sábado, 9 de julho de 2011

ESTUDO DA EPÍTSOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS


CAPÍTULO 19

Por: D.M. Lloyd Jones

O Círculo Mais Íntimo

"Poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus.” (Ef 3:18,19)

Chegamos a um ponto no qual devemos fazer uma pergunta simples e óbvia. Onde estamos com respeito à mensagem do apóstolo? Não nos referimos a uma simples familiarização intelectual com estas coisas; elas são destinadas a serem praticadas, e de nós se espera que as conheçamos. A questão que temos que encarar é, pois, se estamos compreendendo esta largura e comprimento, e profundidade e altura. Conhecemos o “amor de Cristo que excede o conhecimento”? É bem provável que variemos consideravelmente em nossas respostas. O piedoso Edward Payson, já citado por mim, dá-nos um meio prático e conveniente de provar-nos, descrevendo vários grupos ou classificações com respeito a esta questão. Diz ele:

“Suponhamos que os que se professam cristãos fossem enfileirados em diferentes círculos concêntricos ao redor de Cristo, como o seu centro comum. Alguns têm a presença do seu Salvador em tão alta conta que não podem suportar que sejam afastados dEle nem um pouco. Mesmo o trabalho que realizam, eles o elevam e o fazem à luz do Seu semblante, e embora empenhados nele, serão vistos elevar constantemente os olhos para Ele, como se temerosos de perder um só raio da Sua luz

Aqui ele descreve o circulo interior dos que vivem para Ele, fazem o seu trabalho em Sua presença e mantêm erguidos para Ele os seus olhos, para não perderem nem sequer um raio de luz. Depois ele descreve o circulo seguinte, expondo de dentro para fora:

“Outros que, certamente, não ficariam contentes vivendo fora da Sua presença, são, todavia menos absorvidos por esta do que aqueles, e podem ser vistos um pouco mais afastados, empenhados aqui e ali em suas várias ocupações, seus olhos geralmente postos em seu trabalho, mas com frequência olham para o alto, para a luz que amam”

Em seguida, diz ele, há uma terceira categoria:

“Uma terceira categoria, para lá das duas, mas ainda dentro dos raios vivificantes, inclui uma duvidosa multidão, muitos dos quais se acham tão envolvidos em seus esquemas terrenais que podem ser vistos de lado para Cristo, olhando mais para o outro caminho e só de vez em quando voltando os seus rostos para a luz. E mais longe ainda, entre os últimos e difusos raios, tão distantes que muitas vezes é duvidoso que possam entrar na área da sua influência, está um grupo misto de indivíduos ocupados, alguns com as costas inteiramente voltadas para o sol (Cristo), a maioria deles tão preocupados e aflitos com as suas muitas coisas, que dedica apenas um pouco de tempo ao seu Salvador”

Ai entendo que temos uma análise justa e exata. Cristãos há que se acham naqueles vários círculos, naquelas várias posições. De fato é possível estar no terceiro círculo descrito por ele, e ainda ser cristão. Este círculo contém cristãos que parece passar a maior parte do seu tempo com as costas voltadas para Cristo, e que só muito ocasionalmente se viram para procurá-lO e olhar para Ele.

A razão pela qual os homens do mundo fazem pouco caso de Cristo é que não olham para Ele; suas costas estão voltadas para o sol, eles só podem ver as suas próprias sombras e, portanto, estão completamente fechados em si mesmos; ao passo que o verdadeiro discípulo, olhando só para cima, vê unicamente o seu Salvador e aprende a esquecer-se de si mesmo. Temos ai a chave da vida cristã e da experiência cristã. O único meio de livrar-se do ego é olhar para Cristo. Como Payson diz, “se você estiver de costas para o sol, estará vendo a sua própria sombra o tempo todo, estará pensando em si mesmo, olhando para si e preocupado com si mesmo.” Só há uma coisa para fazer, a saber, virar-se e olhar para o sol; então você começará a esquecer-se de si por completo. Nada é mais vital do que examinar-nos deste modo.

Suplementando o testemunho de Payson introduzindo outra declaração, desta vez de um piedoso homem de Deus que viveu na Escócia. Este homem tinha as mesmas idéias doutrinárias de Edward Payson. Estou me referindo a W. H. Hewitson. Eles viveram na mesma época e se conheceram. Eis como Hewitson escreve:

“Vocês não acham que, no caso de muitos cristãos, a regeneração é acompanhada por um considerável período, não de trevas, mas de obscuridade, deixando a alma incapaz de assumir um Cristo completo e, consequêntemente, de gozar perfeita paz? Tais cristãos vivem muito abaixo dos seus privilégios como reconhecidos filhos da adoção, nascidos para uma herança, não em si mesmas, mas em Cristo

É-nos possível ser verdadeiramente regenerados e, todavia, viver como pobres, tendo pouco ou nenhum conhecimento das gloriosas possibilidades. Nenhuma alma desperta deveria privar-se da percepção e do gozo experimental da união com o Senhor.

