domingo, 4 de março de 2012

UMA SÓ FÉ

Por: D.M Lloyd Jones


“Um só Senhor, (uma só fé), um só batismo."

Ef 4:5

Chegamos agora à subseqüente expressão da definição da unidade da Igreja, dada pelo apóstolo - “uma só fé”. E esta fé única está em conexão com “um só Senhor”. Ele não coloca “uma só fé” com a obra do Espírito ou com o Pai, mas com o Senhor.

Há os que acham que esta fé única se refere à nossa fé subjetiva, àquela qualidade em nós, àquela capacidade em nós que nos habilita a crer. Parece-me que esta é uma impossível explica­ção desta declaração, e por esta boa razão que, num sentido, ela já está coberta pela expressão “um só Senhor”. Mas há uma objeção ainda mais séria. O apóstolo está se esforçando para dar provas absolutas da unidade dos crentes, de modo que, sempre que formos assaltados por dúvidas, possamos ter certeza que nos mantenha firmes. Pois bem, sempre que queiramos demonstrar ou provar algo, jamais devemos apelar para o que é subjetivo, porque o subjetivo é pessoal e não se pode definir. Todavia, o apóstolo nos está dando provas objetivas, algo que está fora de nós e que podemos aplicar a nós, e pelas quais, portanto, podemos testar-nos a nós mesmos. Assim, eu argumento que “uma só fé” não pode ser considerada subjetivamente, pois fazer isso a retira da categoria de um teste objetivo. Tudo o que temos considerado até aqui é estritamente objetivo.

Há os que dizem que essa fé objetiva a que se refere Paulo é uma completa confissão ou um compêndio da fé. Aos olhos desses mestres, “uma só fé” significa que os cristãos adotam e subscrevem uma das grandes confissões de fé, como a de Westminster, ou os Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, ou o Catecismo de Heidelberg. Fé aqui, dizem eles, significa um esboço completo do que cremos, um comple­to compêndio de teologia. Mais uma vez, esta não me parece uma possível explicação de “uma só fé”.

Parece-me, pois, que não devemos tomar a expressão “uma só fé” no sentido de acordo em detalhe acerca de todas as coisas, acordo quanto a um completo compêndio de teologia ou doutrina. O apóstolo utiliza a expressão “uma só fé” como um argumento em prol da unidade, e diz que todos eles sabem o que é essa fé. Para ele é um teste objetivo que pode ser aplicado, é algo tão definido como “um só Senhor”, “um só Espírito” e “um só Deus”, e todas as outras afirma­ções. “Uma só fé” é claramente algo que podemos e devemos definir, e sobre o que devemos dizer que todos os cristãos devem estar de acordo. Que é que isto significa?

Minha opinião é que, embora não seja um completo sistema de teologia, é algo que com muita freqüência é tratado no Novo Testa­mento, algo sobre o que devemos ter claro entendimento. O que defendo é que se refere à própria essência do evangelho, àquilo que os apóstolos foram especificamente chamados para pregar, em sua obra de evangelização. É de fato a grande mensagem do evangelho concernente à salvação ou justificação somente pela fé. Opino que é a única exposição possível e satisfatória da expressão “uma só fé” é dizer que o apóstolo está se referindo à fé justificadora; e que esta não é somente uma fé, mas também a única fé.

É costume referir-se a Paulo como o grande apóstolo da fé, e ele o é. Esta era a mensagem confiada a ele, e que ele expunha igualmente aos judeus e aos gentios. Veja na Epístola aos Romanos 1:16-17:

Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê... Porque nele (no evange­lho) se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: mas o justo viverá da fé

Essa é a mensagem, e essa, eu sugiro, é a “uma só fé” a que se refere em Efésios 4:5. Na verdade, os que estão familiarizados com a Epístola aos Romanos sabem que os quatro primeiros capítulos dessa Epístola são inteiramente dedicados a esta grande mensagem da justificação - ou salvação, ou justiça - pela fé. Esta, diz ele, é a nova mensagem. Ele vai adiante e faz uma exposição vigorosa deste princípio, desta doutrina da justificação unicamente pela fé. Isso é “uma só fé”.

