segunda-feira, 7 de maio de 2012

O Ministério do Espírito Santo



A. J. Gordon

CAPÍTULO V – O revestimento do Espírito Santo
(Parte 1)

É muito claro que, para os discípulos, o batismo com o Espírito não foi a primeira vez que Ele foi dado, para a regeneração; mas foi a transmissão específica da Sua presença em poder, feita pelo Senhor glorificado. Assim como era distinta a operação do mesmo Espírito no Velho e no Novo Testamento (operação ilustrada pela situação dos discípulos antes e depois do dia de Pentecostes), assim pode haver (e na grande maioria dos cristãos é assim) uma similar diferença de experiência... Quando fica claro para o crente o que significa a habitação do Espírito, e as consequências que daí provêm, e ele está pronto a render-se completamente a fim de experimentá-lo, ele pode pedir e aguardar aquilo que se pode chamar de batismo com o Espírito. Orar ao Pai conforme as duas orações de Efésios, e vir a Jesus com renovada entrega de fé e obediência, podem fazer com que ele receba um tal influxo do Espírito Santo que ele seja conscientemente elevado a um nível diferente daquele em que viveu até esse momento. — Rev. Andrew Murray


No capítulo anterior, afirmamos que o batismo com o Espírito Santo foi concedido de uma vez para sempre no dia de Pentecostes, quando o Paráclito veio pessoalmente fazer habitação na igreja. Isso não significa, entretanto, que todo crente tenha recebido esse batismo. A dádiva de Deus é uma coisa; outra coisa bem diferente é a nossa apropriação dessa dádiva. Nosso relacionamento com a segunda e a terceira Pessoas da Divindade é similar, nesse aspecto. “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito” (Jo 3.16). “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome” (Jo 1.12). Aqui estão os dois lados da salvação, o divino e o humano, os quais são, ambos, absolutamente essenciais.
Há uma doutrina que circula por aí, chamada redenção por encarnação, segundo a qual, uma vez que Deus deu o Seu Filho ao mundo, todo o mundo tem o Filho, consciente ou inconscientemente, e que por essa razão todo o mundo será salvo. Não precisamos nem dizer que refutamos totalmente essa teoria, considerando-a plenamente insustentável, visto que desconsidera a necessidade da fé pessoal em Cristo. Mas com respeito ao Espírito Santo, alguns escritores ortodoxos argumentam um pensamento quase idêntico. Eles afirmam que o revestimento com o Espírito Santo não é “nenhuma experiência especial ou superior, mas é simplesmente a realidade de cada pessoa que é um filho de Deus”. Dizem, também, que “os crentes convertidos depois do dia de Pentecostes são revestidos do Espírito que neles habita, tanto quanto aqueles crentes que de fato participaram da bênção pentecostal em Jerusalém”[1].
Pelo contrário, parece claro nas Escrituras que é tanto dever quanto privilégio dos crentes receberem o Espírito Santo por meio de um ato de fé consciente, definido, exatamente como receberam Jesus Cristo. Apoiamos essa conclusão em vários fundamentos. Tudo indica que, se o Paráclito é uma pessoa que desce do céu em ocasião definida para habitar a igreja, para guiar, ensinar e santificar o corpo de Cristo, temos motivo de recebê-lO em Seu ministério distinto da mesma forma que o fizemos com o Senhor Jesus em Seu ministério específico. Dizer que, ao receber a Cristo, nós indubitavelmente recebemos nesse mesmo ato o dom do Espírito, é misturar aquilo que as Escrituras separam[2]. Pois é como pecadores que recebemos Cristo para nossa justificação, mas é como filhos que recebemos o Espírito para nossa santificação: “E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.6). Por isso, quando Pedro pregou o seu primeiro sermão para a multidão, depois que o Espírito havia sido dado, ele disse: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2.38).
