quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

ESTUDO SOBRE A EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS

CAPÍTULO 3 - "OS DOIS MISTÉRIOS"

Por: D.M. Lloyd Jones

"Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação como acima em pouco vos escrevi; pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, o qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um só corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho; do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder." – Efésios 3:2-7

Ao darmos continuidade ao nosso estudo desta frase que vai do versículo 2 ao versículo 7, lembramos que estamos interessados em suas declarações, não simplesmente porque fazem parte da exposição desta grande Epístola, mas porque elas têm uma significação prática muito importante para nós. Estamos vivendo num mundo em que muitos cristãos estão sofrendo agudamente porque são cristãos. No caso de alguns deles, sua fé pode ficar abalada, e a nossa fé pode ficar abalada por causa daquilo que eles têm que suportar. Na verdade, poderá vir o dia em que nós, cristãos, talvez tenhamos que suportar provações semelhantes neste país. O apóstolo nos ensina como estar preparados para essa eventualidade. Todavia, mesmo sem isto, que poderá ser mais proveitoso do que meditar na grandeza desta plano de salvação? Somente quanto compreendermos isto é que louvaremos a Deus como devemos, e Lhe prestaremos culto como se espera que o façamos.
O apóstolo está lembrando a estes cristãos efésios a extraordinária maneira pela qual Deus planejara levar-lhes o evangelho. Paulo os faz lembrar-se de que ele, dentre todos os homens, recebera o grande privilégio de pregar-lhes em Éfeso; ele, apóstolo de igual nível e posição dos outros apóstolos, apesar de nunca ter estado com o Senhor nos dias da Sua carne como eles, e apesar de não ter recebido sua comissão da parte do Senhor enquanto Ele estivera na terra, como acontecera com os outros apóstolos. Não obstante, acrescenta ele, fora¬-lhe dada uma revelação especial no caminho de Damasco e, portanto, ele é um apóstolo da mesma categoria dos outros, e nisto se gloria.
Passamos agora à questão quanto à natureza deste mistério que lhe fora revelado. Nesta longa frase o apóstolo emprega a palavra "misté¬rio" duas vezes, nos versículos 3 e 4; primeiro, "como me foi este mistério manifestado pela revelação" - depois, na Versão Autorizada inglesa há uma afirmação entre parênteses. Infelizmente, outras ver¬sões, entre elas a Versão de Almeida, tanto a Edição Revista e Corrigida como a Edição Revista e Atualizada no Brasil, não utilizam os parên¬teses, e isto confunde a questão. A Versão Autorizada acertadamente começa com parêntese ("como acima em pouco vos escrevi;" - quer dizer, "quando reexaminais isso" - "pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo"). A seguir, depois de fechar o parêntese, o trecho continua: "O qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens". Fica claro que a expressão entre parênteses é definidamente um parêntese. A afirmação principal é: "Como me foi este mistério manifestado pela revelação, o qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo". As palavras entre parênteses são uma afirmação subsidiária ("como acima em pouco vos escrevi."), Paulo se refere aí, não alguma outra suposta Epístola, e sim ao que já disse nos capítulos 1 e 2. Hoje expressaríamos isto com as palavras: "Como eu disse acima, como vocês poderão reler". O apóstolo os faz lembrar-se de que ele já lhes indicou algo da sua "compreensão do mistério de Cristo".
Está bem claro que o apóstolo está empregando a palavra mistério com relação a duas coisas diferentes. Já definimos “mistério” como tendo o sentido de algo que a mente humana não pode alcançar por seus próprios esforços desassistidos, e que só pode ser revelado pelo Espírito. Não significa algo nebuloso ou incerto sobre o qual nunca se pode ter idéia clara; porém algo que, sem a iluminação e a revelação do Espírito Santo, nunca poderemos compreender. Ele utiliza o termo em dois sentidos. O mistério a que se refere no parêntese, no versículo 4, é "o mistério de Cristo". Podemos denominá-lo mistério geral. Mas o que ele está realmente interessado em desenvolver é outro mistério, o mistério que ele descreve nos versículos 5 e 6. Este é um mistério que "noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros". Este é o mistério particular.
