quinta-feira, 10 de junho de 2010

AS SUBLIMES RIQUEZAS DA SUA GRAÇA

Irmãos estou postando mais um capítulo do livro Exposição sobre Efésios do irmão D.M Lloyd Jones, esse capítulo será o tema de estudo da reunião da igreja nesta 5ª feira.
Que Deus nos abençoe e fale ao nosso coração por meio deste estudo.

Por: Ir. D.M Lloyd Jones

CAPÍTULO 10

"Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus." - Efésios 2:7


Estas são as últimas palavras da grande declaração que começa no versículo 4 –

"Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus".

O apóstolo, vocês recordam, nos estivera lembrando o que Deus fez por nós em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle. Quando estávamos naquele desesperador estado de pecado, Deus interveio, Deus agiu, e nos vivificou juntamente com Cristo. Ressusci¬tou-nos juntamente com Ele em novidade de vida e nos fez assentar juntamente com Ele nos lugares celestiais. Mas agora surge a questão:

Por que Deus fez tudo isso? Qual foi o Seu motivo? Que levou Deus a fazer tudo isso por criaturas como nós?

A resposta é dada no versículo sete, e é introduzida pela palavra “para”, logo no início: “para mostrar” (ou “para que mostrasse”). Ele fez tudo isso "para", "a fim de", "com a intenção de", "com o objeto, ou com o objetivo de"... Esta palavra “para” (ou “para que”) é, pois, tremendamente importante, e é vital considerar¬mos juntos o que o apóstolo nos fala aqui concernente a este grande propósito.
Como é importante que estudemos as Escrituras com muita atenção e que observemos exatamente o que elas dizem, porque com muita facilidade podemos entendê-las mal, como de fato fazemos muitas vezes. Aqui, penso eu, ao considerarmos este versículo, provavelmente sentiremos, ao menos em certa medida, que o nosso conceito do cristianismo, o nosso conceito da Igreja, o nosso conceito de nós mesmos como cristãos, é defeituoso e inadequado, que de fato a nossa concepção geral da salvação tende a ser inadequada. Já vimos isso quando estudamos aqueles três grandes passos da nossa salvação, e quando vimos o que já é certo a nosso respeito como cristãos porque estamos em Cristo. Certamente achamos que nunca tínhamos compreendido verdadeiramente como devíamos o significado da regeneração; que nunca tínhamos captado plenamente a verdade de que a justificação foi realizada completamente, nem captado a verdade sobre a nossa posição e o nosso estado na presença de Deus. Ainda mais, talvez, quando estudamos aquela afirmação de que estamos assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus, vimos como falhamos – e falhamos de maneira deveras lamentável – em não perceber que esta é a verdade a nosso respeito neste momento presente. Noutras palavras, cada vez mais me parece que a maioria das nossas dificuldades na vida cristã surge do fato de que nós sempre partimos de nós mesmos e vivemos demais na esfera do sentimento e do subjetivo.


Não há nada que seja tão fatal para o nosso bem estar como pensar unicamente dessa maneira subjetiva e deixar de captar com as nossas mentes e com nosso entendimento esta apresentação objetiva da verdade que temos nesta parte de Efésios e na maioria das Epístolas do Novo Testamento

