Por: D.M. Lloyd Jones
“Um só Senhor, uma só fé, um só batismo.” Efésios 4:5
Esta declaração vital deve ser considerada como parte da exposição completa, do verso 4 ao verso 6: “Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos” (VA: “em todos vós”). Nela o apóstolo continua com o tema da unidade, que tanto o preocupa. Esta unidade deve caracterizar a vida da Igreja, diz ele, porque, em última instância, a Igreja é obra da bendita e santa Trindade. No versículo 4 a temos visto em termos da obra do Espírito, “um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação”. Agora Paulo põe-se a descrevê-la em termos da obra do Filho, como também em termos da obra do Pai.
Neste quinto versículo chegamos à segunda das três divisões em que o apóstolo divide o seu ensino, a saber, a unidade da Igreja, tendo-se em vista a doutrina da segunda Pessoa da bendita e santa Trindade, o Filho de Deus, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Torno a lembrar-lhes a ordem em que o apóstolo coloca estas coisas, a seqüência empregada por ele. Tendo começado com a obra do Espírito porque essa é a abordagem prática, agora passa a considerar a parte desempenhada pelo Filho, pois a obra central do Espírito Santo é glorificar o Filho, como o nosso Senhor mesmo disse: “Ele não falará de si mesmo - Ele me glorificará” (Jo 16:13-14). Não significa que Ele não falará sobre Si mesmo, porém que a Ele será dado o que falar, isto é, ensino que glorificará o Filho. O Pai enviou o Filho e o Filho glorificou o Pai; depois o Pai e o Filho enviaram o Espírito, e o Espírito glorifica, em particular, o Filho. O apóstolo Paulo nos ensina que, “ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo” (1 Co 12:3). O Espírito Santo nos conduz ao nosso Senhor; somente Ele nos habilita a vê-10 e a conhecê-L0. “Os príncipes deste mundo não o conheceram, porque, se o tivessem conhecido, nunca teriam crucificado o Senhor da glória. Mas Deus revelou-nos estas coisas pelo seu Espírito, porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus” (1 Co 2:8-10).
Mais uma razão pela qual o apóstolo passa agora a falar do Filho é que, havendo considerado a Igreja como o corpo - “um só corpo” - inevitavelmente surge a pergunta: quem é a cabeça do corpo? - pois um corpo sem cabeça não funciona. A resposta é: o próprio Senhor Jesus Cristo. O apóstolo já nos fizera lembrar isso no capítulo primeiro, onde, falando sobre Ele, diz: “(Deus) sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos” (versos 22 e 23). Vemos a mesma verdade exposta freqüentemente pelo apóstolo em suas várias Epístolas. É importante observar esta abordagem doutrinária. Estas coisas não são registradas acidentalmente; há um sistema definido aqui. O Espírito Santo ilumina a mente, e aqui vemos uma mente espiritual iluminada descortinando a verdade.
O apóstolo continua interessado em dar ênfase à unidade da Igreja. A doutrina da Pessoa do Filho é-nos exposta com o fim de levar-nos a manter “a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. O apóstolo apresenta esta grande doutrina com apenas três palavras, “um só Senhor”. Geralmente não a declara tão simplesmente assim. Em 1 Coríntios, capítulo 8, versículo 6, ele nos diz: “um só Senhor, Jesus Cristo”. Certamente ele usa aqui essa forma abreviada para dar ênfase ao seu argumento sobre a unidade. O Senhor Jesus Cristo, em Si e por Si, leva à unidade e sempre produz unidade; assim, uma das melhores maneiras pelas quais podemos ver e entender esta doutrina bíblica da unidade da Igreja, e preservá-la, é manter os nossos olhos firmemente postos na doutrina da Pessoa do Filho de Deus. Esse é o argumento, e agora passamos a considerar como ele funciona.