A Epístola aos Gálatas é exclusivamente dedicada ao mesmo tema. Essa Epístola foi necessária porque certas pessoas tinham descido de Jerusalém e estiveram pertubando a vida das igrejas da Galácia, dizendo que o apóstolo Paulo estava certo em pregar a doutrina da justificação pela fé, porém estava errado quando falava em justificação pela fé somente. Eles diziam aos gálatas que, num sentido, eles eram cristãos, mas que, se desejavam ser cristãos verdadeiros, eles, como gentios, deviam sujeitar-se à circuncisão. O apóstolo escreve a sua Epístola para mostrar que, se alguém faz tal acréscimo à fé, “caiu da graça” e “tem outro evangelho, que não é evangelho”. De fato ele lhes diz que tivera até que corrigir o apóstolo Pedro sobre essa questão. Paulo declara que teve que “resistir-lhe na cara” (a Pedro) em Antioquia, e o levara a ver de novo que o princípio da fé é o centro e a glória do evangelho cristão - “uma só fé”.

Mas talvez a exposição mais clara dessa verdade seja a que se acha no décimo capítulo da Epístola aos Romanos 10:8, veja:

“Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que pregamos

Esta expressão, “a palavra da fé”, refere-se ao que ele já dissera no versículo 6. A afirmação é acentuada pelo contraste com o que diz a Lei. Veja ainda Rm 10:9:

“Porém que se diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé que pregamos”.

“A palavra da fé” é a palavra da “justificação pela fé”. É a palavra acerca da fé como o princípio justificador, a palavra da fé no sentido de que “O justo viverá da fé”(VA e Almeida, Atualizada, O justo viverá por fé”).

Devemos agora ir adiante e ampliar a definição e a descrição desta “uma só fé”. É muito importante que o façamos, pois esta é a única fé. Esta é a “” que revelada de novo e restaurada na Reforma Protestante. Esta foi a “” pregada pelos pais protestantes; esta é a “” pela qual eles morreram alegremente na fogueira. Foi esta a grande mensagem de Lutero, a justificação unicamente pela fé - “sola fide”. Essa é “a palavra da fé”; não fé em geral, porém esta mensagem peculiar, específica, sobre o método da justificação. Esta é a “uma só fé”. Repito que não estamos tratando de um compêndio da fé. Não estou afirmando que, se você não subscrever cada detalhe desse tipo de confissão de fé, você não é cristão. Essa é a maneira de produzir divisões. Estou interessado somente na “uma só fé”, que é o que importa. É concernente à justiça que vem de Deus. Não é algo feito pelos homens, e sim o que Deus fez. Esta é a mensagem; e isto é cristianismo. No quarto capítulo da Epístola aos Romanos (versículo 5) ele faz uma das mais espantosas afirmações por ele feitas:

“Mas aquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada como justiça

O fato de que “Deus justifica o ímpio” prova, sem sombra de dúvida, que se trata de um ato de Deus. Este é o meio pelo qual Deus faz qualquer de nós justo e aceitável aos Seus santos olhos. É o meio pelo qual nos tornamos retos para com Deus e reconciliados com Deus, e ficamos sabendo que Deus é o nosso Pai. Ele nos declara justos, Ele proclama que somos justos. E o faz em Cristo.

A analogia freqüentemente usada é esta: um prisioneiro no banco dos réus, e o juiz sentado à mesa do tribunal. Há o conselho de denúncia, a lei de Deus, apoiada pela própria consciência do homem. O prisioneiro não guardou a lei. Essa é a comunicação, a causa contra ele. E o Juiz declara que considera o crimino­so, o réu, livre da acusação que fora proferida contra ele. Ele o proclama justo aos seus olhos, afirma que não tem nada contra ele e o absolve da culpa e da vergonha. Ele diz: declaro você justo, e o considero como se você nunca tivesse sido culpado. A justificação é uma ação de Deus, uma ação legal, uma ação forense. Absolutamente independente de nós.

