Por: M.M. Lloyd Jones
“há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação;” Ef 4:4
Chegamos agora ao terceiro aspecto que o apóstolo acentua em conexão com a obra do Espírito: “como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação”. Diz o apóstolo: “Há um só corpo e um só Espírito”. “Há um só corpo”, e é evidente que a vida do corpo, o poder que mantém o corpo vivo e que o capacita a agir, é obviamente, esse “um só” Espírito”. Todavia, depois ele diz: “como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação”. A pergunta é: por que acrescentar isso a “um só corpo” e “um só Espírito”? O apóstolo não escreve isso por acaso ou por acidente. Há uma seqüência lógica aí, e uma conexão inevitável.
Minha opinião é que há duas razões que tornam inevitável que esta seja a terceira coisa que ele mencione. A primeira coisa é compreender por que o Espírito Santo fez em nós, cristãos, o que fez? Por que é que Ele nos chamou eficazmente, como nos lembra o versículo primeiro deste capítulo? Veja Ef 2:1:
“Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados”
Ele nos convenceu do pecado e nos habilitou a ver os méritos do sangue de Jesus. Ele nos deu nova vida; Ele nos chamou do mundo e nos batizou no corpo de Cristo. Será que isso tudo é um fim em si mesmo, ou haverá mais algum propósito por trás? A resposta é que todas estas coisas ocorreram meramente como uma preparação para algo que ainda iria acontecer. É um passo num grande processo; que há de levar a uma atividade final. A Igreja não é um fim em si e por si; a Igreja é o corpo, o instrumento que Deus está usando, por intermédio de Cristo e do Espírito Santo, para chamar dentre todo o gênero humano uma nova humanidade, um novo povo para Si, que Ele finalmente vai aperfeiçoar e vai fazer habitar num mundo renovado e glorificado, livre de todo pecado. Tudo tem o propósito de levar àquela glória final, à final manifestação de Cristo e ao estabelecimento do Seu reino eterno. Dessa maneira, fica clara a seqüência, “um só corpo, um só Espírito, uma só esperança da vossa vocação”. O corpo está sendo preparado para o grande dia que ainda está por vir.
Uma segunda razão pela qual o apóstolo introduz esta frase neste ponto é que o Espírito Santo, em acréscimo à Sua obra de preparar-nos para a incorporação no corpo, Sua obra especial na revivificação, realiza outra obra especial, mais pessoal. O apóstolo já se referiu a isso no capítulo primeiro. Veja Ef 1:14:
“em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória.”
Isto se refere à obra do Espírito, como “selo” e “penhor”. Tendo-nos feito cristãos, tendo-nos colocado no corpo de Cristo, Ele nos sela e age como penhor; e todo o objetivo do selo e do penhor tem relação com a “possessão adquirida”. O selo é por assim dizer, a estampilha posta em nós para mostrar que pertencemos a Deus, que somos Seus filhos e que somos herdeiros da grande herança vindoura. O penhor é um antegozo daquela herança. E um pagamento parcial que nos é feito aqui e agora como garantia de que a receberemos plenamente.
No momento em que pensamos nos aspectos do “selo” e do “penhor” na obra do Espírito Santo, somos levados a pensar nessa possessão adquirida, nesta maravilhosa herança que Deus está preparando e mantendo para os que O amam. É por isso que Paulo diz aqui que há “um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação”. Como cristãos, não devemos apegar-nos a diversas idéias desconexas em nossas mentes; há um plano de salvação, há um esquema de redenção, e há passos e estágios que levam aos seguintes, numa inevitabilidade lógica. Portanto, qualquer consideração da obra do Espírito Santo, deve levar-nos a uma consideração da bendita e gloriosa esperança que está à frente de todo cristão.
O seu desejo é que eles saibam qual é a esperança a qual Deus os chamou, que conheçam, percebam, apreciem e entendam o grande propósito que Deus tem por trás do Seu grandioso plano de redenção. “A esperança da sua vocação”! Veja Ef 1:15-18:
“não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes:”
O que é que eles necessitavam saber?