Este esclarecimento é essencial, pois, se não estivermos cientes da distinção, provavelmente ficaremos atrapalhados e confusos quanto à declaração inteira. Mais uma vez é interessante observar, não somente como funciona a mente deste grande apóstolo, mas também seu espírito. Ao que parece, é como se houvesse certas coisas que o apóstolo não pode deixar de fazer. Embora isto cause estrago em seu estilo literário (como vimos), parece que ele é totalmente incapaz de controlar-se. Assim, conquanto esteja primordialmente interessado em expor o mistério particular, não pode conter-se de dizer uma palavra sobre o mistério geral.
Começamos, pois, com o mistério geral, o mistério a que ele se refere no versículo 4 e que descreve como o "mistério de Cristo". Ele se refere àquilo que já esteve expondo a estes efésios. Vocês não precisam ficar na incerteza, parece dizer ele, quanto ao meu conheci¬mento desta mensagem a mim confiada; já lhes disse o bastante, já lhes escrevi o bastante para que tenham certeza. O "mistério de Cristo" é simplesmente outra maneira de referir-se a toda a mensagem do evangelho, ou a toda a verdade concernente ao Senhor Jesus Cristo; pois, na realidade, Ele é o evangelho. O evangelho está todo "nEle". Noutras palavras, o apóstolo está se referindo à mensagem a ele confiada, mensagem que ele já tinha pregado oralmente a estas pessoas. E essa mensagem é Cristo, o mistério de Cristo. Ninguém pode ler os escritos de Paulo sem ver que é sempre este o seu grande tema e a sua consumidora paixão. Leiam as epístolas de Paulo e vão pondo no papel todas as referências que ele faz a Cristo, ao Senhor Jesus Cristo, a Cristo meu Senhor, e assim por diante. É surpreendente e espantoso. Como alguém já o expressou, Paulo era um homem "intoxicado de Cristo". Não admira que ele diga: "Para mim o viver é Cristo" - Cristo é o princípio, o fim, o centro, a alma, tudo! Sua mensagem era que tudo que Deus tem para o homem está em Cristo, e em nenhum outro lugar. Assim o vemos escrever em sua Epístola aos Colossenses estas palavras: "Em quem (em Cristo) estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência" (2:3). Tudo está em Cristo; e em nenhum outro lugar. Portanto, Paulo não pode passar a tratar do mistério particular sem dizer uma palavra acerca deste grande mistério geral.
O mesmo elo de ligação se vê na Primeira Epístola de Paulo a Timóteo, uma epístola particularmente prática e pastoral em que ele instrui Timóteo sobre a ordenação de presbíteros e diáconos, e sobre outras questões. O capítulo três é uma das passagens mais práticas de todos os seus escritos; mas aqui de novo ele é arrastado pelo seu tema dominante. Preocupa-o que Timóteo saiba conduzir-se "na casa de Deus, que é a igreja de Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade". A seguir, repentinamente: "E sem dúvida alguma grande é o mistério da piedade: Aquele que se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido acima na glória" (3:16). "Grande é o mistério da piedade!".
Paulo não pode deixar de fazer esta declaração porque a vinda de Cristo ao mundo é a coisa mais tremenda, mais emocionante, mais grandiosa e mais gloriosa que já aconteceu na história. O mistério é a espantosa maneira pela qual Deus enviou a salvação aos homens; é a maneira pela qual Ele o fez; é tudo quanto aconteceu com o Senhor Jesus Cristo e por meio dEle. Que mistério! Quem jamais teria tido um simples vislumbre dele, quem jamais o teria conhecido, não fora a iluminação, a revelação que só o Espírito Santo pode dar!
