ções. Todas estas coisas constituem obra de Deus por meio do Espírito Santo. É como Ele começa quando de início pega essa amorfa massa de barro. Ele pega o barro; esse é o primeiro passo. Antes de levá-lo ao torno, antes de aparar quaisquer porções, antes de começar a alisá-lo e poli-lo, o primeiro passo é tão-somente pegá-lo. Deus pegou você? Ou você continua a cargo de si mesmo? Se você continua a cargo de si mesmo, manipulando a si próprio e tentando fazer de si próprio alguma coisa, você não é cristão. A primeira verdade acerca do cristão é que ele está ciente de que Deus o agarrou. O Oleiro pegou o barro.
6.2) Iluminação da mente para ver a verdade
O passo seguinte é uma iluminação da mente para ver a verdade. Que processo maravilhoso! Um homem para quem estas expressões não significavam nada, embora as tenha ouvido a vida toda, de repente começa a ver algo nelas. Às vezes ele lia a Bíblia, e ficava aborrecido com ela; agora ele vê que ela é uma Palavra viva, e a deseja ler. Isso é Deus; Deus no Espírito agindo no homem e abrindo cada vez mais a sua mente para a percepção e o entendimento da verdade. É Ele que está fazendo isso – introduzindo o pensamento; a luz e o poder do Espírito, Deus abrindo as coisas, a Palavra se abrindo diante de nós; os nossos olhos, o nosso entendimento, sendo iluminados. E então, por sua vez, isso leva a um desejo da verdade, e à sede da verdade. "Desejai", diz Pedro, "como crianças recém-nascidas, o genuíno leite da palavra... " (VA). Como você pode desejá-lo, se não nasceu? – se não tem vida espiritual? Mas se você tem vida o desejará, como a criança deseja leite. E, ainda mais importante, alegrar-se na verdade, regozijar-se na verdade, ter prazer na verdade. Isto é obra de Deus, é como Deus faz todas estas coisas.
6.3) Ficamos cientes da nossa nova natureza
E, por sua vez, essa verdade leva a isto, que ficamos cientes da nossa nova natureza, que Deus implantou em nós, o novo princípio de vida. Apesar de nós mesmos, vemos que temos uma nova perspectiva. Digo de novo que podemos não gostar disso, porém é um fato. Vejo que não sou mais o que era. Posso dizer a mim mesmo: quisera Deus eu nunca tivesse ouvido isso, para que eu pudesse sair com os meus companheiros como antes! Todavia, não consigo. Eu posso forçar-me a ir, mas não me sinto feliz com eles, vejo que sou diferente. Tenho nova perspectiva, nova maneira de ver; tenho novos desejos; e tenho novas capacidades. Somos feitura Sua! Ele é o Oleiro, e nós somos o barro. É o que o apóstolo nos ensina aqui.
7) UMA PALAVRA SOBRE O PROPÓSITO
Permitam-me dizer uma palavra sobre o propósito. Há, natural¬mente, um propósito definido. "Criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus de antemão ordenou (ou preparou) para que andássemos nelas" (V A; cf. ARA). Ora, é coisa extraordinária esta, que há um propósito para o cristão, e Deus planejou e projetou tudo a respeito. Qual será? É que nos moldemos à vida do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Devemos viver neste mundo e nesta existência como Ele viveu. Como eu já disse, cabe-nos viver o Sermão do Monte. Temos que pôr em ação a instrução ética destas Epístolas do Novo Testamento – "amar uns aos outros", não ter "torpezas" ou "conver¬sação torpe" em nossas bocas e evitar "parvoíces e chocarrices" ou "conversas tolas" e "pilhérias" – a grande moda atual! "Sede pois imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave. Mas a prostituição, e toda a impureza e avareza, nem ainda se nomeie entre vós, como convém a santos; nem torpezas, nem parvoíces, nem chocarrices, que não convêm, mas antes ações de graças." Essa classe de vida! Fomos formados para isso. Para isso é que somos modelados. Esse é o projeto, essa é a fôrma, esse é o molde, essa é a imagem. Deus nos está fazendo para isso.
