sábado, 21 de abril de 2012

A Vinda do Espírito


Capítulo II

Portanto, nesse dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu e encheu o templo dos Seus apóstolos como um aguaceiro de santificação, os quais Ele havia preparado para Si mesmo, vindo não mais como um visitante passageiro, mas como um perpétuo Consolador para uma eterna habitação. Dessa forma, Ele veio para os Seus discípulos, não mais pela graça da visitação ou da operação neles, mas pela própria presença da Sua majestade.Agostinho

“... isto disse ele do Espírito que haviam de receber...” (Jo 7.39) é a palavra de Jesus mais do que surpreendente, ao falar do “Espírito que deviam receber os que creriam nele”. Mas o Espírito não havia sido visto descer sobre Jesus como pomba e pousar sobre Ele? Não fora Ele o divino agente na criação, e na iluminação e inspiração dos patriarcas e profetas e videntes da antiga dispensação? Como pôde então Jesus dizer que Ele “não fora dado”? A resposta a essa questão fornece o melhor ponto de partida para um estudo da doutrina do Espírito.
Agostinho chama o dia de Pentecostes de “dies natalis” do Espírito Santo. É somente depois do dia de Pentecostes que o Espírito Santo Se encontrou no mundo em sua esfera oficial, como mediador entre os homens e Cristo. É nos seguintes sentidos, então, que o dizer de Agostinho é verdadeiro, ao chamar o dia de Pentecostes de “o nascimento do Espírito”:

1. O Espírito Santo, daquele momento em diante, passou a residir na terra. A igreja cristã, por toda esta dispensação, é a habitação do Espírito, tão verdadeiramente como o céu é a habitação de Jesus Cristo. Isso está de acordo com a sublime palavra de Jesus em Jo 14:23:

“Se alguém me amar, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e faremos nele morada”

Essa promessa se cumpriu no dia de Pentecostes, e as duas primeiras Pessoas da Divindade agora fazem morada na igreja por meio da terceira. O Espírito Santo, durante o tempo presente, está em missão oficial na terra; e toda presença espiritual e comunhão divina da Trindade com os homens se dá por meio dEle. Eles estão de forma invisível aqui no corpo dos fiéis, pela habitação do Consolador. O Espírito Santo está aqui, habitando perpetuamente na igreja; e Ele está igualmente lá, em comunhão com o Pai e com o Filho de quem procede, e dos quais, como participante da Divindade, jamais pode separar-Se, da mesma forma que o raio solar não pode separar-se do sol de onde provém.