Primeiramente, há a unicidade da Pessoa do nosso Senhor. “Um só Senhor” significa que há somente um que pode, real e verdadeiramente, ser descrito como “o Senhor”. Devemos ter os olhos fixos nesse título quando lemos o Novo Testamento. “É o Senhor”, disse o apóstolo João ao apóstolo Pedro quando eles O viram de pé na praia, depois de uma noite infrutífera de pesca (Jo 21:7). Nunca houve alguém como Ele; nunca haverá. Antes da Sua vinda, nunca houve alguém como Ele no mundo; nunca haverá outro como Ele, antes da Sua segunda vinda. Ele permanece inteiramente só em toda a glória da Sua unicidade absoluta.
O que nos compete fazer como cristãos é estar sempre a contemplá-l0 e a considerá-l0 - Jesus de Nazaré. Quando vocês O virem, parecerá que estão vendo tão-somente um homem. E Ele era um homem. Ele pertencia ao tempo, estava no tempo, estava no mundo. E, todavia, num sentido, falar desse modo já é errado. As nossas declarações sobre Ele nunca devem ser feitas separadamente, isoladamente. Quando vocês olharem para Ele, não estarão somente vendo um homem, estarão vendo ao mesmo tempo Deus o Filho eterno, estarão vendo “o Senhor da glória”. Sempre devemos pensar e falar dEle da mesma maneira como as Escrituras o fazem. Tomem, por exemplo, a declaração que há no início da Epístola aos Hebreus: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de tudo, por quem fez também o mundo”. E mais: “O qual sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa”. Assim é Aquele para quem estamos olhando, o “resplendor da glória” de Deus, e “a expressa imagem”, a plena “refulgência” da glória essencial de Deus.
A pretensão da Bíblia, e deve ser a nossa, é que a encarnação do Filho de Deus é um evento único na história. Não aconteceu nunca antes; não acontecerá nunca de novo. Uma única vez e para sempre! Esta é a estonteante verdade em que cremos - verdade que desafia o entendimento. É a essência da nossa fé. Sobre Ele Paulo escreve: “Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus (não considerou a sua igualdade com Deus como algo a que agarrar-se e em que fixar-se). Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo” (Fp 2:6-10). “O Verbo se fez carne, e habitou entre nós”, diz o apóstolo João no seu Evangelho (Jo 1:14). Este é o evento único de toda a história, “um só Senhor”. O único! O apóstolo diz aos coríntios, na primeira Epístola para eles escrita, que isto é um grande mistério, “um mistério oculto desde a fundação do mundo, mas então revelado” (2:7). O que nos torna cristãos é que nos foi dada certa medida de entendimento deste “mistério oculto”, a encarnação do Filho de Deus. “Um só Senhor” - o único para Quem podemos olhar e dizer, o homem-Deus, o “theanthropos”, Deus-homem - duas naturezas numa só Pessoa.
Quais são as implicações, ou que é que devemos deduzir desta ênfase a “um só Senhor”? O apóstolo está usando a expressão no interesse do seu apelo para manter “a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Seu andamento dá-se da seguinte maneira: Cristo, e somente Ele, é o cristianismo. “O cristianismo é Cristo.” Não é uma coleção de idéias; não é uma coleção de pensamentos ou filosofias; não é mera questão de ensino. Primariamente, o cristianismo é o próprio Senhor e a nossa relação com Ele. Ensinos, pensamentos e filosofias variam, e, portanto, tendem a dividir. Todavia, há uma questão de relacionamento pessoal, de conhecimento de uma Pessoa, e de estar num dado relacionamento com essa Pessoa. O argumento é que, como a Pessoa é uma só, o relacionamento deve ser um só. Há somente um Senhor; portanto, há esta unidade essencial em todos os que Lhe pertencem e em todos os que estão verdadeiramente relacionados com Ele. O grande perigo que ameaça a vida da Igreja é sempre o de esquecer a Pessoa do Senhor Jesus Cristo, de encobri-l0 e ocultá-l0 por trás de várias coisas. Há certas doutrinas essenciais, mas nunca devemos permitir que mesmo estas venham ficar entre nós e Ele. Elas simplesmente derivam dEle, e o propósito delas é levar-nos de volta a Ele. Grande parte da dificuldade da Igreja através dos séculos deve-se ao fato de que as pessoas se esqueceram do Senhor. Somos criaturas tão frágeis e tão falíveis, que nos inclinamos a ir a extremos, numa ou noutra direção. Mas todos nós somos culpados quanto ao fato de que se deixa de observar a Pessoa do Senhor e se dá proeminência a outras coisas, que se interpõem entre nós e Ele, que é “um só Senhor”.
