CAPÍTULO 21
“Toda a Plenitude de Deus”
“... e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus.” (Ef 3:19)
Chegamos agora a uma frase que foi bem acertadamente descrita como “o clímax de toda oração”. É mais que certo que não se pode conceber nada que seja mais elevado que isto, quer na esfera da oração, quer na esfera da experiência. Estivemos seguindo o apóstolo e observando como ele foi subindo e subindo, passo a passo. E aqui, afinal, chega ao “pico culminante”, a esta grande altitude.
Ele não estava satisfeito com estes cristãos como eles estavam. Ele dá graças a Deus pelo fato de que eles, que tinham sido pagãos, e então estavam longe de Cristo e sem Deus no mundo, foram aproximados – “chegastes perto”. Mas ele não está satisfeito; isso é apenas o começo, não a totalidade da redenção. Eles tinham os primeiros incipientes da fé cristã, e nada mais. É por isso que ele ora da maneira que ora por eles. Ele quer que compreendam que existem possibilidades mais altas, quer que eles participem delas; as desfrutem.
Tem-se dito, e com acerto, que a “perfeição do homem” consiste em ser “cheio de Deus”. Aqui o apóstolo está orando por esta perfeição. A conexão entre os vários passos da oração é importante. Notemos que a primeira expressão desta frase é “para que”, “a fim de que”. Ele deseja que ele compreendam com todos os santos qual é a largura, comprimento, altura e profundidade, e que conheçam o amor de Cristo, que ultrapassa o conhecimento, para que “seja cheios de toda a plenitude de Deus”.
Em toda a extensão das Escrituras não há afirmação mais estonteante. Estamos face a face com a realidade máxima em matéria de experiência. Devemos, pois abordá-la com um sentimento de reverência, e com um sentimento de total inadequação; e, todavia, graças a Deus, com um sentimento de ardente antecipação. Não há nada no mundo privilégio mais alto. As nossas mentes são totalmente inadequadas para conceber isto plenamente. Já nos foi lembrado várias vezes nesta epístola que os olhos do nosso entendimento precisam ser iluminados pelo Espírito.
Ao examinarmos esta espantosa frase, de novo somos levados a começar com uma negativa, pois alguns pensam que o que temos nesta frase é o que se chama, numa figura de linguagem, hipérbole. Eles insinuam que o apóstolo estava sendo arrebatado pela sua própria eloqüência. Claro, um homem pode ser arrebatado pela sua própria eloqüência e pelo ímpeto seu falar. Muitas vezes foi feita esta acusação contra o apóstolo Paulo; mas é uma acusação inteiramente falsa. Portanto, não é mera eloqüência, não é um caso de empilhar afirmação sobre afirmação. É uma afirmação lógica, clara e muito precisa.
Aqui se trata do passo final de uma série ascencional. Aqui ele chegou ao ápice, está num dos grandes picos do plano divino de redenção, não havendo nada mais alto. Ele quer dizer o que diz; podemos ser “cheios de toda a plenitude de Deus”.
Portanto, que é que pode ser mais importante do que saber exatamente o que o apóstolo quer dizer com esta expressão? Talvez seja melhor tratar da questão que está diante de nós de maneira teológica. Certos atributos de Deus são incomunicáveis; não podem ser comunicáveis. Mas certos outros atributos são comunicáveis. A vital distinção entre os dois grupos dá-nos a chave para entendermos a nossa frase, “para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus”. Se fosse certo dizer que a totalidade de Deus pode habitar em nós, tudo que é próprio de Deus seria própria de nós. Todavia os atributos incomunicáveis de Deus tornam imediatamente claro que isso não pode acontecer.
Os atributos de Deus são, primeiro, a eternidade. Deus é eterno, “de eternidade a eternidade”. Outro atributo é a imutabilidade. Deus não pode mudar. Ele é eternamente o mesmo, como nos diz Tiago 1:17:
“... Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança.”
É óbvio que estes atributos são incomunicáveis. Isso nunca é próprio dos homens. Há depois a onipresença. Deus está em toda parte. Em seguida pensemos na onisciência de Deus. Deus sabe todas as coisas. Depois vem a onipotência. Não há limite para o poder de Deus, é um poder absoluto. Obviamente, de novo, estes não são comunicados ao homem.
Todos estes atributos de Deus são “Seus atributos essenciais” e, obviamente, todos eles são atributos incomunicáveis. Assim, nunca devemos interpretar a nossa frase como se dissesse que Deus, “como Ele é”, pode habitar em qualquer ser humano. Isto se vê com muita clareza na encarnação de nosso Senhor, como vem explicada na Epístola aos Filipenses 2:6-8:
“6 - pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus;
7 - antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana,
“8 - a si mesmo se humilhou...”
Por outro lado, os atributos comunicáveis podem ser dados ao homem, pela graça de Deus. Uma é a santidade. Deus é santo; todavia, é Ele que nos ordena assim em 1 Pedro 1:16:
“porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo.”
Portanto, a santidade é comunicável. O mesmo se aplica à retidão, equidade, e justiça. A glória central da salvação cristã é que “uma justiça de Deus” agora é dada ao homem mediante a redenção que há em Cristo Jesus. Outros atributos comunicáveis são: a bondade, o amor, a misericórdia, a compaixão, a benignidade, a longanimidade, a fidelidade. Na Epístola aos Gálatas 5:22,23, Paulo faz um sumário dizendo:
“Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio.”
Os atributos comunicáveis de Deus aparecem no homem como “o fruto do Espírito”.
