domingo, 5 de fevereiro de 2012

O CORPO DE CRISTO

Por: D.M Lloyd Jones


Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos. (Ef 4:4-6)

Com estas palavras o apóstolo Paulo começa a dar-nos uma incontestável razão pela qual devemos, “com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-nos uns aos outros em amor, procurar (esforçar-nos diligentemente para) guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”. Na verdade, nestes três versículos ele introduz a doutrina da Igreja Cristã. Este será o seu assunto até o final do versículo 16.

Ao iniciarmos este estudo, observemos quanto espaço é dado no Novo Testamento à doutrina da Igreja. É o grande tema de todas as Epístolas. Quando lermos estas Epístolas, observemos que todo apelo que nos é feito, é-nos feito em termos da nossa condição de membros da Igreja e da nossa relação com a Igreja. Somos partes, porções e membros da Igreja, de sorte que, se não entendermos a doutrina da Igreja, os seus apelos, exortações serão completamente sem sentido para nós.

A maioria dos nossos problemas surge do fato de que começamos com nós mesmos; somos demasia­do subjetivos. Este é um dos maiores resultados do pecado. O pecado coloca o homem no centro. Ele me faz achar que só eu sou importante, e que aquilo que eu acho e aquilo que me acontece é o que realmente importa. Passamos o nosso tempo pensando em nós mesmos e em nossos interesses pessoais. O ensino do Novo Testamento tira-nos logo disso, dando-nos uma esplêndida descrição da Igreja, e de nós mesmos como unidades e membros deste grande corpo místico de Cristo. O modo de curar-nos da maior parte dos nossos males e problemas é elevar-nos desse subjetivismo para ver-nos como o Novo Testamento nos descre­ve, veja 1 Co 12:27:

“Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo.”

Na verdade é isso que o apóstolo vem fazendo desde o começo desta Epístola. Judeus e gentios individuais, no grande propósito de Deus e por Sua graça, foram chamados, salvos e colocados juntos. Portanto, o que temos que fazer é ver-nos como membros da Igreja. É particularmente a verdade quanto à questão da unidade - “unidade do Espírito pelo vínculo da paz”.

Há claras indicações no Novo Testamento de que já havia proble­mas concernentes a um verdadeiro entendimento da natureza da Igreja. Vejam, por exemplo, a igreja de Corinto. A razão pela qual Paulo escreveu a sua Primeira Epístola aos Coríntios foi que havia divisões, seitas, cismas naquela igreja. Veja 1 Co 1:12:

“... Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo.”

E o que ele efetivamente diz a eles é que os seus problemas brotavam da sua falha em não entenderem clara­mente a natureza da Igreja. Continuavam pensando em si de maneira atomística, como indivíduos, e se haviam formado em peque­nos grupos de indivíduos. Se eles tivessem captado a idéia da Igreja como uma totalidade, como um corpo unido, isso seria completamente inimaginável. Por isso, ali como aqui, ele lhes faz uma exposição da doutrina da Igreja.

Nestes três versículos ele o faz de maneira muito interessante. Ele joga com a palavra “um”. Veja Ef 4:4-6:

“há somente um corpo e um Espírito... um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus...”

Ele repete a palavra um(a), e com isso estabelece este princípio da unidade essencial da Igreja. O obejetivo é que pudéssemos ver que a unidade da Igreja é uma manifestação da perfeição da Divindade.

Outra questão interes­sante é o modo como ele as agrupa. Três acham-se no verso quatro, três no verso cinco, e a sétima no verso seis. A última, observem, é uma coleção, um sumário de todas as unidades. O apóstolo repete igualmente a palavra todos - um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos”. De novo isto salienta a mesma noção e idéia de unidade. Cada um dos três grupos é disposto ao redor das pessoas da Trindade bendita e santa. Os três primeiros referem-se ao Espírito Santo. Os três seguintes referem-se ao Senhor Jesus Cristo, o Filho. E finalmente temos Deus o Pai. Ver o significado disto é o único modo pelo qual podemos captar esta doutrina da unidade e ver a sua importância em nossa vida e em nosso viver diários. No momento em que vemos isso somos retirados do nosso desprezível interesse próprio e somos levados a postar-nos face a face com a santa e bendita Trindade, Três em Um, Um em Três. A Igreja é um reflexo e uma manifestação da Trindade santa e bendita.

O princípio fundamental é que nos vejamos como membros da Igreja, e vejamos a Igreja como um reflexo, na terra, da unicidade do Deus Triúno-Três em Um, Um em Três, o Espírito Santo, o Filho, o Pai. Antes de podermos responder a apelos pessoais e diretos, temos que ver o que somos, onde estamos, e onde Deus nos colocou. Nós fomos “chamados”.

