Por: A. J. Gordon
Capítulo III – Os nomes do Espírito Santo
O nome Paráclito se aplica tanto a Cristo como ao
Espírito, e com razão, visto que é ofício tanto de um como de outro nos
consolar e encorajar e nos defender, preservando-nos. Cristo foi o protetor
deles (dos discípulos) enquanto estava neste mundo; depois Ele os confiou à
direção e proteção do Espírito. Se alguém nos perguntar se não estamos sob a
direção de Cristo, é fácil a resposta: Cristo é um guardião perpétuo, mas não
visível. Durante o tempo em que andou na terra, Ele mostrou-Se abertamente como
o guardião deles; agora Ele nos preserva por meio do Seu Espírito. Ele
denominou o Espírito de “outro Consolador”, devido à diferença que vemos nas
bênçãos procedentes de cada um. — João
Calvino.
Os nomes do Espírito Santo
O anjo deu ao Filho de
Deus Seu nome antes que fosse concebido no ventre de Maria: “... e lhe porás o
nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). Dessa forma, Ele veio
não para receber um nome, mas para consumar um nome já predeterminado. De forma
semelhante, o Espírito Santo foi chamado por nosso Senhor antes de chegar ao
mundo: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai” (Jo 15.26). Esse nome do
Espírito Santo ocorre aqui a primeira vez — um novo nome para o novo ministério
que Ele está prestes a iniciar. O leitor encontrará em quase todo comentário de
respeito discussões sobre o significado dessa palavra, e sobre a tradução
correta, quer seja “Consolador”, ou “Advogado”, ou “Mestre”, ou “Ajudador”. Mas
a questão não se resolve plenamente quando apelamos ao grego clássico ou
patrístico, conforme eu acredito, por ser esse um nome divinamente concedido,
cujo verdadeiro significado precisa ser evidenciado na própria vida e história
do Espírito Santo. O nome é a própria pessoa, e é somente à medida que
conhecemos a pessoa que podemos traduzir o seu nome. Por que, então, tentar
traduzir essa palavra mais do que tentamos fazê-lo com o nome de Jesus? Poderíamos
chegar ao ponto de explicá-la em nossa própria língua, deixando de lado a
história da igreja desde os Atos dos Apóstolos até a experiência do último
santo, para perceber a riqueza de significado que ela contém. Uma coisa é
certa: a linguagem do Espírito Santo não pode nunca ser plenamente compreendida
recorrendo ao dicionário. O coração da igreja é o melhor dicionário do
Espírito. Embora todos os sinônimos acima mencionados sejam corretos, nenhum
deles é satisfatório, nem todos eles juntos são suficientes para expressar o
pleno significado desse grande nome: “o
Paráclito”.
Contudo, consideremos
o quanto é sugerido pelo significado literal dessa palavra, “o Paráclito”, e por tudo o que o Senhor
Jesus diz a respeito dEle em Seu último discurso. “Alguém designado para ajudar” é o significado do verbo paracalew, do qual se deriva o nome Paráclito. Por essa razão, é muito
linda essa palavra quando aplicada aos discípulos de Cristo, na ocasião em que
o Espírito foi dado. Eles tinham perdido a presença visível do seu Senhor. A
tristeza da Sua remoção de entre eles por meio da cruz e do sepulcro se
transformou em alegria, depois de três dias, pela Sua ressurreição. Mas agora
uma outra separação tinha chegado, quando Ele partiu para o Pai, depois que a
nuvem O encobriu da vista deles. Nessa última e mais longa privação, o que
deveriam eles fazer? O seu amado Senhor de antemão lhes havia dito o que fazer.
Eles deviam clamar ao Pai que lhes enviasse Alguém que preenchesse o lugar
vazio, e Aquele que seria enviado seria o “Paráclito”, Aquele “designado para
ajudá-los”[1].
Mas quão profundas
indagações não subiram ao coração deles, à medida que ouviam a promessa do
Salvador: “se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu
for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).
