Capítulo II
Portanto, nesse dia de Pentecostes, o Espírito
Santo desceu e encheu o templo dos Seus apóstolos como um aguaceiro de
santificação, os quais Ele havia preparado para Si mesmo, vindo não mais como
um visitante passageiro, mas como um perpétuo Consolador para uma eterna
habitação. Dessa forma, Ele veio para os Seus discípulos, não mais pela graça
da visitação ou da operação neles, mas pela própria presença da Sua majestade. — Agostinho
“... isto disse ele do Espírito que haviam de
receber...” (Jo 7.39) é a palavra de Jesus mais do que surpreendente, ao
falar do “Espírito que deviam receber os
que creriam nele”. Mas o Espírito não havia sido visto descer sobre Jesus
como pomba e pousar sobre Ele? Não fora Ele o divino agente na criação, e na
iluminação e inspiração dos patriarcas e profetas e videntes da antiga
dispensação? Como pôde então Jesus dizer que Ele “não fora dado”? A resposta a essa questão fornece o melhor ponto de
partida para um estudo da doutrina do Espírito.
Agostinho chama
o dia de Pentecostes de “dies natalis”
do Espírito Santo. É somente depois do dia de Pentecostes que o Espírito Santo
Se encontrou no mundo em sua esfera oficial, como mediador entre os homens e
Cristo. É nos seguintes sentidos, então, que o dizer de Agostinho é verdadeiro,
ao chamar o dia de Pentecostes de “o nascimento do Espírito”:
1. O Espírito
Santo, daquele momento em diante, passou a residir na terra. A igreja cristã,
por toda esta dispensação, é a habitação do Espírito, tão verdadeiramente como
o céu é a habitação de Jesus Cristo. Isso está de acordo com a sublime palavra
de Jesus em Jo 14:23:
“Se alguém me
amar, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e
faremos nele morada”
Essa promessa se
cumpriu no dia de Pentecostes, e as duas primeiras Pessoas da Divindade agora
fazem morada na igreja por meio da terceira. O Espírito Santo, durante o tempo
presente, está em missão oficial na terra; e toda presença espiritual e
comunhão divina da Trindade com os homens se dá por meio dEle. Eles estão de
forma invisível aqui no corpo dos fiéis, pela habitação do Consolador. O
Espírito Santo está aqui, habitando perpetuamente na igreja; e Ele está
igualmente lá, em comunhão com o Pai e com o Filho de quem procede, e dos quais,
como participante da Divindade, jamais pode separar-Se, da mesma forma que o
raio solar não pode separar-se do sol de onde provém.
2. Além disso, o
Espírito Santo, num sentido místico, mas muito real, assumiu forma humana na
igreja no dia de Pentecostes. Com isso não estamos de forma alguma dizendo que
essa encarnação seja igual à que ocorreu com a segunda Pessoa da Trindade.
Quando “o Verbo se fez carne e habitou
entre nós”, foi a união de Deus com o gênero humano sem pecado; aqui temos
o Espírito Santo unindo-Se com a igreja em sua condição imperfeita e militante.
Apesar disso, é declaração literal da Escritura que o corpo dos fiéis é
habitação do Espírito divino. É nesse fato que temos a peculiaridade distintiva
da presente dispensação. “... porque ele
habita convosco e estará em vós” disse Jesus, falando da vinda do
Consolador; e essa profecia se cumpriu de tal forma, que depois do dia de
Pentecostes se diz que o Espírito Santo habita na igreja. “... se, de fato, o Espírito de Deus habita em
vós” é a compreensão inspirada da qual procede o profundo ensino de Romanos
oito. Todo o reconhecimento e honra que os discípulos atribuíam ao seu Senhor
eles agora dão ao Espírito Santo, Seu verdadeiro substituto, o Seu eu
invisível, presente no corpo dos crentes. Isso transparece claramente na
decisão do primeiro concílio de Jerusalém. Diz assim o registro: “... pareceu
bem ao Espírito Santo e a nós...” —
como se dissessem: “Estiveram presentes Pedro, e Tiago, e Barnabé, e Paulo, tão
verdadeiramente como também estava presente o Espírito Santo”.
E quando Ananias
e Safira conspiraram e mentiram, cometendo o primeiro pecado mortal na igreja,
Pedro pergunta: “Ananias, por que encheu
Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo...?” Dessa forma,
não somente se reconhece a presença pessoal do Espírito na pessoa dos crentes,
mas Ele está ali em autoridade e supremacia, como o centro da assembléia.