Uma segunda dedução que devemos tirar é que, visto que Ele é o único Senhor, não pode ser dividido. Este é o argumento que este apóstolo Paulo utiliza ao escrever aos coríntios no capítulo primeiro da sua primeira Epístola. Estou sendo informado, diz ele com efeito, que há divisões entre vocês em Corinto. Disseram-me que um diz, “Eu sou de Paulo”, outro diz, “Eu sou de Apoio”, e outro, “Eu sou de Cefas”. Depois ele faz esta pergunta: “Está Cristo dividido?”. Ele está lhes perguntando se compreendem as conseqüências de formar partidos e de se alinharem desse modo por trás de certos homens e certos nomes. Diz a eles que estão tentando dividir Cristo, e que isso não pode ser feito, porque Ele é Um. Há unicamente um Senhor, e Ele é indivisível.
Esta é a elevada doutrina das duas naturezas numa só Pessoa. As duas naturezas acham-se tão interligadas nEle que elas não podem ser divididas. Quando lemos a história da Igreja e notamos as diversas heresias que surgiram, vemos que geralmente foi devido ao fato de que os cristãos se esqueceram do único Senhor - “um só Senhor”. Num sentido eles estiveram produzindo uma multiplicidade de senhores. Muito cedo na Igreja Cristã houve aqueles que ensinavam que as duas naturezas na Pessoa única se haviam fundido numa só e não mais se distinguiam. Havia alguns, porém, que iam ao outro extremo e diziam que havia duas Pessoas - Deus e Homem; não duas naturezas numa Pessoa, e sim duas Pessoas, Cristo como Deus, Cristo como homem.
Essas heresias ainda são ensinadas na Igreja moderna. Homens sinceros em seu desejo de acentuar os dois aspectos da Pessoa do nosso Senhor, vão longe demais. Pregam sobre Jesus Cristo como Deus e sobre Jesus Cristo como homem isoladamente um do outro. Jamais devemos fazer isso. Jesus Cristo é sempre o Deus-Homem; portanto, devemos ser muito cuidadosos e prudentes quanto a dizermos que Ele fez certas coisas como Deus, e outras como homem. Não! Ele é o Deus-Homem, indivisível. Não se pode dividir Cristo em nenhum sentido. Graças a Deus por isso. Ele é sempre o mesmo; sempre será o mesmo. “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente” (Hb 13:8). Um hino de Horatius Bonar lembra-nos que “não há noite” em Cristo, “não há mudança” nEle. Isso é verdade, aconteça o que acontecer no mundo. Este é o maior consolo do santo, Jesus Cristo é um só, o Senhor é um só, há somente Um, e Ele é sempre, para sempre e eternamente o mesmo.
Tiremos sempre estas deduções. O cristianismo é Cristo, este único Senhor. Ele o faz. Sem Ele não há cristianismo. Ele é essencial ao cristianismo. Com respeito a isto, é diferente de todos os outros ensinos. Outros ensinos podem ser divorciados dos seus propagadores, por exemplo, o budismo separado de Buda; não faria nenhuma diferença vital. Mas no cristianismo, o nosso Senhor é tudo. Todo ele resulta deste assombroso e singular fato da Encarnação e do que Ele tem feito.
Outra dedução inevitável é que não podemos crer em partes dEle. Ou cremos nEle, ou, de outro modo, não cremos nEle. Também com respeito a isso não podemos dividi-l0. Mais uma vez o apóstolo expressa isto muito explicitamente no capítulo primeiro da Primeira Epístola aos Coríntios, que é o melhor comentário desta matéria: “Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (verso 30). Ele- Cristo, o Senhor, o Senhor único e indivisível- foi “feito” isso tudo para nós. Portanto, crer no Senhor Jesus Cristo é crer na totalidade dEle e crer em tudo o que nEle há. Não podemos dizer - não devemos dizer - que cremos nEle quanto à “justiça”, mas não quanto à “santificação”, não quanto à “redenção”, ou que em certa altura nós O recebemos somente quanto à nossa justificação, e que mais tarde nos será possível recebê-l0 quanto à nossa santificação. Isto seria dividir Cristo. Recebemos a totalidade de Cristo. Não há alternativa.