Então ele começa com o Espírito Santo, depois passa ao Filho, e conclui com Deus o Pai. Porque esta ordem? Por que não Deus o Pai, Deus o Filho, Deus o Espírito Santo? Por que Paulo inverte a ordem? Há somente uma resposta, a saber, que ele está primariamente interessado em ser prático. Ele começa com a Igreja como esta é, composta de pessoas que são seus membros. A Igreja é uma comunhão do Espírito, uma comunidade do Espírito. Ele começa conosco exatamente onde estamos e como éramos. Depois nos leva a um ponto mais alto - a Igreja como corpo, cuja Cabeça é Cristo. Finalmente, a cabeça de Cristo é Deus o Pai. Assim ele se move de onde estamos, habitados pelo Espírito, por meio do único e exclusivo Mediador, para Deus o Pai. Ele nos mostra que estamos onde estamos e que somos o que somos devido à obra do Espírito; todavia o Espírito nunca nos teria sido enviado e dado, não fosse pelo Filho e pelo que Ele fez. E o Filho nunca teria vindo, não fosse que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito”. Como cristãos, não somos deixados a nós mesmos. O Espírito Santo está em nós e nos leva ao Filho; e, como nosso Mediador e grande Sumo Sacerdote, o Filho nos apresenta ao Pai.

Examinemos esta unidade como deve ser vista em conexão com o Espírito Santo e a Sua obra. Esse é o tema do versículo quatro. A primeira coisa que o apóstolo faz é lembrar-nos do que somos como membros da Igreja. Ao fazê-lo, ele usa esta analogia do corpo - “um só corpo”. Essa era a sua ilustração favorita quando tratava da doutrina da Igreja. Ele usa esta ilustração particular do corpo mais vezes do que qualquer outra. E particularmente com relação a esta questão de unidade, esta parece dar um quadro mais claro do que qualquer outra. Ele já utilizara esta ilustração duas vezes nesta Epístola. Veja Ef 1:22,23:

... e para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo...”

Vejamos ainda Ef 2:16:

“e reconciliasse ambos (judeus e gentios) em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz...”

Nesses exemplos ele apenas o menciona de passagem, mas aqui ele o expõe. Que é que o apóstolo quer dizer com a sua referência à Igreja como “um só corpo”? É óbvio que Paulo se refere à Igreja mística, invisível e espiritual. Não pode significar a Igreja visível e externa pelo bom motivo de que a Igreja visível e externa consiste de muitos corpos, de uma multiplicidade de corpos. A incompreensão deste princípio muito importante do Novo Testamento levou a muitas tragédias na história da Igreja. Por não compreender isso, a igreja católica romana se diz a única igreja verdadeira e afirma que todas as outras igrejas visíveis não são igrejas. Portanto, o apóstolo está asseverando que há unicamente uma Igreja verdadeira. Não podem existir muitas porque a Igreja é o corpo de Cristo, e um homem não pode ter muitos corpos; há somente um. Há uma só Igreja mística e perfeita, invisível e espiritual. Há somente um corpo. Esta Igreja consiste de pessoas de todos os tipos, espécies e cores, de muitos continentes e raças. Mas essas diversidades não fazem diferença para esta Igreja, invisível, mística. Da mesma maneira, o tempo não faz diferença para este fato. Os cristãos primitivos estão neste corpo. Os mártires da Reforma estão neste corpo. Os puritanos, os pactuários, os primeiros metodistas, todos eles estão neste corpo; e eu e vocês estamos neste corpo, se estamos verdadeiramente em Cristo. A Igreja transcende os séculos. É a Igreja de todas as eras - a plenitude do povo de Deus. É o corpo único, é a Igreja invisível, mística. A única coisa que, em última instância, importa para cada um de nós é que pertençamos a este corpo. Podemos ser membros de uma “igreja” visível, e, lamentavelmente, não ser membros desta Igreja mística e invisível. A única coisa que importa é que sejamos achados nesta Igreja mística, invisível, espiritual que, somente ela, é o corpo de Cristo. Há certas coisas que devemos entender sobre esta “Igreja invisível, mística”. Vamos considerar o que o apóstolo diz aos Coríntios, onde ele trata disto de maneira exaustiva. Veja 1 Co 12:12:

“Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo.”

