A. J. Gordon
CAPÍTULO V – O revestimento do Espírito Santo
(Parte 1)
É
muito claro que, para os discípulos, o batismo com o Espírito não foi a
primeira vez que Ele foi dado, para a regeneração; mas foi a transmissão
específica da Sua presença em poder, feita pelo Senhor glorificado. Assim como
era distinta a operação do mesmo Espírito no Velho e no Novo Testamento
(operação ilustrada pela situação dos discípulos antes e depois do dia de
Pentecostes), assim pode haver (e na grande maioria dos cristãos é assim) uma
similar diferença de experiência... Quando fica claro para o crente o que
significa a habitação do Espírito, e as consequências que daí provêm, e ele
está pronto a render-se completamente a fim de experimentá-lo, ele pode pedir e
aguardar aquilo que se pode chamar de batismo com o Espírito. Orar ao Pai
conforme as duas orações de Efésios, e vir a Jesus com renovada entrega de fé e
obediência, podem fazer com que ele receba um tal influxo do Espírito Santo que
ele seja conscientemente elevado a um nível diferente daquele em que viveu até
esse momento. —
Rev. Andrew Murray
No capítulo anterior,
afirmamos que o batismo com o Espírito Santo foi concedido de uma vez para
sempre no dia de Pentecostes, quando o Paráclito veio pessoalmente fazer
habitação na igreja. Isso não significa, entretanto, que todo crente tenha
recebido esse batismo. A dádiva de Deus é uma coisa; outra coisa bem
diferente é a nossa apropriação dessa dádiva. Nosso relacionamento com a
segunda e a terceira Pessoas da Divindade é similar, nesse aspecto. “Deus amou
ao mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênito” (Jo 3.16).
“Mas, a todos quantos o receberam,
deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu
nome” (Jo 1.12). Aqui estão
os dois lados da salvação, o divino e o humano, os quais são, ambos,
absolutamente essenciais.
Há uma doutrina que
circula por aí, chamada redenção por encarnação, segundo a qual, uma vez que
Deus deu o Seu Filho ao mundo, todo o mundo tem o Filho, consciente ou
inconscientemente, e que por essa razão todo o mundo será salvo. Não precisamos
nem dizer que refutamos totalmente essa teoria, considerando-a plenamente
insustentável, visto que desconsidera a necessidade da fé pessoal em Cristo. Mas com
respeito ao Espírito Santo, alguns escritores ortodoxos argumentam um
pensamento quase idêntico. Eles afirmam que o revestimento com o Espírito Santo
não é “nenhuma experiência especial ou superior, mas é simplesmente a realidade
de cada pessoa que é um filho de Deus”. Dizem, também, que “os crentes
convertidos depois do dia de Pentecostes são revestidos do Espírito que neles
habita, tanto quanto aqueles crentes que de fato participaram da bênção
pentecostal em Jerusalém”[1].
Pelo contrário, parece
claro nas Escrituras que é tanto dever quanto privilégio dos crentes receberem
o Espírito Santo por meio de um ato de fé consciente, definido, exatamente como
receberam Jesus Cristo. Apoiamos essa conclusão em vários fundamentos. Tudo
indica que, se o Paráclito é uma pessoa que desce do céu em ocasião definida
para habitar a igreja, para guiar, ensinar e santificar o corpo de Cristo,
temos motivo de recebê-lO em Seu ministério distinto da mesma forma que o
fizemos com o Senhor Jesus em Seu ministério específico. Dizer que, ao receber
a Cristo, nós indubitavelmente recebemos nesse mesmo ato o dom do Espírito, é
misturar aquilo que as Escrituras separam[2]. Pois
é como pecadores que recebemos Cristo para nossa justificação, mas é como
filhos que recebemos o Espírito para nossa santificação: “E, porque vós
sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama:
Aba, Pai!” (Gl 4.6). Por
isso, quando Pedro pregou o seu primeiro sermão para a multidão, depois que o
Espírito havia sido dado, ele disse: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis
o dom do Espírito Santo” (At 2.38).
Essa passagem mostra
que, logicamente e cronologicamente, o dom do Espírito vem depois do arrependimento.