Esta doutrina leva a uma questão sumamente importante. Será que está certo formar movimentos em torno de diferentes aspectos da Sua obra, e separá-los e dividi-los do todo? Será que é certo ter um movimento que ensina somente a justificação, outro que só dá ênfase à santificação, outro somente à Sua segunda vinda? Não “tomamos” somente o Seu ensino; é por Ele que somos salvos, e Ele é um só, e é indivisível. Cristo não pode ser dividido - “um só Senhor”. Devemos ter todo o cuidado de começar com esta grande doutrina do único Senhor, e de lembrar-nos também de que Ele “foi feito” o mesmo para todos os crentes. Ele não é uma coisa para um, e outra coisa para outro. Não há muitos Cristos, há somente um; e se eu creio nEle, estou na mesma posição em que se acham todos os outros que crêem nEle. “Um só Senhor”; portanto, uma só Igreja.
O segundo grande princípio que devemos salientar é a unicidade da Sua obra. Esta segue-se, naturalmente, da unicidade da Sua Pessoa. E devemos estudá-la; devemos estudá-la constantemente. Nunca devemos tomar estas verdades como líquidas e certas, nunca devemos pressupor que as conhecemos. Devemos sempre recordá-las, porque, se não, diz o apóstolo, logo haverá divisão, haverá algum tipo de cisma.
O ponto que estamos acentuando agora é que há somente um Salvador. Que não há muitos Salvadores, mas somente um, é o grande tema do Novo Testamento. É isto que faz do cristianismo uma fé única. O mundo acredita em muitos salvadores, em muitos libertadores. Ele tem a sua lista de salvadores que vive repetindo. Fala de Moisés, Jeremias, Isaías, João Batista e Jesus, e talvez de um dos apóstolos, Pedro ou Paulo, e depois acrescenta alguns grandes homens que têm figurado na história do mundo. Algumas listas acrescentam Confúcio e Buda, e talvez Sócrates e Platão. Mas o Novo Testamento denuncia essa idéia e afirma que o nosso Senhor Jesus Cristo é único, que Ele é o único e exclusivo Salvador. Negar isto será negar a verdade central e mais essencial da fé cristã.
Quero salientar esta verdade asseverando que há um aspecto de intolerância na fé cristã; e vou além, afirmando que se nós não vimos o aspecto intolerante da fé, provavelmente não a vimos de fato. Há muitas declarações nas Escrituras que consubstanciam esta asserção, que colocar alguém ao lado de Jesus, ou falar de salvação sem Ele, ou sem Ele no centro, é uma traição e uma negação da verdade. O apóstolo Pedro, dirigindo-se ao Sinédrio, em Jerusalém, disse: “Debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” (At 4:12). As autoridades estavam tentando proibir Pedro e os demais apóstolos de pregar em nome de Cristo e de operar milagres em Seu nome. Pedro, “cheio do Espírito”, fez aquela réplica. Uma tradução alternativa diz: “não há segundo nome”. O nome de Cristo é o único. “Um só Senhor.” Diz Pedro que não deve haver acréscimo a Ele, que não devemos colocar outro nome ao lado do Seu nome. Ele é único e todo-suficiente. Ele precisa estar só. Não há outro que tenha descido do céu à terra. Não há outro que seja Deus e homem. Sua unicidade precisa ser preservada. Ele não precisa de um assistente, Ele fez tudo. Ele bradou na cruz: “Está consumado”. Ele não deixou nada que devêssemos adicionar, nada que devêssemos completar. “Ele pisou o lagar sozinho.” Ninguém mais poderia fazê-lo; mas Ele o fez.
