Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. Hebreus 4:12
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
CAPÍTULO 4 - CONTINUAÇÃO DO ESTUDO SOBRE A EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS
Por: D.M. Lloyd Jones
"AS INSONDÁVEIS RIQUEZAS"
"Do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder. "A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas insondáveis de Cristo." – Efésios 3:7-8
Tendo descrito a natureza da mensagem que o Senhor Deus lhe revelou e o comissionou a pregar, o apóstolo continua a tratar disto de maneira ainda mais profunda e com uma declaração sumamente comovedora. Ele começa dizendo que foi feito "ministro" do evangelho. Um ministro é aquele que serve aos interesses de outros e em benefício de outros; assim, o que Paulo está dizendo é que o "mistério" lhe fora revelado por Deus a fim de que ele pudesse ensinar os gentios, de que pudesse levar-lhes este grande beneficio. Eles estavam "separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo"; estavam nas trevas do paganismo, e a ele fora dada esta dispensação da graça de Deus para que pudesse levar-lhes esta grande bênção. Por isso ele foi pregar-lhes. Ele foi chamado para fazê-lo, e foi habilitado para fazê-lo.
O apóstolo estava particularmente interessado em que os Efésios compreendessem que todos os benefícios que agora desfrutavam como co-herdeiros com os judeus, tinham chegado a eles por meio do evangelho que ele pregara, e do qual era ministro. E aqui ele faz uma descrição magnífica do ministério cristão como uma vocação divina. Presumivelmente esta é, talvez, a primeira coisa que a Igreja Cristã precisa recuperar nos dias atuais. O fato de que a Igreja tem tão pouco valor para o mundo moderno deve-se em grande parte à sua incapacidade de compreender a origem e o caráter da vocação ministerial. Toda a idéia de ministério sofreu rebaixamento. Muitas vezes ele é considerado como uma profissão. O filho mais velho de uma família talvez vá para a Marinha, outro para o Exercito, outro para o Parlamento; depois, o filho caçula "entra" no ministério cristão. Outros acham que o ministro é alguém que organiza jogos e entretenimentos agradáveis para os jovens; ou alguém que visita os idosos e toma com eles uma saborosa chávena de chá. Tais conceitos do ministério cristão se tornaram por demais comuns. Contudo estes casos são caricaturas do ministério. O ministro é um arauto das boas novas, é um pregador do evangelho. Em grande medida é porque a verdadeira concepção da obra do ministério foi rebaixada, que o ministério perdeu a sua autoridade e tem tão pouco valor no presente. Queira Deus que num tempo como este os homens retomem a esta velha e neotestamentária concepção do ministério. O mundo de hoje está precisando de um Savonarola. Os homens e as mulheres precisam ser sacudidos para saírem da sua letargia, da sua pecaminosidade, da sua indulgência ociosa e do sem relaxamento. Os ministros são chamados primordialmente para ensinar aos homens e mulheres a grande revelação de Deus sobre Si mesmo, sobre o homem, sobre o único meio de reconciliação, sobre a qualidade da vida que a humanidade foi destinada a viver.
Depois o apóstolo passa a expressar o seu assombro por lhe ter sido dirigido este chamamento para o ministério. Notem o modo como ele se expressa. "A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça." Não é falsa modéstia , nem afetação, nem hipocrisia. Ao mesmo tempo, não é, em nenhum sentido, uma contradição daquilo que ele diz noutro lugar sobre si mesmo, quando alega, "em nada fui menor aos mais excelentes apóstolos" (2 Coríntios 11:5). Como conciliar estas afirmações? A resposta é que ele nunca deixou de admirar-se do fato de que o pernicioso e blasfemo Saulo de Tarso fora chamado, não somente para a vida cristã, e sim também para ser apóstolo, e de que lhe fora dado o privilégio único de ser, de maneira muito especial, "o apóstolo aos gentios". É um mau dia na vida de qualquer cristão quando este se esquece da sua origem, quando se esquece da fossa da qual foi tirado. Não significa que devemos ficar perpetuamente olhando para trás e tomar-nos mórbidos, sempre nos lembrando dos nossos pecados. A essência da posição cristã é que sempre devemos compreender que é pela graça que somos salvos, que somos o que somos única e inteiramente pela graça de Deus. Se deixarmos de agir assim, perderemos o elemento de ação de graças e louvor em nosso testemunho cristão. O apóstolo jamais caiu nessa condição. Jamais se esqueceu de que era o que era “pela graça de Deus”. Ah, o privilégi0 disso tudo!