Depois da
ascensão de Jesus e do envio do Espírito Santo, a igreja assume o nome que
pertencia anteriormente ao seu Senhor; ela é o templo de Deus, é o único templo existente na terra durante a
presente dispensação. “Acaso não sabeis
que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo...?” pergunta o apóstolo.
Essa palavra ele dirige à igreja como corporação. “... também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de
Deus no Espírito” — essa é a sublime descrição que encontramos na Epístola
aos Efésios (2:20-22). Por ora, é suficiente destacar o fato que aqui se usa a
mesma linguagem que Cristo usou em referência a Si mesmo. Como acontece com a
Cabeça, assim acontece com o corpo místico; ambos são habitação do Espírito Santo, e assim Deus, de certa forma, está
encarnado em ambos; e pela mesma razão. Cristo era “a imagem do Deus invisível”; e quando Ele esteve entre os homens,
na carne, Ele podia dizer-lhes: “Quem me
vê a mim vê o Pai”. Até onde sabemos, a única maneira do Deus desconhecido
tornar-Se conhecido, e o Deus invisível tornar-Se visível, era por meio da
encarnação. Por isso, depois de Cristo haver retornado ao Pai, e o mundo não
podia mais vê-lO, Ele enviou o Paráclito (Paracleto)
para encarnar no Seu corpo místico, a igreja. Da forma como o Pai Se revelou
através do Filho, assim o Filho Se revela pelo Espírito Santo por meio da
igreja. Como Cristo era a imagem do Deus invisível, assim a igreja é
destinada a ser a imagem do Cristo invisível; e os Seus membros, quando
forem glorificados com Ele, serão a expressa imagem da Sua pessoa.
Esse é, então, o
mistério e a glória da presente dispensação. Apesar de ser algo misterioso, nem
por isso é menos verdadeiro; por ser algo glorioso, nem por isso é menos
prático. Encontramos, numa admirável obra a respeito do Espírito Santo, a
diferença entre a manifestação do Espírito antes e depois: “Na antiga
dispensação, o Espírito Santo operava por
meio dos crentes, mas não habitava nem pessoalmente nem permanentemente nos
crentes. Ele vinha sobre os homens; Ele não Se encarnava no homem. Seu agir era
intermitente; Ele ia e vinha como a pomba que Noé soltou da arca, a qual ia e
vinha, sem encontrar lugar de repouso. Já na nova dispensação, Ele reside, Ele
habita no coração como a pomba, o Seu símbolo, que João viu descer e pousar na
cabeça de Jesus. Comprometido com a alma, o Espírito saiu freqüentemente para
ver sua noiva, mas ainda não era Um com ela; o casamento só se consumou no dia
de Pentecostes, após a glorificação de Jesus Cristo” [1].
3. Uma razão
ainda mais óbvia pela qual, antes do dia de Pentecostes, se podia dizer que “ainda não havia Espírito” encontra-se
nas seguintes palavras: “porque Jesus não
havia sido ainda glorificado”. No descortinar das eras, vemos cada uma das
pessoas da Divindade exercendo, a seu turno, um ministério terreno e lidando
com o homem na obra da redenção. Sob a lei, Deus o Pai desceu à terra e falou
aos homens, da nuvem no Sinai e da glória acima do propiciatório. Sob a graça,
Deus o Filho veio ao mundo, ensinando, sofrendo, morrendo e ressuscitando. Sob
a dispensação da eleição e da obra agora em andamento, o Espírito Santo está
aqui desenvolvendo a obra de renovação e santificação da igreja, a qual é o
corpo de Cristo. Há uma seqüência necessária nesses ministérios divinos, tanto
com respeito ao tempo quanto com respeito à natureza deles. Na época de Moisés,
era possível dizer: “Cristo ainda não existe”, uma vez que a economia de Deus
Jeová ainda não havia sido completada. Era preciso que a lei fosse dada
primeiro, com seus sacrifícios e tipos e cerimônias e sombras; o homem tinha de
ser posto em teste debaixo da lei, até que o tempo designado do seu treinamento
se completasse. Aí, então, Cristo
teria de vir para representar todos os tipos e completar todos os sacrifícios
em Si mesmo; para fazer por nós “o que
fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne”, e para tornar-se
“o fim da lei... para justiça de todo
aquele que crê”. Quando, por sua vez, Cristo completou a obra da redenção
ao morrer na cruz por nossos pecados, e ressuscitou dos mortos para nossa
justificação, e assumiu Seu lugar à direita de Deus para ser o perpétuo
intercessor, aí, então, o Espírito
Santo desceu para comunicar à igreja e para operar nela a obra completada por
Cristo. Em suma, assim como Deus o Filho completa a obra de Deus o Pai para os
homens, assim Deus o Espírito Santo torna real aos corações humanos a obra de
Deus o Filho.