Vamos examiná-lo de novo. Nasce um bebê em Belém e é posto numa manjedoura. Isso acontece muitas vezes. O nascimento de um bebê! Milhares de bebês nascem diariamente. Mas "O Bebê de Belém" é o maior mistério que o mundo já conheceu porque aquela criança, aquele bebê, é o eterno Filho de Deus. O mistério está em que resultou em “duas naturezas numa pessoa!” Ele é Deus, Ele é homem. Há estas duas naturezas nEle e, todavia, Ele não é duas pessoas é uma. "Não entendo isso", dirá alguém. Naturalmente que não, e não se espera que entenda! Se você pensa que a sua mente é suficientemente grande para captar e apanhar esse conceito, será melhor pensar de novo. Este é "o mistério da piedade". Este homem, o apóstolo Paulo, que provavel¬mente o penetrou mais profundamente que todos quantos já viveram, simplesmente recua e diz: "Grande é o mistério da piedade". Este lhe foi revelado, de modo que ele sabe que há duas naturezas numa só Pessoa. Agora ele sabe quem é essa pessoa; não por um processo dele próprio, mas, como ele nos diz, pela revelação vinda mediante o Espírito Santo. De fato o Filho mesmo lho dissera quando, no caminho de Damasco, perguntara: "Quem és tu, Senhor?" - "Eu sou Jesus a quem tu persegues”. Esse é o mistério de Cristo! Este é o meio divino de salvação. Deus é Todo-poderoso, o eterno e sempiterno Deus, para quem as nações são “como o pó miúdo das balanças", são vaidades, são menores e mais leves que a vaidade. Foi Ele que do nada fez tudo e disse: "Haja luz, e houve luz". Assim teríamos pensado que, quando Ele' desejasse salvar o homem e o mundo, tornaria a proferir alguma palavra grandiosa que faria o universo inteiro balançar e tremer. Teríamos esperado alguma dramática exibição de poder pelo qual Deus salvaria os homens e destruiria o mal. Mas Deus não agiu dessa maneira. Seu meio de salvação acha-se neste mistério de Cristo num, num frágil bebê. Não há nada que seja mais fraco ou mais frágil; nada que seja menor, nada que seja mais indefeso. Esse é o método de Deus!
Depois considere tudo que aconteceu a Ele e com Ele. Procure contemplar todo o processo da encarnação. Considere como Ele Se despojou da insígnia da Sua eterna glória para nascer como um bebê. Depois continue a pensar em Sua humilhação e em tudo que Ele suportou e sofreu; e então a morte, o sepultamento, a ressurreição e a ascensão. Esse é o caminho da salvação estabelecido por Deus! Esse é o modo como Deus trata as críticas condições do homem, o problema humano! Esse é o meio pelo qual Deus reconciliou conSigo os homens e pelo qual produzirá finalmente ordem e glória do caos das coisas como estas são agora! Esse é o mistério ao qual Paulo está se referindo! Esse é o mistério, a compreensão que lhe fora dada do mistério de Cristo!
Deixem-me fazer uma pergunta: "o mistério de Cristo" é o interesse mais absorvente da sua vida? O "mistério de Cristo" é, para vocês, a coisa mais comovente do mundo? Está ele no centro das suas vidas, ocupa ele a parte suprema dos seus corações, o ponto central das suas meditações? Nas Escrituras Cristo está sempre nessa posição central. Os nossos hinos mais grandiosos olham para Ele, contemplam-nO e, com Paulo, expressam grande admiração face ao mistério. O mistério de Cristo! Este nada dizia aos judeus e aos gentios. Esta é a última Coisa em que Paulo jamais teria pensado ou imaginado. Mas é fato, é evangelho. É o que pessoalmente Cristo tornara conhecido a Paulo na estrada de Damasco e o comissionara para pregar aos judeus e aos gentios, dizendo-lhe que somente nEle se Pode obter a remissão dos pecados, a vida eterna e a esperança da glória eterna.
Creio que já não estamos tão surpresos como talvez estávamos quanto à razão pela qual Paulo fez este parêntese, deixando de lado o estilo. Muitas vezes achei que grande parte da explicação do trágico estado da Igreja moderna está no fato de que já não temos parênteses! Somos perfeitos demais, a nossa forma literária é soberba; o ensaio pode ser belo, mas falta vida, falta realização. Somos demasiadamente auto-controlados; e isto é porque não temos Visto “o mistério de Cristo". Graças a Deus pelos parênteses que nos lembram "o mistério de Cristo"!