Essa passagem mostra que, logicamente e cronologicamente, o dom do Espírito vem depois do arrependimento. Mais tarde consideraremos se ele segue o arrependimento como consequência necessária e inseparável. Por ora, basta esclarecer esse ponto, de tal forma que mesmo um dos mais conservadores e capazes escritores sobre o assunto, ao comentar esse texto em Atos, diz: “Por essa razão fica evidente que o recebimento do Espírito Santo, como se diz aqui, não tem nada a ver com trazer os homens à fé e ao arrependimento. É uma operação posterior; é uma bênção separada e adicional; é um privilégio que se baseia na fé que já está ativamente operando no coração... Eu não nego que o dom do Espírito Santo possa ocorrer quase na mesma ocasião, mas nunca no mesmo momento. A razão é muito simples também. O dom do Espírito Santo está fundamentado no fato que somos filhos pela fé em Cristo, crentes que descansam na redenção nEle. Claramente, então, parece que o Espírito Santo já nos regenerou”[3].
À medida que examinarmos as Escrituras quanto a esse assunto, veremos que precisamos, como filhos, nos apropriar do Espírito, da mesma forma que nos apropriamos de Cristo, como pecadores. A condição para tornar-nos filhos, como já vimos, é “a todos quantos o receberam, ... a saber, aos que creem no seu nome” — ‘receber’ e ‘crer’ são usados como sinônimos. Numa espécie de antecipação do dia de Pentecostes, o Cristo ressurrecto, pondo-Se no meio dos Seus discípulos, “soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo”. O verbo não está na voz passiva, como o texto pode nos fazer supor, mas tem um significado ativo, exatamente como na conhecida passagem de Apocalipse: “e quem quiser receba de graça a água da vida”. Duas vezes, na Epístola aos Gálatas, se coloca a possessão do Espírito Santo sobre o mesmo fundamento de apropriação ativa por meio da fé: “recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?” (Gl 3.2); “a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido” (Gl 3.14). Esses textos parecem indicar que, da mesma forma que existe uma “fé para com nosso Senhor Jesus Cristo” para a salvação, assim também existe uma fé para com o Espírito Santo para receber poder e uma vida consagrada.
Se passarmos do ensino do Novo Testamento para os exemplos nele encontrados, receberemos fortes confirmações a respeito desse pensamento. Começaremos com o notável incidente do capítulo dezenove de Atos. Paulo, ao encontrar alguns discípulos em Éfeso, perguntou-lhes: “Recebestes, porventura, o Espírito Santo quando crestes? Ao que lhe responderam: Pelo contrário, nem mesmo ouvimos que existe o Espírito Santo”. Essa passagem parece decisiva para mostrar que alguém pode ser um discípulo sem ter recebido o Espírito Santo como o dom de Deus para os crentes. Algumas pessoas admitem isso, embora neguem qualquer aplicação desse incidente à nossa própria época, alegando que são os dons miraculosos do Espírito que estão em consideração aqui, já que está escrito que, depois de Paulo impor as mãos sobre eles, “veio sobre eles o Espírito Santo; e tanto falavam em línguas como profetizavam”. Tudo o que precisamos dizer sobre esse ponto é que esses discípulos efésios, ao receberem o Espírito, chegaram à mesma condição que os discípulos do cenáculo, uns vinte anos antes, a respeito dos quais está escrito que “passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem”. Noutras palavras, esses discípulos em Éfeso, quando receberam o Espírito Santo, apresentaram os sinais do Espírito comuns aos outros discípulos da era apostólica.