Ou vejam o que o apóstolo Paulo diz em sua Primeira Epístola aos Coríntios. Havia pessoas na igreja de Corinto que não tinham claro entendimento disso tudo. Tinham sido convertidas, mas ainda, embora tivessem vindo a crer no Deus único, havia outros deuses, os deuses nos quais eles estavam acostumados a crer, os deuses aos quais eles anteriormente serviam e aos quais eles costumavam fazer os seus sacrifícios nos templos pagãos. Eles ainda não viam isto com clareza; alguns deles eram “irmãos mais fracos”. Por isso Paulo lhes diz: “Ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos deuses e muitos senhores), todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por Ele” (1 Co 8:5-6). Há quem fale em deuses, porém não há deuses; há somente um Deus. Estes supostos deuses são ficções das imaginações dos homens; são apenas projeções das idéias dos homens; não são seres vivos, não têm existência. Há somente um Deus. E há somente um Senhor Jesus Cristo. Não poderia haver outro, não há outro. De novo, escrevendo a Timóteo, Paulo diz: “Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Tm 2:5). Um, e somente um! Não há quem possa introduzir-se entre Deus e o homem, exceto esta Pessoa. Para empregar a linguagem de Jó (9:33), da antigüidade, não há “árbitro” que nos possa juntar, senão Cristo. Deus está no céu em Sua santidade, e nós estamos na terra em nosso pecado. Como podemos orar a Deus, como podemos ir a Deus, como podemos ouvir a Deus e ter acesso a Deus? Há somente um caminho. Necessitamos de um Mediador entre nós, diz o apóstolo, “Um só Deus, o único Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” - o único que “foi feito o resgate”.
Somente quando captamos a unicidade desta Pessoa única é que realmente começamos a compreender a verdadeira natureza da Igreja. Se um homem acredita que pode ir diretamente a Deus como ele é, e outro sabe que não pode, exceto pelo sangue de Cristo, há divisão. Se dizemos que podemos encontrar a Deus independentemente de Cristo e sem Ele, e Este crucificado, não estamos na Igreja. Haja o que houver, e por melhor que pareça estar a nossa vida, ela não é suficientemente boa. Há somente um Mediador; há somente um Salvador; houve somente um “suficientemente bom para pagar o preço do pecado”. Há somente Um que pôde levar sobre Si toda a natureza humana, e pôde suportar o fardo e o peso da nossa culpa do pecado e cuidar disso uma vez e para sempre - unicamente Um! Um só Senhor, um só Salvador! Nenhum outro! Jamais haverá outro. Qualquer mestre ou ensino que conteste isto, é o que o Novo Testamento chama anticristo; e há muitos deles. Mas o apóstolo Paulo diz: “Nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Co 2:2). Ele conhecia muita coisa da filosofia e das idéias dos gregos, e conhecia as idéias dos judeus; mas ele põe ambos de lado. A Encarnação é única, e única é a morte de Cristo. Por que falar doutra coisa, quando Deus fez isto uma vez por todas? Por que é que Deus enviou o Seu Filho ao mundo, se podemos chegar a Deus sem Ele?
