Por: D. M. Lloyd Jones
“Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos”
Ef 4:6
Estas palavras completam a grande declaração do apóstolo iniciada no versículo 4: “um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos”. É também o clímax do apelo de Paulo aos cristãos efésios para “se esforçarem para guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Como vimos, ele lhes dá estas sete razões para fazê-lo, e as divide em três grupos principais. As três primeiras centralizam-se no Espírito Santo; as três seguintes no Filho; e agora chega ao - “um só Deus e Pai de todos”.
Vemos outro exemplo disto no capítulo onze da Epístola aos Romanos. Veja Rm 11:36:
“Porque dele (Deus), e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!”
O apóstolo não pára no Espírito ou no Filho, como tantos cristãos são tentados a fazer; ele sempre prossegue indo ao Pai. Ele coloca estas verdades numa ordem experimental. Como membros da Igreja, naturalmente pensamos primeiro na obra do Espírito Santo. Mas o Espírito Santo leva-nos ao Filho, pois Ele foi enviado para glorificar o Filho. E o principal desejo e propósito do Filho era glorificar o Pai.
Há uma escola popular de teologia que dá ênfase ao aspecto cristocêntrico da salvação. Num sentido é correto fazê-lo; todavia nunca devemos parar no Filho. Veja 1 Pe 3:18:
“Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus”
O apóstolo está interessado em mostrar que tudo que se relaciona com a nossa salvação sugere o elemento de unidade; e em nenhuma outra parte se vê isso mais claramente do que na doutrina das Pessoas da bendita e santa Trindade. Cada Pessoa da Trindade está interessada em nós e em nossa salvação; cada Uma delas trata de um aspecto particular dessa obra, e cada Uma delas coopera com as Outras. O apóstolo está incentivando os crentes efésios a se lembrarem disto sempre. Vejo cada vez mais que a maioria das dificuldades da vida cristã deve-se ao fato de que somos demasiado subjetivos e passamos muito tempo examinando-nos a nós mesmos e tomando o nosso pulso espiritual, por assim dizer. A cura para muitas doenças e enfermidades da alma está em dar atenção à grande verdade objetiva, à glória da nossa redenção e salvação. Se tão-somente nos déssemos conta de que as três benditas Pessoas de Trindade santa estão íntima e ativamente interessadas em nós e em nossa salvação, toda a nossa situação mudaria completamente. O ensino bíblico concernente à salvação é que, antes mesmo do tempo, num eterno conselho do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a nossa salvação foi planejada e projetada; e na plenitude do tempo ela foi posta em ação. Como membros da Igreja, estamos em relação (relacionamento) com o Espírito e o Filho e o Pai. E esta relação toma inevitável a questão da unidade.
E agora chegamos à verdade particular concernente a “um só Deus e Pai de todos”. Estamos constantemente em perigo de esquecer que a Igreja é, depois de tudo, “a igreja de Deus”. Há um sentido em que a Igreja é a Igreja de Cristo, porém a expressão empregada na Bíblia é “a igreja de Deus”. Veja 1 Co 1:2:
“à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus...”
Veja também 2 Co 1:1:
“Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, e o irmão Timóteo, à igreja de Deus que está em Corinto...”
Como será que isto nos ajuda a entender este princípio de unidade? A primeira expressão é, “um só Deus”. Isto quer dizer que, como cristãos, constatamos que existe somente um Deus. O mundo pagão ao qual os cristãos efésios tinham pertencido anteriormente não cria nesta verdade. Como o apóstolo lembra aos Coríntios 8:4:
“todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos;”
Aqui também, no interesse da unidade, o apóstolo está apresentando o argumento do “um só Deus”. A crença numa multiplicidade de deuses sempre leva à divisão. Este adora a Júpiter, aquele a Mercúrio, outro adora ao deus Marte ou a algum outro Deus. Como Paulo viu em Atenas. Paulo ensinava em toda parte, era resultado da obra do diabo; pois há unicamente “um Deus”. E, uma vez que há somente um Deus, tem que haver unidade essencial entre os que crêem nEle. O apóstolo não está só ensinando que há somente um Deus, mas também está acentuando o fato de que Deus é um só. Este é um grande mistério, porém é a essência da doutrina da Trindade. Não cremos que existem três deuses; há um só “Deus em três Pessoas, a bendita Trindade”. Isto explica por que alguns dos judeus a princípio achavam difícil crer no Senhor Jesus Cristo, que Se dizia um com o Pai. Veja Jo 10:30:
“Eu e o Pai somos um.”