Não vamos aqui discutir se esses sinais – falar em outras línguas e operar milagres – são designados para ocorrer sempre ou não. Mas não se pode questionar que a presença do Espírito Santo na igreja foi designada para ser permanente, contínua. E que todo e qualquer relacionamento que os crentes mantiveram com o Espírito no começo, os crentes de hoje têm direito de sustentar. Precisamos parar com nossa exegese errônea que faz da água do batismo dos tempos apostólicos uma rígida exigência para nossos dias, mas relega o batismo com o Espírito a uma dispensação passada. O que de fato sustentamos é que o Pentecostes ocorreu uma vez para sempre, mas também sustentamos que a apropriação do Espírito diz respeito a todos os crentes de todas as épocas. Trancar algumas das grandes bênçãos do Espírito Santo no reino imaginário chamado “época apostólica”, embora seja cômodo, pode ser uma forma de fugir de dificuldades imaginárias, e acabe privando os crentes de alguns dos seus mais preciosos direitos da aliança[4]. Vamos transferir esse incidente dos cristãos efésios para os dias atuais. Não precisamos apresentar algum caso imaginário, visto que pela declaração de várias testemunhas constantemente nos deparamos com essa mesma condição. Não são apenas cristãos isolados, mas comunidades inteiras de discípulos que foram tão mal instruídos, que nunca ficaram sabendo que existe o Espírito Santo, apenas sabem que é uma influência, algo impessoal, de que se pode ter apenas um vago conhecimento. Nada conhecem a respeito do Espírito Santo como uma Pessoa Divina, que habita na igreja, o qual deve ser honrado e invocado e a quem se deve obediência, e em quem se pode confiar sem restrições. É possível imaginar que possa haver alguma vida espiritual profunda ou alguma verdadeira força santificadora para servir numa comunidade assim? E o que deve fazer um mestre bem instruído ou um evangelista, ao descobrir uma igreja ou um cristão numa condição dessas? Um outro texto do livro de Atos nos dá a resposta: “Ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João; os quais, descendo para lá, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo; porquanto não havia ainda descido sobre nenhum deles, mas somente haviam sido batizados em o nome do Senhor Jesus. Então, lhes impunham as mãos, e recebiam estes o Espírito Santo” (At 8.14-17).
Ali estavam crentes que tinham sido batizados na água. Mas isso não tinha sido suficiente. O batismo com o Espírito, já concedido no dia de Pentecostes, tinha de ser recebido. Ouça a oração dos apóstolos: “para que recebessem o Espírito Santo”. Consideramos uma oração dessas extremamente apropriada para aqueles que, hoje, desconheçam o Consolador. E mesmo assim uma oração dessas deve ser seguida de um ato de aceitação confiante da parte do discípulo, de todo o seu coração: “Oh, Espírito Santo, humildemente eu me rendo a Ti agora. Eu Te recebo como meu mestre, meu consolador, meu santificador e meu guia”. Não encontramos por todo lado o testemunho de novas vidas que provêm de uma consagração dessas, vidas cheias de paz e poder e vitória, entre aqueles que anteriormente já tinham recebido perdão dos pecados, mas não tinham ainda sido revestidos de poder?
Entendemos que a grande finalidade a que se destina o revestimento do Espírito é a nossa capacitação para um mais digno e efetivo serviço na igreja de Cristo. Há outros efeitos que com certeza virão com essa bênção, uma firme segurança de nossa aceitação em Cristo, e uma santa separação do mundo; mas esses resultados contribuirão para a finalidade maior e principal: nossa utilidade consagrada.
Reparemos que Cristo, que é nosso exemplo nisso e em todas as coisas, não começou o Seu ministério enquanto não recebeu o Espírito Santo. Não somente isso, mas vemos que todo o Seu serviço, do batismo até a ascensão, foi feito no Espírito. Se indagarmos a respeito dos Seus milagres, nós O ouvimos dizer: “eu expulso demônios pelo Espírito de Deus” (Mt 12.28). Perguntemos a respeito da Sua morte ocorrida em Jerusalém, e lemos: “Cristo, ... pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus” (Hb 9.14). Pergunte a respeito da grande comissão, e lemos que Ele foi elevado às alturas “depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera” (At 1.2). Assim, embora fosse o Filho de Deus, Ele agiu sempre em extrema dependência dAquele que tem sido chamado de “Executivo da Divindade”.