Será que eles começaram a se perguntar se esse misterioso personagem seria uma
“pessoa”? Não temos ideia. Pois Ele tomaria o lugar da maior das pessoas; faria
por eles coisas até maiores do que Ele tinha feito; e os guiaria até mesmo a um
conhecimento maior do que Ele havia lhes dado. À luz do último discurso de
Cristo, a discussão a respeito da personalidade do Espírito Santo é tão fútil,
que deliberadamente a evitamos. Por isso, vamos tratar a questão do ponto de
vista das próprias palavras de Cristo, tentando nos colocar sob a impressão que
essas palavras nos causam. Coloquemos o assunto da forma mais simples possível:
Jesus está para desocupar o Seu ofício na terra como mestre e profeta; mas
antes de fazê-lo Ele queria apresentar-nos ao Seu sucessor. Da mesma forma que,
na resolução de um problema complicado, tentamos resolver o desconhecido por
meio do conhecido, assim em Seu discurso pascal Jesus almeja familiarizar-nos
com o misterioso e invisível personagem que está para vir, a Quem Ele chama de
“Paráclito”, por compará-lO a Si mesmo, Aquele que é conhecido e visível. Ao
cotejarmos as Suas comparações, descobrimos nelas vários grupos de aparentes
contradições, e exatamente o tipo de contradições que deveríamos esperar se
esse que haveria de vir é de fato uma pessoa da Divindade. A respeito do
Paráclito que havia de vir, então, encontramos as seguintes afirmações[2]:
1. Ele
é outro, contudo é igual: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro
Consolador” (Jo 14.16).
Quando usa a expressão “outro”, nosso Senhor faz distinção entre Si mesmo e o
Paráclito, mas também O coloca no mesmo nível em que Ele mesmo está. Porque
não há paridade nem mesmo comparação entre uma pessoa e uma influência. Se o
visitante prometido fosse apenas uma emanação impessoal de Deus, teria sido
impossível que nosso Senhor O comparasse consigo mesmo, dizendo: “Eu serei um
Advogado em favor de vocês no céu (1
Jo 2.1), e vou enviar Outro para ser um Advogado em favor de vocês na
terra”. Mas se Cristo distingue, dessa forma, o Consolador de Si mesmo, Ele
também O identifica consigo mesmo: “Não vos deixarei órfãos, [Eu] voltarei
para vós outros” (Jo 14.18).
O contexto indica claramente que essa promessa se refere à vinda do Espírito
Santo. E contudo, quase ao mesmo tempo, Ele diz: “o Consolador, o Espírito
Santo, a quem o Pai enviará em meu nome” (Jo
14.26). Dessa forma, nosso Senhor faz com que o mesmo evento seja a Sua
vinda e o Seu envio; e Ele fala do Espírito, agora, como sendo a Sua própria
presença, e como o Seu substituto durante a Sua ausência. Dessa forma,
forçosamente temos de concluir que o Paráclito é o “alter ego” de Cristo, a
terceira Pessoa da bendita Trindade, da qual Ele, Cristo, é a segunda Pessoa.
2. O Paráclito está subordinado, embora não
tenha superior em Seu ministério para a igreja. O Espírito Santo
“não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as
coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e
vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13,14).
É importante notar a
santa deferência entre as pessoas da Trindade, que vemos aqui em destaque. Cada uma
recebe da outra aquilo que deve transmitir, e cada uma exalta a outra em louvor. Bengel diz
isso resumidamente: “O Filho glorifica o Pai; o Espírito glorifica o Filho”. Qual,
então, é a função do Espírito Santo, tanto quanto conseguimos interpretar,
senão comunicar e aplicar a obra de Cristo aos corações dos homens? Se Ele
convence do pecado, Ele o faz quando expõe a graciosa obra redentora do
Salvador e quando mostra aos homens a sua culpa em não crer nEle. Se Ele dá
testemunho ao penitente de que foi aceito, Ele o faz testificando do sangue
expiatório de Jesus, no qual essa aceitação se fundamenta; se Ele regenera e
santifica o coração, Ele o faz comunicando a vida do Senhor ressurrecto. Cristo
é “tudo” em Si mesmo, e por meio do Espírito Santo é tudo “em todos” aqueles a
quem o Espírito renova. Essa reverente sujeição do Consolador terreno ao Cristo
celestial contém uma profunda lição para aqueles que são habitação do Espírito[3], e
produz neles eterno gozo em ser testemunhas em vez de ser criadores.