À luz de tudo isso, à questão é: onde estamos? Somos como pessoas às quais foi legada grande fortuna no testamento de alguém, mas que não parece perceber que isso é um fato. Estamos à tanto tempo acostumados à pobreza e à penúria, e a lutar para viver dentro do orçamento apertado, que, embora nos digam que nos foi deixada uma fortuna, continuamos a viver como se nada tivesse acontecido. Ou, para variar a figura, parecemos pessoas que receberam convite para ir a um grande banquete, as quais ficam na rua, no frio e na chuva, fora da sala de banquete, olhando ocasionalmente pelas janelas lá dentro e tentando imaginar a natureza da festa que foi preparada.

Devemos examinar-nos à luz do Novo Testamento. Já atingimos este nível? De fato, deixe-me fazer uma pergunta mais penetrante ainda: já chegamos ao padrão e ao nível do Velho Testamento? Lemos sobre um salmista que dizia:

“vale mais um dia nos teus átrios do que em outra parte mil” e “preferiria estar à porta da casa do meu Deus, a permanecer nas tendas da impiedade”.

Isso seria verdade a nosso respeito? Podemos dizer isso? E, como vemos, agora o apóstolo está orando para que a mesma benção venha para os cristãos efésios, e para “todos os santos”.

O apóstolo João faz um sumário deste ensino para nós em sua primeira Epístola, onde ele diz àqueles cristãos primitivos que lhes estava escrevendo (1:3):

“o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo”.

O desejo não era apenas que tivessem comunhão com ele e com os demais apóstolos. Isso eles já gozavam em certa medida. Seu profundo desejo era que eles entrassem na comunhão que ele e os demais apóstolos estavam gozando com o Pai e o Filho. Aquilo a que Paulo se refere é possível a todos os que verdadeiramente crêem na Palavra de Deus, e crêem no Senhor Jesus Cristo.

Portanto, este ensino não pode e não deve ser rejeitado. Vivemos dias em que o aspecto prático do cristianismo está sendo acentuado quase exclusivamente por alguns cristãos. Jamais o mundo esteve tão ocupado, tentando tratar dos seus vários problemas; e a mesma coisa é muito verdadeira quanto à Igreja. Os homens que estiveram ocupados no serviço do seu Senhor e Mestre, ao longo da história da Igreja, foram sempre os que O conheceram melhor e mais se regozijaram no Seu amor. Examinem o caso dos apóstolos e especialmente Pedro, que havia sido tão temeroso e covarde, com tanto medo de ser levado à morte, que até negou seu Senhor. Contudo, depois de ter vindo a conhecer realmente o amor de Cristo, quando as autoridades lhe ordenaram que parasse de pregar, respondeu-lhes dizendo, como está em Atos 4:20:

“pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos.”

Tendo vindo a conhecer este amor de Cristo, Pedro tinha que falar disso a todos os outros. O apóstolo Paulo disse aos coríntios: “o amor de Cristo nos constrange”. Ele não podia conter-se; o amor de Cristo o pressionava e o impelia.

Ora, esta experiência não está limitada aos apóstolos. Referi-me anteriormente ao conde Zinzendorf e à sua afirmação acerca da “sua única paixão”. Lemos sobre ele que em certo dia, enquanto observava um quadro de Cristo crucificado, disse:

“Fizeste isso por mim; que posso fazer por ti”

Era o seu conhecimento, a sua compreensão do amor de Cristo que o impulsionava, e a muitos outros com ele.

Esta é a realidade a respeito dos maiores servos de Deus de todas as eras, de todos os séculos, em todos os lugares. Talvez o maior perigo que confronta a Igreja e o povo de Deus hoje seja que, em vez de percebermos que a suprema necessidade do momento é este conhecimento do amor de Cristo, gastamos nosso tempo e energia organizando atividades. Dizemos que temos que “estar em atividade”. E de maneira carnal tentamos realizar a obra de Deus. Não devemos trabalhar porque decidimos fazê-lo ou porque nos disseram que agora que somos convertidos temos de “estar em atividade”. Devemos trabalhar por causa do amor de Cristo. Querer as igrejas cheias também não deve ser o nosso motivo. Isso é inverter o quadro do método do Novo Testamento, como também o é toda a idéia de treinar pessoas a fim de serem testemunhas e para fazerem evangelização pessoal. Tudo hoje tem que ser organizado, e a impressão que se tem é que ninguém pode testemunhar sem fazer um curso de treinamento.