Mais tarde consideraremos se ele segue o arrependimento como consequência
necessária e inseparável. Por ora, basta esclarecer esse ponto, de tal forma
que mesmo um dos mais conservadores e capazes escritores sobre o assunto, ao
comentar esse texto em Atos, diz: “Por essa razão fica evidente que o
recebimento do Espírito Santo, como se diz aqui, não tem nada a ver com trazer
os homens à fé e ao arrependimento. É uma operação posterior; é uma bênção
separada e adicional; é um privilégio que se baseia na fé que já está
ativamente operando no coração... Eu não nego que o dom do Espírito Santo possa
ocorrer quase na mesma ocasião, mas nunca no mesmo momento. A razão é muito
simples também. O dom do Espírito Santo está fundamentado no fato que somos
filhos pela fé em Cristo, crentes que descansam na redenção nEle. Claramente,
então, parece que o Espírito Santo já nos regenerou”[3].
À medida que
examinarmos as Escrituras quanto a esse assunto, veremos que precisamos, como
filhos, nos apropriar do Espírito, da mesma forma que nos apropriamos de
Cristo, como pecadores. A condição para tornar-nos filhos, como já vimos, é “a
todos quantos o receberam, ... a saber, aos que creem no seu nome” — ‘receber’
e ‘crer’ são usados como sinônimos. Numa espécie de antecipação do dia de
Pentecostes, o Cristo ressurrecto, pondo-Se no meio dos Seus discípulos,
“soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo”. O verbo não está na
voz passiva, como o texto pode nos fazer supor, mas tem um significado ativo,
exatamente como na conhecida passagem de Apocalipse: “e quem quiser receba de graça a água da vida”. Duas
vezes, na Epístola aos Gálatas, se coloca a possessão do Espírito Santo sobre o
mesmo fundamento de apropriação ativa por meio da fé: “recebestes o Espírito
pelas obras da lei ou pela pregação da fé?” (Gl 3.2); “a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito
prometido” (Gl 3.14). Esses
textos parecem indicar que, da mesma forma que existe uma “fé para com nosso
Senhor Jesus Cristo” para a salvação, assim também existe uma fé para com o
Espírito Santo para receber poder e uma vida consagrada.
Se passarmos do ensino
do Novo Testamento para os exemplos nele encontrados, receberemos fortes
confirmações a respeito desse pensamento. Começaremos com o notável incidente
do capítulo dezenove de Atos.
Paulo, ao encontrar alguns discípulos em Éfeso, perguntou-lhes: “Recebestes,
porventura, o Espírito Santo quando crestes? Ao que lhe responderam: Pelo
contrário, nem mesmo ouvimos que existe o Espírito Santo”. Essa passagem parece
decisiva para mostrar que alguém pode ser um discípulo sem ter recebido o
Espírito Santo como o dom de Deus para os crentes. Algumas pessoas admitem
isso, embora neguem qualquer aplicação desse incidente à nossa própria época,
alegando que são os dons miraculosos do Espírito que estão em consideração
aqui, já que está escrito que, depois de Paulo impor as mãos sobre eles, “veio
sobre eles o Espírito Santo; e tanto falavam em línguas como profetizavam”.
Tudo o que precisamos dizer sobre esse ponto é que esses discípulos efésios, ao
receberem o Espírito, chegaram à mesma condição que os discípulos do cenáculo,
uns vinte anos antes, a respeito dos quais está escrito que “passaram a falar
em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem”. Noutras palavras,
esses discípulos em Éfeso, quando receberam o Espírito Santo, apresentaram os
sinais do Espírito comuns aos outros discípulos da era apostólica.
Não vamos aqui
discutir se esses sinais – falar em outras línguas e operar milagres – são
designados para ocorrer sempre ou não. Mas não se pode questionar que a
presença do Espírito Santo na igreja foi designada para ser permanente,
contínua. E que todo e qualquer relacionamento que os crentes mantiveram
com o Espírito no começo, os crentes de hoje têm direito de sustentar.
