quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Ministério do Espírito Santo



Por: A. J. Gordon

Capítulo III – Os nomes do Espírito Santo

O nome Paráclito se aplica tanto a Cristo como ao Espírito, e com razão, visto que é ofício tanto de um como de outro nos consolar e encorajar e nos defender, preservando-nos. Cristo foi o protetor deles (dos discípulos) enquanto estava neste mundo; depois Ele os confiou à direção e proteção do Espírito. Se alguém nos perguntar se não estamos sob a direção de Cristo, é fácil a resposta: Cristo é um guardião perpétuo, mas não visível. Durante o tempo em que andou na terra, Ele mostrou-Se abertamente como o guardião deles; agora Ele nos preserva por meio do Seu Espírito. Ele denominou o Espírito de “outro Consolador”, devido à diferença que vemos nas bênçãos procedentes de cada um. João Calvino.

Os nomes do Espírito Santo

O anjo deu ao Filho de Deus Seu nome antes que fosse concebido no ventre de Maria: “... e lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). Dessa forma, Ele veio não para receber um nome, mas para consumar um nome já predeterminado. De forma semelhante, o Espírito Santo foi chamado por nosso Senhor antes de chegar ao mundo: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai” (Jo 15.26). Esse nome do Espírito Santo ocorre aqui a primeira vez — um novo nome para o novo ministério que Ele está prestes a iniciar. O leitor encontrará em quase todo comentário de respeito discussões sobre o significado dessa palavra, e sobre a tradução correta, quer seja “Consolador”, ou “Advogado”, ou “Mestre”, ou “Ajudador”. Mas a questão não se resolve plenamente quando apelamos ao grego clássico ou patrístico, conforme eu acredito, por ser esse um nome divinamente concedido, cujo verdadeiro significado precisa ser evidenciado na própria vida e história do Espírito Santo. O nome é a própria pessoa, e é somente à medida que conhecemos a pessoa que podemos traduzir o seu nome. Por que, então, tentar traduzir essa palavra mais do que tentamos fazê-lo com o nome de Jesus? Poderíamos chegar ao ponto de explicá-la em nossa própria língua, deixando de lado a história da igreja desde os Atos dos Apóstolos até a experiência do último santo, para perceber a riqueza de significado que ela contém. Uma coisa é certa: a linguagem do Espírito Santo não pode nunca ser plenamente compreendida recorrendo ao dicionário. O coração da igreja é o melhor dicionário do Espírito. Embora todos os sinônimos acima mencionados sejam corretos, nenhum deles é satisfatório, nem todos eles juntos são suficientes para expressar o pleno significado desse grande nome: “o Paráclito”.
Contudo, consideremos o quanto é sugerido pelo significado literal dessa palavra, “o Paráclito”, e por tudo o que o Senhor Jesus diz a respeito dEle em Seu último discurso. “Alguém designado para ajudar” é o significado do verbo paracalew, do qual se deriva o nome Paráclito. Por essa razão, é muito linda essa palavra quando aplicada aos discípulos de Cristo, na ocasião em que o Espírito foi dado. Eles tinham perdido a presença visível do seu Senhor. A tristeza da Sua remoção de entre eles por meio da cruz e do sepulcro se transformou em alegria, depois de três dias, pela Sua ressurreição. Mas agora uma outra separação tinha chegado, quando Ele partiu para o Pai, depois que a nuvem O encobriu da vista deles. Nessa última e mais longa privação, o que deveriam eles fazer? O seu amado Senhor de antemão lhes havia dito o que fazer. Eles deviam clamar ao Pai que lhes enviasse Alguém que preenchesse o lugar vazio, e Aquele que seria enviado seria o “Paráclito”, Aquele “designado para ajudá-los”[1].