Mas havia outro elemento também nesta situação. Paulo era um homem que vivia tão perto do seu Senhor que tinha vívida consciência das suas deficiências e defeitos. Trabalhando infatigavelmente como trabalhava não obstante estava cônscio de quão pouco fizera e de quanto mais poderia ter feito. Ele expressa isto em muitos lugares e de muitas maneiras, demonstrando com isso verdadeira humildade, verdadeira modéstia. Se a pessoa não estiver sempre consciente da honra e dignidade de sequer ser cristão, especialmente de pregar o evangelho, e se não tiver consciência da sua inaptidão e insuficiência estará numa posição muito falsa. Quanto mais percebermos estas coisas mais maravilhados ficaremos, juntamente com o apóstolo, ante a graça a bondade e a benignidade de Deus.
Ademais, o apóstolo explica aos efésios, e a nós, como tudo isso lhe aconteceu; e mais uma vez a sua explicação é que tudo lhe veio “pela graça de Deus”. Notem como ele fica repetindo esta palavra, "dado": “Do qual”, diz ele no versículo 7, "fui feito ministro, pelo dom da graça de, Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder. A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça". Esta é a palavra que apresenta o evangelho e a salvação - dado. É tudo de graça, tudo é “dado”. O apostolo não se achava digno de coisa alguma; tudo lhe fora dado livremente segundo o amor, a misericórdia e a compaixão de Deus. Torno a dizer que: se não percebemos isto, é porque todo o nosso entendimento da salvação e defeituoso.
Paulo, porém, continua e nos diz que o dom lhe foi dado de maneira particular: foi “segundo a eficaz operação do seu poder". Desafortuna¬damente a Revised Standard Version, tão popular hoje em dia e também a Versão de Almeida, mormente a Edição Revista e Corrigida são fracas neste ponto. Dizem simplesmente: "pela" ou "segundo a operação do seu poder. Mas a palavra é muito mais forte; e a Versão Autorizada (Authorized Version) a traduz acertadamente: "pela eficaz operação do seu poder". Também poderíamos traduzi-la "pela vigoro¬sa operação do seu poder". A palavra empregada veicula essa idéia; e o apóstolo a utilizou com o fim de explicar o que é que transformara aquele perseguidor e blasfemo inimigo de Cristo num dos Seus principais pregadores e apóstolos. Nenhuma outra coisa pode produzir tal mudança.
Uma das questões mais fundamentais que nos confrontam quando pregamos evangelho é, o que é que pode levar uma pessoa a deixar de ser um inimigo de Deus para ser alguém que ama a Deus? O que é que pode transformar o homem natural, para quem as coisas de Deus são “loucura”, num homem que se deleita nelas e as desfruta e vive por elas, e cuja suprema ambição é conhecê-las mais e mais? De acordo com o apóstolo Paulo, há somente uma resposta: é a "eficaz operação" do poder de Deus - nenhuma outra coisa.
O apóstolo Paulo estava bem cônscio deste poder. Se tivesse sido deixado a si mesmo, teria continuado sendo o fariseu perseguidor e blasfemo. Ele tinha ouvido falar da pregação de Cristo, tinha ouvido a pregação de Estevão; sabia, tudo que os cristãos pretendiam. No entanto ele odiava as boas novas; nada via nelas, exceto blasfêmia. Que foi que aconteceu com este homem? Ha só uma resposta: ele tinha sido feito um novo homem. Tinha sido regenerado, tinha nascido de novo, tinha sido feito "uma nova criatura" - nada menos que isso! E tudo como resultado da "eficaz operação" do poder de Deus.