De forma clara, vemos como Cristo é nosso padrão e exemplo em Seu relacionamento com o Espírito Santo. Ele foi concebido pelo Espírito Santo no ventre da virgem, e viveu a vida santa e obediente que essa concepção divina sugeria. Mas quando estava para começar o Seu ministério público, Ele esperou que o Espírito, que já habitava nEle, viesse sobre Si. Nós O vemos orando por essa unção: “sendo batizado também Jesus, orando ele, o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como uma pomba” (Lc 3.21,22 – RC). Será que Ele tinha alguma “promessa do Pai” a que pudesse recorrer em oração, pedindo a unção do Espírito, como cremos era o assunto da Sua oração naquele momento? Sim; o profeta escreveu a respeito do tronco de Jessé: “Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do SENHOR” (Is 11.2). Os comentaristas judeus dizem que é “o Espírito sétuplo”. Com certeza isso se cumpriu no Filho de Deus no Jordão, quando Deus Lhe deu o Espírito sem medida. Pois Aquele que estava agora sendo batizado Se tornaria depois o batizador. “Aquele sobre quem vires descer e pousar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito Santo” (Jo 1.33). “Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, ... Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3.11). E agora, exaltado à destra de Deus, e tendo “os sete Espíritos de Deus” (Ap 3.1), a plenitude do Espírito Santo, Ele derramará o Seu poder sobre aqueles que orarem por isso, assim como o Pai o derramou sobre Seu Filho.
Vejamos, agora, os símbolos e representações do revestimento do Espírito, aplicados igualmente a Cristo e aos Seus discípulos.

1. O selo do Espírito. Ouvimos Jesus dizer à multidão que O procurou por causa dos pães e dos peixes: “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo(Jo 6.27). Esse selo evidentemente nos reporta ao recebimento do Espírito ocorrido no Jordão. Uma das maiores autoridades em rituais e adoração judaica nos informa que era costume o sacerdote designado para esse serviço, uma vez selecionado um cordeiro de entre o rebanho, inspecioná-lo minuciosamente, para ver se era sem nenhum defeito físico, para daí por sobre ele o selo do templo, com isso assegurando que estava apto para ser sacrificado e servir de alimento. Eis o Cordeiro de Deus apresentando-Se no Jordão para ser inspecionado! Sob o onisciente olhar examinador do Pai, constata-se que Ele é “um cordeiro sem defeito e sem mancha”. Dos céus que se abrem, Deus dá testemunho desse fato com estas palavras: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo”, e então coloca sobre Ele o Espírito Santo, o testemunho da Sua filiação, o selo da Sua separação para o sacrifício e o serviço.
O discípulo é igual ao seu Senhor, nessa experiência. “...em quem também vós, ... tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa” (Ef 1.13). Como sempre aparece nas afirmações das Escrituras, esse acontecimento decorre em consequência da fé. Não é a conversão, mas é algo feito à alma já convertida, uma espécie de coroa da consagração, posta sobre a sua fé. Na verdade, os dois acontecimentos são apresentados em marcante contraste. Na conversão, o crente recebe o testemunho de Deus e “certifica que Deus é verdadeiro” (Jo 3.33). Na consagração, Deus põe o Seu selo sobre o crente, certificando que ele, o crente, é verdadeiro. Esse último é o “Amém” de Deus para com o cristão, confirmando o “Amém” do cristão para com Deus. “Mas aquele que nos confirma convosco em Cristo e nos ungiu é Deus, que também nos selou e nos deu o penhor do Espírito em nosso coração” (2 Co 1.21,22).