Falemos com clareza. Argumentei sobre esse ponto desde o começo do capítulo, e isso ainda faz parte da essência do que terei de dizer ao expor o versículo sete. Graças a Deus, há um elemento subjetivo na salvação; graças a Deus por todo sentimento, por toda experiência, por tudo o de que temos consciência de nós mesmos. Se não temos consciência deste elemento subjetivo, a nossa situação, ao que me parece, é muito incerta. Por outro lado, não há nada que seja tão fatal para o nosso bem estar como pensar unicamente dessa maneira subjetiva e deixar de captar com as nossas mentes e com nosso entendimento esta apresentação objetiva da verdade que temos nesta parte de Efésios e na maioria das Epístolas do Novo Testamento. O que quero dizer é que, se tão-somente tivéssemos esta genuína concepção escriturística de nós mesmos como somos como cristãos e membros do corpo de Cristo neste momento, a maior parte das coisas que nos entristecem se desprenderia de imediato de nós completamente. Estas coisas passariam a parecer-nos triviais, pequeninas e insignifi¬cantes.
Isto é uma coisa que se pode ilustrar da seguinte maneira: o melhor modo de livrar-nos de coisas pequenas é olhar para as grandes. Vejam, por exemplo, as interessantes estatísticas que foram preparadas, penso, pelas autoridades médicas de Barcelona, Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola, pouco antes da segunda guerra mundial. São muito interessantes. Um determinado número de pessoas estiveram recebendo várias formas de tratamento psicoterapêutico e psicológico; mas no momento em que irrompeu a Guerra Civil e afetou Barcelona aguda¬mente, o número diminuiu, reduzindo-se a quase nada. Qual foi a causa disso? Foi que a preocupação maior eliminou as preocupações menores. E a mesma coisa certamente aconteceu na Inglaterra durante a última guerra. Quando de repente surgiu a crise e os maridos e os filhos tiveram que partir para a guerra, muitos se esqueceram dos seus pesares e das suas dores. Estas coisas, que tinham sido tão proeminentes em suas vidas e que tinham significado muito para aquelas pessoas, foram esquecidas repentinamente, pois um temor maior eliminara os temores menores; a crise maior tinha tornado as outras coisas tão triviais que realmente passaram a ser completamente irrelevantes. Estamos familiarizados com fatos como esses.
Pois bem, tudo isso acontece igualmente na vida cristã. Em nossas vidas somos perturbados por isto e aquilo, e nos inclinamos a resmungar e a queixar-nos; ficamos a indagar por que Deus nos trata dessa maneira e por que permite que nos aconteçam certas coisas. O antídoto para isso tudo é ver-nos objetivamente como realmente somos no propósito de Deus. E se tão-somente fizéssemos isso, todas as nossas dificuldades desapareceriam. Ou permitam-me expressar-me deste modo: se tão¬-somente nós tivéssemos uma pequena concepção da glória que nos espera e para a qual vamos, essa percepção transformaria a nossa visão da nossa vida neste mundo e das coisas que nos sucedem neste mundo. Essa é a espécie de tratamento que o apóstolo nos aplica neste versículo sete. Esta é a cura do egocentrismo e do interesse próprio que acabam levando à introspecção, a sentimentos mórbidos e a diversas formas de dificuldade. O que se tem que fazer – e aí está por que o apóstolo escreve esta carta e por que todas as cartas do Novo Testamento foram escritas – é conseguir que tais pessoas levantem a cabeça e se vejam objetivamente no grande propósito e plano de Deus.


Por que Deus fez tudo isso? Porque foi que Ele interferiu? Por que nos vivificou, nos ressuscitou e nos fez assentar nos lugares celestiais com Cristo?

Examinemos, então, este versículo desta maneira: por que Deus fez tudo isso? Porque foi que Ele interferiu? Por que nos vivificou, nos ressuscitou e nos fez assentar nos lugares celestiais com Cristo? A resposta, diz o apóstolo, é que isto faz parte do Seu plano grandioso e do Seu grandioso propósito – "para", "a fim de...".
Façamos o estudo na forma de uma série de proposições.


1) O principal fim, propósito e objetivo da salvação é a glória de Deus

Eis a primeira: o principal fim, propósito e objetivo da salvação é a glória de Deus. Por isso Ele fez o que fez –

"Para mostrar (para Deus mesmo mostrar) nos séculos vindouro; as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus".