É a eficaz operação do poder de Deus que faz deste ou daquele um cristão. Isto significa renascimento, regeneração. Não é resultado da nossa decisão, não é algo que eu e vocês podemos decidir fazer; é o que nos é feito! "A eficaz operação do seu poder!" Paulo nunca teria sido um cristão, se não fosse este poder. Mas mesmo após tornar-se cristão, ele teria sido ineficiente, sem este mesmo poder. E esta operação, e este poder de Deus que não só transformou totalmente a sua perspectiva, porém também o chamou para o ministério e lhe deu os dons que são os requisitos para o ministério, para a compreensão da verdade, para a capacidade de falar, para a capacidade de escrever, para a capacidade de ensinar. Era tudo de Deus. O apóstolo trata disto detalhadamente no capitulo subseqüente e afirma que quando Cristo ressurgiu dos mortos e ascendeu às alturas, "deu dons aos homens", a alguns, apóstolos, a alguns, profetas, a alguns, evangelistas; e a alguns, pastores e mestres.
Tudo é dado por Deus. Os ministros são dados por Deus a Igreja, e todos os dons e toda ajuda presentes na Igreja são dados por Deus. Em nós e por nós mesmos, somos desvalidos. Ninguém pode pregar verdadeiramente o evangelho por sua própria força e poder. Talvez se possa falar, e falar eloqüentemente; mas falar não e pregar, e não levará a nada. Sempre que há um ministério eficaz, é por causa desta "operação", desta "operação vigorosa" do poder, de Deus mediante o Espírito Santo. Como nos diz o apóstolo em 1 Coríntios, capitulo 2, sua pregação "não consistiu em palavras persuasivas de sabedoria humana". Ele não dependia de quaisquer dons ou métodos, ou artifícios humanos. Foi "em demonstração do Espírito e de poder”. Assim, aqui ele de novo salienta que recebeu o seu ministério e foi posto em sua posição pela "vigorosa operação” do poder divino.
Sabemos alguma coisa sobre isto? Vocês sentiram a mão de Deus sobre vocês? Vocês experimentam a operação de Deus em suas vidas e em suas almas? Vocês sabem o que é receber tratamento e ser moldado e modelado? Isto está envolvido no cristianismo verdadeiro. É tudo resultado da "vigorosa operação do seu poder” O apóstolo resume isto com perfeição numa grandiosa frase, no capitulo primeiro da Epístola aos Colossenses (vers. 29). Vinha ele dizendo que pregava "admoestando a todo o homem e ensinando a todo o homem em toda a sabedoria; para apresentar todo o homem perfeito em Jesus Cristo”, e em seguida acrescenta: "E para isto também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que opera em mim poderosamente”. Estou labutando, diz Paulo, estou trabalhando, para não dizer agonizando em meu trabalho. Sim, mas este é o resultado daquilo que Ele está fazendo em mim e operando em mim. Estou externando o trabalho que Ele está realizando em mim, Estou labutando, claro, porém em conformidade com esta tremenda operação de Deus que age em mim poderosamente. Temos assim: esta perfeita fusão do divino e do humano, o poder de Deus “energizando” um homem e capacitando-o a levar avante a sua obra no ministério.
“As insondáveis riquezas de Cristo”
Diz o apóstolo que deste modo ele foi preparado, equipado e chamado para pregar entre os gentios "as insondáveis riquezas de Cristo”. Que frase! Que profunda, que sublime afirmação! Todavia é também uma declaração que nos prova e nos examina. Não hesito em asseverar que a prova de toda pregação está em sua conformidade com esta definição da mensagem, e com este padrão. A função de todo aquele que alega ter sido chamado para ser ministro do evangelho é pregar as “insondáveis riquezas de Cristo".
