Por: D.M Lloyd Jones
“Um só Senhor, uma só fé, um só batismo.”
Ef 4:5
Chegamos agora à terceira afirmação deste segundo grupo de afirmações centralizadas no nosso Senhor - “um só batismo”. O apóstolo não o faz de maneira casual ou acidental. Ele selecionou as questões particulares para provar conclusivamente aos efésios a natureza da unidade da Igreja, a inevitabilidade dessa unidade e, portanto, a importância do seu esforço para a manterem. É a própria Pessoa de Cristo que recebe ênfase em “um só Senhor”, ao passo que “uma só fé” dá ênfase à fé concernente em particular à justificação, o meio pelo qual Deus torna o Seu povo justo e o declara justo.
A própria menção desta expressão, “um só batismo”, levanta uma dúvida na mente de muitos, quanto a como este “um só batismo” promove unidade, porque é um fato notório que toda a questão do batismo levou muitas vezes à discussão, à divisão e à separação. E, todavia, o apóstolo inclui “um só batismo” com o fim de mostrar a inevitabilidade da unidade. Daí, seja qual for a nossa interpretação da expressão, “um só batismo”, terá que mostrar a inevitabilidade da unidade. Assim, não estamos discutindo meramente o batismo em geral; precisamos discutir este “um só batismo” de tal modo que ilustre claramente, mais que nunca, a unidade particular que prevalece nos membros do corpo de Cristo.
Através dos séculos houve aqueles que ensinavam que este “um só batismo” obviamente se refere ao que eles gostavam de chamar “regeneração batismal”. O batismo, ensinam eles, é o instrumento da regeneração, de modo que quando alguém é batizado ele recebe, por esse ato, nova vida e é regenerado. Assim, em sua cerimônia ou ministração de batismo eles dizem daquele que batizaram: “Agora esta criança é regenerada”. Querem dizer que a criança foi regenerada por aquilo que lhe fizeram. Este ensino prevalece em vários segmentos da Igreja; não se limita aos católicos romanos. Os católicos romanos consideram o batismo como algo que opera por si e de si. Como resultado da oração do sacerdote, a água passa a conter graça, graça regeneradora, e, portanto, a criança nasce de novo. Outros que não vão tão longe assim acreditam que, de um modo ou outro, o ato do batismo toma regenerada a pessoa que é batizada.
Há outros que explicam essa expressão em termos do modo do batismo. Naturalmente isto significa “batismo de adultos por imersão na água”. Interpretá-la desse jeito obviamente tem causado divisão na Igreja. Não podemos, pois, aceitar a idéia de que é apenas uma referência ao modo do batismo, pois isso não mostra a inevitabilidade deste princípio de unidade.
Uma terceira interpretação fala de “um só batismo” como uma referência ao rito do batismo. Alegam que há o rito do batismo e, assim, o apóstolo estava simplesmente se referindo ao fato de que, quando as pessoas se tornavam cristãs, eram batizadas, e que essa era a sua iniciação no corpo visível da Igreja. Como veremos, há algo que se pode dizer em favor desta terceira idéia, mas temos que ser cuidadosos, porque sempre há o perigo de fazer do batismo algo essencial para a salvação. Mesmo que rejeitemos a doutrina da regeneração batismal, que evidentemente não é ensinada em parte alguma das Escrituras, há o perigo de fazermos do próprio rito um elemento essencial. Certamente não devemos fazer isso nunca. Não devemos dizer que o batismo, em qualquer forma ou modo, é vital e essencial para a salvação, e que um homem não pode ser salvo, a não ser que seja batizado. Tome-se o caso do ladrão moribundo na cruz, ao lado do nosso Senhor. Seguramente ninguém duvida da sua salvação, da sua conversão, da sua regeneração; todavia, ele não foi batizado. Tem havido outros que chegaram a ver a verdade em seus leitos de morte e nunca foram batizados. O batismo não é essencial para a salvação; assim é que não pode ser que o apóstolo estivesse dando ênfase ao rito em si.