Há uma santa
deferência, por assim dizer, entre as Pessoas da Trindade, com respeito aos
seus respectivos ministérios. Quando Cristo estava exercendo o Seu ministério
na terra, o Pai nos remetia a Ele, falando do céu e dizendo: “Este é o meu Filho amado; a Ele ouvi”.
Quando o Espírito Santo inicia o Seu ministério terreno, Cristo nos remete a
Ele, também falando do céu, com ênfase repetida sete vezes, dizendo: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz
às igrejas” [2].
Assim como cada Pessoa nos remete ao ensino da outra, assim também cada Pessoa,
por sua vez, completa o ministério da outra. As palavras e as obras de Cristo
não eram dEle mesmo, mas do Pai: “As
palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em
mim, faz as suas obras”[3].
O ensino e as mensagens do Espírito não são dEle mesmo, mas de Cristo: “quando vier, porém, o Espírito da verdade,
ele vos guiará a toda a verdade; porque
não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as
coisas que hão de vir”. “Ele me
glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar”.
Essa ordem nos
ministérios das Pessoas da Divindade é tão definida e eterna, que a encontramos
claramente prenunciada até mesmo nos tipos apresentados no Antigo Testamento.
No templo, por exemplo, jamais se verá a bacia de água colocada antes do altar.
O altar é o Calvário, e a bacia de
água é o dia de Pentecostes. Um representa o sangue do sacrifício, o
outro representa o Espírito santificador. Se algum sumo sacerdote
descuidadamente se achegasse à bacia de bronze sem antes ter passado pelo altar
de bronze, poderíamos esperar uma voz de repreensão vinda do céu: “Ainda não é hora de lavar-se com água”;
e isso significaria exatamente a mesma coisa que: “Ainda não havia Espírito”.
Também, quando o
leproso ia ser purificado, repare que o sangue tinha de ser colocado sobre a
ponta da sua orelha direita, sobre o polegar da sua mão direita, e sobre o
polegar do seu pé direito. Depois disso seria colocado o óleo sobre a orelha
direita, o polegar direito, e o polegar do pé direito — o óleo sobre o sangue da oferta pela transgressão (Lv 14). Tornamos
a dizer: nunca, em todas as variadas repetições dessa cerimônia divina, se
inverteu a ordem, de forma que se aplicasse primeiro o óleo e depois o sangue.
Isso significa, quando comparamos o tipo ao antítipo, que era impossível que o
Pentecostes precedesse o Calvário, ou que o derramamento do Espírito pudesse
ter vindo antes do derramamento do sangue.
Percebemos,
assim, que não somente a ordem desses dois grandes eventos da redenção foi
estabelecida desde o princípio, mas a data deles foi marcada no calendário dos
acontecimentos típicos. A morte do cordeiro pascal indicou, de geração em
geração, embora eles não o soubessem, o dia do ano e a semana em que Cristo, nossa
Páscoa, seria sacrificado por nós. A apresentação ao Senhor do molho das
primícias da messe, “no dia imediato ao sábado” por longos anos estabeleceu o
dia da ressurreição do nosso Senhor no primeiro dia da semana. E o mandamento
“Contareis para vós outros desde o dia imediato ao sábado, desde o dia em que
trouxerdes o molho da oferta movida; sete
semanas inteiras serão” [4]
determinou o dia de Pentecostes como o dia da descida do Espírito Santo. Às
vezes pensamos que os discípulos estavam esperando um tempo indefinido naquele
cenáculo, aguardando o cumprimento da promessa do Pai. O tempo estava
determinado não apenas com Deus na eternidade, mas também no calendário dos
rituais hebraicos na terra. Eles aguardaram dez dias em oração, simplesmente
porque depois dos quarenta dias que o Senhor andou com os discípulos após a Sua
ressurreição, restavam dez dias para completar as “sete semanas”.