Examinemos esta obra e vocação do ministro, primeiro negativa¬mente. Ele não deve pregar simplesmente sobre eventos comuns. Há os que nos criticam por gastarmos tempo domingo após domingo exami¬nando Efésios, capitulo 3, por causa da situação do mundo e de muitos e graves problemas internacionais, políticos, industriais e econômicos. Acham que, para ser relevante, a pregação deve abordar diretamente essas questões. Mas, será essa a tarefa do ministro cristão? Será sua função expressar sua idéia sobre o que o governo devia ter feito na semana, ou sobre o que não devia? Será que a missão da Igreja é viver mandando resoluções aos governos e aos estadistas, e proferindo seus minuciosos conselhos sobre muitas questões especificas? Minha res¬posta e que eu não tenho a pretensão de conhecer mais a situação internacional do que qualquer outro membro da Igreja. Não tenho diante de mim todos os fatos; assim expressar eu a minha opinião seria uma impertinência. Tenho minhas idéias, como todos nós temos, porém não estou em condições de levantar-me e dirigir-me a um grupo de cristãos dando minha opinião quanto ao fato de o governo agir acertada ou erradamente. Esta, reitero, não é a ocupação primordial do ministro cristão. E tenho a Impressão de que, devido muitas vezes a Igreja ter feito esse tipo de coisa, não só ela é o que é hoje, mas também, o mundo é o que é. Há evidências muito fortes que dão a entender que foi a ação da "Igreja", e particularmente de certas pessoas da Igreja na década de 1930, que levou diretamente à guerra de 1939 a 1945.
A Hitler e a outros da Alemanha foi dada a impressão de que o seu país se tomara completamente pacifista e a preço nenhum se envolveria noutra guerra. É perigoso para os ministros, quer ocupem posição elevada na Igreja quer não, exprimir as suas opiniões sobre esses assuntos. O ministro cristão é chamado para pregar "as insondáveis riquezas de Cristo".
Por outro lado, não é função da Igreja Cristã pregar patriotismo. Ela o tem feito numerosas vezes. Muitas vezes a Igreja não tem passado de agência de recrutamento, de posto de recrutamento em tempos de guerra. Isso é uma falsificação do ministério cristão. O mundo estava envolto em grande dificuldade quando Paulo escreveu estas coisas; e o mundo sempre esteve em dificuldade; mas a ocupação e tarefa peculiar à Igreja Cristã e a seus ministros é fazer o que o apóstolo diz aqui. Muitíssimas vezes os ministros cristãos não têm sido senão uma espécie de Capelão da Corte, declarando vagas generalidades.
Tampouco é tarefa da pregação simplesmente apregoar e inculcar moralidade pública geral ou alguma ética geral. Tem havido muito disso nos últimos cem anos, e o ministério foi se tomando cada vez menos profético. O cristianismo foi ficando cada vez mais diluído e, conseqüentemente, cada vez menos eficiente. A missão da Igreja não consiste em produzir "pequenos cavalheiros perfeitos". O mundo pode pregar moralidade e ética, e o tem feito de várias maneiras. Os filósofos podem fazê-lo, e o têm feito. Os judeus do primeiro século A. D. ensinavam moralidade; e os filósofos pagãos pregavam moralidade antes de Paulo ter sido chamado para o ministério. No entanto Paulo foi chamado para pregar "as insondáveis riquezas de Cristo".