Parece claro, portanto, que devemos rejeitar essas três sugestões. No lugar delas eu sustento que o apóstolo está se referindo àquilo que o batismo representa e significa. Vejam, por exemplo, o que aconteceu no dia de Pentecoste. Quando certas pessoas clamaram e disseram a Pedro: “que faremos, varões irmãos?” A resposta de Pedro foi:
“Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo”.
Isso era feito em obediência a uma ordem do Senhor. O Batismo e a Ceia do Senhor deviam ser observados; estas são as duas, e as únicas duas ordenanças que reconhecemos, porque são as únicas duas ensinadas nas Escrituras. No entanto, é muito importante compreender que estas são simplesmente representações externas de uma graça interna, invisível e espiritual. O significado é o elemento vital.
Portanto, estou preparado para argumentar que o único sentido concebível que esta expressão pode ter deve estar na esfera dessa representação espiritual que é significada pelo rito externo do batismo, seja qual for a forma ou maneira ou modo que você escolha ou empregue. Não é o modo do batismo que importa, é a realidade significada. Somente esta interpretação é coerente com o princípio da unidade acerca da qual o apóstolo está escrevendo. Quero mostrar que no batismo, seja que você batize uma criança ou um adulto, quer o faça por imersão quer por aspersão, esta unidade é possível - quer dizer, se a pessoa batizada se torna cristã. Estamos rejeitando completamente a opinião de que batizar uma criança faz dela uma cristã; e igualmente esse batismo não faz de um adulto um cristão. O ato do batismo não efetua nada por si mesmo; mas ele representa e significa algo, e é isto que exibe o elemento de unidade.
A primeira coisa a ser acentuada é que o batismo é em um nome somente, em nome do Senhor Jesus Cristo. Estou ciente de que em Mateus 28:19, nos é dito:
“batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”
Isso, porém, não precisa causar nenhuma confusão, porque primariamente o batismo é em nome do Senhor Jesus Cristo e, por meio dEle, em nome do Espírito e do Pai. Coríntios nos oferece um excelente comentário desta matéria, pois ali o apóstolo se ocupa justamente desta questão de divisão, desunião e cisma na Igreja. Veja 1 Co 1:13:
“Acaso, Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vós ou fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?”
Evidentemente ele lhes está lembrando que eles foram batizados em nome de Cristo. Notem com que cuidado ele coloca esta questão do rito do batismo em seu lugar certo e na perspectiva certa. Mas a frase significante é a pergunta: “Está Cristo dividido? Foi Paulo crucificado por vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo?” Claro que não. Eles não foram batizados em nome de Paulo ou de Apoio ou de Cefas; cada um deles foi batizado em nome do Senhor Jesus Cristo. Um Senhor, uma fé nesse Senhor, a fé justificadora, e um batismo no mesmo nome. Veja Atos 2:38:
“Cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo”
Veja Atos 19:5:
“E os que ouviram foram batizados em nome do Senhor Jesus”
Antes eles só tinham conhecido o batismo de João Batista; agora são “batizados em nome do Senhor Jesus”. O nome dEle é o único nome, e o único batismo é em Seu nome. A tragédia é que tantas vezes na Igreja aquilo que é mais importante tem sido esquecido, e os homens têm argumentado, debatido e discutido, e, infelizmente, têm até brigado sobre o modo e o método do batismo e, com isso, têm produzido divisão. Se tão-somente se lembrassem do único nome, teriam dado ênfase ao princípio da unidade.