No entanto, como Deus faz isso? Façamos de fato a pergunta que Paulo faz em Romanos, capítulo 3, versículos 25 e 26: como Deus pode fazer isso? Pois Deus é santo, justo, reto e puro. Veja Tiago 1:17: Ele é o:

“Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sobra de variação

Deus deixou claro que, por causa do Seu caráter, do Seu ser, da Sua santidade, da Sua retidão, justiça e eqüidade, o pecado tem que ser punido. Portanto, como é que Deus pode justificar o ímpio? Como é que Ele pode fazer esse pronunciamento com relação a algum pecador? A grande resposta é dada numa passagem maravilhosa da Epístola aos Romanos 3:21 a 31.

“Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus... justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo...”

Deus “propôs Cristo para propiciação pelos nossos pecados”. Quer dizer que Deus tomou os nossos pecados e os colocou sobre Cristo, e os puniu. Tratou deles em Seu próprio Filho na cruz do Monte Calvário. Esta é a “” que todos nós devemos ter e crer, a saber, que:

“Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados”

E mais:

“o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”.

Esse é o método de reconciliação, essa é a mensagem de reconciliação que nos foi transmitida. O próprio coração da mensagem cristã é que Deus tomou os nossos pecados e os imputou a Jesus Cristo. “Imputar” significa considerá-los, colocá-los na conta de alguém. É como se um homem rico fosse a uma loja ou armazém e dissesse: “Quero que mande as seguintes mercadorias a tal endereço, mas não lhes mande a conta; ponha na minha conta; impute isso a mim”. Deus tomou os nossos pecados e os imputou a Cristo, colocou-os na Sua conta e os puniu nEle. Deus feriu o Seu próprio Filho por causa dos nossos pecados. Cristo sofreu o nosso castigo. Veja 1 Pe 2:24:

“Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas pisaduras fostes sarados”

Mas Deus fez também algo mais; Ele pôs a justiça de Cristo em nossa conta. O Senhor Jesus Cristo nunca pecou; Ele obedeceu a Lei de Deus em todos os pormenores. O Pai ficou satisfeito com Ele; Ele nasceu cheio de retidão, guardou perfeitamente a Lei e agradou a Deus em tudo, prestando uma obediência perfeita. O que Deus faz é tomar a justiça de Cristo e pô-la em nossa conta. A nossa injustiça foi posta sobre Ele; a justiça dEle é posta sobre nós.

A palavra da fé que pregamos é que a nossa salvação é, toda ela, ação de Deus por meio deste único Senhor Jesus Cristo. É por isso que “uma só fésegue-se a “um só Senhor”. Não contribuímos com nada para tudo isso. Os nossos feitos, as nossa ações não desempenham parte alguma, a nossa bondade não entra, pois não é bondade aos olhos de Deus, é apenas como “esterco” e refugo aos olhos de Deus. A nossa busca não ajuda, a nossa capacidade não ajuda, nada em nós ajuda, em absoluto. É tudo de Deus, é tudo de graça, é tudo feito por Deus, do princípio ao fim. Deus enviou Cristo, pelo Espírito, para tirar-nos os trapos e vestir-nos com o manto da perfeita justiça de Cristo. Deus agora olha para nós e vê, não os nossos pecados, porém a justiça de Cristo. Ele nos vê “em Cristo”. O nosso nascimento natural não faz nenhuma diferença, a nossa nacionalidade não entra nisso. O grau do arrependimento que experimentamos não importa. Se fizermos do nosso arrependimento um ato meritório, estaremos negando a fé. O que somos, ou o que fizemos ou não fizemos, não conta; nada em nós conta; a nossa justiça está toda em Cristo, e pela fé, somente pela fé. O apóstolo já nos dissera em Ef 2:8:

“Pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus”.