Além disso, tudo, a tarefa do pregador não é pregar religião. Nem mesmo religião! Nem mesmo a vida piedosa em geral! O judaísmo estivera pregando a importância da religião e a importância vital da vida piedosa. Permitam-me ir mais adiante. Nem mesmo constitui a tarefa primordial do pregador do evangelho dizer ao povo que ore, que se amolde a determinados padrões e que exercite a disciplina pessoal. O maometanismo faz isso, e na verdade o faz com muita eficiência. Ele prega uma disciplina austera. Prega um culto a Deus. Contudo isso não é cristianismo. Em certo sentido, vocês podem vi ver piedosamente sem o cristianismo. E uma piedade falsa, bem sei, porém é um tipo de piedade. Igualmente vocês podem ter religião, e ser muito zelosos nela. Mas não é isso que Paulo fora chamado para pregar. Ele estivera fazendo isso tudo como fariseu.
Vou dar mais um passo; tampouco constitui a função primária dos ministros cristãos ensinar e pregar a doutrina de Cristo relacionada com certas questões específicas. Há homens que parecem reduzir "as insondáveis riquezas de Cristo" a nada mais que pacifismo. Pregam-no todos os domingos: a guerra é o pecado absoluto e, se tão-somente nos portássemos com boas maneiras para com as outras pessoas, e nos negássemos a brigar por qualquer coisa, seríamos muito mais felizes. Para eles esse é o supra-sumo do cristianismo. Todas estas coisas ficam desesperadamente abaixo desta grande e prodigiosa definição do evangelho dada aqui pelo apóstolo. Pensem em todos os pomposos pronunciamentos feitos por ministros da Igreja domingo após domingo sobre a situação internacional. Onde entram "as insondáveis riquezas de Cristo"? Pensem nos apelos ético-morais, e nos apelos feitos em nome do país, sistematicamente repetidos. Onde Cristo e as Suas insondáveis riquezas entram nisso tudo? Isso é uma máscara do evangelho; é um desperdício de tempo. É uma negação do dever e da tarefa de que fomos incumbidos.
Então, que é que Paulo prega? Que devemos pregar? Primária e essencialmente, o Senhor Jesus Cristo. As riquezas são "as insondáveis riquezas de Cristo"! A essência do evangelho é Cristo e o que Ele nos dá. Não o que fazemos, não o que Ele pede que façamos. Isso vem mais tarde. O claro princípio e essência do evangelho é o que Ele nos dá, o que recebemos dEle. Paulo vibra de emoção simplesmente ao pensar nisso. Diz ele, noutras palavras: foi-me dado este grande privilégio de chegar até vocês, e eu lhes dei as boas novas, as maravilhosas e emocionantes novas concernentes às riquezas de Cristo - o que Ele lhes deu, o que pode dar-lhes e o que lhes dará - "as insondáveis riquezas de Cristo". A primeira mensagem é, pois, sobre o dom de Deus, antes de qualquer chamamento para fazermos alguma coisa.
A seguir devemos tentar analisar este evangelho _ "tentar", porque a própria tentativa é quase ridícula. Em última instância, não podemos analisá-lo, mas, visto que temos a tendência de apenas repetir estas frases sonoras sem considerar o que significam, devemos ao menos aventurar-nos a fazer esse trabalho. Felizmente o próprio apóstolo faz a análise das "boas novas" no restante do capítulo.
A primeira coisa que devemos acentuar é que o evangelho é o próprio Cristo. "As insondáveis riquezas de Cristo." Primeiro, não as insondáveis riquezas que Ele nos deu, porém Cristo mesmo como as insondáveis riquezas. Naturalmente isto inclui o que já consideramos sob o termo "mistério" - "o mistério de Cristo". As "riquezas" estão nEle graças ao mistério da Sua encarnação, assumindo a natureza humana e Se tornando verdadeiramente homem. A mensagem do cristianismo é o próprio Cristo. Como muitas vezes tem sido assinala¬do, "o cristianismo é Cristo". Tudo está nEle, e não há nada fora dEle. Deus entesourou todas as Suas riquezas em Seu Filho; e tudo que vem II mim e a vocês na vida cristã, vem-nos diretamente dEle. Sem contato com Ele, não teríamos nada. "Sem mim", disse Ele, "nada podeis fazer." João, no capítulo primeiro do seu Evangelho, diz: "E todos nós recebemos também dá sua plenitude, e graça por graça"! (versículo 16) _ "da sua plenitude"! Estamos unidos a Ele e dEle fluímos; Ele é o manancial. Assim, pois, a mensagem do evangelho é o próprio Cristo; o que Ele nos dá, apesar da sua imensa importância, vem em segundo lugar.