Deus fez tudo isso, diz Paulo, para apresentar um grandioso espetáculo a todas as eras vindouras, não somente neste mundo, mas também no mundo por vir. Deus vai fazer uma grande demonstração, vai manifestar a Sua glória. Vocês podem notar que é isso que o apóstolo coloca em primeiro lugar. Essa é a principal razão por que Deus fez tudo isso, diz ele. Agora, surge imediatamente a questão: será que normalmente pensamos em coisas como essa? Não seria verdade que, quanto à maioria de nós, fazemos exatamente o oposto? Partimos de nós mesmos; e pensamos na salvação como algo para nós, algo de que necessitamos, algo que queremos, algo em que nós estamos interessados. Sempre somos subjetivos, sempre começamos a partir de nós mesmos. Mas o que temos de aprender é que o primeiro objetivo e intenção da salvação – não me entendam mal – não tem a ver conosco, porém com a glória de Deus. Esse é o ensino das Escrituras todas, do começo ao fim. Noutras palavras, não devemos nem começar com os nossos pecados, e sim com o pecado. Temos que aprender a ver todas as coisas mais historicamente. É extremamente difícil, não é? É dificílimo para qualquer geração ter uma visão histórica, porque estamos no mundo num momento particular e há diversos problemas – ouvimos as notícias pelo rádio, vemos as manchetes nos jornais – e estamos tão mergulhados neles que nos inclinamos a não ver nada mais. É extremamente difícil dar-nos conta de que havia seres humanos neste mundo há cem anos, e que eles tinham problemas e dificuldades, não é? Mais difícil ainda é compreender que há mil anos havia neste mundo seres humanos que nunca pensaram em nós. Achamo-nos tão importantes, e pensamos que o nosso tempo neste mundo, o nosso pequenino setor, constitui a totalidade da história. Entretanto, os que viveram antes de nós pensavam a mesma coisa; e podemos estar certos de que daqui a cem anos e, se o nosso Senhor não voltar antes, daqui a mil anos, as gerações então existentes na terra nunca dedicarão sequer um pensamento a nós. Mas como nos é difícil aperceber-nos disso! E, contudo, é justamente isso que temos de fazer. Temos que aprender a ver a nós mesmos e a ver todo o problema do homem, toda a crise da história e especialmente todo o tema da salvação, desta maneira objetiva, desta maneira histórica.
Eis o que estou querendo dizer: em vez de começar comigo, com os meus pecados e com os meus problemas pessoais, tenho que começar a pensar em termos do pecado, de todo o problema do homem e de todo o problema do mal neste mundo. Pois somente quando eu fizer isso é que começarei a ver o que o apóstolo quer dizer quando afirma que o primeiro intento e objetivo da salvação é a glória de Deus. É-nos muito difícil compreender o que o pecado e a Queda significaram para Deus. Pecado é aquilo que se opõe completamente a Deus e, portanto, o que aconteceu como resultado do pecado e da Queda, e todas as suas consequências no mundo e entre os homens, é (se reverentemente o posso dizer) uma tremenda questão aos olhos de Deus. Mas nós persistimos em pensar em todo este problema em termos de pecados particulares, nesta coisa particular que me mantém deprimido, e nos pecados que colocamos numa lista – vocês sabem deles, embriaguez, jogo etc. Para nós o problema todo é esse; transformamos o problema do pecado mais ou menos num problema social. Ou é um problema social, ou é o problema da nossa felicidade pessoal. Não gostamos de sentir remorso e arrependimento, porque é doloroso. Assim reduzimos todo o grande problema do pecado a essas diminutas proporções e dimensões. No entanto, a Bíblia não faz isso! A Bíblia vê o pecado como uma agressão a Deus. O diabo veio