Precisamos parar com nossa exegese errônea que faz da água do batismo dos
tempos apostólicos uma rígida exigência para nossos dias, mas relega o batismo
com o Espírito a uma dispensação passada. O que de fato sustentamos é que o
Pentecostes ocorreu uma vez para sempre, mas também sustentamos que a
apropriação do Espírito diz respeito a todos os crentes de todas as épocas.
Trancar algumas das grandes bênçãos do Espírito Santo no reino imaginário
chamado “época apostólica”, embora seja cômodo, pode ser uma forma de fugir de
dificuldades imaginárias, e acabe privando os crentes de alguns dos seus mais
preciosos direitos da aliança[4]. Vamos transferir
esse incidente dos cristãos efésios para os dias atuais. Não precisamos
apresentar algum caso imaginário, visto que pela declaração de várias
testemunhas constantemente nos deparamos com essa mesma condição. Não são
apenas cristãos isolados, mas comunidades inteiras de discípulos que foram tão
mal instruídos, que nunca ficaram sabendo que existe o Espírito Santo, apenas
sabem que é uma influência, algo impessoal, de que se pode ter apenas um vago
conhecimento. Nada conhecem a respeito do Espírito Santo como uma Pessoa
Divina, que habita na igreja, o qual deve ser honrado e invocado e a quem se
deve obediência, e em quem se pode confiar sem restrições. É possível imaginar
que possa haver alguma vida espiritual profunda ou alguma verdadeira força
santificadora para servir numa comunidade assim? E o que deve fazer um mestre
bem instruído ou um evangelista, ao descobrir uma igreja ou um cristão numa
condição dessas? Um outro texto do livro de Atos nos dá a resposta: “Ouvindo os
apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus,
enviaram-lhe Pedro e João; os quais, descendo para lá, oraram por eles para que
recebessem o Espírito Santo; porquanto não havia ainda descido sobre nenhum
deles, mas somente haviam sido batizados em o nome do Senhor Jesus. Então, lhes
impunham as mãos, e recebiam estes o Espírito Santo” (At 8.14-17).
Ali estavam crentes
que tinham sido batizados na água. Mas isso não tinha sido suficiente. O
batismo com o Espírito, já concedido no dia de Pentecostes, tinha de ser
recebido. Ouça a oração dos apóstolos: “para que recebessem o Espírito Santo”.
Consideramos uma oração dessas extremamente apropriada para aqueles que, hoje,
desconheçam o Consolador. E mesmo assim uma oração dessas deve ser seguida de
um ato de aceitação confiante da parte do discípulo, de todo o seu coração:
“Oh, Espírito Santo, humildemente eu me rendo a Ti agora. Eu Te recebo como meu
mestre, meu consolador, meu santificador e meu guia”. Não encontramos por todo
lado o testemunho de novas vidas que provêm de uma consagração dessas, vidas
cheias de paz e poder e vitória, entre aqueles que anteriormente já tinham
recebido perdão dos pecados, mas não tinham ainda sido revestidos de poder?
Entendemos que a
grande finalidade a que se destina o revestimento do Espírito é a nossa
capacitação para um mais digno e efetivo serviço na igreja de Cristo. Há outros
efeitos que com certeza virão com essa bênção, uma firme segurança de nossa
aceitação em Cristo, e uma santa separação do mundo; mas esses resultados
contribuirão para a finalidade maior e principal: nossa utilidade consagrada.
Reparemos que Cristo,
que é nosso exemplo nisso e em todas as coisas, não começou o Seu ministério
enquanto não recebeu o Espírito Santo. Não somente isso, mas vemos que todo o
Seu serviço, do batismo até a ascensão, foi feito no Espírito. Se indagarmos a
respeito dos Seus milagres, nós O ouvimos dizer: “eu expulso demônios pelo
Espírito de Deus” (Mt 12.28).
Perguntemos a respeito da Sua morte ocorrida em Jerusalém, e lemos: “Cristo,
... pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus” (Hb 9.14). Pergunte a respeito
da grande comissão, e lemos que Ele foi elevado às alturas “depois de haver
dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera” (At 1.2). Assim, embora fosse o
Filho de Deus, Ele agiu sempre em extrema dependência dAquele que tem sido
chamado de “Executivo da Divindade”.