Mas quão profundas indagações não subiram ao coração deles, à medida que ouviam a promessa do Salvador: “se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7). Será que eles começaram a se perguntar se esse misterioso personagem seria uma “pessoa”? Não temos ideia. Pois Ele tomaria o lugar da maior das pessoas; faria por eles coisas até maiores do que Ele tinha feito; e os guiaria até mesmo a um conhecimento maior do que Ele havia lhes dado. À luz do último discurso de Cristo, a discussão a respeito da personalidade do Espírito Santo é tão fútil, que deliberadamente a evitamos. Por isso, vamos tratar a questão do ponto de vista das próprias palavras de Cristo, tentando nos colocar sob a impressão que essas palavras nos causam. Coloquemos o assunto da forma mais simples possível: Jesus está para desocupar o Seu ofício na terra como mestre e profeta; mas antes de fazê-lo Ele queria apresentar-nos ao Seu sucessor. Da mesma forma que, na resolução de um problema complicado, tentamos resolver o desconhecido por meio do conhecido, assim em Seu discurso pascal Jesus almeja familiarizar-nos com o misterioso e invisível personagem que está para vir, a Quem Ele chama de “Paráclito”, por compará-lO a Si mesmo, Aquele que é conhecido e visível. Ao cotejarmos as Suas comparações, descobrimos nelas vários grupos de aparentes contradições, e exatamente o tipo de contradições que deveríamos esperar se esse que haveria de vir é de fato uma pessoa da Divindade. A respeito do Paráclito que havia de vir, então, encontramos as seguintes afirmações[2]:

1. Ele é outro, contudo é igual: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador” (Jo 14.16). Quando usa a expressão “outro”, nosso Senhor faz distinção entre Si mesmo e o Paráclito, mas também O coloca no mesmo nível em que Ele mesmo está. Porque não há paridade nem mesmo comparação entre uma pessoa e uma influência. Se o visitante prometido fosse apenas uma emanação impessoal de Deus, teria sido impossível que nosso Senhor O comparasse consigo mesmo, dizendo: “Eu serei um Advogado em favor de vocês no céu (1 Jo 2.1), e vou enviar Outro para ser um Advogado em favor de vocês na terra”. Mas se Cristo distingue, dessa forma, o Consolador de Si mesmo, Ele também O identifica consigo mesmo: “Não vos deixarei órfãos, [Eu] voltarei para vós outros(Jo 14.18). O contexto indica claramente que essa promessa se refere à vinda do Espírito Santo. E contudo, quase ao mesmo tempo, Ele diz: “o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome” (Jo 14.26). Dessa forma, nosso Senhor faz com que o mesmo evento seja a Sua vinda e o Seu envio; e Ele fala do Espírito, agora, como sendo a Sua própria presença, e como o Seu substituto durante a Sua ausência. Dessa forma, forçosamente temos de concluir que o Paráclito é o “alter ego” de Cristo, a terceira Pessoa da bendita Trindade, da qual Ele, Cristo, é a segunda Pessoa.

2. O Paráclito está subordinado, embora não tenha superior em Seu ministério para a igreja. O Espírito Santo “não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13,14).
É importante notar a santa deferência entre as pessoas da Trindade, que vemos aqui em destaque. Cada uma recebe da outra aquilo que deve transmitir, e cada uma exalta a outra em louvor. Bengel diz isso resumidamente: “O Filho glorifica o Pai; o Espírito glorifica o Filho”. Qual, então, é a função do Espírito Santo, tanto quanto conseguimos interpretar, senão comunicar e aplicar a obra de Cristo aos corações dos homens? Se Ele convence do pecado, Ele o faz quando expõe a graciosa obra redentora do Salvador e quando mostra aos homens a sua culpa em não crer nEle. Se Ele dá testemunho ao penitente de que foi aceito, Ele o faz testificando do sangue expiatório de Jesus, no qual essa aceitação se fundamenta; se Ele regenera e santifica o coração, Ele o faz comunicando a vida do Senhor ressurrecto. Cristo é “tudo” em Si mesmo, e por meio do Espírito Santo é tudo “em todos” aqueles a quem o Espírito renova. Essa reverente sujeição do Consolador terreno ao Cristo celestial contém uma profunda lição para aqueles que são habitação do Espírito[3], e produz neles eterno gozo em ser testemunhas em vez de ser criadores.
Com essa subordinação do Espírito Santo a Cristo, como então poderia ser uma grande vantagem para a igreja a partida do Salvador e a consequente vinda do Espírito Santo para tomar o lugar dEle? É isso que vemos claramente afirmado em João 16.7: “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei”. Se o Espírito é meramente uma equivalência do Filho, sendo o Seu único encargo comunicar a obra do Filho, qual vantagem poderia haver na partida de um para que o outro pudesse vir? Não seria isso apenas trocar Cristo por Cristo? A Sua presença visível pela Sua presença invisível?
Para nós, a resposta a essa questão é mais do que óbvia. Não era o Cristo terreno que o Espírito Santo estava para comunicar à igreja, mas o Cristo celestial — o Cristo reinvestido com Seu poder eterno, revestivo com a glória que Ele tinha com o Pai antes da fundação do mundo, e dotado dos infinitos tesouros de graça que Ele comprou pela Sua morte na cruz. É como se fosse — usando uma ilustração bastante inadequada — um amado pai dizendo a sua família: “Meus filhos, eu fiz boa provisão para as suas necessidades; mas a situação de vocês, comparada com aquilo que há de vir, assemelha-se à pobreza. A morte de um parente da família no meu país de origem me tornou herdeiro de imensa fortuna. Se vocês apenas se sujeitarem alegremente a minha partida para cruzar o Oceano, para tomar posse da minha herança, eu lhes mandarei de volta mil vezes mais do que vocês poderiam possuir se eu ficasse aqui com vocês”. Apenas que em nossa ilustração Cristo é tanto aquele deixou o testamento como o herdeiro. Pela Sua morte a herança torna-se disponível, e quando Ele subiu ao céu, Ele enviou o Espírito Santo para distribuir as riquezas entre aqueles que eram co-herdeiros com Ele. O que são essas riquezas pode ser resumido em duas belas expressões de frequente uso nas epístolas de Paulo: “a riqueza da sua graça” (Ef 1.7), e “a riqueza da sua glória” (Ef 3.16). Na cruz, “a riqueza da sua graça” nos foi assegurada no perdão dos pecados; no trono, “a riqueza da sua glória” nos foi assegurada ao nos fortalecer com todo poder pelo Seu Espírito no homem interior; na habitação de Cristo em nossos corações pela fé, e em sermos tomados de toda a plenitude de Deus. A divina riqueza só se torna completamente disponível na morte, ressurreição e ascensão de nosso Senhor. O Espírito Santo, o divino Tabelião, não possuía totalmente a herança para transmitir, até que Jesus fosse glorificado.