Não tentem entender isto; ninguém pode entender este mistério último. Contudo é a verdade que encontramos nas Escrituras. Deus é Um - há uma só Deidade. Todavia há três Pessoas na Deidade. Isto não implica três deuses, não triteísmo, e sim monoteísmo - três Pessoas na Deidade Eterna e Una. Reconhecemos o Espírito; reconhecemos o Filho; reconhecemos o Pai; não obstante, dizemos que os três são um só Deus. Lemos que o Espírito está em nós, que Cristo está em nós, que Deus está em nós. Lemos que o Espírito fez certas coisas, lemos noutras partes que Cristo fez as mesmas coisas, e ainda que o Pai fez as mesmas coisas. Essa é apenas uma maneira de salientar esta verdade, que os Três são Um na Deidade eterna - “Deus em três Pessoas, a bendita Trindade”. É Trindade em Unidade, é Triunidade. Isso de novo reforça e acentua o princípio de unidade na Igreja. Assim como as três benditas Pessoas são um só Deus, também nós, que adoramos e pertencemos a Deus, somos igual e necessariamente um só. Portanto, devemos lembrar-nos de “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”.
Pode-se deduzir disto certas conclusões práticas. O fim e objetivo da salvação é “trazer-nos a Deus”. O objetivo da salvação não é levar- nos ao Senhor Jesus Cristo. O Senhor Jesus Cristo veio a este mundo e fez tudo que fez para “trazer-nos a Deus”, a Deus o Pai. Vimos a Deus por meio do Senhor Jesus Cristo; mas a finalidade de tudo é “trazer-nos a Deus”. Assim como o pecado é aquilo que nos separa de Deus, a salvação é aquilo que nos traz de volta a Deus. O grande fim e objetivo da salvação não é somente que sejamos felizes e tenhamos certas experiências e certos benefícios. Ela faz isso, é certo, mas se eu não compreender que o principal fim da minha salvação é reconciliar-me com Deus, trazer-me a Deus e habilitar-me a comparecer na presença de Deus, não a terei entendido verdadeiramente. Veja 1 Pedro 3:18:
“Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados... para conduzir-vos a Deus;”
Sendo este o grande fim e objetivo da salvação, todos nós, que somos cristãos, devemos, portanto e evidentemente, vir juntos ao mesmo Deus; e se viermos ao mesmo Deus, não poderá haver divisões. A fé e doutrina cristã começa com Deus, e tudo leva a Deus - “um só Deus”. Todos nós temos um e o mesmo objeto de culto. Veja Ef 2 :18:
“porque, por ele, (Cristo) ambos (judeu e gentio) temos acesso ao Pai em um Espírito.”
O judeu era anteriormente um adorador de Deus, enquanto que o gentio era um adorador de uma das divindades pagãs; mas agora tudo isso passou e tanto o judeu como o gentio têm “acesso ao Pai em um mesmo Espírito” (ou “por um mesmo Espírito”). Se compreendêssemos isto, a unidade seria totalmente inevitável. Paulo nos lembra que todos nós estamos adorando este único Deus, e quando nos apercebemos da presença de Deus, todas as distinções e cismas se desvanecerão e desaparecerão imediatamente. Na presença da glória de Deus, tudo mais empalidece, reduzindo-se à insignificância, e “nos absorvemos em encanto, amor e louvor”. Um só Deus! Nós O adoramos, ao Deus único, e o fazemos todos juntos. Não há necessidade de argumentar acerca da unidade; a percepção da presença de Deus cria unidade. Além disso, podemos e devemos lembrar-nos de que todos nós estamos indo a este único Deus, ao mesmo Deus. Todos vamos encontrar e ver o mesmo Deus. “Bem-aventurado os limpos de coração, porque eles verão a Deus.” Estamos indo para o mesmo lar eterno.