Devemos agora dirigir a atenção ao mistério particular. O mistério particular a que o apóstolo começou a referir-se no versículo 3, é por ele retomado agora no versículo 5 - "O qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da prol?essa em Cristo pelo evangelho". Esta porção se refere à matéria particular das relações entre judeus e gentios na Igreja cristã. Diz-nos o apóstolo noutro lugar que se gloria no fato de que ele é, em particular, “o apostolo dos gentios", e se gloria nesse encargo. Ele se refere a isso nesta altura porque está escrevendo aos cristãos efésios, que tinham sido pagãos, e o seu objetivo, como eu já disse, é habilitá-los a dar-se conta da maravilha e do portento da sua salvação.
Mas nós temos nosso próprio motivo para dar cuidadosa atenção a esta declaração particular. Digo com a maior franqueza que preferiria não tratar deste assunto, porém o trabalho da pregação não é só exortar e consolar, e sim também instruir; e é só quando compreendemos as doutrinas com as nossas mentes que podemos viver verdadeiramente a vida cristã e desfrutá-la, como é o seu propósito para nós. Sei que há aqueles que usam certas "Bíblias" com notas que dão muita ênfase a esta declaração particular, e dela constroem toda uma perspectiva e esquema de ensino. Refiro-me ao ensino comumente conhecido como dispensacionalismo e sei que há sempre o perigo, quando vemos notas na Bíblia, de crer inconscientemente que as notas são inspiradas como o texto. Temos a tendência de as engolir e tomá-las como autênticas. Portanto, somos Impulsionados a ver essa declaração a partir desse ponto de vista particular.
O ensino dispensacionalista afirma que todas as promessas que se acham no Velho Testamento foram feitas aos judeus somente, e a estes se aplicam; Isto e, não se aplicam à Igreja; afirma-se que a Igreja Cristã é algo que "entra" - este é o termo que empregam - como uma espécie de "parêntese". Os dispensacionalistas sustentam que quando o Senhor Jesus Cristo veio a este mundo, veio para oferecer o reino dos céus aos judeus, e foi somente porque os judeus o recusaram que a idéia da Igreja foi introduzida. Se os judeus tivessem aceitado o reino dizem eles, nunca teria existido Igreja Cristã nenhuma. No entanto tendo os judeus rejeitado o reino, a Igreja foi introduzida como urna nova dispensação, como uma espécie de parêntese. A Igreja terá fim e, então, mais uma vez haverá uma restauração dos judeus como nação, e Cristo estabelecera Seu reino entre eles. Traçam uma aguda linha de divisão entre a Igreja e o reino. Dizem eles que os judeus ainda constituem um povo separado e especial, e que as profecias do Velho Testamento só se aplicam a eles.
O significado disto para a nossa posição hoje é que aqueles que acreditam no ensino dos dispensacionalistas estão ocupados demais pregando sermões e fazendo discursos sobre o Egito e sobre o que está acontecendo na Palestina e no Oriente Próximo. Alguns têm até a pretensão de que podem predizer o que vai acontecer, e quando. Encontraram isso tudo nas Escrituras, dizem eles. Por esta razão fazem grande uso da declaração particular que estamos examinando. Salientam que o apóstolo diz: "Como me foi este mistério manifestado, o qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens", e param nisso. Depois dão prosseguimento, argumentando que estas palavras deixam perfeitamente claro que o "mistério" pertencente à Igreja não foi conhecido sob a antiga dispensação; na verdade, enquanto não foi revelado ao apóstolo Paulo. De fato alguns se aventuram a afirmar que em parte alguma o Velho Testamento ensina que os gentios seriam salvos.