à frente e quis impor-se contra Deus, levantou-se contra a majestade, a soberania e a glória de Deus. Ele disputou isso, quis colocar-se no mínimo como um deus rival. E quando viu Deus criando o mundo e criando o homem, e viu Deus olhando o que tinha feito e dizendo que tudo estava "muito bom" e que mostrou prazer nisso, o diabo determinou-se a arruinar o que Deus criara. Assim o diabo entrou em ação no mundo. Qual era o seu objetivo? Vocês pensam que o objetivo do diabo era simplesmente persuadir Eva e Adão a fazerem apenas uma determinada coisa? Naturalmente que não! O diabo só tinha uma coisa em mente – desacreditar a glória, a majestade e a grandeza de Deus. Pouco se importava com o que ia acontecer com Adão e Eva. O diabo pouco se interessa por mim e por vocês como pessoas. Para ele não somos pessoas, somos algo que lhe serve de penhor, somos simples objetos que ele pode usar no grande jogo. E, todavia, pensamos nestas coisas em termos de nós mesmos! O diabo nos vê com desprezo, como fez com Adão e Eva. Ele os bajulou e os adulou porque sabia que era essa a maneira de fazer deles uma espécie de penhor. Não tinha nenhum interesse por eles como tais. Seu único objetivo era desacreditar a glória, a majestade e a grandeza de Deus. Era inutilizar a obra que Deus realizara, era inutilizar o mundo de Deus; era ridicularizar a obra criadora de Deus. Seu desejo era levantar-se, dirigir-se a todos os anjos e dizer: Deus tem as suas pretensões, diz Ele que fez o mundo perfeito, mas olhem, vejam o Seu mundo perfeito!
É assim que se deve ver o problema do pecado. A Queda é uma coisa terrível aos olhos de Deus. Não é primariamente um problema social. É muito mais crucial aos olhos de Deus. Naturalmente há nisso um problema social. O pecado levanta muitos problemas sociais, porém eles são subprodutos, não são aquilo que faz do pecado, pecado. Se posso dizê-lo assim, Deus jamais teria enviado Seu Filho do céu à terra e à cruz do Calvário para solucionar um problema social. O problema para Deus era a Sua glória, a Sua majestade, a Sua grandeza sempiterna. Isso fora questionado e posto em dúvida pelo diabo e por todos os que lhe pertencem. E que é a salvação? O propósito e objetivo da salvação é, em primeira instância, vindicar a Deus, é Deus tornar de novo manifesta a verdade concernente a Si próprio. O diabo é descrito nas Escrituras como "mentiroso e pai da mentira"; e o apóstolo João nos diz no capítulo três da sua Primeira Epístola que Deus enviou o Seu Filho a este mundo a fim de destruir as obras do diabo. Esse é o primeiro objetivo, que o caráter de Deus seja vindicado. Naturalmente, num sentido terminante, o diabo não afetou nem poderia afetar o ser, a natureza e o caráter de Deus, mas aos olhos dos seres criados ele poderia, e certamente o fez. Ele teve sucesso no caso de todos os anjos que caíram; ele teve sucesso no caso de Adão e Eva, e de toda a sua posteridade. E o problema no mundo hoje é a atitude do homem para com Deus. Assim, Deus iniciou este grande movimento de redenção e de salvação, primariamente com o fim de tornar a declarar, manifestar e vindicar a Sua glória, a Sua grandeza e a verdade a Seu respeito. Por que o fez, então? Ele o fez "para mostrar (manifestar) nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus".
Vocês pensavam na salvação dessa maneira? Uma pergunta que é bom fazer é: por que Deus enviou Seu Filho? Não permita Deus que nos limitemos a dar uma resposta sentimental, subjetiva, deixando de ver que Deus enviou Seu Filho afim de vindicar-Se. Essa é a maior teodiceia de todos os séculos; Deus está Se vindicando e está declarando e mostrando a verdade a Seu respeito.