Passamos agora àquilo que este batismo em nome de Cristo representa realmente. Alguns replicam que ele representa o lavar dos meus pecados, o perdão dos meus pecados. É certo que o batismo representa o lavar dos pecados, todavia, havendo feito isso, vai adiante, para algo infinitamente mais importante. É bom notar que a expressão utilizada é “batizado em” ou “batizado para”. Isto nos dá a chave para um verdadeiro entendimento deste “um só batismo”. Significa “em referência a Cristo”, ou “para o domínio de Cristo”, ou “para a esfera de influência exercida por Cristo”. Há uma interessante declaração na carta aos Coríntios, que realmente lança muita luz sobre isto. Veja 1 Co 10:1- 2:
“Ora, irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar. E todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar”
É uma declaração a respeito dos filhos de Israel. Deus tinha enviado Moisés para livrá-los do cativeiro do Egito. Chegaram ao Mar Vermelho, e Deus operou o milagre de dividir as águas do mar, e os filhos de Israel passaram pisando terra seca. É com referência àquele acontecimento que o apóstolo afirma que os filhos de Israel foram “batizados em (ou “para”) Moisés”. Eles foram batizados para a liderança, para a esfera de influência de Moisés. Eles se tornaram identificados com Moisés. Eram o povo redimido de Deus, o povo salvo, o povo protegido e identificado com Moisés, a quem Deus enviara para libertá-los. Agora havia uma divisão entre eles e todos os que pertenciam ao domínio de Faraó. Esta é uma descrição daquilo que é próprio de todos os que estão em Cristo. Portanto, o batismo representa e significa a nossa introdução na esfera e sob a influência do Senhor Jesus Cristo. Significa que anteriormente nós pertencíamos ao mundo, pertencíamos ao domínio do mundo; mas no momento em que nos tornamos cristãos, saímos do domínio do mundo para o domínio de Cristo, e o batismo significa isso. Veja Cl 1:13:
“nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor”
Fomos tirados do mundo e postos no reino de Deus, no reino de Cristo. Estamos num novo domínio, numa nova esfera, estamos sob uma influência inteiramente nova. Não somente isso; quando somos batizados estamos confessando Cristo, estamos anunciando que nos sujeitamos a Ele, que Ele Se tornou o nosso Mestre e Senhor. Estamos por completo numa nova esfera e num novo reino; deixamos o mundo e O (Cristo) seguimos. É isso que o batismo representa.
Pensem de novo nos ouvintes de Pedro no dia de Pentecoste. Havia judeus e prosélitos, e outros; eles estavam ouvindo o sermão de um homem cheio do Espírito Santo. Deram o momentoso passo de batizar-se em nome de Jesus Cristo. Sabiam que isso poderia muito bem levá-los a sofrer perseguições. Mas, tendo enxergado a verdade, identificaram-se com Ele, submeteram-se ao batismo e, ao serem batizados, identificaram-se com Cristo e Sua causa. Estavam declarando que Jesus de Nazaré é o Senhor, que no reino espiritual César não é o Senhor, porém Jesus é o Senhor, e não há outro, que Ele é o Messias, o Libertador. Todos nós que dizemos que estamos “em Cristo” estamos proclamando que abandonamos tudo mais, que unicamente Ele é o nosso Mestre e Senhor, que doravante vamos segui-l0. Ele mesmo disse em Mateus 16:24:
“Se alguém quiser ser meu discípulo, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me”
O batismo representa e significa que fizemos isso. A importância disto, com relação à unidade, é óbvia. Antes éramos indivíduos, cada homem exercendo a sua própria vontade e cada qual seguindo o seu caminho; cada homem centralizado em si mesmo e egoísta. Ao nos submetermos ao batismo, negamo-nos a nós mesmos, tomamos a cruz e seguimos a Cristo. Desistimos de nós mesmos, negamo-nos a nós mesmos e estamos olhando e seguindo o único Senhor. Quando o fazemos sinceramente, não pode haver divisão, só terá que haver unidade. O único batismo leva inevitavelmente à unidade.
No entanto, esta verdade maravilhosa ainda não se finda nisso. Há algo mais profundo! Veja Rm 6:3,4:
“Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte?Fomos, pois, sepultados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida.”