2. Além disso, o Espírito Santo, num sentido místico, mas muito real, assumiu forma humana na igreja no dia de Pentecostes. Com isso não estamos de forma alguma dizendo que essa encarnação seja igual à que ocorreu com a segunda Pessoa da Trindade. Quando “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”, foi a união de Deus com o gênero humano sem pecado; aqui temos o Espírito Santo unindo-Se com a igreja em sua condição imperfeita e militante. Apesar disso, é declaração literal da Escritura que o corpo dos fiéis é habitação do Espírito divino. É nesse fato que temos a peculiaridade distintiva da presente dispensação. “... porque ele habita convosco e estará em vós” disse Jesus, falando da vinda do Consolador; e essa profecia se cumpriu de tal forma, que depois do dia de Pentecostes se diz que o Espírito Santo habita na igreja. “... se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós” é a compreensão inspirada da qual procede o profundo ensino de Romanos oito. Todo o reconhecimento e honra que os discípulos atribuíam ao seu Senhor eles agora dão ao Espírito Santo, Seu verdadeiro substituto, o Seu eu invisível, presente no corpo dos crentes. Isso transparece claramente na decisão do primeiro concílio de Jerusalém. Diz assim o registro: “... pareceu bem ao Espírito Santo e a nós...” — como se dissessem: “Estiveram presentes Pedro, e Tiago, e Barnabé, e Paulo, tão verdadeiramente como também estava presente o Espírito Santo”.
E quando Ananias e Safira conspiraram e mentiram, cometendo o primeiro pecado mortal na igreja, Pedro pergunta: “Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo...?” Dessa forma, não somente se reconhece a presença pessoal do Espírito na pessoa dos crentes, mas Ele está ali em autoridade e supremacia, como o centro da assembléia.
Depois da ascensão de Jesus e do envio do Espírito Santo, a igreja assume o nome que pertencia anteriormente ao seu Senhor; ela é o templo de Deus, é o único templo existente na terra durante a presente dispensação. “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo...?” pergunta o apóstolo. Essa palavra ele dirige à igreja como corporação. “... também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito” — essa é a sublime descrição que encontramos na Epístola aos Efésios (2:20-22). Por ora, é suficiente destacar o fato que aqui se usa a mesma linguagem que Cristo usou em referência a Si mesmo. Como acontece com a Cabeça, assim acontece com o corpo místico; ambos são habitação do Espírito Santo, e assim Deus, de certa forma, está encarnado em ambos; e pela mesma razão. Cristo era “a imagem do Deus invisível”; e quando Ele esteve entre os homens, na carne, Ele podia dizer-lhes: “Quem me vê a mim vê o Pai”. Até onde sabemos, a única maneira do Deus desconhecido tornar-Se conhecido, e o Deus invisível tornar-Se visível, era por meio da encarnação. Por isso, depois de Cristo haver retornado ao Pai, e o mundo não podia mais vê-lO, Ele enviou o Paráclito (Paracleto) para encarnar no Seu corpo místico, a igreja. Da forma como o Pai Se revelou através do Filho, assim o Filho Se revela pelo Espírito Santo por meio da igreja. Como Cristo era a imagem do Deus invisível, assim a igreja é destinada a ser a imagem do Cristo invisível; e os Seus membros, quando forem glorificados com Ele, serão a expressa imagem da Sua pessoa.
Esse é, então, o mistério e a glória da presente dispensação. Apesar de ser algo misterioso, nem por isso é menos verdadeiro; por ser algo glorioso, nem por isso é menos prático. Encontramos, numa admirável obra a respeito do Espírito Santo, a diferença entre a manifestação do Espírito antes e depois: “Na antiga dispensação, o Espírito Santo operava por meio dos crentes, mas não habitava nem pessoalmente nem permanentemente nos crentes. Ele vinha sobre os homens; Ele não Se encarnava no homem. Seu agir era intermitente; Ele ia e vinha como a pomba que Noé soltou da arca, a qual ia e vinha, sem encontrar lugar de repouso. Já na nova dispensação, Ele reside, Ele habita no coração como a pomba, o Seu símbolo, que João viu descer e pousar na cabeça de Jesus. Comprometido com a alma, o Espírito saiu freqüentemente para ver sua noiva, mas ainda não era Um com ela; o casamento só se consumou no dia de Pentecostes, após a glorificação de Jesus Cristo” [1].