8) TRATA-SE DE UM PROCESSO
E tudo isso está nesta vida. Vocês gostariam de saber qual é o propósito culminante? Isto é um processo. Vocês não se tornam perfeitos num instante. A santificação é um processo, e Deus nos leva através desse processo pelos meios que já indiquei. Vocês querem saber o resultado disso tudo? Bem, este é o fim pinacular, que valerá para nós na glória, na eternidade, quando a obra realmente estará terminada. O Senhor deu os apóstolos e os outros ministérios para "o aperfeiçoa¬mento dos santos, para a obra do ministério... até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo". Esse vai ser o fim. Eu e vocês, tão certo como somos cristãos neste momento, estamos avançando com o fim de chegar "à medida da estatura da plenitude de Cristo" (VA, ARA). Ouçam a afirmação de Paulo, no capítulo cinco, acerca da Igreja em geral: "Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para apresentar a si mesmo como igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível". Povo cristão, estamos nesse processo tão certamente como somos cristãos. Deus nos pegou, Ele nos está modelando, e vai continuar a operar em nós e conosco até que cheguemos a isto – "sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante". Não restará defeito, todo vestígio do mal terá desaparecido, e seremos inteiramente perfeitos. Esse é o propósito, esse é o modelo.
9) CHEGAREMOS À PERFEIÇÃO
A única outra coisa que eu diria é que, à luz desta doutrina, é absolutamente certo que chegaremos à perfeição. "Aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo" (Filipenses 1:6). Nada que seja de fora de nós poderá impedi-lo jamais; nada que seja de dentro de nós poderá impedi-lo jamais. Deus nunca inicia uma obra para entregá-la meio-completa. Isso é totalmente incompatível com a Sua majestade e a Sua glória. Quando Deus começa, continua. Se Deus pegou você e começou a modelá-lo conforme a imagem de Cristo, amigo cristão, tão certo como o sol está brilhando nos céus, Ele dará prossegui¬mento a essa obra até você atingir "a medida da estatura da plenitude de Cristo". Ele dará continuidade a ela até que não haja "mácula, nem ruga, nem coisa semelhante", nenhum defeito, e você possa estar diante dEle perfeito e completo, exultante de alegria. Que doutrina gloriosa! Sim, mas em certos aspectos, que doutrina terrificante! Se você é cristão e de alguma forma resiste à vontade de Deus quanto a você, esteja preparado para o que lhe virá. Esteja preparado para a correção, para o castigo. Esteja preparado, talvez, para um tratamento duro e severo – porque Ele vai aperfeiçoar você. Ele firmou o Seu amor em você, e você está nas mãos dEle. Em Sua fábrica não há refugos. A obra de Deus é sempre perfeita, e é sempre completa. Que bendita base de segurança! – a despeito da minha desobediência, da minha pecaminosidade e da minha imperfeição. A minha única esperança é que estou em Suas mãos, que Ele é o Oleiro e eu sou o barro, e que eu sei que Ele fará que se cumpra a Sua perfeita vontade. Se dependesse de mim, ou de qualquer de nós, de há muito que a coisa toda seria um completo fracasso. Contudo, somos feitura Sua!
Concluo deixando com vocês três ou quatro perguntas como testes. Isso está acontecendo com vocês? Vocês podem dizer que são feitura de Deus? Vocês têm aquele sentimento subjetivo de que Deus está tratando com vocês? Vocês têm consciência da Presença e das mãos? Têm consciência de que estão sendo amoldados e modelados? Vocês concordam com esta doutrina, ou estão em conflito com ela? Esse é um teste muito bom. Vocês estão desejando o genuíno leite da Palavra como crianças recém-nascidas? Não obstante, o melhor teste é: vocês estão desejando a santidade? "Criados em Cristo Jesus para as boas obras, que Deus de antemão ordenou para que andássemos nelas." Isto faz parte do Seu plano. Se vocês não desejam ser santos, não vejo que tenham direito de pensar que são cristãos. Faz parte do propósito de Deus que sejamos preparados para as boas obras. Se vocês pensam que, do plano de salvação, podem apropriar-se somente do perdão, vocês entenderam completamente maI o plano. Quando Deus olhou para vocês e os amou e começou a agir em vocês para fazer de cada um de vocês um cristão, Ele já tinha preparado as obras que vocês deveriam viver e realizar. Isso de justificação sem santificação não existe. Se não há nenhum princípio de santificação em vocês, vocês não estão justifica¬dos. Não se iludam, não se deixem conduzir mal. Não há isso de fé sem obras. "A fé sem as obras é morta." A prova da fé são as obras. Não há valor nenhum numa profissão de fé cristã, se não for acompanhada pelo desejo de ser semelhante a Cristo, pelo desejo de livrar-se do pecado, pelo desejo de obter santidade positiva. Segundo este versículo, isto é essencial. "Somos feitura sua, criados (por Ele) em Cristo Jesus para boas obras." Ele nos está fazendo para isso. Deus opera em nós para conseguir este resultado. Portanto, o teste final quanto a se Deus está atuando em nós é ver se desejamos ser cada vez mais como Cristo, santo e puro, separado do mundo e do pecado, famintos e sedentos de justiça, para que agrademos a Deus que assim começou a agir em nós.

Por: D.M. Lloyd Jones

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