Se procurarmos saber para o que fomos comissionados e separados por meio dessa operação divina, talvez possamos descobri-lo ao examinar o moto da igreja, se assim pudermos chamar a misteriosa passagem que encontramos em uma das epístolas pastorais. A despeito da deserção e da incredulidade de algumas pessoas, o apóstolo diz assim: “Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo”. Depois ele diz quais são as duas inscrições no selo: “O Senhor conhece os que lhe pertencem”, e “Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor” (2 Tm 2.19). Domínio e santidade. Quando recebemos o dom do Espírito Santo, é para que, daí em diante, nos consideremos totalmente de Cristo. Se alguém evitar essa consagração, como pode possuir a plenitude do Espírito? Deus não pode colocar a Sua assinatura naquilo que não é dEle. Assim, se nos recusarmos a Deus, influenciados por um espírito mundano, insistindo em ser donos de nós mesmos, não devemos estranhar se Deus Se recusar a nós, negando-nos o selo do Seu domínio. Deus é muito zeloso por Seu selo. Ele graciosamente o aplica naqueles que estão dispostos a dedicar-se completa e irrevogavelmente ao Seu serviço, mas Ele firmemente o retém daqueles que, embora confessem o Seu nome, “servem às paixões e aos prazeres”. Há uma sugestiva passagem no Evangelho de João que salienta o que estamos explicando: “muitos, vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome; mas o próprio Jesus não se confiava a eles” (Jo 2.23,24). Aqui está a grande essência para recebermos o selo do Espírito. Será que Cristo pode confiar em nós? Não; a questão é mais séria que isso. Será que Ele pode confiar a Si mesmo a nós? Será que o Espírito Santo, que é o Seu anel com sinete, pode ser confiado a nós para selar nossas orações e nos certificar como autênticos, sem comprometermos a Sua honra?
A outra inscrição no selo é: “Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor”[5]. O fato de possuirmos o Espírito Santo nos compromete irrevogavelmente com a separação do pecado. Pois o que é a santidade senão a revelação do Espírito de santidade que habita em nós? Uma vida santificada é, por isso, a forma impressa do Seu selo: “Ele jamais pode ser nosso dono sem a Sua marca, o selo da santidade. O caráter do diabo não é, de forma alguma, um sinal de Deus. Nosso relacionamento com Ele é meramente aparente, a não ser que nossas ações sejam dignas de tão nobre nascimento e tragam honra a esse maravilhoso Pai”. A grande função do Espírito na presente economia é comunicar Cristo à Sua igreja, que é o Seu corpo. E o que é mais essencial a Cristo do que a santidade? “... nele não existe pecado. Todo aquele que permanece nele não vive pecando.” O corpo só pode se manter sem pecado por meio de comunhão ininterrupta com a Cabeça; a Cabeça não mantém comunhão com o corpo, a não ser que este seja santo.
A ideia de domínio, que acabamos de considerar, aparece nas palavras do apóstolo: “E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção” (Ef 4.30). O dia da redenção ocorrerá na vinda de nosso Senhor em glória, quando Ele ressuscitará os mortos e arrebatará os vivos. Agora os que Lhe pertencem estão no mundo, mas o mundo não os conhece. Mas Ele colocou sobre eles a Sua marca, o Seu sinal, por meio do qual Ele os reconhecerá na Sua vinda. Naquela grande vivificação, na vinda do Redentor, o Espírito Santo será o selo por meio do qual os santos serão reconhecidos, e o poder por meio do qual eles serão conduzidos a Deus. “Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos” (Rm 8.11) é a grande condição para a vivificação final. Da mesma forma que o ímã atrai as partículas de ferro, fazendo-as grudar nele quando lhes transmite o seu magnetismo, assim também Cristo, depois de ter dado o Espírito aos Seus, os atrairá por meio do Espírito. Não estamos agora discutindo se todos os que têm a vida eterna habitando em si haverão de participar da redenção do corpo; estamos meramente considerando a exortação apostólica de não entristecer o Espírito. Temos de cuidar para não desfigurar o selo com que fomos selados, para não deformar nem tornar incerta a assinatura pela qual haveremos de ser reconhecidos no dia da redenção[6].