Contudo, o apóstolo não nos deixa nisso; diz ele: “Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos”. Quando ele diz, “Um só Deus e Pai de todos”, não quer dizer todas as coisas - a criação, o universo, o cosmos e tudo o que ele contém - mas todas as pessoas. Há os que se dispõe a dizer que, Deus é o Pai de todos, afirmam eles, e nós, como cristãos, não devemos restringir a paternidade de Deus unicamente a nós. O apóstolo está escrevendo acerca da Igreja; não está escrevendo acerca do mundo. Está escrevendo aos que pertencem a um “corpo”, aos que estão “em Cristo”; está escrevendo a cristãos, aos quais exorta a se esforçarem para “guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Ele não está pensando no mundo em geral, porém nos que foram recolhidos do mundo e incorporados no corpo de Cristo, e que são membros do Seu corpo místico. O termo “todos” cobre todos os cristãos, e ninguém mais. Não só isso, pois a última frase aí, “e em todos”, basta para firmar a questão uma vez por todas. Deus está somente “no” crente, “no” cristão. Contudo, podemos ir adiante e dar uma conclusiva prova afinal. O versículo seguinte - o verso 7 - estabelece a nossa argumentação além de toda e qualquer dúvida, no sentido de que o apóstolo está falando acerca da Igreja - “Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo” - e ele passa a tratar da distribuição de dons e trabalhos dentro do corpo, da Igreja. Assim, desde o início ele está limitando a sua atenção à Igreja, ao povo cristão, e não está dizendo coisa alguma sobre os de fora. Deus é o criador de todos, e nesse aspecto há uma espécie de paternidade geral; mas a paternidade de Deus, como exposta aqui, limita-se aos que estão em Cristo e na Igreja. Devemos crer na paternidade de Deus, no caso de todos os que pertencem a Cristo. Veja Ef 1:3:
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo...”
Toda a sua argumentação é que, mediante Cristo, Deus Se tornou nosso Pai também. Veja ainda Ef 3:15,16:
“Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o nome toda família...”
Se tão-somente víssemos e entendêssemos pelo Espírito que somos filhos de Deus, isto revolucionaria todo o nosso modo de pensar e de viver. É isso que realmente significa ser cristão. O cristão é alguém que nasceu de novo, nasceu do Espírito, nasceu de Deus. Este princípio da vida divina e eterna foi posto nele; portanto, ele é o filho de Deus. Deus é seu Pai. Veja Jo 20 17:
“Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai, mas vai ter com os meus irmãos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus.”
Como cristão, somos todos filhos de Deus, filhos do mesmo Pai, pertencentes à mesma família. Pertencemos à família da qual Paulo nos lembrara no fim do capítulo dois, onde ele diz: “Já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus”. Fomos adotados na família de Deus, e Ele enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho, que clama: “Aba, Pai” (Gl 4:6). Se retomássemos a estas centralidades, se tão-somente nos déssemos conta do sentido, desta particular declaração de que Deus é nosso Pai, de que pertencemos à Sua família, e de que Ele cuida de nós como Seus filhos queridos e bem-amados, toda a nossa perspectiva mudaria e a unidade se seguiria inevitavelmente, como a noite segue-se ao dia.