Repare, então, no discurso de despedida de nosso Senhor, a frequente repetição das palavras “Porque eu vou para o Pai”, uma das expressões que perturbou grandemente os Seus discípulos. À luz de tudo o que Jesus diz nessa ocasião, vejamos se o seu significado fica claro para nós. “Se me amásseis, alegrar-vos-íeis de que eu vá para o Pai, pois o Pai é maior do que eu” (Jo 14.28), diz Ele nesse mesmo contexto. Não podemos entrar aqui na profunda questão da kenosis, no auto-esvaziamento do Filho de Deus em Sua encarnação. É suficiente seguirmos o claro ensino da Escritura, de que, “subsistindo em forma de Deus, não julgou que o ser igual a Deus fosse coisa de que não devesse abrir mão, mas esvaziou-se, tomando a forma de servo” (Fp 2.6,7 – Tradução Brasileira). O que significa a Sua ida para o Pai senão o enchimento daquilo de que Ele tinha Se esvaziado, ou a retomada da Sua igualdade com Deus? A maior bênção que Ele poderia conferir à Sua igreja por meio da Sua partida parece residir no maior poder e glória que Ele passaria a ter através da Sua entronização à direita de Deus. Lutero o diz com exatidão: “Por isso eu vou, diz Ele, para onde serei maior do que agora sou, ou seja, para o Pai, e é melhor que eu deixe esta obscuridade e fraqueza para entrar no poder e na glória em que o Pai está”. À luz dessa interpretação, já não parece mais difícil o significado das palavras de nosso Senhor, citadas acima. O Paráclito estava para comunicar Cristo à Sua igreja — a Sua vida, o Seu poder, as Suas riquezas, a Sua glória. Na Sua exaltação, tudo isso haveria de ser grandemente aumentado. “Tudo quanto o Pai tem é meu” (Jo 16.15), Ele diz. E embora Ele tivesse, por um tempo, Se privado de receber a herança das Suas possessões celestiais, Ele está agora para novamente tomar posse delas. “...por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.15). Cristo à direita de Deus tem mais para dar do que enquanto estava na terra; por isso a igreja terá mais para receber por meio do Paráclito do que por meio do Cristo visível. Como fica óbvio, então, o significado das seguintes palavras do discurso de despedida de Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai” (Jo 14.12). O Cristo terreno está condicionado às limitações terrenas; e se o Espírito Santo comunicar o Seu poder aos discípulos, eles farão as mesmas obras que Ele faz. Mas o Cristo celestial é igual ao Pai, por essa razão quando Ele subir ao Pai, e o Espírito receber daquilo que é de Cristo e comunicá-lo à igreja, ela fará maiores obras do que essas. Em outras palavras, o fluxo de vida terá maior poder por causa da maior fonte de onde procede. São muito profundos os mistérios aqui considerados, e só conseguimos falar deles na luz que recebemos ao comparar Escritura com Escritura. O Cristo ressuscitado não soprou sobre os discípulos, dizendo: “Recebei o Espírito Santo”[4]? Eles bem poderiam dizer: “Senhor, é suficiente termos recebido o Espírito de Ti”. Contudo, não era suficiente que Cristo O desse; olhando para o dia da Sua entronização, Ele diz: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim” (Jo 15.26). Quando Cristo estiver “no alto”, aí então o Espírito Santo poderá conceder “o poder do alto”. Por essa razão, é melhor que Cristo vá.
Tanto o poder que Cristo estava para conceder à Sua igreja por meio do Paráclito, como a justiça que Ele imputaria e concederia — a fonte de ambos se encontra no céu: ” Quando ele vier, convencerá o mundo ... da justiça ... porque vou para o Pai, e não me vereis mais” (Jo 16.8-10). Podemos dizer de fato que a justiça de Cristo não estava completa e autenticada enquanto Ele não sentou à direita da majestade no alto. Por Sua morte, Ele satisfez completamente as exigências da lei que fora violada, mas esse fato não foi comprovado até que o túmulo devolveu o certificado do pagamento da dívida, por meio do Seu corpo liberto e ressuscitado. Por meio da ressurreição, Ele foi “designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade” (Rm 1.4). Mas o fato não foi plenamente verificado até que Deus O fez “sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir” (Ef 1.20,21). Agora, em Sua glória completa, Ele está apto para ser feito “sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” para o Seu povo. Aquele que foi “manifestado em carne” para poder ser feito pecado por nós, foi agora “justificado em Espírito” e “recebido na glória”, para que pudesse ser feito justiça por nós, e que, “nEle, pudéssemos ser feitos justiça de Deus”. Em resumo, a coroação de Jesus é a condição essencial para a nossa justificação. Não podemos estar seguros da nossa aceitação diante do Pai, enquanto Aquele que foi feito maldição por nós não for coroado com glória e honra[5]. Quão profunda a corrente de pensamento que jorra deste estreito canal: “porque eu vou para junto do Pai”.