Há só uma resposta a tal ensinamento. Se os seus expositores lessem o Velho Testamento sem preconceito, veriam muitas referências à matéria em discussão entre nós. A promessa foi feita a Abraão, como Paulo no-lo faz recordar no capítulo três de Gálatas: "Todas as nações serão benditas em ti" (3:8). Em Isaías há referências às "ilhas", aos "gentios" etc. Essa é a resposta pura e simples. Mas há outras respostas, e mais importantes, a modo de réplica aos que dizem que a Igreja, como tal, não foi conhecida sob a antiga dispensação. Aqui vai uma citação das notas de uma bem conhecida "Bíblia". “A Igreja corporativamente não está na visão dos profetas do Velho Testamento”, e depois, entre parênteses, para provar seu ponto de vista, "(Efésios 3: 1-6):'. Efésios 3: 1-6, segundo essa afirmação, indica que a Igreja, corporativamente, não está na visão do profeta do Velho Testamento. Essa citação acha¬-se na introdução dos livros proféticos do Velho Testamento naquelas Notas particulares. Talvez eu deva acrescentar, para tomar completa a minha exposição, que há um sistema de ultra-dispensacionalismo associado ao nome do Dr. Bullinger, o qual vai tão longe que chega a dizer que é somente nas Epístolas que temos realmente o evangelho do Novo Testamento aplicável a nós. O Dr. Bullinger ensinava que os Evangelhos nada têm a ver conosco, que eles eram só para os judeus; é aqui no capítulo 3 de Efésios que temos a mensagem para esta era, para judeus e gentios na Igreja.
Qual será a resposta a este ensino? Certamente a doutrina concernente à Igreja foi claramente ensinada por nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Considere o que transpirou em Cesaréia de Filipe, quando o Senhor disse a Pedro: "Sobre esta rocha edificarei a minha igreja". As famosas Notas têm que admitir que de fato Ele disse isso, mas afirmam que Ele não desenvolveu a idéia. O fato, porém, é que Ele o disse; assim, esta verdade concernente à Igreja não foi revelada somente a Paulo; já havia sido revelada. O Senhor a ensinara. Além disso, Pedro, pregando no dia de Pentecoste disse: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, e recebereis o dom do Espírito Santo; porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe". É uma clara referência aos gentios. Do mesmo modo, é óbvio que Pedro e João compreenderam este principio quando reconheceram que os samaritanos, que não eram judeus, também tinham recebido os benefícios da salvação, pelo que impuse¬ram as mãos sobre eles para que recebessem o Espírito Santo. De novo Pedro, no dramático acontecimento que ocorreu antes de sua ida à casa de Cornélio, foi levado a ver a mesma verdade. Foi necessária uma visão oriunda do céu para fazer Pedro enxergá-la. Como judeu, ele não podia entender isto. A despeito do fato de que ele era um homem salvo e de que passara pela experiência do Pentecoste, a idéia de que os gentios haveriam de tomar-se co-herdeiros com os judeus era, em sua opinião, impossível. Mas com a visão que teve, e havendo testemunha¬do o cair do Espírito Santo sobre Cornélio e sua casa, ele viu esta verdade uma vez e para sempre, e assim admitiu os gentios na Igreja. Ele foi criticado por fazê-lo e se defendeu, como se nos diz nos capítulos 11 e 15 do livro de Atos dos Apóstolos. Fica, pois, claro que, antes de Paulo haver-se tomado apóstolo aos gentios, esta verdade já fora pregada.
No entanto, esta verdade realmente se encontra no Velho Testamen¬to. Há passagens, como Ezequiel capítulo 36 e outras, que mostram este retrato da Igreja. E como Paulo argumenta no capítulo três de Gálatas, na promessa a Abraão ela está perceptivelmente implícita. Quão importante é dar-nos conta do perigo de começar com uma teoria e impô-la às Escrituras! Eis o que de fato diz o apóstolo: "O qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens" - e então vem não um ponto final, e sim uma vírgula - "como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas". O apóstolo não está dizendo que o mistério nunca fora revelado antes. O que ele está dizendo é que ele não fora revelado antes “como", "na medida em que", agora foi revelado. Lá estava em embrião; agora está em plena florescência e desenvolvimento. Lá estava em sombra, como uma sugestão; agora está plenamente revelado. A expressão é, "como agora tem sido revelado...”. Como são extraordinárias as sutilezas da mente humana, mesmo quando cristã, mesmo após ter recebido o Espírito Santo! Não é questão de desonestidade. Estou apenas indicando que as nossas mentes são falíveis e que, portanto, temos que ser cuidadosos quando estudamos as Escrituras para não suceder que elaboremos um sistema completo de doutrina baseados num texto ou numa compreen¬são errônea de um texto.