2) A salvação vindica a grandeza e o caráter de Deus de maneira especial e de um modo como nenhuma outra coisa o faz

Passemos agora à segunda proposição. A salvação vindica a grandeza e o caráter de Deus de maneira especial e de um modo como nenhuma outra coisa o faz. Não há dúvida sobre isso. Neste movimento de salvação e redenção, aprendemos certas coisas que doutro modo nunca aprenderíamos. Isso pode soar como uma afirmação atrevida, porém eu me aventuro a fazê-la. Muitos têm feito a pergunta – ninguém pode respondê-la, mas é uma pergunta que muitos têm feito, na verdade todos nós a temos feito – por que o Deus todo-poderoso permitiu a Queda? Por que permitiu que o homem caísse em pecado? A resposta cabal é reconhecer que não sabemos, e não devemos inquirir a respeito porque isso está além de nós. Mas, de qualquer forma, podemos saber e dizer isto: se Deus não tivesse permitido a possibilidade do mal e da Queda, o homem não seria inteiramente livre, e, portanto, não seria inteiramente perfeito. O homem, como Deus o fez, tinha realmente livre-arbítrio. Ele o perdeu por ter caído em pecado, todavia original¬mente o tinha; e o livre-arbítrio era parte integrante da perfeição do homem. Contudo, seja qual for a explicação, é evidente que Deus teve domínio sobre isso de tal modo que, mediante a redenção, Ele manifestou certos atributos do Seu santo ser, da Sua natureza e do Seu caráter que doutra maneira nunca poderiam ser conhecidos, mas que agora certamente são muito conhecidos.
O apóstolo já tinha mencionado alguns deles. Ouçam-no: "Deus, que é riquíssimo em misericórdia". Seria possível ter a mesma concepção da riqueza de Deus em misericórdia, se o homem não tivesse caído em pecado como caiu? É por este meio que Deus manifesta a perenidade da Sua misericórdia. "Riquíssimo em misericórdia"! De¬pois, "Pelo seu muito amor com que nos amou". Com toda a certeza o homem conheceu algo sobre o amor de Deus antes de cair; Adão conheceu o amor de Deus. Contudo, pergunto se o amor de Deus seria conhecido como agora é, se não houvesse a Queda e o movimento de redenção. Deus o está mostrando, Ele o está manifestando, há uma revelação do Seu amor como seguramente seria inconcebível sem isso. Então o apóstolo passa à sua seguinte grande expressão: "Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça...)" – aí está – "(...pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça". Não há nada que nos habilite a ter tal entendimento da extensão da graça de Deus como isto o faz. É a sua suprema avaliação; e nada pode mostrá-la como isto no-la mostra. Vem então o termo final, "benignidade" – "pela sua benignidade", com o Seu olhar benigno. Adão conheceu algo da benignidade de Deus, mas eu concordo com Isaac Watts quando ele afirma em seu hino – "Nele (em Cristo) as tribos de Adão ostentam mais bênçãos do que as que seu pai perdeu". Digo reverentemente, sopesando as minhas palavras, que em Cristo conhecemos algo de Deus que Adão, em seu estado de inocência, não conheceu, e que, em certo sentido, Adão não poderia conhecer. Pode ser especulação, porém me parece que as Escrituras ensinam que Deus mostrou estas coisas aqui de maneira única e de um modo como nunca mostrou em parte alguma.


3) Toda esta manifestação e vindicação do caráter, do ser, da grandeza e da glória de Deus dá-se mediante a Igreja

Mas, o que talvez seja muito importante para nós é a terceira proposição: toda esta manifestação e vindicação do caráter, do ser, da grandeza e da glória de Deus dá-se mediante a Igreja. Deus realiza este feito tremendo por nosso intermédio e através de nós, em primeira instância. Examinem de novo o ponto. Deus fez isso tudo "para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus". Este é para mim o pensamento mais avassalador que podemos captar, que o poderoso, eterno, sempiterno Deus está Se vindicando, a Si, à Sua santa natureza e ao Seu santo ser, mediante algo que Ele faz em nós, conosco, e por meio de nós. Isto é cristianismo, este é o significado da nossa condição de membros da Igreja, isto é o que significa ser cristão; nada menos que isto! Aqui somos retirados do nosso estado e dos nossos caprichos subjetivos, e das nossas condições transitórias, e nos vemos de repente neste grande plano da eternidade que Deus trouxe à luz e pôs em execução como resultado da queda do homem em pecado.
Examinemos esta gloriosa concepção. O apóstolo no-la ensina claramente neste versículo. Ele a expõe mais clara e explicitamente ainda no versículo dez do capítulo três desta Epístola. O apóstolo está descrevendo este grande mistério outrora oculto, mas agora revelado. Para quê? Para

"demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo" (versículo 9).