Com essa subordinação
do Espírito Santo a Cristo, como então poderia ser uma grande vantagem para a
igreja a partida do Salvador e a consequente vinda do Espírito Santo para tomar
o lugar dEle? É isso que vemos claramente afirmado em João 16.7: “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá,
porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu
for, eu vo-lo enviarei”. Se o Espírito é meramente uma equivalência do Filho,
sendo o Seu único encargo comunicar a obra do Filho, qual vantagem poderia
haver na partida de um para que o outro pudesse vir? Não seria isso apenas
trocar Cristo por Cristo? A Sua presença visível pela Sua presença invisível?
Para nós, a resposta a
essa questão é mais do que óbvia. Não era o Cristo terreno que o Espírito Santo
estava para comunicar à igreja, mas o Cristo celestial — o Cristo reinvestido
com Seu poder eterno, revestivo com a glória que Ele tinha com o Pai antes da
fundação do mundo, e dotado dos infinitos tesouros de graça que Ele comprou
pela Sua morte na cruz. É como se fosse — usando uma ilustração bastante
inadequada — um amado pai dizendo a sua família: “Meus filhos, eu fiz boa
provisão para as suas necessidades; mas a situação de vocês, comparada com
aquilo que há de vir, assemelha-se à pobreza. A morte de um parente da família
no meu país de origem me tornou herdeiro de imensa fortuna. Se vocês apenas se
sujeitarem alegremente a minha partida para cruzar o Oceano, para tomar posse
da minha herança, eu lhes mandarei de volta mil vezes mais do que vocês
poderiam possuir se eu ficasse aqui com vocês”. Apenas que em nossa ilustração
Cristo é tanto aquele deixou o testamento como o herdeiro. Pela Sua morte a
herança torna-se disponível, e quando Ele subiu ao céu, Ele enviou o Espírito
Santo para distribuir as riquezas entre aqueles que eram co-herdeiros com Ele.
O que são essas riquezas pode ser resumido em duas belas expressões de
frequente uso nas epístolas de Paulo: “a riqueza da sua graça” (Ef 1.7), e “a riqueza da sua
glória” (Ef 3.16). Na cruz,
“a riqueza da sua graça” nos foi assegurada no perdão dos pecados; no trono, “a
riqueza da sua glória” nos foi assegurada ao nos fortalecer com todo poder pelo
Seu Espírito no homem interior; na habitação de Cristo em nossos corações pela
fé, e em sermos tomados de toda a plenitude de Deus. A divina riqueza só se
torna completamente disponível na morte, ressurreição e ascensão de nosso
Senhor. O Espírito Santo, o divino Tabelião, não possuía totalmente a herança
para transmitir, até que Jesus fosse glorificado.
Repare, então, no
discurso de despedida de nosso Senhor, a frequente repetição das palavras “Porque eu vou para o Pai”, uma das
expressões que perturbou grandemente os Seus discípulos. À luz de tudo o que
Jesus diz nessa ocasião, vejamos se o seu significado fica claro para nós. “Se
me amásseis, alegrar-vos-íeis de que eu vá para o Pai, pois o Pai é maior do
que eu” (Jo 14.28), diz Ele
nesse mesmo contexto. Não podemos entrar aqui na profunda questão da kenosis, no auto-esvaziamento do Filho
de Deus em Sua encarnação. É suficiente seguirmos o claro ensino da Escritura,
de que, “subsistindo em forma de Deus, não julgou que o ser igual a Deus fosse
coisa de que não devesse abrir mão, mas esvaziou-se, tomando a forma de servo” (Fp 2.6,7 – Tradução Brasileira).