De forma clara, vemos
como Cristo é nosso padrão e exemplo em Seu relacionamento com o Espírito
Santo. Ele foi concebido pelo Espírito Santo no ventre da virgem, e viveu a
vida santa e obediente que essa concepção divina sugeria. Mas quando estava
para começar o Seu ministério público, Ele esperou que o Espírito, que já
habitava nEle, viesse sobre Si. Nós O vemos orando por essa unção: “sendo
batizado também Jesus, orando ele, o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu
sobre ele em forma corpórea, como uma pomba” (Lc 3.21,22 – RC). Será que Ele tinha alguma “promessa do
Pai” a que pudesse recorrer em oração, pedindo a unção do Espírito, como cremos
era o assunto da Sua oração naquele momento? Sim; o profeta escreveu a respeito
do tronco de Jessé: “Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o Espírito de
sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito
de conhecimento e de temor do SENHOR” (Is
11.2). Os comentaristas judeus dizem que é “o Espírito sétuplo”. Com
certeza isso se cumpriu no Filho de Deus no Jordão, quando Deus Lhe deu o
Espírito sem medida. Pois Aquele que estava agora sendo batizado Se tornaria
depois o batizador. “Aquele sobre quem vires descer e pousar o Espírito, esse é
o que batiza com o Espírito Santo” (Jo
1.33). “Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem
depois de mim é mais poderoso do que eu, ... Ele vos batizará com o Espírito
Santo e com fogo” (Mt 3.11).
E agora, exaltado à destra de Deus, e tendo “os sete Espíritos de Deus” (Ap 3.1), a plenitude do
Espírito Santo, Ele derramará o Seu poder sobre aqueles que orarem por isso,
assim como o Pai o derramou sobre Seu Filho.
Vejamos, agora, os
símbolos e representações do revestimento do Espírito, aplicados igualmente a
Cristo e aos Seus discípulos.
1. O
selo do Espírito. Ouvimos Jesus dizer à multidão que O procurou por
causa dos pães e dos peixes: “Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela
que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu
selo” (Jo 6.27). Esse
selo evidentemente nos reporta ao recebimento do Espírito ocorrido no Jordão.
Uma das maiores autoridades em rituais e adoração judaica nos informa que era
costume o sacerdote designado para esse serviço, uma vez selecionado um
cordeiro de entre o rebanho, inspecioná-lo minuciosamente, para ver se era sem
nenhum defeito físico, para daí por sobre ele o selo do templo, com isso
assegurando que estava apto para ser sacrificado e servir de alimento. Eis o
Cordeiro de Deus apresentando-Se no Jordão para ser inspecionado! Sob o
onisciente olhar examinador do Pai, constata-se que Ele é “um cordeiro sem
defeito e sem mancha”. Dos céus que se abrem, Deus dá testemunho desse fato com
estas palavras: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo”, e então coloca
sobre Ele o Espírito Santo, o testemunho da Sua filiação, o selo da Sua
separação para o sacrifício e o serviço.
O discípulo é igual ao
seu Senhor, nessa experiência. “...em quem também vós, ... tendo nele também
crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa” (Ef 1.13). Como sempre aparece nas afirmações das
Escrituras, esse acontecimento decorre em consequência da fé. Não é a
conversão, mas é algo feito à alma já convertida, uma espécie de coroa da
consagração, posta sobre a sua fé. Na verdade, os dois acontecimentos são
apresentados em marcante contraste. Na conversão, o crente recebe o testemunho
de Deus e “certifica que Deus é verdadeiro” (Jo 3.33). Na consagração, Deus põe o Seu selo sobre o
crente, certificando que ele, o crente, é verdadeiro. Esse último é o “Amém” de
Deus para com o cristão, confirmando o “Amém” do cristão para com Deus. “Mas
aquele que nos confirma convosco em Cristo e nos ungiu é Deus, que também nos selou e nos deu o penhor
do Espírito em nosso coração” (2 Co
1.21,22).
Se procurarmos saber
para o que fomos comissionados e separados por meio dessa operação divina,
talvez possamos descobri-lo ao examinar o moto da igreja, se assim pudermos
chamar a misteriosa passagem que encontramos em uma das epístolas pastorais. A
despeito da deserção e da incredulidade de algumas pessoas, o apóstolo diz
assim: “Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo”.