O apóstolo está mostrando aos crentes, que como outrora eles estavam “em Adão”, e ligados a ele, agora estão “em Cristo” e ligados a Cristo. Adão, Deus o fizera chefe e representante de toda a raça humana. Deus lhe disse que, se ele pecasse, seria punido com a expulsão do Jardim, e sofreria a morte. As conseqüências do pecado de Adão caíram sobre toda a sua posteridade. Todos nós pecamos em Adão, porque todos estávamos “em Adão”. “Em Adão todos morremos.”
A seguir o apóstolo passa a desenvolver e elaborar o seu argumento, e a mostrar que “como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos serão vivificados”. Veja 1 Cor. 15:22:
“Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo”.
Você está agora em Cristo, como outrora estava em Adão; e o que Cristo fez, você fez. Podemos afirmar esta verdade da seguinte maneira também: na Primeira Epístola aos Coríntios12:13:
“Pois todos nós fomos batizados em um só espírito formando um corpo, quer judeus, quer gregos”
Não sou tão-somente um crente em Cristo, não só tenho aquela fé justificadora que me assegura que os meus pecados estão perdoados porque Deus os puniu em Cristo e imputa a Sua justiça a mim, mas eu estou “em Cristo”, fui batizado pelo Espírito Santo no corpo de Cristo, que é a Igreja. Cada cristão - “todos nós” - foi incorporado em Cristo. Tudo que aconteceu a Cristo, diz o apóstolo, aconteceu conosco. Ele foi crucificado; e fomos crucificados com Ele. Quando Cristo morreu, nós morremos. Fomos sepultados com Ele, o que significa que estamos “mortos para o pecado”. Isto significa que estamos mortos para o reino do pecado, estamos mortos para toda a autoridade do pecado, estamos mortos para “o mundo”. Sintam-no vocês ou não, se estamos em Cristo, essa é a verdade concernente a nós. Diz ainda o apóstolo aos gálatas: (6:14):
“Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”
O pecado sempre leva à divisão e à discórdia. No momento em que o homem pecou e caiu, a discórdia e a desunião entraram no mundo. Vocês vêem Caim chegar a matar o seu irmão. Esse é o efeito do pecado. E assim há discórdia e desunião, rivalidade e conflito. Por causa da natureza adâmica que está no homem, há divisões entre nações, raças, grupos. Mas quando um homem está “em Cristo”, está ligado a Ele; morreu com Ele; o velho homem está morto; ele é um novo homem. E posto que essa é a verdade a respeito de todos os que estão em Cristo, não deveria haver nenhuma divisão, nenhum conflito, nenhuma separação.
Não somos mais criaturas adâmicas. Não devemos estar mais exercendo as nossas vontades separadas, e não deve haver mais divisão, rivalidade, ciúme, inveja. Não devemos começar a dizer: “Eu sou de Paulo, eu sou de Apoio, eu sou de Cefas”. Não devemos gabar-nos de nomes; há somente um nome - “um só Senhor, uma só fé, um só batismo”. Estamos nEle, somos cristãos, somos povo de Cristo. Morremos com Ele, fomos sepultados com Ele. O velho homem e os seus caminhos foram levados ao fim. Também “ressuscitamos com ele”. Recebemos nova vida dEle, através dEle. Embora estivéssemos mortos em ofensas e pecados, fomos vivificados “juntamente com Cristo”.
Isto significa que o cristão não é tão-somente um homem que crê no Senhor Jesus Cristo e que Cristo morreu por ele em seus pecados. Entretanto, ele é muito mais do que isso! Ele está “em Cristo”, está ligado a Cristo, e a vida de Cristo está nele. Ele está “em Cristo”, faz parte de Cristo. A vida de Cristo está nele, e é a mesma vida que está em todos os membros. Tudo isso é verdade quanto ao cristão porque ele foi batizado naquele corpo único de Cristo pelo Espírito Santo (1 Co 12:13). Este é o verdadeiro significado de “um só batismo”. Quando todos vivermos à luz disto, não poderá haver divisão.
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