O que significa a Sua ida para o Pai senão o enchimento daquilo de que Ele
tinha Se esvaziado, ou a retomada da Sua igualdade com Deus? A maior bênção que
Ele poderia conferir à Sua igreja por meio da Sua partida parece residir no
maior poder e glória que Ele passaria a ter através da Sua entronização à
direita de Deus. Lutero o diz com exatidão: “Por isso eu vou, diz Ele, para
onde serei maior do que agora sou, ou seja, para o Pai, e é melhor que eu deixe
esta obscuridade e fraqueza para entrar no poder e na glória em que o Pai
está”. À luz dessa interpretação, já não parece mais difícil o significado das
palavras de nosso Senhor, citadas acima. O Paráclito estava para comunicar
Cristo à Sua igreja — a Sua vida, o Seu poder, as Suas riquezas, a Sua glória.
Na Sua exaltação, tudo isso haveria de ser grandemente aumentado. “Tudo quanto
o Pai tem é meu” (Jo 16.15),
Ele diz. E embora Ele tivesse, por um tempo, Se privado de receber a herança
das Suas possessões celestiais, Ele está agora para novamente tomar posse
delas. “...por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há
de anunciar” (Jo 16.15).
Cristo à direita de Deus tem mais para dar do que enquanto estava na terra; por
isso a igreja terá mais para receber por meio do Paráclito do que por meio do
Cristo visível. Como fica óbvio, então, o significado das seguintes palavras do
discurso de despedida de Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que
crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará, porque eu
vou para junto do Pai” (Jo 14.12).
O Cristo terreno está condicionado às limitações terrenas; e se o Espírito
Santo comunicar o Seu poder aos discípulos, eles farão as mesmas obras que Ele
faz. Mas o Cristo celestial é igual ao Pai, por essa razão quando Ele subir ao
Pai, e o Espírito receber daquilo que é de Cristo e comunicá-lo à igreja, ela
fará maiores obras do que essas. Em outras palavras, o fluxo de vida terá maior
poder por causa da maior fonte de onde procede. São muito profundos os
mistérios aqui considerados, e só conseguimos falar deles na luz que recebemos
ao comparar Escritura com Escritura. O Cristo ressuscitado não soprou sobre os
discípulos, dizendo: “Recebei o Espírito Santo”[4]? Eles
bem poderiam dizer: “Senhor, é suficiente termos recebido o Espírito de Ti”.
Contudo, não era suficiente que Cristo O desse; olhando para o dia da Sua
entronização, Ele diz: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei
da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho
de mim” (Jo 15.26). Quando
Cristo estiver “no alto”, aí então o Espírito Santo poderá conceder “o poder do
alto”. Por essa razão, é melhor que Cristo vá.
Tanto o poder que
Cristo estava para conceder à Sua igreja por meio do Paráclito, como a justiça
que Ele imputaria e concederia — a fonte de ambos se encontra no céu: ”
Quando
ele vier, convencerá o mundo ... da justiça ... porque vou para o Pai, e não me vereis mais” (Jo 16.8-10). Podemos dizer de fato que a justiça de Cristo
não estava completa e autenticada enquanto Ele não sentou à direita da
majestade no alto. Por Sua morte, Ele satisfez completamente as exigências da
lei que fora violada, mas esse fato não foi comprovado até que o túmulo
devolveu o certificado do pagamento da dívida, por meio do Seu corpo liberto e
ressuscitado. Por meio da ressurreição, Ele foi “designado Filho de Deus com
poder, segundo o espírito de santidade” (Rm
1.4). Mas o fato não foi plenamente verificado até que Deus O fez
“sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e
potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir” (Ef 1.20,21). Agora, em Sua
glória completa, Ele está apto para ser feito “sabedoria, e justiça, e santificação,
e redenção” para o Seu povo. Aquele que foi “manifestado em carne” para poder
ser feito pecado por nós, foi agora “justificado em Espírito” e “recebido na
glória”, para que pudesse ser feito justiça por nós, e que, “nEle, pudéssemos
ser feitos justiça de Deus”. Em resumo, a coroação de Jesus é a condição
essencial para a nossa justificação. Não podemos estar seguros da nossa
aceitação diante do Pai, enquanto Aquele que foi feito maldição por nós não for
coroado com glória e honra[5]. Quão
profunda a corrente de pensamento que jorra deste estreito canal: “porque eu
vou para junto do Pai”.