Diz ainda o apóstolo, a respeito de Cristo: “Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2:9). E mais: “Em quem (em Cristo) estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2:3). Por que é que os homens olham para outros lugares? Tudo o que necessitamos saber sobre Deus e sobre a salvação está em Cristo, e somente em Cristo. Além disso, Paulo diz aos colossenses: “Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofia e vãs sutilezas” (2:8). Se não estamos ligados à Cabeça, que é Cristo e somente Cristo, ainda estamos em nossos pecados, não conhecemos a Deus e não estamos relacionados com Ele. Ele é Um só em Sua Pessoa e Um só em Sua obra como Salvador, o único Salvador, o único Mediador entre Deus e o homem. O cristianismo é, ao mesmo tempo, intolerante e unificador. Ele precisa ser intolerante: “Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho[1] anunciado, seja anátema”, Paulo declara (Gl 1:8). Se um anjo do céu, diz ele, vier pregar a vocês e negar o que lhes tenho dito acerca desta Pessoa bendita, maldito seja. Ele era intolerante. E nós devemos ser intolerantes. Não devemos pôr ninguém junto dEle; Ele está só; e jamais devemos dizer que é possível conhecer a Deus sem Ele. Devemos ser totalmente intolerantes neste ponto. E porque todos os cristãos verdadeiros são intolerantes neste ponto, e estão nEle, eles são todos unidos, entrelaçados, feitos um. Intolerância, e unidade absoluta! Não é isto o evangelho do Novo Testamento? Devemos preservar ambas. Devemos dizer ao mesmo tempo que isso de “Congresso Mundial de Crenças” não pode haver, e também que todos os cristãos são um em Cristo. E precisamente porque somos todos um em Cristo que não se pode ter um “Congresso Mundial de Crenças”. Essa idéia é uma farsa; na verdade, é uma negação de Cristo. O cristianismo não pode participar de um tal congresso. Não pode entrar em nenhuma proposta ou conferência que diga que o cristianismo é maravilhoso, mas, afinal de contas, Deus deu percepções a Buda, Confúcio, Maomé e outros, e podemos aprender alguma coisa deles. O cristão não precisa aprender desses rincões, porque “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão em Cristo”. Ele não precisa deles, não se interessa por eles, porque ele tem tudo em Cristo. Até um olhar de relance dirigido a qualquer outro é uma negação de Cristo. Intolerante e, todavia, unificador!
Finalmente, como o Senhor é único em Sua Pessoa, e único em Sua obra, é também único em Sua relação conosco. Aqui de novo vemos como a unidade existe inevitavelmente. Na vida estamos envolvidos em várias relações pessoais. O estudante, por exemplo, está numa relação com o seu mestre ou instrutor; mas não há ninguém com quem estamos relacionados como estamos com Cristo. Nossa relação com Ele firma-se essencialmente no fato de que Lhe pertencemos. Nós Lhe pertencemos porque Ele nos comprou. Lembrem-se do modo como o apóstolo Paulo, em seu discurso de despedida aos presbíteros da igreja de Efeso, como vem registrado em Atos, capítulo 20, expressa a questão, dizendo: “... para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue” (verso 28). Aos coríntios ele disse: “Não sois de vós mesmos, porque fostes comprados por bom preço” (1 Co 6:19-20). Essa é a relação de Cristo com o cristão; e é absolutamente única. Foi Ele que nos comprou. Quando nós estávamos mortos sob a lei, e éramos escravos de satanás, Ele nos comprou, Ele nos resgatou, Ele nos redimiu, Ele pagou o preço necessário. “Não havia nenhum outro que fosse suficientemente bom para pagar o preço do pecado. Somente Ele poderia abrir a porta do céu e deixar-nos entrar.” Como nosso Senhor, Ele é o nosso Dono; visto que Ele nos adquiriu pertencemos a Ele. Essa é a relação.
Isto, por sua vez, leva ao fato de que Ele é o Mestre de todos nós. Disse Ele aos discípulos, no Cenáculo, na ocasião em que lhes lavou os pés e os enxugou com uma toalha: “Vós me chamais Mestre e senhor, e dizeis bem, porque eu o sou” (Jo 13:13). E esta é a relação única que subsiste entre nós e Ele. Há somente um Senhor, há somente um Dono, há somente Um que morreu por mim e me comprou. Não há outro. E esta verdade vale para cada um de nós, como cristãos. As implicações são óbvias. Não pertencemos mais a nós mesmos. Não somos mais os nossos próprios mestres. Não temos direito de crer no que quisermos, não temos direito de fazer o que quisermos. Não somos de nós mesmos. E este precisamente o argumento usado por Paulo ao escrever aos coríntios. Ele lhes diz que, ao cometerem pecado, não percebiam o que estavam fazendo: “Não sabeis que o nosso corpo (VA: “vosso”) é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço” (1 Co 6: 19-20). Se todos nós compreendêssemos esta verdade, haveria perfeita unidade.