Depois ele diz quais são as duas inscrições no selo: “O Senhor conhece os que
lhe pertencem”, e “Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do
Senhor” (2 Tm 2.19). Domínio
e santidade. Quando recebemos o dom do Espírito Santo, é para que, daí em
diante, nos consideremos totalmente de Cristo. Se alguém evitar essa
consagração, como pode possuir a plenitude do Espírito? Deus não pode colocar a
Sua assinatura naquilo que não é dEle. Assim, se nos recusarmos a Deus,
influenciados por um espírito mundano, insistindo em ser donos de nós mesmos,
não devemos estranhar se Deus Se recusar a nós, negando-nos o selo do Seu
domínio. Deus é muito zeloso por Seu selo. Ele graciosamente o aplica naqueles
que estão dispostos a dedicar-se completa e irrevogavelmente ao Seu serviço,
mas Ele firmemente o retém daqueles que, embora confessem o Seu nome, “servem
às paixões e aos prazeres”. Há uma sugestiva passagem no Evangelho de João que
salienta o que estamos explicando: “muitos, vendo os sinais que ele fazia,
creram no seu nome; mas o próprio Jesus não se confiava a eles” (Jo 2.23,24). Aqui está a grande
essência para recebermos o selo do Espírito. Será que Cristo pode confiar em
nós? Não; a questão é mais séria que isso. Será que Ele pode confiar a Si mesmo
a nós? Será que o Espírito Santo, que é o Seu anel com sinete, pode ser
confiado a nós para selar nossas orações e nos certificar como autênticos, sem
comprometermos a Sua honra?
A outra inscrição no
selo é: “Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor”[5]. O
fato de possuirmos o Espírito Santo nos compromete irrevogavelmente com a
separação do pecado. Pois o que é a santidade senão a revelação do Espírito de
santidade que habita em nós? Uma vida santificada é, por isso, a forma
impressa do Seu selo: “Ele jamais pode ser nosso dono sem a Sua marca, o selo
da santidade. O caráter do diabo não é, de forma alguma, um sinal de Deus.
Nosso relacionamento com Ele é meramente aparente, a não ser que nossas ações
sejam dignas de tão nobre nascimento e tragam honra a esse maravilhoso Pai”. A
grande função do Espírito na presente economia é comunicar Cristo à Sua igreja,
que é o Seu corpo. E o que é mais essencial a Cristo do que a santidade? “...
nele não existe pecado. Todo aquele que permanece nele não vive pecando.” O
corpo só pode se manter sem pecado por meio de comunhão ininterrupta com a
Cabeça; a Cabeça não mantém comunhão com o corpo, a não ser que este seja santo.
A ideia de domínio,
que acabamos de considerar, aparece nas palavras do apóstolo: “E não
entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção”
(Ef 4.30). O dia da redenção
ocorrerá na vinda de nosso Senhor em glória, quando Ele ressuscitará os mortos
e arrebatará os vivos. Agora os que Lhe pertencem estão no mundo, mas o mundo
não os conhece. Mas Ele colocou sobre eles a Sua marca, o Seu sinal, por meio
do qual Ele os reconhecerá na Sua vinda. Naquela grande vivificação, na vinda
do Redentor, o Espírito Santo será o selo por meio do qual os santos serão
reconhecidos, e o poder por meio do qual eles serão conduzidos a Deus. “Se
habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos” (Rm 8.11) é a grande condição
para a vivificação final. Da mesma forma que o ímã atrai as partículas de
ferro, fazendo-as grudar nele quando lhes transmite o seu magnetismo, assim
também Cristo, depois de ter dado o Espírito aos Seus, os atrairá por meio do
Espírito. Não estamos agora discutindo se todos os que têm a vida eterna
habitando em si haverão de participar da redenção do corpo; estamos meramente
considerando a exortação apostólica de não entristecer o Espírito. Temos de
cuidar para não desfigurar o selo com que fomos selados, para não deformar nem
tornar incerta a assinatura pela qual haveremos de ser reconhecidos no dia da
redenção[6].
Em resumo, o selo é o próprio Espírito
Santo, que é recebido pela fé e repousa sobre o crente, produzindo segurança,
alegria, capacitando-o para o serviço, coisas essas que sempre seguem a Sua
influência sobre a alma que Lhe dá plena liberdade de ação. O Dr. John Owen, que
escreveu exaustivamente e com muito discernimento sobre esse assunto, mais do
que qualquer outro que conhecemos, resume tudo da seguinte forma: “Se pudermos
compreender corretamente como Cristo foi selado, poderemos também aprender como
nós somos selados. O Pai selou Cristo quando Lhe concedeu a plenitude do
Espírito Santo, dando-Lhe autoridade e divino poder para todas as obras e
responsabilidades do Seu ofício, de forma que ficasse evidente tanto a presença
de Deus com Ele, como a aprovação de Deus para com Ele. A forma com que Deus
sela os crentes, então, é conceder graciosamente o Espírito Santo sobre eles,
de forma a operar neles o Seu divino poder para capacitá-los para todas as
responsabilidades do seu santo chamado, mostrando, tanto para eles mesmos como
para os outros, que foram aceitos diante dEle, e afirmando a sua preservação
para a vida eterna”[7].
[2] Algumas pessoas supõem que, pelo fato de
aqueles que andaram com Cristo no passado terem recebido o batismo com o
Espírito Santo e com fogo no dia de Pentecostes, mais de mil e oitocentos anos
atrás, todos os crentes agora já receberam essa bênção. Se fosse assim, os
apóstolos, quando inicialmente foram chamados, bem poderiam ter concluído que,
pelo fato de o Espírito ter pousado sobre Cristo por ocasião do Seu batismo,
eles também igualmente já possuíam a mesma bênção. Sem dúvida nenhuma, o
Espírito foi dado e a obra de Cristo foi executada por todos; mas para tomar
posse, ser iluminado e feito participante do Espírito Santo é necessário
pedi-lo pessoalmente ao Senhor. — Andrew
Jukes, “The New Man” (O novo homem).
[3] William
Kelly, “Lectures on the New Testament Doctrine of the Holy Spirit”
(Palestras sobre a doutrina do Espírito Santo no Novo Testamento), pág. 161.
[4] Algumas pessoas têm incorrido num grande
erro, supor que os resultados do dia de Pentecostes eram principalmente
miraculosos e temporários. O efeito de uma visão dessas é desconsiderar o poder
espiritual; e é muito necessário que se mantenha sempre a certeza de que uma
bênção espiritual ampla, profunda e perpétua na igreja é o que, acima de tudo
mais, foi assegurada pela descida do Espírito Santo, depois que Cristo foi
glorificado. — Dr. J. Elder Cumming,
“Through the Eternal Spirit” (Pelo Espírito Eterno).
[5] Note que a inscrição no selo é, de forma
significativa, a mesma que estava na testa do Sumo Sacerdote: hwhyl sdq ou seja, SANTIDADE AO SENHOR (Êx 39.30).
[6] O uso do selo como garantia de compra era
especialmente compreensível aos efésios, uma vez que Éfeso era cidade marítima
onde se dava intenso comércio de madeira, bastante frequentada por navios dos
portos vizinhos. A compra se processava da seguinte forma: O mercador, depois
de selecionar a madeira que lhe interessava, marcava-a com seu próprio selo, o
qual lhe dava direito de propriedade. Muitas vezes, ele não levava consigo na
mesma hora a madeira comprada; ela permanecia ali no porto, na água, juntamente
com outros carregamentos de madeira. Mas ela tinha sido escolhida, comprada e
selada. No tempo apropriado, o mercador enviava alguém da sua confiança,
juntamente com o selo, pessoa essa que procurava e reivindicava a madeira
selada, e a levava para o uso do seu senhor. É assim que o Espírito Santo
imprime agora na alma a imagem de Jesus Cristo; e esse é o verdadeiro penhor
(garantia) da eterna herança. — E. H.
Bickersteth, “The Spirit of Life” (O Espírito da vida), pág. 176.
[7] John
Owen, D.D., “Discourse Concerning the Spirit” (Palestra sobre o Espírito
Santo), págs. 406,407.
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