3. O Paráclito ensina somente as coisas de
Cristo; contudo ensina mais do que Cristo ensinou: “Tenho ainda muito
que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora; quando vier, porém, o
Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade” (Jo 16.12,13). É como se Ele tivesse dito: “Eu apresentei a
vocês um pouquinho da minha doutrina; Ele vai apresentá-la por completo”. Uma
razão disso parece clara: O ensino de Jesus durante o Seu ministério terreno
aguardava a iluminação de uma luz ainda inexistente — a luz da cruz, a luz do
sepulcro, a luz da ascensão. Por isso, enquanto esses eventos não tivessem
ocorrido, a doutrina cristã se encontrava num estado rudimentar, e não podia
ser transmitida por completo aos discípulos de Cristo. Mas não é só isso. A
expressão “porque eu vou para junto do Pai” nos dá a chave para entender o que
o Senhor quer dizer. O Espírito Santo “não falará por si mesmo, mas dirá tudo o
que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir” (Jo 16.13). É maravilhosa essa indicação da convivência
mútua da Divindade, onde se descreve o Paráclito ouvindo enquanto Cristo
orienta, como se Ele prestasse atenção no céu às orientações do Pai e do Filho glorificado,
ao mesmo tempo que concede direção invisível ao rebanho na terra,
comunicando-lhes aquilo que ouviu do Pai e do Filho. E nós deveríamos perguntar
reverentemente: Não teria o Cristo glorificado mais conhecimento e revelação
para nos comunicar do que Ele tinha nos dias da Sua humilhação? Na expressão
“coisas que hão de vir”, não tem Ele segredos para repartir, que até aqui podem
ter sido ocultos nos planos do Pai? Consideremos um simples exemplo das
palavras de Cristo. Quando fala da Sua segunda vinda, Ele diz: “Mas a respeito
daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o
Pai” (Mc 13.32)[6]. É
melhor interpretarmos essas palavras com sinceridade e, em vez dizer como
alguns, que Ele não sabia no sentido de não ter permissão de revelar, admitir
que, enquanto se encontrava em Sua humilhação e sob o véu da encarnação, esse
segredo estava oculto aos Seus olhos.
Mas não seria
insolente de nossa parte argumentar que por essa razão Ele não conhece agora o
dia da Sua vinda? Quantas vezes esse texto é citado como proibição decisiva e
final de toda indagação sobre o tempo da volta do Senhor em glória. Mas aqueles
que dessa forma utilizam essas palavras simplesmente nos aprisionam na infância
da igreja, nos amarram à menoridade dos dias anteriores ao dia de Pentecostes.
Estamos esquecidos que, desde a ascensão de nosso Senhor para o Pai, Ele nos
deu outra revelação, o maravilhoso livro do Apocalipse, que inicia e se encerra
com uma bênção para com aqueles que leem e guardam fielmente as palavras dessa
profecia? E um dos pontos salientes característicos desse livro são as
predições cronológicas a respeito do tempo do fim, suas datas místicas, que têm
levado muitos pesquisadores sérios da Palavra de Deus a inquirir diligentemente
“qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas” indicadas pelo Espírito,
ao dar-nos essas indicações de direção no deserto. Sendo assim, devemos
perguntar: Se não somos irreverentes ao concluir, juntamente com muitos
expositores sérios, que nosso Salvador quis dizer exatamente o que disse, ao
declarar que Ele não conhecia “ainda” o dia da Sua volta, será que seremos
insolentes ao tomar literalmente as palavras iniciais do Apocalipse? —
“Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as
coisas que em breve devem acontecer”. Foi por causa da Sua ida para junto do
Pai que maiores obras e maiores riquezas se aplicariam à igreja após o dia de
Pentecostes. Por que não atribuir à mesma causa também a revelação mais
completa do futuro e a entrada numa verdade mais completa com respeito à
bendita esperança da igreja? Em outras palavras, se pensamos em Cristo
ingressando em revelação mais ampla ao retornar à glória que Ele tinha com o
Pai, não devemos também pensar numa comunicação mais ampla da verdade, por meio
do bendito Paráclito?