Não somos mestres de nós mesmos; e é igualmente certo dizer que ninguém mais é nosso mestre. Também não somos mestres de ninguém. Ninguém deve dominar-nos; e nós não devemos dominar ninguém. O nosso Senhor mesmo estabeleceu isto claramente no Evangelho Segundo Mateus: “Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos. E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus. Nem vos chameis mestres, porque um só é o vosso Mestre, que é o Cristo. Porém o maior dentre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado” (23:8-12). Um só Senhor! Posto que Ele é o único Senhor, nós estamos num só nível. Nenhum de nós é mestre. Ele é o Mestre, e todos nós estamos na mesma posição; e devemos servir-nos uns aos outros. De novo Ele expôs isso com muita clareza na ocasião do lava-pés (Jo 13:13-14). Segue-se isto por inevitável lógica. Sejam vocês quem forem, diz Ele, Eu sou o Mestre, e vocês são apenas servos; e se Eu, o Mestre, fiz isto, todos vocês devem fazê-lo. Paulo diz: “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” e “Fostes comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens” (2 Co 10:17; 1 Co 7:23). E de novo, no sexto capítulo desta Epístola aos Efésios, ele diz, em suas particulares injunções: “E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles (com vossos servos), deixando as ameaças, sabendo também que o Senhor deles e vosso está no céu, e que para com ele não há acepção de pessoas” (versículos 9). Esta é a doutrina de Cristo como o nosso Senhor, como Aquele que, somente Ele, tem posse de nós, como o Único que tem autoridade sobre nós. De novo vemos Paulo dizendo exatamente a mesma coisa na Epístola aos Colossenses: “Vós, servos, obedecei em tudo a vossos senhores segundo a carne, não servindo só na aparência, como para agradar aos homens, mas em simplicidade de coração, temendo a Deus. E, tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens; sabendo que recebereis do Senhor o galardão da herança, porque a Cristo, o Senhor, servis”. E mais: “Vós, senhores, fazei o que for de justiça e eqüidade a vossos servos, sabendo que também tendes um Senhor nos céus” (3:22-24 e 4:1). A doutrina do único Senhor leva inevitavelmente à doutrina da única Igreja e à “unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Estamos todos ligados a Ele, à mesma Pessoa; e Ele está em todos nós, e é o nosso “tudo em todos”. O amor que devemos procurar conhecer, diz o apóstolo, é “o amor de Cristo, que excede todo o entendimento” (Ef 3:19). No entanto, acima de tudo, o apóstolo usa este argumento em sua grande exposição da Encarnação no capítulo dois da Epístola aos Filipenses, que já citamos. Ele descreve a auto-humilhação do nosso Senhor para poder dizer, “haja em vós o mesmo sentimento”, o sentimento que havia em Cristo e que O levou a fazer tanto por nós. E também, “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo” e “não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros” (Fp 2:3-5). Certamente todos hão de concordar que, se tão-somente entendêssemos com clareza a nossa relação com Ele e a nossa doutrina da Segunda Pessoa da bendita e santa Trindade, a maioria dos nossos problemas seria resolvida imediatamente. Se apenas O conhecêssemos de maneira que fôssemos capazes de dizer com Paulo, “Para mim o viver é Cristo”; ou com o conde Zinzendorf, “Tenho uma só paixão, Ele, e somente Ele”, a maior parte dos nossos problemas desapareceria. As divisões, os cismas e todos os fracassos devem-se em última instância à incapacidade de compreender que há somente “um Senhor”. Quando cada um de nós compreender que o eterno Filho de Deus pôs de lado a insígnia da Sua eterna glória, desceu à terra, nasceu como bebê num estábulo de Belém e suportou a contradição dos pecadores contra Si mesmo por trinta e três anos, foi cuspido, escarnecido e ridicularizado, sofreu zombaria, e que Ele passou por tudo isso apesar de ter aquela destra na qual segurar, a Sua igualdade com Deus no céu, mas renunciou à Sua honra - quando soubermos que Ele fez tudo isso em favor de cada um de nós, então veremos que não somos nada, e não nos preocuparemos com o que nos faça o homem. Nada importará então, exceto que vivamos para Ele e para a Sua glória.
Quando realizarmos isso, ver-nos-emos mantendo, preservando, a unidade do Espírito pelo vínculo da paz.
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