· Esperança do seu chamamento;
· Riqueza da sua herança nos santos;
· Suprema grandeza do seu poder;
No primeiro capítulo ele ora por isso em geral, mas aqui ele trata disso e lhe dá atenção especificamente em conexão com este princípio de unidade. Nada promove tanto a unidade, e a guarda e a protege, como a nossa percepção da bendita esperança que está diante de nós, a mesma gloriosa herança que devemos compartir.
É, em grande parte, porque deixamos de manter os olhos postos na “esperança da nossa vocação”, que há tantas divisões, distinções e mal-entendidos. Devemos permanecer naquilo para o que fomos chamados. A nossa tendência é permanecer naquilo de que fomos chamados, e olhar para trás, para aquilo, e falar sobre aquilo. Isso necessariamente causa divisões e distinções. Um dos métodos do nosso adversário é fazer-nos olhar para trás, atentos àquilo de que fomos chamados, em vez de para diante, para o que somos chamados. Na Igreja Primitiva havia crentes judeus, gentios, bárbaros, citas; escravos, livres; alguns homens e algumas mulheres. Quando olhavam para trás, lembravam-se dessas divisões, distinções. Assim, se essas coisas se perpetuarem na vida da Igreja, necessariamente surgirão distinções e divisões; e esta é uma das mais prolíferas causas de divisão. De igual modo, olhar para trás muitas vezes nos faz lembrar que os pormenores de uma conversão diferem dos de outra. Vê-se isso com freqüência nas reuniões em que as pessoas relatam as suas experiências ou dão os seus testemunhos, como se diz. Começam com o que eram outrora. e imediatamente entra em cena um elemento de divisão.
Todas as conversões são idênticas, num sentido último. Requer graça e o poder do onipotente Deus, salvar qualquer alma. Não importa se você era judeu ou gentio, homem ou mulher, bárbaro, cita, escravo ou livre; o que você era é irrelevante, não importa. Mas nós vivemos perpetuando estas diferenças e divisões, resultando em que, na Igreja, alguns são considerados mais importantes que outros. Ainda se pensa neles em termos do que eles eram por natureza, ou da sua posição social, sua riqueza, suas habilidades, ou de alguma outra coisa própria do homem natural. Tudo isso acontece porque persistimos em esquecer que não devemos olhar para aquilo de que fomos salvos, mas devemos olhar para aquilo para o que fomos salvos.
Permitam-me concluir esta questão particular repetindo a famosa história do que aconteceu no caso de Philip Henry, pai do comentador Matthew Henry. O jovem Philip Henry enamorou-se de uma jovem dama que pertencia a uma classe social mais alta que a dele; e ela se enamorou dele. Eles queriam casar-se, e se puseram a falar com os pais dela sobre isso. Os pais não conheciam esse tal de Philip Henry, não conheciam a família dele. Por fim o pai dirigiu- -se a ela e lhe perguntou: “De onde ele veio?” E a filha, boa cristã que era, deu sua imortal resposta, dizendo: “Eu não sei de onde ele veio, mas sei para onde vai”. Que mais importa, realmente? Como cristãos devemos fixar-nos na “esperança da nossa vocação”. Essas outras coisas são resultado da Queda, do pecado e da divisão. Não devemos olhar para trás, para essas coisas; devemos olhar para frente, para “esperança da nossa vocação”. Essa esperança é somente uma, é sempre a mesma, e é para todos nós.
Devo acentuar o fato de que não somente não devemos olhar para trás e permanecer naquilo de que fomos salvos, mas tampouco devemos permanecer nas experiências da nossa conversão, quer dizer, nos detalhes concretos da experiência da conversão propriamente dita, pois isso também é algo que inevitavelmente tende a dividir-nos. Há alguns que tiveram uma conversão muito dramática, envolvendo agonias de arrependimento e remorso que podem ter durado longo tempo. Afinal, nalgum momento sumamente dramático, eles viram a luz e foram salvos. Há outros que realmente não podem dar o momento exato, a hora exata da sua conversão. Esta foi tranqüila, quase não notada. Eles não podem identificar nenhum evento ou momento particular; todavia o que sabem é que, enquanto que antes estavam mortos, agora estão vivos; sabem que amam o Senhor Jesus Cristo, e O querem acima de tudo mais, e desejam estar com Ele e ser semelhantes a Ele. Os dois tipos de experiência são muito diferentes. Como pastor e ministro, posso testificar o prejuízo e o dano, divisões e distinções, que a ênfase à forma da experiência da conversão causa à vida da Igreja.