O apóstolo não deixa isto como uma declaração geral; vai adiante, às particularidades, acrescentando: “O qual é sobre todos, e por todos, e em todos”. Este acréscimo não é mero floreio retórico nem vão acúmulo de palavras. Se eles captassem isto, solucionaria os seus problemas e os ajudaria a guardar “a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Significa que Deus está acima de todos. É uma referência à supremacia de Deus o Pai, à posição exaltada do Pai, ao fato de que, na “governo” da Trindade, Deus o Pai é supremo. Na obra de salvação o Filho subordinou-Se ao Pai, embora sendo co-igual e co-eterno com Ele; e o Espírito subordinou-Se ao Filho e ao Pai. O Pai está “acima de todos”; a Ele pertence a supremacia final. Ele está pensando em termos da Igreja. E quando ele diz que Deus, o único Pai, é sobre todos, está querendo dizer sobre todos na Igreja e para a Igreja dos redimidos. A Igreja é o Seu grande propósito e desígnio. O Pai concebeu a Igreja, planejou-a, projetou-a. “Segundo o beneplácito de sua vontade” - a vontade de Deus. O apóstolo já estivera dizendo e expondo isto no primeiro capítulo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” (versículo 3). Aí é onde ele começa, e aí é onde nós devemos começar em nosso pensamento.
O grande e eterno Deus, em Sua glória, infinidade e inefabilidade, “propusera em si mesmo” cuidar de mim e de vocês e redimir-nos, tirar-nos do domínio do pecado, de satanás e do inferno, colocar-nos “no corpo de Cristo5' e adotar-nos para a Sua família. O próprio Deus o Pai o fez. “Segundo o seu benefício, que propusera em si mesmo”. É neste sentido que Deus o Pai está "sobre todos” ou “acima de todos”. O propósito é exposto claramente em Ef 1:10:
“De tornar a congregar em Cristo todas as coisas...”
Dessas coisas o apóstolo nos está lembrando aqui, no capítulo 4, ao tratar da questão da unidade. Seu argumento é que há “um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos”, e, sendo sobre todos, o Seu plano e propósito é reunir, juntar em um só todas as coisas em Cristo. Não haverá necessidade de argumentar ou apelar acerca da unidade, se perceber que o propósito de Deus o Pai, o qual é sobre todos, é reunir, tornar a juntar em um só, aquilo que foi dividido e separado pelo pecado. A desunião e o cisma ser-nos-ão completamente impossíveis se nos regozijarmos nessa verdade; jamais deveríamos permitir-nos estar numa posição na qual causamos divisão.
Paulo diz, porém, em segundo lugar, que Deus não somente é “sobre todos”, mas também é “por todos”, ou “produz energia” em todos. Noutras palavras, Paulo está dizendo que Deus permeia toda a vida da Igreja e a sustenta. É a energia de Deus que trouxe à existência a Igreja, mantém em existência a Igreja e a manterá existindo até à consumação final. O seu desejo quanto a eles é que se apercebam da sobreexcelente grandeza do poder de Deus, “a energia da força do seu poder” (Ef 1:18-20), para com os todos os que crêem. Este é o poder que os havia tirado das trevas e da morte para a luz e a vida, quando eles estavam “mortos em ofensas e pecados”. Vê-se a energia de Deus na santificação, como em todas as partes da nossa salvação. Ele é “sobre todos”; Ele é “por todos”.
Finalmente, Ele é “em todos vós”. Significa nada menos que o fato de que Deus o Pai, como Deus o Filho e Deus o Espírito Santo, está em todos nós. A Igreja é habitação de Deus. Veja Jo 14:23:
“se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele, e faremos nele morada”
Ele habita nela, e, portanto, em nós. “Um só Deus e Pai, o qual é sobre todos, por todos, e em todos.” Você tem contemplado esta grande verdade? Você tem considerado o fato de que a Trindade esta interessados em sua redenção? Você entendeu que somente a percepção disso no faz um? “Senhor abre os nossos olhos...”
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