3. Uma razão ainda mais óbvia pela qual, antes do dia de Pentecostes, se podia dizer que “ainda não havia Espírito” encontra-se nas seguintes palavras: “porque Jesus não havia sido ainda glorificado”. No descortinar das eras, vemos cada uma das pessoas da Divindade exercendo, a seu turno, um ministério terreno e lidando com o homem na obra da redenção. Sob a lei, Deus o Pai desceu à terra e falou aos homens, da nuvem no Sinai e da glória acima do propiciatório. Sob a graça, Deus o Filho veio ao mundo, ensinando, sofrendo, morrendo e ressuscitando. Sob a dispensação da eleição e da obra agora em andamento, o Espírito Santo está aqui desenvolvendo a obra de renovação e santificação da igreja, a qual é o corpo de Cristo. Há uma seqüência necessária nesses ministérios divinos, tanto com respeito ao tempo quanto com respeito à natureza deles. Na época de Moisés, era possível dizer: “Cristo ainda não existe”, uma vez que a economia de Deus Jeová ainda não havia sido completada. Era preciso que a lei fosse dada primeiro, com seus sacrifícios e tipos e cerimônias e sombras; o homem tinha de ser posto em teste debaixo da lei, até que o tempo designado do seu treinamento se completasse. Aí, então, Cristo teria de vir para representar todos os tipos e completar todos os sacrifícios em Si mesmo; para fazer por nós “o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne”, e para tornar-se “o fim da lei... para justiça de todo aquele que crê”. Quando, por sua vez, Cristo completou a obra da redenção ao morrer na cruz por nossos pecados, e ressuscitou dos mortos para nossa justificação, e assumiu Seu lugar à direita de Deus para ser o perpétuo intercessor, aí, então, o Espírito Santo desceu para comunicar à igreja e para operar nela a obra completada por Cristo. Em suma, assim como Deus o Filho completa a obra de Deus o Pai para os homens, assim Deus o Espírito Santo torna real aos corações humanos a obra de Deus o Filho.
Há uma santa deferência, por assim dizer, entre as Pessoas da Trindade, com respeito aos seus respectivos ministérios. Quando Cristo estava exercendo o Seu ministério na terra, o Pai nos remetia a Ele, falando do céu e dizendo: “Este é o meu Filho amado; a Ele ouvi”. Quando o Espírito Santo inicia o Seu ministério terreno, Cristo nos remete a Ele, também falando do céu, com ênfase repetida sete vezes, dizendo: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas[2]. Assim como cada Pessoa nos remete ao ensino da outra, assim também cada Pessoa, por sua vez, completa o ministério da outra. As palavras e as obras de Cristo não eram dEle mesmo, mas do Pai: “As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras[3]. O ensino e as mensagens do Espírito não são dEle mesmo, mas de Cristo: “quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir”. “Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar”.
Essa ordem nos ministérios das Pessoas da Divindade é tão definida e eterna, que a encontramos claramente prenunciada até mesmo nos tipos apresentados no Antigo Testamento. No templo, por exemplo, jamais se verá a bacia de água colocada antes do altar. O altar é o Calvário, e a bacia de água é o dia de Pentecostes. Um representa o sangue do sacrifício, o outro representa o Espírito santificador. Se algum sumo sacerdote descuidadamente se achegasse à bacia de bronze sem antes ter passado pelo altar de bronze, poderíamos esperar uma voz de repreensão vinda do céu: “Ainda não é hora de lavar-se com água”; e isso significaria exatamente a mesma coisa que: “Ainda não havia Espírito”.
Também, quando o leproso ia ser purificado, repare que o sangue tinha de ser colocado sobre a ponta da sua orelha direita, sobre o polegar da sua mão direita, e sobre o polegar do seu pé direito. Depois disso seria colocado o óleo sobre a orelha direita, o polegar direito, e o polegar do pé direito — o óleo sobre o sangue da oferta pela transgressão (Lv 14). Tornamos a dizer: nunca, em todas as variadas repetições dessa cerimônia divina, se inverteu a ordem, de forma que se aplicasse primeiro o óleo e depois o sangue. Isso significa, quando comparamos o tipo ao antítipo, que era impossível que o Pentecostes precedesse o Calvário, ou que o derramamento do Espírito pudesse ter vindo antes do derramamento do sangue.
Percebemos, assim, que não somente a ordem desses dois grandes eventos da redenção foi estabelecida desde o princípio, mas a data deles foi marcada no calendário dos acontecimentos típicos. A morte do cordeiro pascal indicou, de geração em geração, embora eles não o soubessem, o dia do ano e a semana em que Cristo, nossa Páscoa, seria sacrificado por nós. A apresentação ao Senhor do molho das primícias da messe, “no dia imediato ao sábado” por longos anos estabeleceu o dia da ressurreição do nosso Senhor no primeiro dia da semana. E o mandamento “Contareis para vós outros desde o dia imediato ao sábado, desde o dia em que trouxerdes o molho da oferta movida; sete semanas inteiras serão[4] determinou o dia de Pentecostes como o dia da descida do Espírito Santo. Às vezes pensamos que os discípulos estavam esperando um tempo indefinido naquele cenáculo, aguardando o cumprimento da promessa do Pai. O tempo estava determinado não apenas com Deus na eternidade, mas também no calendário dos rituais hebraicos na terra. Eles aguardaram dez dias em oração, simplesmente porque depois dos quarenta dias que o Senhor andou com os discípulos após a Sua ressurreição, restavam dez dias para completar as “sete semanas”.