Porventura não
aprendemos alguma coisa da natureza e dos ofícios do Espírito Santo com o
estudo desse Seu novo nome, e de tudo que o Senhor diz no maravilhoso discurso em que O apresenta aos Seus
discípulos? No mínimo, o estudo deveria nos capacitar a distinguir dois termos
inspirados, que têm sido confundidos sem necessidade por não poucos escritores,
ou seja: as palavras Paráclito e Parousia. Esta última palavra, que
constantemente ocorre nas Escrituras para descrever a segunda vida de nosso
Senhor, tem sido usada em várias obras eruditas para designar a vinda do
Espírito Santo; e uma vez que Cristo veio na pessoa do Espírito, tem-se
argumentado que a prometida vinda do Redentor em glória já ocorreu. Mas isso é confundir
termos cujo uso nas Escrituras os distingue claramente um do outro. Veja a
diferença entre eles: no Paráclito, Cristo vem espiritualmente e de forma
invisível; na Parousia, Ele vem de forma física e em glória. A vinda do
Paráclito na verdade está condicionada à ausência física do Salvador de entre o
Seu povo: “se eu não for, o Consolador não virá para vós outros” (Jo 16.7). Por outro lado, a
Parousia só se concretiza com o Seu retorno físico para o Seu povo: “Pois quem
é a nossa esperança, ou alegria, ou coroa em que exultamos, na presença de
nosso Senhor Jesus em sua vinda?” (1
Ts 2.19). O Paráclito toma conta da igreja nos dias da sua humilhação;
a Parousia introduz a igreja no dia da sua glória. No Paráclito, Cristo veio
habitar com a igreja na terra: “Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós
outros” (Jo 14.18). Na
Parousia, Cristo virá para levar a igreja para habitar consigo na glória:
“voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós
também” (Jo 14.3). Cristo orou
em favor da Sua igreja desolada, para que viesse o Paráclito: “E eu rogarei ao
Pai, e ele vos dará outro Consolador”. Agora o Espírito Santo ora com a igreja
peregrina para que se apresse a Parousia: “O Espírito e a noiva dizem: Vem!” (Ap 22.17). Essas duas palavras
só podem ser compreendidas nessas referências mútuas. Cristo, que deu o novo
nome ao Espírito Santo, pode nos explicar melhor esse nome ao tornar-Se
conhecido a nós. Que esse nome seja para nós um símbolo tão real da presença
dEle que, embora estrangeiros e peregrinos na terra, possamos andar sempre na “paraclesis do Espírito Santo” (At 9.31).
[1] A palavra paraklhtwr é usada na Septuaginta (Jó 16.2) com o sentido de “Consolador”, e o termo paraklhtos ocorre
no Talmude, significando “Intérprete”.
[2] A razão mais evidente para
inferir que o Espírito Santo é uma pessoa é que Lhe são atribuídas ações e
relacionamentos que somente podem referir-se a uma pessoa. Por exemplo: Ele fala (At 1.16); Ele opera milagres (At 2.4; 8.39); Ele constitui ministros sobre as igrejas (At 20.28); Ele ordena e proíbe (At 8.29; 11.12;
13.2; 16.6,7); Ele intercede por nós
(Rm 8.26); Ele dá testemunho (Rm
8.16); Ele pode ser entristecido (Ef 4.30); é possível blasfemar contra Ele (Mc
3.29); é possível resistir a Ele (At
7.51, etc.).
[3] Se o Espírito Santo não fala
por Si mesmo como pregador, como pode você extrair sua pregação de si mesmo —
da sua cabeça ou mesmo do seu próprio coração? — Pastor Gossner.
[4] Repare que
nessa palavra do Cristo ressuscitado Ele não diz “recebei o Espírito Santo” — o artigo (no original grego) foi omitido
de forma significativa: Labete Pneuma agion (Jo
20.22).
[5] Quão justo
precisa ser Aquele que irá para junto do Pai, depois da cruz e do túmulo! É
dessa forma que o Espírito Santo convencerá o mundo de que Ele é um homem
justo, e plenamente apropriado para justificar o homem. — Roos.
[6] “Nem o Filho”: “É mais do que nem; é nem ainda o Filho”, segundo o comentarista Morrison.
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