E então, no versículo dez: "para que" – a mesma ideia; este é o objetivo, esta é a intenção, este é o propósito –

"para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus".

Essa é a ideia. Deus está usando a Igreja, e vai usar a Igreja nos séculos futuros, afim de fazer uma demonstração e uma exibição da Sua estupenda e eterna sabedoria aos principados e potestades nos lugares celestiais.
Esse é o modo de pensar em nós mesmos como cristãos e como membros da Igreja Cristã. Deus está Se vindicando, a Si mesmo e ao Seu caráter, por meu intermédio e pelo seu, por meio de pessoas como nós, por meio de toda a Igreja congregada em Cristo e separada do mundo. Ele vai colocar-nos em exibição, por assim dizer; será uma exibição gloriosa. Ele já está fazendo isso, mas vai continuar a fazê-lo nas eras vindouras, e na consumação Deus vai fazer a Sua última grande exibição, e todos esses principados e potestades serão convidados a comparecer. A cortina correrá e Deus dirá: olhem para eles! "Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus"! Eu e vocês estamos sendo preparados para isso.
Vocês leem sobre artistas preparando seus quadros e as suas pinturas para exposição, e sobre como eles dão os seus toques finais – como a moldura deve estar direita, deve ser colocada na posição certa, a luz deve vir do ângulo correto, e assim por diante. Bem, todos nós sabemos disso; temos visto pessoas preparando cavalos para exposição de equinos; ou frutas e verduras para exposições de horticultura – a seleção, o preparo. Pois bem, é isso que está acontecendo comigo e com vocês. Essa é a significação do culto público e da pregação – é apenas uma parte disso. A exposição, a exibição, a manifestação vem! E o que há de espantoso e admirável é que é por meio de pessoas como nós, e como resultado do que Ele está fazendo conosco, fez conosco e fará conosco, que Deus vai vindicar Sua sabedoria eterna, Sua majestade, Sua glória e todos os atributos da Sua santa Pessoa aos principados e às potestades nos céus.
Parece-me que isso vem perfeitamente expresso no capítulo sete do livro de Apocalipse. João teve a sua visão –

"Olhei, e eis aqui uma multidão, a qual ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, trajando vestidos brancos e com palmas nas suas mãos; e chamavam com grande voz, dizendo: Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro".

João viu estas pessoas usando vestes brancas e com palmas nas mãos, entoando louvores a Deus e dizendo: "Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono". Mas o que particularmente me agrada é a pergunta feita pelo ancião que estava perto de João. "Quem são estes?" – perguntou ele – "Estes que estão vestidos de vestidos brancos, quem são, e de onde vieram?" Estes que aqui se acham com palmas nas mãos, cantando louvores a Deus, quem são? Será essa a pergunta que os principados e potestades nos lugares celestiais farão. A cortina será descerrada e lá estaremos nós com as nossas vestes brancas e com as palmas em nossas mãos, e os principados e potestades perguntarão – Quem são estes? Que são eles? Que fenômeno é este? Que pessoas são estas? De onde vêm? E a resposta será que são pessoas cristãs – são cristãos de todos os séculos, de todas as nações, tribos, países e cores congregados através dos séculos pelo poder da redenção de Cristo, todos finalmente juntos, reunidos ali na glória. "Quem são estes?" De onde vieram? Que são eles? E a resposta é: estes são os remidos pela sabedoria, poder, glória, amor e graça de Deus. "Pela igreja"! Eu e vocês! Miseráveis criaturas que somos, com nossas dores e sofrimentos, com as nossas "caxumbas e sarampos da alma", e os nossos questionamentos e interrogações, e a nossa indagação: "Por que Deus faz isso e aquilo?" Rogo-lhes, olhem para o céu, elevem a sua mente, fazendo-a penetrar na glória. Que vergonha para nós, cristãos, por nosso infeliz subjetivismo, por nossa incapacidade de compreender quem somos, o que somos, o que está acontecendo conosco e o que Deus está fazendo em nós e através de nós! A intenção da salvação é que tudo isso seja feito para vindicação do caráter e da glória de Deus.