Para resumir o
que estamos dizendo, o Espírito de Deus é o sucessor do Filho de Deus em Seu
ministério oficial na terra. Enquanto a obra terrena de Cristo em favor da Sua
igreja não estivesse completa, a obra do Espírito neste mundo não podia
começar. O ofício do Espírito Santo é comunicar Cristo a nós — Cristo em Sua
inteireza. A obra redentora do nosso Salvador não se completou quando Ele
morreu na cruz, ou quando Ele ressuscitou de entre os mortos, ou mesmo quando
Ele ascendeu aos céus no monte das Oliveiras. Somente quando Ele Se assentou no
trono do Seu Pai, consumando em Si mesmo todo o Seu ministério — “eu sou... aquele que vive; estive morto, mas
eis que estou vivo pelos séculos dos séculos” — é que o Cristo completo
estava pronto para ser comunicado à Sua igreja[5].
O primeiro pecado de Adão interrompeu a comunhão do homem com Deus, e a sua
união foi rompida. Quando o segundo Adão[6],
depois da cruz e da ressurreição, assumiu Seu lugar à direita de Deus,
restaurou-se essa comunhão interrompida. São muito lindas as palavras do nosso
Salvador ressurreto quando trata esse assunto: “Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus” [7].
O lugar que o divino Filho conquistou no coração do Pai Ele conquistou para nós
também. Toda aceitação e posição e privilégio que agora era dEle, também era
nosso, por direito de redenção; e o Espírito Santo foi enviado para confirmar
isso e nos fazer compreender aquilo que Cristo conquistou por nós. Sem a obra
expiatória de Cristo em nosso favor, seria impossível a obra santificadora do
Espírito em nós; por outro lado, sem a obra do Espírito em nós, a obra de
Cristo em nosso favor teria sido em vão.
“Ao cumprir-se o dia de Pentecostes”. Agora estamos
aptos a ver o que essas palavras significam histórica, típica e
doutrinariamente. Os sete sábados (sete semanas) a partir do dia da
ressurreição foram contados, e o Pentecostes já veio. Então, subitamente, aos
que estavam “todos reunidos no mesmo
lugar”, “veio do céu um som, como de
um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram,
distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um
deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo...”. Da mesma forma que a
manjedoura de Belém foi o berço do Filho de Deus, assim o cenáculo foi o berço
do Espírito de Deus. Da mesma forma que a vinda do “santo Filho Jesus” (At
4.27,30 – RC) foi um testemunho de que Deus “visitou e redimiu o seu povo” (Lc 1.68), assim foi a vinda do
Espírito Santo. O fato que o Consolador está aqui é prova de que o Advogado
está lá, na presença do Pai. Pedro e os demais apóstolos agora confrontam
as autoridades religiosas com o seu testemunho: “... a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro. Deus, porém, com a sua
destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o
arrependimento e a remissão de pecados. Ora, nós somos testemunhas destes
fatos, e bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que lhe
obedecem” (At 5.30-32). Assim como o som dos sinetes de ouro das vestes do
sumo sacerdote testificavam no Santo dos Santos que ele estava vivo, assim o
som do Espírito Santo, vindo do céu e ouvido naquele cenáculo, era testemunha
incontestável de que o grande Sumo
Sacerdote a quem eles tinham acabado de ver passando através da cortina
de nuvens, entrando além do véu, estava
vivo, por eles, na presença do Pai. Dessa forma, havia chegado o “dies natalis”, o nascimento do Espírito
Santo. Nos próximos capítulos, consideraremos os detalhes da Sua missão
terrena.
[3] João 14.10.
[4] Levítico 23.11-16.
[5] “Somente quando Cristo alcançou
o Seu objetivo, é que Ele passou como herança aos Seus seguidores as graças que
caracterizaram o Seu andar aqui na terra; o Elias que subiu deixou para trás o
seu manto. É uma mera extensão do mesmo princípio, que o claro ofício do
Espírito Santo seja completar a imagem de Cristo em cada seguidor fiel,
operando neste mundo uma morte e uma ressurreição espiritual — algo comprovado
em cada epístola — a imagem não podia ser
estampada até que a realidade fosse plenamente consumada; o divino Artista não
podia descer para fazer a cópia antes que o original estivesse totalmente
pronto”. — Archer Butler
[6] Último Adão: 1 Coríntios 15.45. — N. do T.
[7] João 20.17. “Cristo e o Pai são
um, e o Pai é Seu Pai por direito de natureza; contudo quanto a nós, Deus
tornou-se nosso Pai por meio do Filho, não por direito de natureza, mas por
graça”. — Ambrósio
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