A resposta para esta idéia moderna é descobrir o que aconteceu nos séculos passados, especialmente no primeiro. Não havia aulas de treinamento e diplomas naqueles tempos. O segredo dos primeiros cristãos, dos primeiros protestantes puritanos e metodistas é que eles foram ensinados sobre o amor de Cristo e se encheram de conhecimento deste amor. Uma vez que o homem tenha o amor de Cristo em seu coração, não será preciso treiná-lo para testemunhar, ele o fará. Ele conhecerá o poder, o constrangimento, o motivo. Tudo já está ali. Os servos de Deus que mais adornaram a vida e a história da Igreja Cristã sempre foram homens que compreenderam que esta é a coisa mais importante de todas, e passavam horas em oração, buscando a face do Senhor e fruindo o Seu amor. O homem que conhece o amor de Cristo em seu coração pode fazer mais numa hora do que o homem “ocupado” pode fazer num século. Não permita Deus que façamos da atividade um fim em si. Tratemos de compreender que em primeiro lugar vem o motivo, e que o motivo sempre seve ser o amor de Cristo.

Concluo com a pergunta que fiz no princípio: a qual dos círculos pertencemos? Estamos nos esforçando a fim de chegarmos ao círculo central? Talvez tenham visto pessoas em multidão, quando o Presidente da República ou alguma outra pessoa famosa que está passando, elas se esforçam para ir para frente, a fim de ver melhor. Estamos nós fazendo esforço rumo ao círculo central? Estamos nós em busca do rosto do Senhor? Ambicionamos o conhecimento do Seu amor? O apóstolo orou pelos membros da igreja em Éfeso para que ele pudessem “perfeitamente compreender” com todos os santos qual seja a “largura, e o comprimento, e a altura e a profundidade” e “conhecer o amor de Cristo” que excede todo entendimento.

Que tragédia, alguns de nós viverem como mendigos nas ruas frias, quando a sala do banquete está aberta e a festa preparada. Busquemos o conhecimento do Senhor nas Escrituras e leiamos as vidas dos santos de todos os séculos. Quando o fizermos, não ficaremos satisfeitos enquanto não estivermos no círculo mais próximo do centro, contemplando a bendita face do Senhor.

Relacionamento com um Deus Pessoal

Na Palavra de Deus, do começo ao fim, fica bem esclarecido que Deus nos trata primeiramente com base no que ele próprio é e, em segundo lugar, com base naquilo que ele nos fez. Ele não violará o que ele mesmo é, nem violará o que ele nos fez ser. Portanto, Deus mesmo sempre trata com o homem na base de um relacionamento pessoal. É sempre um relacionamento de pessoa para pessoa. Mais ainda, por Deus ser infinito ele pode tratar com cada um de nós pessoalmente como se cada um fosse a única pessoa que existisse. Pode tratar conosco pessoalmente porque ele é infinito.

Também descobrimos que o tratamento que Deus dá aos homens nunca é mecânico. Nesse tratamento, não entra nenhum elemento mecânico. Seu modo de tratar com o homem também não é primordialmente jurídico, embora existam aspectos legais que são fundamentados e enraizados na própria personalidade de Deus. O Deus da Bíblia difere dos deuses que o homem cria. Ele é um Deus que tem caráter, e esse caráter é a lei do universo, total e completa. Quando o homem peca, ele quebra essa lei e, por violar a lei, torna-se culpado. Daí a necessidade de Deus tratar conosco num relacionamento legal apropriado. Sendo assim, visto que fomos pecadores, precisamos ser justificados antes que possamos nos chegar a Deus. Mas, embora Deus trate conosco no relacionamento legal apropriado, contudo sua forma central e fundamental de tratar conosco não é jurídico e, sim, pessoal.

Assim como Deus sempre trata com o homem com base no que Deus é, e no que nós somos, nossa obrigação é fazer o mesmo com respeito a nossos pensamentos sobre Deus e nossos procedimentos para com ele. Nós nunca poderemos tratar com Deus num sentido mecânico, e não deveremos tratar com ele meramente numa base legal, embora haja esses relacionamentos legais apropriados. Nosso relacionamento com Deus, depois que nos tornamos cristãos, sempre deve ser primordialmente um relacionamento de pessoa para pessoa.

É claro que há essa distinção que não deve ser esquecida, que ele é Criador e nós criaturas; portanto, em todos os meus pensamentos e atos para com Deus, preciso guardar em mente o relacionamento de criatura-Criador. Mas isso não altera a natureza de pessoa a pessoa no nosso relacionamento. Então, o mandamento é amar a Deus de todo nosso coração, alma e mente. Nada menos o satisfaz. Não sou chamado só para ser justificado. O homem foi criado para estar em comunhão pessoal com Deus e para amá-lo. A oração será sempre vista como comunicação de pessoa a pessoa, não meramente um exercício devocional. Na verdade, quando a oração se torna apenas um exercício devocional, não é mais oração bíblica.­

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