4) Como Deus o faz mediante a Igreja?

A proposição subsequente ajuda-nos a ver como Deus o faz mediante a Igreja. Não precisamos demorar-nos neste ponto, visto que já o consideramos em parte. Lá estamos nós, que somos da Igreja, com vestes brancas, com palmas, na glória, na presença de Deus. Como chegamos lá? Como foi que isso aconteceu? A primeira coisa que nos deixa maravilhados é que Deus nos viu a todos como éramos e como estávamos, "mortos em ofensas e pecados, andando segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência; entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também". Como pôde Ele sequer olhar para nós? Não merecíamos nada senão a retribuição por nossos pecados, a punição, o inferno. Se você acha que merece coisa melhor, você não sabe que é pecador, você nada sabe, e eu temo por você, quanto à graça de Deus. Miseráveis, vis, torpes, desprezíveis e rebeldes – e Ele olhou para nós! Que grandiosa manifestação do Seu ser e da Sua santa natureza! Nós somos uma demonstração disso. Se Ele não tivesse olhado para nós, ainda estaríamos em nossos pecados e indo para a perdição. Mas lá estamos nós, na glória, porque Ele teve misericórdia de nós, teve pena de nós.
Não somente isso, Ele projetou e planejou um modo de libertar-nos. Ele mesmo produziu o método de salvação. O homem não o pediu, o homem não o queria, o homem não sabia do que necessitava, o homem não foi consultado, não deu nem uma única sugestão. A salvação é inteiramente de Deus, do princípio ao fim. Essa é toda a tese de Paulo: "Pela graça sois salvos", "fostes salvos", e nada mais! Que manifestação do ser e do caráter de Deus!
Outra maravilha é Deus ter-nos feito o que fez, ter feito de nós o que fez, a nós que já fomos vivificados, ter Ele colocado em nós um princípio de vida espiritual, em nós que estávamos completa, absoluta e desespe¬radamente mortos. Ele pôs nova vida em nós, a Sua própria vida em nós; Ele nos ressuscitou juntamente com Cristo, estamos vivos para Ele, temos os novos interesses e a nova perspectiva, estamos assentados nos lugares celestiais. Ele já nos fez isso tudo, porém quando estivermos na glória, de vestes brancas e com palmas, seremos absolutamente perfei¬tos, sem mancha, nem ruga, nem qualquer outra coisa semelhante. Não haverá nem suspeita de culpa; a mais poderosa lente de aumento não achará nada de errado em nós e sobre nós; seremos absolutamente íntegros e completos, purificados de todos os vestígios do pecado. Não é surpreendente a pergunta do ancião, "Quem são estes?" Como se tornaram assim? O que é esta brancura imaculada, esta glória? É tão¬-somente a manifestação do caráter e do ser de Deus. Mediante a Igreja Ele o faz dessa maneira especial.


5) Que devemos pensar de nós mesmos, à luz disso tudo?

Isso me leva à derradeira proposição, que é simplesmente uma questão muito prática. Que devemos pensar de nós mesmos, à luz disso tudo? Por certo é óbvio. Se você sequer pensa na sua bondade, significa que você nunca enxergou esta verdade. Se você se julga cristão e bom membro da igreja porque tem vivido uma vida virtuosa e nunca fez mal a ninguém, e porque dedica boa parte do seu tempo a praticar estas coisas, você está apenas me dizendo que nunca entendeu este ensino. Se você pode achar em si próprio alguma coisa que pode deixá-lo satisfeito neste momento, você nunca viu de fato esta verdade, que Deus fez isso tudo com o propósito de que agora seja conhecida dos principados e potestades a Sua multiforme sabedoria nos lugares celestiais, para mostrar as sublimes riquezas da Sua graça. Se você acha que tem algum pleito para apresentar em seu favor ao trono da graça e da misericórdia, qualquer coisa que não seja o nome de Jesus Cristo, você nunca enxergou a verdade, simplesmente está cego. Nosso único pensamento deve ser:

"À aliança da misericórdia sou devedor,
Só à misericórdia entoo louvor".
"Pela graça de Deus sou o que sou,
Nada em minhas mãos levando vou".