3. O Paráclito ensina somente as coisas de Cristo; contudo ensina mais do que Cristo ensinou: “Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora; quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade” (Jo 16.12,13). É como se Ele tivesse dito: “Eu apresentei a vocês um pouquinho da minha doutrina; Ele vai apresentá-la por completo”. Uma razão disso parece clara: O ensino de Jesus durante o Seu ministério terreno aguardava a iluminação de uma luz ainda inexistente — a luz da cruz, a luz do sepulcro, a luz da ascensão. Por isso, enquanto esses eventos não tivessem ocorrido, a doutrina cristã se encontrava num estado rudimentar, e não podia ser transmitida por completo aos discípulos de Cristo. Mas não é só isso. A expressão “porque eu vou para junto do Pai” nos dá a chave para entender o que o Senhor quer dizer. O Espírito Santo “não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir” (Jo 16.13). É maravilhosa essa indicação da convivência mútua da Divindade, onde se descreve o Paráclito ouvindo enquanto Cristo orienta, como se Ele prestasse atenção no céu às orientações do Pai e do Filho glorificado, ao mesmo tempo que concede direção invisível ao rebanho na terra, comunicando-lhes aquilo que ouviu do Pai e do Filho. E nós deveríamos perguntar reverentemente: Não teria o Cristo glorificado mais conhecimento e revelação para nos comunicar do que Ele tinha nos dias da Sua humilhação? Na expressão “coisas que hão de vir”, não tem Ele segredos para repartir, que até aqui podem ter sido ocultos nos planos do Pai? Consideremos um simples exemplo das palavras de Cristo. Quando fala da Sua segunda vinda, Ele diz: “Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai” (Mc 13.32)[6]. É melhor interpretarmos essas palavras com sinceridade e, em vez dizer como alguns, que Ele não sabia no sentido de não ter permissão de revelar, admitir que, enquanto se encontrava em Sua humilhação e sob o véu da encarnação, esse segredo estava oculto aos Seus olhos.
Mas não seria insolente de nossa parte argumentar que por essa razão Ele não conhece agora o dia da Sua vinda? Quantas vezes esse texto é citado como proibição decisiva e final de toda indagação sobre o tempo da volta do Senhor em glória. Mas aqueles que dessa forma utilizam essas palavras simplesmente nos aprisionam na infância da igreja, nos amarram à menoridade dos dias anteriores ao dia de Pentecostes. Estamos esquecidos que, desde a ascensão de nosso Senhor para o Pai, Ele nos deu outra revelação, o maravilhoso livro do Apocalipse, que inicia e se encerra com uma bênção para com aqueles que leem e guardam fielmente as palavras dessa profecia? E um dos pontos salientes característicos desse livro são as predições cronológicas a respeito do tempo do fim, suas datas místicas, que têm levado muitos pesquisadores sérios da Palavra de Deus a inquirir diligentemente “qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas” indicadas pelo Espírito, ao dar-nos essas indicações de direção no deserto. Sendo assim, devemos perguntar: Se não somos irreverentes ao concluir, juntamente com muitos expositores sérios, que nosso Salvador quis dizer exatamente o que disse, ao declarar que Ele não conhecia “ainda” o dia da Sua volta, será que seremos insolentes ao tomar literalmente as palavras iniciais do Apocalipse? — “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer”. Foi por causa da Sua ida para junto do Pai que maiores obras e maiores riquezas se aplicariam à igreja após o dia de Pentecostes. Por que não atribuir à mesma causa também a revelação mais completa do futuro e a entrada numa verdade mais completa com respeito à bendita esperança da igreja? Em outras palavras, se pensamos em Cristo ingressando em revelação mais ampla ao retornar à glória que Ele tinha com o Pai, não devemos também pensar numa comunicação mais ampla da verdade, por meio do bendito Paráclito?