Esta justiça de Cristo nos é dada, e passa a ser nossa, mediante a instrumentalidade da fé, que também é dom de Deus. Dessa maneira fica mais claro que o apóstolo menciona “uma só fé”. Neste ponto em particular ele está interessado no princípio essencial da unidade, e isto nos ajuda a ver esta unidade.

Na verdade diz o apóstolo que este sempre foi o único meio de salvação. Ele mostra, em Romanos, como Abraão foi justificado aos olhos de Deus, e isso pela fé, não por suas obras. Ele prossegue e mostra que Davi tinha ensinado a mesma verdade, dizendo: Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não imputa maldade” (Salmo 32:2). A imputação foi também o método de Deus na antiga dispensação. O décimo primeiro capítulo da Epístola aos Hebreus ensina que isto vai mais longe, no passado, chegando a Abel, Enoque e Noé. Sempre foi este o método de Deus. É errado pensar que havia um meio de salvação no Velho Testamento, e agora outro, no Novo. Não! Deus sempre justificou os homens pela fé. Abraão foi declarado justo por Deus, mediante a fé. É “uma só fé”; esta foi sempre a única fé.

Não importa se somos bárbaros, citas, homens ou mulheres, escravos ou livres. Todos viemos pelo mesmo caminho, e este é sempre o caminho da fé. Somos todos culpados perante Deus: “Não há um justo, nem um sequer”, “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Devemos esquecer judeu e gentio e todas as outras distinções. Há somente um caminho da salvação, o caminho da fé. Se havermos de ser cristãos, temos que tornar-nos cristãos do mesmo modo. Se você foi “bom” ou “mal” em sua vida passada, não importa. Se você foi criado num lar religioso e sempre foi à igreja, ou se a sua criação e a sua vida passada foi ímpia, é igualmente irrelevante. Tudo está em Cristo, não há nada em nós. É isto que nos faz todos um.

Vejam, diz o apóstolo, que não quebrem a unidade, vejam que a preservem. Há, infelizmente, muitas maneiras pelas quais podemos romper a unidade com relação a esta fé. Uma delas é introduzir algo nosso. A nossa “vida virtuosa” e as nossas “boas obras”, estaremos dizendo que somos melhores do que os outros (ver Lc 18:10-14). Começamos a gabar-nos do que estamos fazendo ou do que somos, com isso, desacreditando a fé e causando divisão. Qualquer jactância acerca das nossas boas obras, das nossas vidas, da nossa piedade, e até da nossa , é negação do princípio de fé. Estamos divididos em nossos conceitos sobre profecia, em nossas idéias concernentes ao batismo, e sobre muitas outras coisas. Se nos jactarmos do nosso entendimento e nos orgulharmos dele, e desprezarmos o homem que sabe menos, estaremos rompendo a unidade e violando o princípio de fé. Você sabe que não pode apoiar-se em nada que haja em você; que não há nada em você que conte, que tudo está em Cristo; Você está se apoiando em seus antecedentes? No fato de que os seus pais podem ter sido cristãos, e que você foi sempre educado num lar piedoso e numa atmosfera piedosa; que você sempre freqüentou igreja, que você não cometeu adultério ou assassínio ou quaisquer pecados grosseiros, que você sempre procura fazer o bem? Se a sua resposta for positiva, você está fora da “uma só fé”, e está fora de Cristo. Isaías dia que toda a sua justiça não passa de: (64:6).

trapo da imundícia

A mensagem da salvação é sobre “a justiça de Deus pela fé”, “de fé em fé”, “O justo viverá pela fé”. A “uma só fé” é a fé que reconhece esta verdade, dá graças a Deus por ela, regozija-se nela. É a fé que, com o apóstolo Paulo, diz: “Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gálatas 6:14).

Conceda-nos Deus que todos nós tenhamos a “uma só fé”. A “uma só fé”, a fé justificadora. Isso, e somente isso, é essencial.

“Nada trago nas mãos, só me apego à Tua cruz”

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