Agora começamos a entender algo do significado desta grandiosa frase. Não se refere somente às bênçãos de Deus; é de fato a comunicação de algo da plenitude do próprio Deus. A questão que agora surge é: como isto se torna nosso? Em que sentido o apóstolo ora corretamente para que os efésios sejam cheios para, “com respeito a”, “toda a plenitude de Deus”? Tudo isso acontece em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e mediante Ele. Tudo isso se tornou possível como resultado da Sua encarnação e obra que Ele realizou a nosso favor. Noutras palavras, a “plenitude” da qual Paulo fala tornar-se nossa é mediante a “habitação de Cristo em nossos corações” e o nosso “conhecimento do Seu amor”.
Ele já tinha orado para que Cristo habite pela fé em nossos corações, porque sem isso, sermos cheios da plenitude de Deus é pura impossibilidade. Certas Escrituras paralelas ajudam a elucidar esta afirmação. Tomem uma vez mais o que o nosso Senhor ensina no Evangelho de João 14:23:
“Respondeu Jesus: Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.”
Esta afirmação se relaciona com a doutrina do Espírito Santo, o Consolador que havia de vir. No Evangelho de João vemos o nosso Senhor profetizar o que ia tornar-se possível. Paulo afirma que agora é possível. Primeiramente, diz ele, precisamos ser “fortalecidos com poder pelo Espírito no homem interior”; depois Cristo estabelece Sua habitação pela fé; e depois Deus o Pai – o Pai a quem ele está orando – concede que Sua plenitude habite em nós. Acaso não é assombroso que, estando ainda num mundo como este, podemos pensar nessas verdades tão
Maravilhosas e gloriosas, e examiná-las? Não estamos discutindo teologia abstrata; é verdade intensamente prática.
Isto é possível graças àquilo que é próprio do Senhor Jesus Cristo. Se Cristo habita pela fé no meu coração, segue-se que a plenitude da Deidade está em mim pela fé. Permita-me demonstrar que é este o caso. Referindo-se ao Senhor Jesus Cristo, diz-nos o apóstolo em sua Epístola aos Colossenses 1:19, que:
“porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude”
Toda a sabedoria e todo o conhecimento de Deus estão ocultos em Cristo. E depois em Colossenses 2:9, ele vai ainda além, e diz:
“porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade.”
Mas ai está a verdade! Olhem para Jesus de Nazaré. Vê-se claramente que é um homem no corpo, como todos os outros. Não é um fantasma coberto de carne, é tão verdadeiramente homem como nós. E, contudo, “nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade”. A totalidade de Deus estava nEle. Vejam o que nos diz o escritor aos Hebreus 1:1,2:
“Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho...”
Depois ele descreve o Filho assim no versículo 3:
“Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser...”
O resplendor da Sua glória! O fulgor, a expressa imagem da Sua pessoa! Não é apenas uma aparência, e sim a própria coisa, o resplendor da glória e da imagem de Deus.
Sua doutrina é, pois, que em nosso Senhor e salvador Jesus Cristo “habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade”. Segue-se, portanto, que, se Ele habita em nossos corações, também somos cheios de toda a plenitude de Deus. Este é o propósito de Deus a nosso respeito. O apóstolo ensina isso explicitamente em Romanos 8:29:
“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.”
Havemos de ser “conformes à imagem de seu Filho”. Veja o que Paulo diz em Efésios 4:13:
“Até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo”
Nada menos! Cristianismo não é você parar na conversão e no conhecimento de que os seus pecados estão perdoados, e então contentar-se com isso pelo resto da vida; cristianismo é ingressar e desenvolver-se rumo à “medida da plenitude de Cristo”. Se nos contentamos com menos que isso, não passamos de crianças em Cristo e somos indignos deste glorioso evangelho.
Ademais, neste capítulo 4:23-25, de Efésios veja o que o apóstolo diz à luz de tudo isso eles devem:
“... vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.”
É somente quando compreendemos estas verdades fundamentais que podemos atender ao apelo lógico para a conduta e o comportamento agradáveis a Deus.
Finalmente vamos considerar como funciona tudo isso na prática. A resposta se a acha na gloriosa doutrina neotestamentária da união do cristão com Cristo. Estamos “em Cristo”; e, Cristo está “em nós”. Não tentem compreender isso, pois, “ultrapassa o conhecimento”, “excede o entendimento”. Em Efésios 5:30, nos mostra isso claramente:
“porque somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos.”
Isso indica natureza da união. Por conseguinte, a plenitude de Deus pode residir em mim exatamente do modo como a plenitude da “vida da videira” está em cada um dos seus ramos. Veja essa verdade em João 15:5;
“Eu sou a videira, vós, os ramos...”
A plenitude da videira, a essência, a vida, aquele elemento da seiva que faz da videira uma videira autêntica, está nos ramos também.
Noutras palavras, para compreendermos esta grande verdade concernente à plenitude de Deus em nós, temos que parar de pensar em termos de quantidade, e pensar em termos de qualidade. Se Cristo está em mim, “toda a plenitude da Divindade” está em mim no sentido de que esta qualidade está em mim.
Dessa maneira, pode-se ter dois cristãos, um dos quais tem um brilhante intelecto, e o outro sendo uma pessoa bem comum, sem nenhum dom notável. Não obstante, graças a Deus, este pode ser cheio da plenitude de Deus exatamente do mesmo modo que aquele. Porque Cristo está nele, e por causa da sua relação com Cristo, ele é cheio de toda a plenitude de Deus tão verdadeiramente como o outro cristão.
Termino lembrando a vocês que a plenitude de Deus em Seus atributos comunicáveis adentra o nosso ser nos tornando capazes de manifestar e demonstrar o Seu amor. É por isso que devemos fazer esta oração que Paulo fez pelos efésios – fazendo-a por nós mesmos todos os dias e incessantemente, até chegarmos, como diz Paulo em Efésios 4:13:
“à medida da estatura da plenitude de Cristo”
Nenhum comentário:
Postar um comentário