Em resumo, o selo é o próprio Espírito Santo, que é recebido pela fé e repousa sobre o crente, produzindo segurança, alegria, capacitando-o para o serviço, coisas essas que sempre seguem a Sua influência sobre a alma que Lhe dá plena liberdade de ação. O Dr. John Owen, que escreveu exaustivamente e com muito discernimento sobre esse assunto, mais do que qualquer outro que conhecemos, resume tudo da seguinte forma: “Se pudermos compreender corretamente como Cristo foi selado, poderemos também aprender como nós somos selados. O Pai selou Cristo quando Lhe concedeu a plenitude do Espírito Santo, dando-Lhe autoridade e divino poder para todas as obras e responsabilidades do Seu ofício, de forma que ficasse evidente tanto a presença de Deus com Ele, como a aprovação de Deus para com Ele. A forma com que Deus sela os crentes, então, é conceder graciosamente o Espírito Santo sobre eles, de forma a operar neles o Seu divino poder para capacitá-los para todas as responsabilidades do seu santo chamado, mostrando, tanto para eles mesmos como para os outros, que foram aceitos diante dEle, e afirmando a sua preservação para a vida eterna”[7].


[1] Rev. E. Boys, “Filled with the Spirit” (Cheios do Espírito Santo), pág. 87.
[2] Algumas pessoas supõem que, pelo fato de aqueles que andaram com Cristo no passado terem recebido o batismo com o Espírito Santo e com fogo no dia de Pentecostes, mais de mil e oitocentos anos atrás, todos os crentes agora já receberam essa bênção. Se fosse assim, os apóstolos, quando inicialmente foram chamados, bem poderiam ter concluído que, pelo fato de o Espírito ter pousado sobre Cristo por ocasião do Seu batismo, eles também igualmente já possuíam a mesma bênção. Sem dúvida nenhuma, o Espírito foi dado e a obra de Cristo foi executada por todos; mas para tomar posse, ser iluminado e feito participante do Espírito Santo é necessário pedi-lo pessoalmente ao Senhor. — Andrew Jukes, “The New Man” (O novo homem).
[3] William Kelly, “Lectures on the New Testament Doctrine of the Holy Spirit” (Palestras sobre a doutrina do Espírito Santo no Novo Testamento), pág. 161.
[4] Algumas pessoas têm incorrido num grande erro, supor que os resultados do dia de Pentecostes eram principalmente miraculosos e temporários. O efeito de uma visão dessas é desconsiderar o poder espiritual; e é muito necessário que se mantenha sempre a certeza de que uma bênção espiritual ampla, profunda e perpétua na igreja é o que, acima de tudo mais, foi assegurada pela descida do Espírito Santo, depois que Cristo foi glorificado. — Dr. J. Elder Cumming, “Through the Eternal Spirit” (Pelo Espírito Eterno).
[5] Note que a inscrição no selo é, de forma significativa, a mesma que estava na testa do Sumo Sacerdote: hwhyl sdq ou seja, SANTIDADE AO SENHOR (Êx 39.30).
[6] O uso do selo como garantia de compra era especialmente compreensível aos efésios, uma vez que Éfeso era cidade marítima onde se dava intenso comércio de madeira, bastante frequentada por navios dos portos vizinhos. A compra se processava da seguinte forma: O mercador, depois de selecionar a madeira que lhe interessava, marcava-a com seu próprio selo, o qual lhe dava direito de propriedade. Muitas vezes, ele não levava consigo na mesma hora a madeira comprada; ela permanecia ali no porto, na água, juntamente com outros carregamentos de madeira. Mas ela tinha sido escolhida, comprada e selada. No tempo apropriado, o mercador enviava alguém da sua confiança, juntamente com o selo, pessoa essa que procurava e reivindicava a madeira selada, e a levava para o uso do seu senhor. É assim que o Espírito Santo imprime agora na alma a imagem de Jesus Cristo; e esse é o verdadeiro penhor (garantia) da eterna herança. — E. H. Bickersteth, “The Spirit of Life” (O Espírito da vida), pág. 176.
[7] John Owen, D.D., “Discourse Concerning the Spirit” (Palestra sobre o Espírito Santo), págs. 406,407.


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