Para resumir o que estamos dizendo, o Espírito de Deus é o sucessor do Filho de Deus em Seu ministério oficial na terra. Enquanto a obra terrena de Cristo em favor da Sua igreja não estivesse completa, a obra do Espírito neste mundo não podia começar. O ofício do Espírito Santo é comunicar Cristo a nós — Cristo em Sua inteireza. A obra redentora do nosso Salvador não se completou quando Ele morreu na cruz, ou quando Ele ressuscitou de entre os mortos, ou mesmo quando Ele ascendeu aos céus no monte das Oliveiras. Somente quando Ele Se assentou no trono do Seu Pai, consumando em Si mesmo todo o Seu ministério — “eu sou... aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos” — é que o Cristo completo estava pronto para ser comunicado à Sua igreja[5]. O primeiro pecado de Adão interrompeu a comunhão do homem com Deus, e a sua união foi rompida. Quando o segundo Adão[6], depois da cruz e da ressurreição, assumiu Seu lugar à direita de Deus, restaurou-se essa comunhão interrompida. São muito lindas as palavras do nosso Salvador ressurreto quando trata esse assunto: “Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus[7]. O lugar que o divino Filho conquistou no coração do Pai Ele conquistou para nós também. Toda aceitação e posição e privilégio que agora era dEle, também era nosso, por direito de redenção; e o Espírito Santo foi enviado para confirmar isso e nos fazer compreender aquilo que Cristo conquistou por nós. Sem a obra expiatória de Cristo em nosso favor, seria impossível a obra santificadora do Espírito em nós; por outro lado, sem a obra do Espírito em nós, a obra de Cristo em nosso favor teria sido em vão.
“Ao cumprir-se o dia de Pentecostes”. Agora estamos aptos a ver o que essas palavras significam histórica, típica e doutrinariamente. Os sete sábados (sete semanas) a partir do dia da ressurreição foram contados, e o Pentecostes já veio. Então, subitamente, aos que estavam “todos reunidos no mesmo lugar”, “veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo...”. Da mesma forma que a manjedoura de Belém foi o berço do Filho de Deus, assim o cenáculo foi o berço do Espírito de Deus. Da mesma forma que a vinda do “santo Filho Jesus” (At 4.27,30 – RC) foi um testemunho de que Deus “visitou e redimiu o seu povo” (Lc 1.68), assim foi a vinda do Espírito Santo. O fato que o Consolador está aqui é prova de que o Advogado está lá, na presença do Pai. Pedro e os demais apóstolos agora confrontam as autoridades religiosas com o seu testemunho: “... a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro. Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados. Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que lhe obedecem” (At 5.30-32). Assim como o som dos sinetes de ouro das vestes do sumo sacerdote testificavam no Santo dos Santos que ele estava vivo, assim o som do Espírito Santo, vindo do céu e ouvido naquele cenáculo, era testemunha incontestável de que o grande Sumo Sacerdote a quem eles tinham acabado de ver passando através da cortina de nuvens, entrando além do véu, estava vivo, por eles, na presença do Pai. Dessa forma, havia chegado o “dies natalis”, o nascimento do Espírito Santo. Nos próximos capítulos, consideraremos os detalhes da Sua missão terrena.



[1] "The Work of the Holy Spirit in Man" (A obra do Espírito Santo no homem), Pastor Tophel, p.32.
[2] Veja as epístolas às sete igrejas (Ap 2.11).
[3] João 14.10.
[4] Levítico 23.11-16.
[5] “Somente quando Cristo alcançou o Seu objetivo, é que Ele passou como herança aos Seus seguidores as graças que caracterizaram o Seu andar aqui na terra; o Elias que subiu deixou para trás o seu manto. É uma mera extensão do mesmo princípio, que o claro ofício do Espírito Santo seja completar a imagem de Cristo em cada seguidor fiel, operando neste mundo uma morte e uma ressurreição espiritual — algo comprovado em cada epístola — a imagem não podia ser estampada até que a realidade fosse plenamente consumada; o divino Artista não podia descer para fazer a cópia antes que o original estivesse totalmente pronto”.Archer Butler
[6] Último Adão: 1 Coríntios 15.45. — N. do T.
[7] João 20.17. “Cristo e o Pai são um, e o Pai é Seu Pai por direito de natureza; contudo quanto a nós, Deus tornou-se nosso Pai por meio do Filho, não por direito de natureza, mas por graça”. — Ambrósio

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