Em seguida, vejam a segunda palavra de Paulo, a palavra insondáveis. Se tão-somente pudéssemos enxergar o que há em Cristo! Mas é insondável, inescrutável. Isto nos faz lembrar a nossa definição da palavra mistério. É um mistério, porém foi revelado. Graças a Deus que é assim, pois, doutro modo, nada saberiamos a respeito. Segue-se que não há quem possa achar e apossar-se dessas riquezas por sua iniciativa e poder. Muita gente tentou fazê-lo. Muita gente abordou o cristianis¬mo filosoficamente e tentou compreendê-lo de fora. Fariam bem em desistir logo no começo, pois nunca se poderá fazer isso. As riquezas são inescrutáveis, são insondáveis; por si mesmo o homem é incapaz de consegui-las.
Além disso, porém, as riquezas que há em Cristo são insondáveis no sentido de que nenhum homem, mesmo sendo cristão, pode compreendê¬-las plenamente. À medida que Paulo prosseguia na vida cristã, foi ficando cada vez mais maravilhado ante essas riquezas. Talvez ele pensasse, às vezes, que já tinha estado em todos os compartimentos deste grande tesouro, mas então encontrava outro. Há sempre outro compartimento mais para o fundo, e mais outro, e mais outro. Passare¬mos a nossa eternidade descobrindo novos aspectos e facetas das insondáveis riquezas de Cristo. Insondáveis, inescrutáveis!
Outro significado da expressão é que as riquezas jamais poderão ser descritas plenamente. Daí Paulo se vê obrigado a juntar superlativo a superlativo _ falta-lhe a linguagem. As "insondáveis riquezas", "as abundantes riquezas" da Sua graça, diz ele. Uma e outra vez ele fala de superabundância, e afirma que Deus “é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente alem daquilo que pedimos ou pensamos" (3:20). São estas as suas expressões e elas significam que as riquezas não podem ser descritas porque são extremamente gloriosas e infindáveis. O subseqüente sentido do termo é que as riquezas de Cristo são inesgotáveis; jamais faltarão. Conquanto os homens e as mulheres venham extraindo delas durante séculos, continuam existindo riquezas ali como se ainda fosse o começo. Jamais será possível reduzi-las. Elas são "um mar sem maré vazante", como no-lo recorda um dos nossos hinos. As insondáveis riquezas de Cristo! Quanto sabemos delas? A expressão nos emociona? Significa algo de real e concreto para você'!
Que são estas insondáveis riquezas de Cristo? Embora seja impossível descrevê-las, devemos tentar mencionar algumas delas. Que há em Cristo para qualquer de nós neste momento? Vejamo-lo da seguinte maneira: sou pobre, estou de mãos vazias, sou um mendigo; de que preciso? Cristo tem tudo de que preciso. Quais as coisas de que tenho maior necessidade? A resposta acha-se numa expressão de Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios, onde ele diz: “... O qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção" (1 :30). São estas as riquezas, as "insondáveis riquezas".