O mistério agora feito claro e simples não é apenas o fato de que é para os gentios serem salvos, mas que é para os gentios e os judeus estarem juntos na Igreja Cristã - em estreitas relações uns com os outros. Paulo não está dizendo que agora se deve permitir que os gentios se tornem judeus prosélitos. Nisso os judeus já criam; na verdade eles tinham praticado o proselitismo. Muitos gentios chega¬ram a ver a verdade de Deus nas Escrituras do Velho Testamento, e os judeus os instruíam e os circuncidavam e, assim, eles se tomavam judeus prosélitos. Permitia-se que o gentio entrasse, mas somente como prosélito; não era ainda um judeu completo. Não obstante, o mistério que fora feito claro para Paulo e para os demais apóstolos era que os gentios agora tinham ingressado, não como acréscimo, nem como prosélitos, mas haviam entrado nesta nova realidade, a Igreja, exatamente da mesma maneira como o judeu. Ele está afirmando que agora a Igreja é o reino, que aquilo que a nação judaica era no Velho Testamento, a Igreja é agora; e que aquela distinção antiga não existe mais. Noutras palavras, ele está dizendo que se cumpriu a profecia do Senhor registrada em Mateus 21 :43: "Portanto eu vos digo que o reino de Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos". O apóstolo Pedro repete isto a seu modo aplicando-o à Igreja, consti¬tuída de judeus e gentios, as próprias palavras que Deus empregara, mediante Moisés, referentes à nação de Israel, em Êxodo, capítulo 19: "Vós sois o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido" (ou "um povo peculiar"). A Igreja é a forma atual do reino.
O ponto defendido pelo apóstolo é que a velha distinção entre os judeus e os gentios foi abolida uma vez por todas. Ele já mostrou isso no capítulo dois, afirmando que "a parede de separação que estava no meio" já não existe, que Cristo a demoliu e criou "um novo homem, fazendo a paz". A antiga distinção se foi. A maneira particular como Paulo o afirma é sumamente interessante. Ele o expressa empregando a palavra "companheiro" três vezes (vs. 3 - 6 Infelizmente a Versão Autorizada (em inglês) e a Versão de Almeida omitem isto e dizem: "co-herdeiro, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa". Todavia, na verdade Paulo disse: "companheiros herdeiros, compa¬nheiros membros do corpo, companheiros participantes da promessa" (ou "co-herdeiros, co-membros do corpo, co-participantes da promes¬sa").
Os gentios, diz ele, devem ser co-herdeiros com os judeus, o que significa que todas as promessas feitas por Deus aos judeus no Velho Testamento estão agora acessíveis aos gentios. O judeu é participante com o gentio, ambos no mesmo nível - igualmente o gentio com o judeu. Não há diferença. Ambos são co-herdeiros e, por assim dizer, têm o mesmo lugar na vontade de Deus; ambos recebem os mesmos benefícios. Isto se refere à nova aliança que Deus tinha prometido. Ele dissera que ia fazer uma nova aliança, não semelhante à que fizera quando os tirara do Egito. Esta é: "Dos vossos pecados e das vossas iniqüidades não me lembrarei mais"; "Serei para vós Deus, e vós sereis para mim um povo". Entretanto isto não é mais somente para os judeus; é também para os gentios; é para mim e para você. Estamos na vontade de Deus, somos herdeiros junto com os judeus, a velha nação, o antigo povo de Deus, nesta admirável promessa dos benefícios da nova aliança.