Isto funciona numa variedade de maneiras. Às vezes faz grande dano ao próprio homem que teve uma conversão dramática. Ele fica orgulhoso dela; torna-se uma espécie de peça de exposição, é um cristão diferente dos outros, e tende a desprezar o homem que não está muito seguro do modo como lhe aconteceu, ou quando aconteceu. Por outro lado, o cristão que teve uma experiência tranqüila às vezes é levado a pensar que talvez ele nem seja cristão, porque a sua experiência não se enquadra no modelo dramático. Nas reuniões em que se dão testemunhos, ele fica com a impressão de que somente a experiência dramática é verdadeira. As pessoas serenas nunca são chamadas à frente para falar, e, assim, ele começa a perguntar a si mesmo se é realmente cristão e se está de fato no reino. É dessa maneira que muitas vezes divisões e cismas entram na vida da Igreja.
Mas, lamentavelmente, isso ilustra o que tem acontecido com muita freqüência entre nós. Há essa tendência constante de olhar para trás. A única maneira de lidar com esse problema é dizer com o grande apóstolo Paulo. Veja Fp 3:13,14:
“Esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”
O que importa não é como você entrou no reino; a questão vital é: você está no reino? Não importa se o seu nascimento foi dramático e excitante, ou se foi tranqüilo e quase imperceptível. Graças a Deus, isso não importa! Em parte nenhuma das Escrituras nos é dito que você precisa ser capaz de dar o momento exato, ou o versículo exato que foi utilizado, ou o nome de certo pregador. Essas coisas não importam. A única coisa que importa é que você esteja no reino. Veja Cl 1:13,14:
“Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados.”
Desafortunadamente há hoje uma grande tendência de olhar para trás. Lemos sobre reuniões especiais de cristãos que foram salvos numa campanha particular ou num dado ano! Desse modo a Igreja fica dividida em função dos convertidos de certos evangelistas, ou do ano particular da conversão. É assim que se causam cismas na Igreja. Isso é pecaminoso; e a causa do pecado é que estamos deixando de olhar para frente, para “a esperança da nossa vocação”.
Mas agora devemos ir um pouco mais adiante e dizer que tampouco devemos permanecer naquilo que somos agora. Devemos sempre estar olhando para a frente porque, se permanecermos no que somos agora, continuará havendo a tendência de dividir e separar. Insistimos em olhar para nós mesmos como somos agora, em vez de olharmos juntos para aquilo que vamos ser, isto é, para “a esperança da nossa vocação”. Em toda parte o Novo Testamento nos concita a olhar para a frente. Escrevendo aos romanos, diz o apóstolo Paulo em Rm 8:18:
“Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada”
Em sua Segunda Epístola aos Coríntios 4:17, ele diz:
“Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente”
Esta é a grande característica do ensino do Novo Testamento. Veja ainda outros textos: (Jo 14:1,2; 2 Co 5:1; Fp 3:21; Tt 2:13; 1 Jo 3:2;). O fato é que nós, em nossa loucura estamos constantemente olhando para o presente. Este é a favor da luta, aquele é contra; um adota uma certa idéia política, outro adota a idéia oposta; uns são socialistas, outros são conservadores, e assim a Igreja fica dividida. Estas questões não devem influenciar-nos na Igreja; muito menos deve a Igreja envolver-se nessas questões. Porque damos demasiada atenção ao presente, não olhamos para “a esperança da nossa vocação”. De um modo geral esquecemos que somos estrangeiros e peregrinos neste mundo.
Quão importante é, portanto, que olhemos para essa “vocação com que somos chamados” - “a esperança da nossa vocação”! Não olhemos para trás, não gastemos o nosso tempo olhando para o presente e comparando-nos uns com os outros, mas olhemos para diante, para “a esperança da nossa vocação”. Nesta vida uns são coxos, outros podem andar altaneiramente; uns podem ter beleza, outros são feios; uns têm alguma habilidade, outros não. Isso não terá valor lá; seremos todos semelhantes a Ele. Há uma só esperança; há a mesma esperança para todos; e vamos indo todos juntos para a mesma glória. Não haverá divisões e distinções lá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário