terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CONTINUAÇÃO DO ESTUDO DA EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS

CAPÍTULO 2

"O MISTÉRIO DE CRISTO"

"Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação como acima em pouco vos escrevi; pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, o qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas; a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho; do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder." – Efésios 3:2-7

Ponderaremos agora as palavras que se acham nos versículos 2 a 7, e devemos ver isto como um todo, porque é unicamente uma frase com muitas subdivisões; e há um sentido em que, se temos de entender corretamente qualquer das suas partes individuais, precisamos ter alguma concepção da declaração toda. É o início de uma longa digressão que continua até o fim do versículo 13. Vimos que o objetivo da mesma era ajudar estes efésios, que estavam aflitos pelo fato de quê o apóstolo era prisioneiro. Ele queria que eles vissem as coisas de tal modo que não somente não desfalecessem ante o fato - como o diz o versículo 13 - mas que até se gloriassem nisso. Ele mesmo está se gloriando nisso, e aqui prossegue para mostrar-lhes que eles também deveriam gloriar-se no seu aprisionamento.
O apóstolo começa a fazê-lo no versículo 2: "eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios; se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada", Poder-se-ia traduzir: "Supondo-se que sabeis", ou "tomando como certo que estais cientes do fato" de que estou nesta condição especial com respeito a vocês. Alguns comentaristas vêem-se em dificuldade com esta expressão: "Se é que tendes ouvido", como se o apóstolo estivesse em dúvida sobre isso. No entanto não é uma expressão de dúvida; é uma maneira de dizer: "supondo-se, naturalmente, que sabeis", "tomando como certo". Mesmo assim, embora pressupondo que o sabem, o apóstolo põe-se a falar daquilo. Aqui de novo está uma das lições que jamais devemos deixar de aplicar quando lemos as Escrituras. Vocês sabem tudo sobre isto, diz o apóstolo, mas outra vez vou fazê-los recordá-lo. A quintessência do bom ensinar é a repetição. Todos nós pensamos e supomos que sabemos certas coisas, porém quando somos examinados a respeito delas, muitas vezes descobrimos que não as sabemos. Não só isso; conquanto possamos sabê-las teoricamente, de um modo ou de outro ao ver-nos em dificuldade ou com problemas, falhamos na aplicação do conhecimento. É, pois, necessário que nos façam recordá-las. É o que o apóstolo faz aqui. Eles sabiam tudo isso - o próprio apóstolo lhes falara a respeito, outros lhes tinham falado - entretanto desde que estavam perturbados por ele estar na prisão, era preciso fazê-los lembrar-se disso de novo. Ele o faz com muita deliberação, pois eles estavam entendendo mal as suas tribulações porque na verdade não tinha entendido a lição. Contudo, ao mesmo tempo, não se pode ler esta digressão sem sentir gue o apóstolo alegra-se em repassar mais uma vez a grande história. E tão gloriosa, tão magnífica! Há certas coisas que não se pode contar em demasia, tão magníficas elas são.
O objetivo de Paulo era levar os cristãos efésios a verem que somente quando compreendessem o que Deus fizera por eles por meio dele, como apóstolo de Cristo, é que não só não ficariam escandaliza¬dos com o seu aprisionamento, mas na verdade acabariam louvando a Deus, apercebidos da perfeição dos Seus inescrutáveis caminhos. Naturalmente a mesma coisa continua sendo aplicável a nós. Além de toda dúvida, não há nada que dê tanta consolação e segurança à fé, não há nada que nos cause tanta alegria na vida cristã, como simplesmente postar-nos a contemplar, e compreender nalguma medida o grandioso plano, esquema e propósito da redenção de Deus. É isso que o apóstolo descerra aqui para estes efésios e, por meio deles, descerra para nós. Ele lhes está oferecendo uma rápida descrição de como foi que o evangelho chegou a eles, pagãos como eram. Ele os faz lembrar-se de que levavam vida ímpia, adorando uma multiplicidade de deuses, e particularmente em Éfeso adorando a grande deusa Diana, fazendo imagens e ídolos e, naturalmente, vivendo no baixíssimo nível moral que sempre caracte¬riza o paganismo e o politeísmo. Tais foram eles outrora, porém agora são santos da Igreja de Deus, e juntamente com os judeus convertidos adoram a Deus. Esse fato é mais que surpreendente, é quase inacreditável. Mas a grande interrogação é: como foi que isto veio a acontecer? O apóstolo passa a dizer-lhes, e especialmente o faz na longa frase que começa aqui no versículo 2 e que vai até o fim do versículo 7.
Ao examinarmos este assunto, lembremo-nos de que não se trata apenas de uma questão de interesse acadêmico, ou de interesse pela história do apóstolo Paulo. Talvez alguns indaguem se a nossa pesquisa traz algum proveito num mundo tão cheio de problemas e dificuldades, e perguntam que é que isso tem a ver conosco. A resposta é que o apóstolo trata aqui de questões absolutamente fundamentais para toda a posição cristã. Ao mesmo tempo ele tem coisas para dizer aqui, que me parecem sumamente relevantes e importantes quando considerados em relação ao interesse atual pelo ecumenismo e por uma possível grande Igreja mundial, incluindo até o catolicismo romano, que poderia opor-se ao comunismo e à perspectiva ateísta em geral. O apóstolo nos apresenta aqui certos princípios cardeais cuja negligência nos levará a grave erro. Noutras palavras, quando Paulo relata aqui uma parte de sua história pessoal, também nos está instruindo no ensino do Novo Testamento com relação à Igreja, a certos encargos na Igreja e a toda a natureza da verdade cristã.
A primeira coisa que ele diz aos crentes efésios é que, no momento, ele está na prisão por ser um apóstolo dedicado a servi-los: "Se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação...”. Ele prossegue dizendo que este mesmo "mistério" foi "revelado pelo Espírito aos santos apóstolos e profetas (do Senhor), do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder" (versículos 2 a 7). Aqui começamos a olhar para a extraordinária provisão que Deus fez para nós e para a nossa salvação. Triste é dar-nos conta de quão poucas vezes paramos para meditar em tudo isto! É-nos dito com muita freqüência nas Escrituras que Deus planejou e quis a nossa redenção "antes da fundação do mundo", porém quantas vezes contemplamos isso pormenoriza¬damente? Quantas vezes meditamos nesse grande plano-mestre de Deus, e compreendemos como cada parte e parcela foi planejada e predeterminada, e como, na plenitude do tempo, Deus o pôs em ação? Deus tivera este grande propósito de unir gentios e judeus e de enviar esta mensagem de salvação por todo o mundo. Para que isto aconteces¬se, como o apóstolo nos dirá no capítulo 4, Deus fez surgir a Igreja. Há "um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus de Pai e todos" (versículos 5 e 6). Também "deu dons aos homens", incluindo-se vários encargos: "deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo" (versículos 11 e 12). Que perfeição de plano! Tudo isto foi ordenado por Deus, diz o apóstolo, e como uma parte disto, ele foi chamado por Deus para ser apóstolo. Observem a bela linguagem com a qual ele o expressa: "a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada". Deus, diz o apóstolo, confiou-me uma tarefa como um despenseiro desta Sua maravilhosa graça. Deus me designou para ser um dos defensores e guardiães deste precioso favor que Ele está manifestando para a humanidade no Filho do Seu amor, nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Vemos agora por que o apóstolo não pede desculpas por repetir estas coisas. Jamais olvidou o espanto e a maravilha disto - que ele, que fora blasfemo e perseguidor, que odiara a Cristo e Sua Causa, e que pensava estar prestando serviço a Deus quando perseguia a Igreja Cristã - que a ele tivesse sido dada de fato esta dignidade, esta honra, este privilégio de ser chamado pelo próprio Deus para ser um apóstolo desta mensagem, um mordomo desta verdade, alguém chamado para propagar as estupendas boas novas vindas ao mundo por meio de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Noutras palavras, a sua reivindicação é que, como em toda parte nos diz em seus escritos, ele é um apóstolo no sentido mais completo do termo. É tão apóstolo como Pedro, Tiago, João e todos os demais. Ele, que fora tão oposto ao evangelho, é um dos principais arautos do evangelho. "Esta graça me foi dada", diz ele. Devemos examinar o que ele inclui nesta definição, nesta designação.
Um apóstolo era alguém que fora muito definida e especificamente chamado pelo próprio Deus, em particular pelo Senhor Jesus Cristo. Se vocês lerem as diversas Epístolas de Paulo no Novo Testamento e derem bastante atenção às introduções por ele escritas, verão que, quase invariavelmente, ele se refere a si mesmo como alguém que foi "chamado para ser apóstolo", expressão que se traduz melhor, "um chamado apóstolo". Ninguém poderia ser apóstolo, a não ser que fosse chamado desta maneira única e especial. Noutras palavras, um apósto¬lo, é alguém não nomeado pela Igreja. Ninguém pode nomear ou criar um apóstolo. Uma parte essencial da definição de apóstolo é que de maneira única, especial e direta, ele é "chamado de Deus". Paulo transmite isso aqui, na expressão: "a graça de Deus, que para convosco me foi dada"; o dom foi-me dado, a honra foi-me conferida.
Temos outro exemplo desta ênfase na carta aos gálatas: "Paulo apóstolo" - depois, entre parênteses, "não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos" (1: 1). Observem o modo como Paulo o coloca, e como é importante a negativa - "não da parte dos homens, nem por homem algum". Não se pode ser apóstolo "de" homens nem "por" homens, Ele dá ênfase à declaração por este bom motivo, que, perambulando pelas igrejas naqueles primeiros dias, havia certos falsos apóstolos, homens que diziam, "Eu sou apóstolo", e que insta¬vam com as pessoas a que não dessem ouvidos à pregação do apóstolo, que segundo eles, não era apóstolo. Eles alegavam que eram os verdadeiros apóstolos, ensinavam às pessoas que precisavam circun¬cidar-se e submeter-se a certos ritos, e que o evangelho da salvação gratuita não era verdadeiro. O apóstolo sempre os denunciava como falsos apóstolos. Eram "anticristos", como lhes chama o apóstolo João; nunca foram chamados por Deus; foram nomeados por si mesmos ou por outros homens; eram" de" homens, e "por" homens, e não por Jesus Cristo e Deus o Pai.
Mas Paulo sustenta que ele é um verdadeiro apóstolo: "Esta graça", diz ele, "foi-me dada". Que expressão! O próprio ofício constitui uma graça; é uma dispensação da graça; todavia também inclui a idéia de que quando Deus chamava um homem para ser apóstolo, por Sua graça o equipava para ser apóstolo. Dava-lhe certos dons. Invariavelmente havia certos "sinais" e "marcas" de apóstolo. Ao verdadeiro apóstolo sempre era dada a graça e o poder de operar "milagres, prodígios e sinais". Homem nenhum era apóstolo, se não era capaz de produzir esta autenticação. Há muitas referências a isto nas Escrituras do Novo Testamento. Um dos "selos", "marcas", "sinais" de um apóstolo era que tivesse este poder sobrenatural, miraculoso. Assim, quando lemos o livro de Atos dos Apóstolos, encontramos expressões como esta: "Deus pelas mãos de Paulo fazia maravilhas extraordinárias". Maravi¬lhas extraordinárias! Eram tão numerosas que o povo se levantava, cheio de espanto e admiração. De fato isto acontecera nesta mesma cidade de Éfeso quando Paulo estivera lá, e se originou grande tumulto, como se pode ler no capítulo 19 do livro de Atos.
Acima disso tudo, e muito mais importante para o nosso propósito imediato, está o fato de que um apóstolo era um homem a quem Deus dera, de maneira muito especial, a mensagem de salvação. Paulo declara: "Uma dispensação da graça de Deus me foi dada". Os apóstolos foram os "despenseiros", os guardiães, os defensores do mistério da fé. Há vários outros lugares nas epístolas em que o apóstolo diz a mesma coisa. Lemos, por exemplo, na Primeira Epístola aos Coríntios: "Que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus" (4:1). Isso tudo é de tremenda importância para nós. Já nos foi dito pelo apóstolo, no fim do capítulo 2, que a Igreja de Deus está estabelecida "sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas" (versículo 20). Aqui o apóstolo nos ajuda a entender isto. Deus toma estes homens, estes homens especiais, e os faz despenseiros, guardiães, administradores da mensagem da Sua mara¬vilhosa graça redentora.
Vemos aí o desenrolar do plano de redenção. Deus o Pai o pensou; Ele o planejou. Na "plenitude do tempo" Ele enviou Seu unigênito Filho ao mundo para realizar a obra absolutamente necessária. Se o Filho não tivesse vindo, ensinado e morrido, se não tivesse levado sobre Si os pecados dos homens e seu castigo, se não tivesse ressusci¬tado e retomado ao céu, a salvação jamais teria sido possível. A graça de Deus vem por intermédio do Senhor Jesus Cristo. Depois Deus enviou O Espírito Santo no dia de Pentecoste para que esta graça que fora preparada fosse administrada, nos fosse dispensada. Não haveria proveito em providenciá-la, a não ser que fosse preparado o canal pelo qual viesse até nós individualmente, para que pudéssemos recebê-la e desfrutá-la. O Espírito Santo faz isto dando esta habilitação e este entendimento, este poder e capacidade àqueles homens que Deus chamou e designou para serem os defensores, guardiães e despenseiros dela.
No início do livro de Atos dos Apóstolos pode-se ver claramente este plano e propósito de Deus. Nosso bendito Senhor ressurgira dos mortos e Se manifestara durante quarenta dias aos Seus discípulos. Eles conheciam os fatos acerca da Sua vida, morte e ressurreição, entretanto ainda não estavam em condições de ir e pregar. Não poderiam fazê-lo enquanto não recebessem a plenitude, o batismo do Espírito Santo (Atos 1:8). Mas depois podiam, e o fizeram. Cheios do Espírito de Deus, foram e pregaram esta mensagem do evangelho.
É isso que Paulo quer dizer quando fala que uma dispensação, uma administração deste admirável mistério da graça de Deus lhes fora dada. Deus o enchera do Espírito, capacitara-o a compreender. Deus o enviara a pregar e lhe dera poder para pregar, e para atestar a verdade com a realização de milagres. No tempo devido ele viera aos efésios e lhes pregara, e os que creram foram acrescentados à Igreja. E agora ele lhes diz que por isso está na prisão.
Que coisa tremenda! Estes crentes efésios, na maioria provavelmente simples e comuns escravos, tinham sido incluídos neste plano esquema eterno de Deus. Vocês percebem a dolorosa situação a que Deus chegou a fim de que eu e vocês fôssemos resgatados e redimidos, e nos tornássemos santos e finalmente, viéssemos a passar a eternidade em Sua gloriosa presença? Agora, pois, diz Paulo aos efésios, não desfaleçam por causa das minhas tribulações, não pensem muito em minhas cadeias na prisão; pensem antes nesta coisa esplêndida que Deus fez - "uma dispensação da graça de Deus me foi dada para convosco"! Ele me deu essa dispensação no caminho de Damasco, quando me disse que me chamou para ser um "ministro e testemunha". Fui designado e comissionado para pregar aos judeus e aos gentios. Pensem nisso, diz o apóstolo; vejam este grande propósito de Deus! Não desperdicem a sua compaixão por mim; glorio-me no fato de que estou sofrendo pelo nome de Cristo, e gostaria que vocês se gloriassem nisso também.
Algo lhe foi confiado, diz o apóstolo. Ele foi feito despenseiro. O quadro é familiar. Um grande homem, dono de um castelo e de grandes possessões, não pode fazer tudo sozinho; o que ele faz é nomear mordomos. Coloca um a cargo disto, outro a cargo daquilo. São responsáveis perante ele e a favor dele administram os seus negócios de acordo com as diferentes "dispensações" a eles confiadas. Portanto, Paulo foi feito despenseiro. Mas despenseiros de quê? Ele lhe chama "mistério" - "Como me foi este ministério manifestado pela revela¬ção" - e o repete - "como acima em pouco vos escrevi; pelo que quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo".
Quando lemos estas epístolas do Novo Testamento, freqüentemente encontramos esta palavra "mistério"; é, pois, essencial que entendamos o que o apóstolo quer dizer com ela. Muitos há que ensinam que este termo "mistério" significa que a mensagem cristã, a fé cristã, é uma coisa vaga, indefinida, nebulosa, uma coisa que de modo nenhum pode ser definida; noutras palavras, asseveram que o cristianismo não passa de uma forma de misticismo. Neste ponto vemos a relevância prática desta porção das Escrituras para a nossa presente situação. A tendência geral do "pensamento moderno" é desacreditar a definição, a doutrina, o dogma e toda formulação teológica. Afirma-se que as definições da fé dividem os cristãos e, como a única coisa que importa é estarmos todos unidos, não devemos dar ouvidos a definições precisas. Na verdade, muitos vão mais longe a e afirmam que, por sua própria natureza, o cristianismo é uma coisa que escapa à definição. Não devemos tentar definir o cristianismo, dizem eles, porque ele é uma experiência mística maravilhosa, é um mistério. Não podemos dizer o que ele é, mas podemos ser iniciados nele; não podemos declará-lo no papel, mas podemos senti-lo e experimentá-lo. No momento em que tentarmos dizer o que ele é, e defini-lo - dizermos que é isto, que não é aquilo - vocês o estarão destruindo, porque nesse caso o cristianis¬mo deixará de ser um mistério. Daí interpretam a palavra "mistério" no sentido de "misticismo", ou quase "nebulosidade", algo vago e indefi¬nido, algo que não se pode expressar mediante proposições. Contudo o certo é que o apóstolo Paulo, nesta passagem e em toda parte, nega essa interpretação. O que ele diz é que o mistério lhe foi "revelado". Não é uma coisa vaga e indefinida, e sim uma mensagem que lhe foi tomada simples e clara.
"Mistério", no sentido do Novo Testamento, é um termo técnico pertencente a uma verdade que, em vista do seu caráter, jamais poderá ser alcançada; não se pode chegar a ela por meio do intelecto humano desassistido, nem por meio da capacidade humana pura e simples. É algo claro em si mesmo, mas devido o homem ser o que é - finito e pecaminoso - não pode chegar a ele nem compreendê-lo com o seu intelecto desassistido. A exposição clássica disto acha-se na Primeira Epístola aos Coríntios, onde o apóstolo o definiu uma vez por todas. "Todavia", diz ele, "falamos sabedoria entre os perfeitos; não porém a sabedoria deste mundo, nem, dos príncipes deste mundo que se aniquilam; mas falamos a sabedoria de Deus oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; a qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória. Mas, como está escrito: as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam. Mas Deus no¬-l.as revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus"(2:6-10).
A sabedoria que falamos, diz Paulo, não é "a sabedoria deste mundo", é a "sabedoria oculta", a "sabedoria de Deus oculta em mistério". O homem natural, mesmo que seja um príncipe, não a compreenda, não pode alcançá-la; seu intelecto não é adequado. "Mas Deus no-la revelou pelo seu Espírito". Vê-se que o "mistério" não é uma coisa vaga, indefinida, nebulosa; é clara e definida, entretanto sem ajuda o homem nunca a pode alcançar. Ele tem que "recebê-la" de Deus; é preciso que a sua mente seja iluminada e aberta pelo Espírito Santo para entendê-la e, como parte da vocação do pregador, expô-la. Portanto, o que o apóstolo está dizendo aqui é que Deus o comissionara como guardião, mordomo, depositário de um discernimento e conhe¬cimento deste estupendo mistério. Daí estar ele agora habilitado para transmiti-lo, explicá-lo e expô-lo aos outros. Era essa a sua ocupação e o seu privilégio como apóstolo.
Diz ele também que se tratava de algo que lhe foi revelado: "como me foi este mistério manifestado pela revelação”. Com que constância ele nos inculca isto! Repetidamente ele declara que não tinha chegado a este conhecimento por sua própria capacidade ou entendimento. Por exemplo, ao dirigir-se ao rei Agripa e ao governador Festo numa famosa ocasião, ele diz: "Bem tinha eu imaginado que contra o nome de Jesus Nazareno devia eu praticar muitos atos" (Atos 26:9). Esse era o pensamento de Paulo como homem natural. E teria continuado a fazer a mesma coisa até a morte, denunciando o evangelho de Cristo, odiando-o, perseguindo-o, se tivesse continuado a pensar consigo mesmo em termos do seu próprio entendimento. Mas algo lhe aconte¬cera. Saí pela estrada de Damasco, diz ele, coma intenção de extermi¬nar os cristãos daquela cidade, "respirando ainda ameaças, e mortes" contra eles, quando de repente, por volta do meio dia, vi uma luz nos céus, luz mais brilhante do que o sol, e ouvi uma voz. Foi o Senhor Jesus Cristo, o Senhor da glória, que me apareceu. E noutras palavras Ele me disse: "Eu te apareci, Saulo, com o fim de dizer-te certas coisas". Revelou-me o mistério concernente a Si próprio e ao Seu grande propósito, e me deu esta dispensação, fez de mim um apóstolo, e me disse que estava prestes a me enviar aos Judeus e aos gentios.
Não há como exagerar a ênfase a este aspecto da verdade. Retomemos à Epístola aos Gálatas e observemos como o apóstolo, tendo-o afirma¬do no primeiro versículo da sua carta, repete-o nos versículos 11 e 12: "Faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens. Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo". Eles não devem dar ouvidos a nenhum outro ensino, e não devem permitir que míngüem ou nada perverta a sua fé, porque o que ele lhes pregara, tinha recebido, não de algum homem, nem o tinha aprendido de alguém, nem mesmo dos apóstolos mas o aprendera do próprio Senhor Jesus Cristo quando Ele lhe aparecera na estrada de Damasco. Recebera-o por revelação direta. Também Cristo lhe aparecera noutra ocasião, quando ele estava no templo de Jerusalém, e ainda noutra ocasião, quando ele estava em Corinto. O "mistério" chegara a ele "por revelação". Não se tratava de uma mensagem que ele estava originando; foi-lhe dada diretamente pelo Senhor. Sua autoridade não é outra se não a do Senhor da glória. Apegai-vos a este evangelho, diz ele aos efésios. O que faz de mim um apóstolo é que eu recebi isso tudo mediante esta direta revelação do Senhor Jesus Cristo.
Observem que ele escreve a mesma coisa acerca de todos os "seus santos apóstolos e profetas". Lembra ele aos efésios que a Igreja é edificada "sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas", no sentido de que foi aos apóstolos e aos profetas que Deus revelou o mistério (2:20). Os maiores homens do mundo não puderam compreendê-lo. Olhavam para Jesus de Nazaré e nada viam, senão um homem, um carpinteiro; não viam que Ele era o Filho de Deus. Esta verdade tem que ser revelada como "o mistério de Cristo". Eles não o conseguiam ver; não lhes foi revelado. Cristo mesmo dissera: “Graças te dou ó Pai Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve" (Mateus 11:25-26). Deus revelou esta verdade aos apóstolos e aos profetas uma vez e para sempre.
É evidente que os profetas não eram apóstolos. Os apóstolos eram uns poucos escolhidos, doze, incluindo-se Paulo. Os profetas eram homens aos quais foi dado um entendimento especial da verdade que fora revelada, e podiam ensiná-la aos outros. Assim, o que temos no Novo testamento é o ensino dos apóstolos e dos profetas. A Igreja Primitiva, conduzida pelo Espírito Santo, não admitia nenhum livro do cânon do Novo Testamento se não se provasse que havia sido escrito por um apóstolo, ou que o fora sob a influência de um apóstolo. Nada que não venha com a autoridade apostólica é canônico. Temos a mensagem apostólica, a revelação do mistério, aqui na Palavra de Deus.

Procuremos aprender de tudo isto certas lições vitais para nós. A primeira é a natureza gloriosa daquilo que Deus fez por nós mediante o evangelho da redenção. Acaso não nos vem algo da sua glória com renovado vigor quando nos damos conta de que o Todo-poderoso e eterno Deus tanto Se afanou com aqueles escravos de Éfeso, aqueles pagãos que Vieram a conhecer esta verdade e se tomaram filhos de Deus? Que plano perfeito! Tudo de graça, tudo de Deus. Não foi Saulo de Tarso que decidiu fazer-se cristão e ir pregar em Éfeso. "Uma dispensação" desta graça maravilhosa "me foi dada", afirmava ele. O Senhor tinha olhado para ele no caminho de Damasco e tinha Se apoderado dele, porque o escolhera para ser um despenseiro deste mistério. A graça de Deus, a bondade, a misericórdia, a compaixão de Deus! Que verdade estupenda! Receio que nós, cristãos modernos, não contemplamos o plano de salvação como o faziam nossos pais. Refiro¬-me aos pais de um, dois e especialmente três séculos atrás, e aos grandes pais protestantes do século dezesseis. Eles se deleitavam em contemplar este grandioso plano de redenção. Quando eu e você o fizermos, seremos levados a gloriar-nos e a triunfar nele, como Paulo queria que estes efésios fizessem.
No entanto, além disso, aprendemos uma lição sobre a natureza e caráter de um apóstolo. Porventura já não percebemos que o ofício de apóstolo é algo inteiramente único, que um apóstolo era alguém chamado diretamente pelo Senhor, que ele tinha que ser uma testemu¬nha da ressurreição de Cristo, que lhe foi dada uma singular inspiração e autoridade, e que lhe foi dado poder para atestar a sua vocação com milagres, sinais e prodígios? Estaríamos vendo o caráter singular de um apóstolo, vendo que um apóstolo pertence ao alicerce da Igreja, e unicamente ao alicerce?
Uma verdade clara nas Escrituras é que não pode haver repetição do ofício de apóstolo, e que falar em "sucessão apostólica" é simplesmen¬te negar o ensino escriturístico. Não pode haver nenhum sucessor dos apóstolos; a verdade foi revelada uma vez e para sempre. Não temos necessidade de revelação adicional, pois a verdade foi revelada aos apóstolos e aos profetas. Uma vez que eles a transmitiram e a pregaram, e a sua mensagem foi escrita, nós a temos. Está, pois, implícito na definição de um apóstolo que ele é um homem que recebeu a revelação de maneira única e, portanto, é óbvio que não pode ter nenhum sucessor. Noutras palavras, nossa luta com a igreja católica romana e seus adeptos não é política, é escriturística; eles negam as Escrituras. Um alicerce é feito uma vez e para sempre: "sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas".
Igualmente, espero que tenhamos visto algo da natureza da verdade cristã. Não é um conhecimento comum. Não é algo que o intelecto desassistido pode entender e receber. Sem a iluminação que somente o Espírito Santo pode dar, as verdades do evangelho permanecem tão escuras e ocultas para nós como o eram para "os príncipes deste mundo", quando o Senhor da glória estava concretamente entre os homens. "Mas Deus no-las revelou pelo seu espírito". "Nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus" (1 Coríntios 2: 10, 12). Esta não é uma verdade comum. Seja qual for a capacidade do nosso intelecto, seja qual for o nosso brilhantismo, não será suficiente. Todos nós temos que nos tornar "como crianças". Precisamos da inspiração, da bênção e da unção do Espírito, antes de podermos receber e compreender a verdade divina.
Por último, somos inteiramente dependentes das Escrituras. Não temos nenhuma verdade salvadora fora do que nelas encontramos. E obviamente, à luz do que vimos dizendo, nada pode ser acrescentado às Escrituras, jamais. Mais uma vez vemos onde nos separamos da igreja católica romana que, às vezes explícita, às vezes implicitamente, alega ter recebido revelação adicional. Todavia é claro que não pode haver revelação adicional, porque a revelação vem somente por meio dos apóstolos e dos profetas, e atualmente não existe apóstolo, e por definição não pode existir. Assim, estamos inteiramente limitados às Escrituras, e não podemos acrescentar-lhes nada. Tampouco podemos tirar delas alguma coisa. Não nos cabe escolher e retirar porções delas. Não podemos dizer: creio nisto e rejeito aquilo; gosto muito do ensino de Jesus, porém não acredito em milagres. Admiro a maneira como Ele morreu, mas não acredito que Ele nasceu de uma virgem, ou que ressuscitou da tumba. No momento em que começarmos a fazer isso, estaremos negando a revelação. Estaremos dizendo que o nosso intelecto desassistido é capaz de julgar a revelação e de peneirar e encontrar o que é verdadeiro e o que é falso. Isso é negar totalmente o princípio da revelação, do apostolado e desta obra singular do Espírito Santo.
Quão importante, pois, é esta digressão para nós! Estamos encerra¬dos na Bíblia e em seu ensino. Nada sei fora dela. Nada posso acrescentar-lhe, nada posso tirar dela; tomo-a como nos foi dada com a autoridade dos apóstolos. Contudo, se este ponto de vista é rejeitado e a pessoa diz: isto é o que eu penso, é nisto que eu creio. Replico: você não tem direito de falar desta maneira; mas se você prefere fazê-lo, então, de acordo com esta autorizada palavra dos apóstolos, a autori¬zada Palavra de Deus, você está nas trevas, não recebeu a iluminação; você permanece fora da Vida de Deus e sem nenhuma experiência da Sua graça e da Sua bênção em Cristo, nosso Senhor.
A mensagem de Paulo a estes efésios é: sou um apóstolo chamado foi-me confiada uma dispensação da graça de Deus, e eu a lhes tenho transmitido. Vocês a têm, vocês são cristãos. Por isso estou sofrendo. Mas, esqueçam isso; pensem na glória, maravilha e prodígio daquilo que Deus providenciou para vocês em Seu infinito amor e bondade e no que vocês se tornaram como resultado da Sua maravilhosa graça.

POR: D.M. Lloyd Jones

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