Nada vejo de bom em mim; "Em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum"; não tenho nada que me recomende, não tenho nada do que me gabar. Eu não sou nada; Ele é tudo, DEUS! A Sua graça em Cristo Jesus! Se você enxergar esta verdade, então inevitavelmente você pensará dessa forma.


5.1) Também devemos conduzir-nos de uma determinada maneira

Disso decorre que também devemos conduzir-nos de uma determinada maneira.

"Qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro" (1 João 3:3).

O homem que se viu como membro da Igreja e do corpo de Cristo da maneira que estamos considerando, não vai querer mais ficar tão perto quanto puder do mundo, nem vai considerar o cristianismo estreito por condenar certas coisas. Nem por um momento! Se tão-somente pudéssemos ver aqueles que conhecemos e que agora estão além do véu, daríamos adeus à maioria das coisas deste mundo. Todo aquele que vê isto, todo aquele que tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como Ele é puro. Se vocês sabem que vão ser absolutamente puros e sem mancha, bem, avante!

"Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os corações" (Tiago 4:8).

Estes são os apelos do Novo Testamento. Fiquem tão longe do mundo quanto puderem. "Apressa-te da graça para a glória."


5.2) A absoluta certeza de todas estas coisas, a segurança disso tudo

A outra coisa que vejo aqui é a absoluta certeza de todas estas coisas, a segurança disso tudo. Se a minha confiança na minha salvação cabal e final e na minha perfeição última se baseasse em mim, na minha energia, no meu zelo e nos meus propósitos e desejos, sei que nunca chegaria lá. A minha segurança se baseia nisto, que Deus, o Deus infinito e eterno, está vindicando a Sua reputação eterna por meu intermédio. E se Ele tivesse começado a salvar-me e depois deixasse a obra por fazer ou inacabada, e eu merecidamente chegasse ao inferno, o diabo teria a maior alegria que lhe fosse possível. Ele diria: há um ser que Deus começou a salvar, todavia deu em nada. É impossível, isso não pode acontecer; não existe ideia mais monstruosa do que a ideia de que você pode cair da graça, que você pode nascer de novo e depois ser condenado eternamente. O caráter de Deus está envolvido! É impossível. Seu objetivo não é meramente salvar-me, é vindicar o Seu ser e a Sua natureza, e eu estou sendo utilizado para esse fim. O fim é absolutamente certo, porque o caráter de Deus está envolvido nisso.

"Aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo" (Filipenses 1:6).


5.3) O privilégio de todas estas coisas

A última palavra é óbvia. O privilégio de todas estas coisas! O privilégio de ser usado por Deus desta maneira para vindicar o Seu caráter eterno e glorioso! Por que estou nisto? Por que terá Ele olhado para mim? Como diz o ancião, "Quem são estes?", assim eu pergunto: quem sou eu? Vocês recordam Davi fazendo essa pergunta quando Deus lhe deu um vislumbre de onde ele entrava neste grande plano,

"Quem sou eu, ou o que é a minha casa, para que me fosse concedida tal honra?" (cf. 2 Crônicas 2:6).

E nós, não nos sentimos como tendo que dizer isso? Quem sou eu, e o que sou eu, para que Deus sequer olhasse para mim e me escolhesse para fazer parte do Seu plano e do Seu propósito, para vindicar Sua Pessoa, Sua grandeza, Sua glória, Sua sabedoria, Seu amor, Sua misericórdia, Sua compaixão perante os principados e as potestades nos lugares celestiais?
Povo cristão, pense cada um em si dessa forma, e siga para a glória.

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