A segunda expressão é "co-membros do corpo". Poderíamos ter pensado que "co-herdeiros" diz-nos tudo e que não há nada que possa ir alem. Talvez se possa explicar este elemento adicional com uma ilustração. Imaginemos um homem que só tem um filho, mas também um criado da família que está com ele, digamos, há quarenta anos, e que ele passou a considerar quase como filho. Assim, quando ele faz o seu testamento, declara que todos os seus bens deverão ser repartidos entre o seu filho e o seu fiel criado. Um criado pode se tomar co-herdeiro, porém continua sendo criado. Isto não faz dele um membro da família: não significa que ele tem o mesmo sangue; não significa que houve mudança na relação essencial. Por isso o apóstolo acrescenta a "co¬-herdeiros" o termo "co-membros do corpo". É isto que põe abaixo todas as tentativas para fazer perpetuar a distinção entre os judeus e os gentios. Não é, diz Paulo, que os gentios são apenas acrescentados superficialmente a alguma coisa; eles são interligados de forma com¬pacta, unidos como juntas neste corpo. Já não há distinção; não há superioridade, nem inferioridade. O sistema dispensacionalista afirma que há, que existe um "povo celestial" e um "povo terrenal", e que os judeus serão trazidos de volta e que tornarão a receber um lugar muito especial numa era futura. Este ensino é uma negação do que nos é dito na passagem em foco, negação de que tudo isso terminou para sempre, de que há um só corpo, e que o Judeu e o gentio são partes (juntas) Igualmente Implantadas no corpo.
O apóstolo dá mais um passo ainda, dizendo que somos "co-¬participantes da promessa". A luz doutras partes das Escrituras, isto significa duas coisas. Em Gálatas 3: 14 lemos: "Para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo, e para que pela fé nós recebamos a promessa do Espírito". Esta é também chamada "a promessa do Pai", e isso passa como um fio de ouro através do Velho Testamento. É o que aconteceu no dia de Pentecoste que Pedro explicou assim: "Isto é o que foi dito pelo profeta Joel", A promessa do Pai é o derramamento do Espírito e os resultados dele decorrentes. Vocês são co-participantes da promessa, diz Paulo aos efésios, vocês receberam a plenitude do Espírito exatamente como os judeus. Mas eu acredito que as palavras têm mais um sentido. Outra grande promessa foi a da ressurreição e do glorioso reino do Filho de Deus. Paulo afirma isto com muita clareza em Atos 26:6-8, ao fazer a sua defesa perante o rei Agripa e Festo. "E agora", diz ele, "pela esperança da promessa que por Deus foi feita a nossos pais estou aqui e sou julgado. À qual as nossas doze tribos esperam chegar, servindo a Deus continuamente, noite e dia. Por esta esperança, ó rei Agripa, eu sou acusado pelos judeus. Pois quê? Julga-se coisa incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?" A promessa é que o Messias viria e venceria a morte e o túmulo, e traria à luz a vida e a imortalidade. É a promessa da ressurreição, da ressurreição final, e da vinda do reino glorioso, "novos céus e nova terra, em que habita a justiça". Isso era uma coisa que o judeu pregava acima de tudo mais. Ele teve que sofrer muito em sua vida neste mundo, mas olhava para além disso tudo, como se nos diz em Hebreus, capítulo 11 - ele aguardava o cumprimento daquela promessa, a ressurreição e a vida gloriosa. Primeiro essa promessa estava restrita ao judeu; o gentio estava sem esperança, sem Deus no mundo, como Paulo já dissera no capítulo 2, versículo 12; mas agora diz ele que os gentios são co-participantes da promessa de Deus em Cristo pelo evangelho.
Para nós isto significa que podemos aguardar anelantes a ressurreição do corpo, um corpo glorificado. Podemos aguardar anelantes nossa morada numa nova terra sob novos céus, em que habita a justiça; co¬-participantes da promessa, "Cristo em vós, a esperança da glória".
Esses são os dois mistérios que o apóstolo nos diz que lhe foram dados, para os pregar: o mistério geral, o mistério de Cristo; e o mistério particular de que o propósito de Deus agora é manifesto e está em operação na Igreja; e de que a Igreja é a forma final deste propósito, até completar-se. O judeu e o gentio estão juntos em Cristo, compartem as bênçãos de Deus agora e participarão dos benefícios da glória eterna e sempiterna. Estarão sempre surpresos e maravilhados por toda a eternidade ante a graça de Deus que fez isto possível, que nEle nos juntou e que a nós e aos judeus fez co-herdeiros, co-membros do corpo e co-participantes de tão bem-aventurada esperança.

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