Porventura não aprendemos alguma coisa da natureza e dos ofícios do Espírito Santo com o estudo desse Seu novo nome, e de tudo que o Senhor diz no maravilhoso discurso em que O apresenta aos Seus discípulos? No mínimo, o estudo deveria nos capacitar a distinguir dois termos inspirados, que têm sido confundidos sem necessidade por não poucos escritores, ou seja: as palavras Paráclito e Parousia. Esta última palavra, que constantemente ocorre nas Escrituras para descrever a segunda vida de nosso Senhor, tem sido usada em várias obras eruditas para designar a vinda do Espírito Santo; e uma vez que Cristo veio na pessoa do Espírito, tem-se argumentado que a prometida vinda do Redentor em glória já ocorreu. Mas isso é confundir termos cujo uso nas Escrituras os distingue claramente um do outro. Veja a diferença entre eles: no Paráclito, Cristo vem espiritualmente e de forma invisível; na Parousia, Ele vem de forma física e em glória. A vinda do Paráclito na verdade está condicionada à ausência física do Salvador de entre o Seu povo: “se eu não for, o Consolador não virá para vós outros” (Jo 16.7). Por outro lado, a Parousia só se concretiza com o Seu retorno físico para o Seu povo: “Pois quem é a nossa esperança, ou alegria, ou coroa em que exultamos, na presença de nosso Senhor Jesus em sua vinda?” (1 Ts 2.19). O Paráclito toma conta da igreja nos dias da sua humilhação; a Parousia introduz a igreja no dia da sua glória. No Paráclito, Cristo veio habitar com a igreja na terra: “Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós outros” (Jo 14.18). Na Parousia, Cristo virá para levar a igreja para habitar consigo na glória: “voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também” (Jo 14.3). Cristo orou em favor da Sua igreja desolada, para que viesse o Paráclito: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador”. Agora o Espírito Santo ora com a igreja peregrina para que se apresse a Parousia: “O Espírito e a noiva dizem: Vem!” (Ap 22.17). Essas duas palavras só podem ser compreendidas nessas referências mútuas. Cristo, que deu o novo nome ao Espírito Santo, pode nos explicar melhor esse nome ao tornar-Se conhecido a nós. Que esse nome seja para nós um símbolo tão real da presença dEle que, embora estrangeiros e peregrinos na terra, possamos andar sempre na “paraclesis do Espírito Santo” (At 9.31).


[1] A palavra paraklhtwr é usada na Septuaginta (Jó 16.2) com o sentido de “Consolador”, e o termo paraklhtos ocorre no Talmude, significando “Intérprete”.
[2] A razão mais evidente para inferir que o Espírito Santo é uma pessoa é que Lhe são atribuídas ações e relacionamentos que somente podem referir-se a uma pessoa. Por exemplo: Ele fala (At 1.16); Ele opera milagres (At 2.4; 8.39); Ele constitui ministros sobre as igrejas (At 20.28); Ele ordena e proíbe (At 8.29; 11.12; 13.2; 16.6,7); Ele intercede por nós (Rm 8.26); Ele dá testemunho (Rm 8.16); Ele pode ser entristecido (Ef 4.30); é possível blasfemar contra Ele (Mc 3.29); é possível resistir a Ele (At 7.51, etc.).
[3] Se o Espírito Santo não fala por Si mesmo como pregador, como pode você extrair sua pregação de si mesmo — da sua cabeça ou mesmo do seu próprio coração? — Pastor Gossner.
[4] Repare que nessa palavra do Cristo ressuscitado Ele não diz “recebei o Espírito Santo” — o artigo (no original grego) foi omitido de forma significativa: Labete Pneuma agion (Jo 20.22).
[5] Quão justo precisa ser Aquele que irá para junto do Pai, depois da cruz e do túmulo! É dessa forma que o Espírito Santo convencerá o mundo de que Ele é um homem justo, e plenamente apropriado para justificar o homem. — Roos.
[6] “Nem o Filho”: “É mais do que nem; é nem ainda o Filho”, segundo o comentarista Morrison.

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