Os corintios estavam divididos em facções, e brigavam e discutiam. O meio de que o apóstolo se serviu para tratar disso foi dizer-lhes que era evidente que eles tinham esquecido que a Igreja é o corpo de Cristo. A primeira coisa que emerge é o caráter orgânico da unidade que há na Igreja. A Igreja é uma nova criação, e, ao trazê-la à existência, Deus fez uma coisa tão inteiramente nova como a criação do universo. Ele não tomou um judeu e um gentio e os juntou algo assim como uma espécie de coalizão, e os fez sentar-se juntos a uma mesa e os levou a um acordo de amizade mútua. Não! A Igreja é uma nova criação. Ela não é uma coleção de partes. O antigo foi destruído, já não há mais judeu e gentio. Fomos libertos das coisas que nos separavam antes de Deus “criar dos dois um novo homem”.

Isto se pode ver claramente na analogia do corpo. O corpo não é uma coleção de partes. (Dez dedos nas mãos, dez nos pés, duas mãos, dois pés, duas pernas. dois braços). É por isso que há uma unidade essencial no corpo. É neste ponto que pode muito bem acontecer que as igrejas visíveis, que são essenciais, nos façam extraviar. O que sucede com elas é que há um rol de membros, e, quando uma pessoa se une a uma “igreja” visivel, o seu nome é acrescentado à lista dos que já são membros. É preciso que se faça isso, mas tende a dar-nos uma falsa noção da natureza da igreja mística. Não somos acrescentados a Cristo dessa maneira. A verdadeira Igreja é uma nova criação, e todos os que pertencem a ela nasceram do Espírito, nasceram de Cristo, são “participantes da natureza divina”. Uma vez que vejamos a verdade nesses termos, a inevitabilidade da unidade será óbvia.

O segundo elemento que o apóstolo acentua é a diversidade na unidade. Para expor a matéria negativamente, o que vemos na Igreja é unidade, não uniformidade. Todo ensino que apresenta os membros da Igreja manifestando uma nebulosa uniformi­dade é antibíblico. Há variedade na unidade essencial. Vejam um dedo e comparem-no com um olho. A princípio não parece haver nada em comum. Mas depois considerem o olho. À primeira vista parece não haver relação nenhuma entre um olho e um dedo. E, contudo, a verdade é que, embora pareçam diferentes e cumpram funções diferentes, são todas uma só coisa, neste sentido essencial de que todas pertencem juntas ao corpo e são partes essenciais deste. O corpo não é completo se tão-somente uma dessas partes não estiver ali. Diverso e, todavia, um só!

Depois vejam a analogia em termos da interdependência de cada parte, umas das outras. Como o apóstolo o expressa, se o corpo todo fosse mão, não haveria corpo. O que faz do corpo um corpo é que todas estas partes são uma só coisa neste todo orgânico, nesta unidade essencial; e todas elas são absolutamente interdependentes umas das outras. Não há independência no corpo. Cada parte deriva o seu significado, a sua essência, da sua relação com o restante. Essa é a verdade acerca do corpo; e igualmente é a verdade, diz o apóstolo, acerca da Igreja. Cada órgão necessita dos outros, e cada qual se beneficia das funções dos demais.

A seguir examinem o seu argumento sobre as partes menos hon­rosas. Diz ele que, se você tiver um correto conceito sobre o corpo, não desprezará nenhuma parte do seu corpo. Nenhuma parte é destituída de importância. Cada uma das partes conta. Cada membro individual da Igreja é importante. Na vida da Igreja Cristã cada membro é essencial para o harmonioso funcionamento do todo.

Outro princípio evidente é que todas as partes do corpo trabalham juntas com a mesma finalidade e têm o mesmo objetivo. Cada parte do corpo tem sua própria função, pois desempenha o seu papel no todo. O apóstolo já dissera aos efésios que é por intermédio da Igreja que Deus vai revelar certas coisas (Ef 3:10). É para isso que somos chamados.

Não esqueçamos, porém, outra questão mencionada pelo apóstolo em 1 Co 12. Por causa desta unidade essencial, se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele. Você não pode dizer, “Só o meu dedo mínimo está doente”. Não! Se o seu dedo mínimo está doente, você está doente. Se há dor nele, você sente dor. Você não pode separar-se do seu dedo mínimo. Por causa da unidade do corpo, o mesmo sangue corre em todas as suas partes. Se verdadeiramente entendêssemos esta doutrina da Igreja, toda idéia de competição, rivalidade, egoísmo, presunção seria completamente impossível; na verdade, seria grotesca. A maneira de evitar esse erro é entender claramente a doutrina. Não se precipitem para as praticabilidades; apeguem-se à doutrina primeiro.

Que privilégio temos e gozamos! Eu e vocês somos membros do corpo de Cristo. Esse é o nosso relacionamento com Ele. Ele é a Cabeça; e nós somos os diversos membros. Não há nada acima disso, não há maior privilégio. Se compreendermos isso, inevitavelmente “nos esforçaremos para guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz”.

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