A primeira coisa de que necessitamos é "sabedoria", isto é, conhe¬cimento e entendimento. Aqui estamos nós, neste grande mundo, perplexos ante os seus problemas e possibilidades. As primeiras questões a serem respondidas são: que dizer de tudo isso? Por que o homem é como é? Existe um Deus? Por que Deus não faz alguma coisa com relação a isso tudo? Como podemos conhecer a Deus? Com o mundo ruindo ao nosso redor, não haveria nenhum lugar seguro e estável? Essa é a nossa primária e fundamental necessidade. E aí está por que não prego diretamente sobre a situação internacional. Eu não poderia ajudar vocês, se fizesse isso. Mas esta é a maneira cristã de ajudá-los. Se eu e vocês conhecemos a Deus, muito bem, então o que lemos no Salmo 112 é verdade quanto a nós: "Não temerá maus rumores: o seu coração está firme, confiando no Senhor" (versículo 7). E como poderemos chegar a este conhecimento e a esta sabedoria? Notem a resposta do apóstolo: "em Cristo". “(Ele) para nós foi feito por Deus sabedoria".
O Senhor Jesus Cristo me ensina sobre Deus, porém isso me faz cônscio da minha pecaminosidade. Sinto-me incapaz de ousar aproxi¬mar-me de tal Deus. Estou em agonia, estou em crise, porquanto posso morrer a qualquer momento e ter que me apresentar a Deus. Como pode um pecador apresentar-se a Deus? "Como se justificaria o homem para com Deus?" (Jó 9:2). Cristo foi feito "justiça" para nós. Embora vocês tenham vivido uma vida de pecado ate este momento, se crerem no Senhor Jesus Cristo os seus pecados serão perdoados, vocês serão revestidos da justiça de Jesus Cristo neste exato momento e poderão estar na presença de Deus. A justiça faz parte das "insondáveis riquezas de Cristo".
Mas não termina aí; devo prosseguir. Como poderei continuar com Deus? Embora saiba que estou perdoado, e que me foi dada a justiça de Cristo, sei que o pecado continua em mim, e sei que o diabo continua sendo meu inimigo. Como poderei permanecer firme na luta contra o pecado e o mal? Paulo responde: Cristo foi feito para nós, não somente sabedoria e justiça, e sim também santificação. Seja quando for que venhamos a morrer, podemos estar certos disto, que em Cristo compareceremos perante Deus "irrepreensíveis e inculpáveis" (Colossenses 1:22). Ele é a nossa santificação, e Ele nos ajuda a desenvolvê-la em nossa vida diária pondo em nós o Seu Espírito Santo.
Cristo é também a nossa redenção, o que significa que Ele ressus¬citará o meu corpo e o glorificará e o transformará. A redenção é completa e total; nada estará faltando em meu corpo, mente e espírito. Em sua pobreza, em sua necessidade, vocês se defrontarão com "as insondáveis riquezas de Cristo". Ele é tudo de que vocês necessitam.
Redimido, curado, restaurado, perdoado, quem como tu louvor irá cantar-Lhe?
Ou vejam-no assim: de que realmente necessitamos, qual é a nossa maior necessidade? A nossa maior necessidade é a vida. Na maioria, as pessoas hoje apenas existem; mas não têm vida. Quanto os seus prazeres lhes são vedados, quando por causa da guerra os cinemas, os teatros, as casas de diversão e os salões de dança têm que ficar fechados, elas não têm nada. Elas não têm vida; apenas existem, e dependem de coisas externas; carecem de vida. Contudo, onde achar vida? Cristo de novo foi quem disse: "eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância" (João 10: 10). Vida significa vida espiritual; vida significa ter relação com Deus e fruir Sua comunhão; e Cristo, Senhor nosso, a tem em toda a sua plenitude. Diz Ele: "aquele que vem a mim não terá fome; e quem crê em mim nunca terá sede" (João 6:35). "A água que eu lhe der", disse Jesus à mulher samaritana, "se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna". Ainda que o mundo tire tudo de vocês, ainda que vocês venham a ficar nus e privados de todas as coisas, esta vida procedente de Cristo continuará a jorrar em vocês, eternamente.
O apóstolo desenvolve mais este ponto no final deste capitulo três, mas devo acentuar de novo que Cristo mesmo é as riquezas, e é quando eu O conheço e O tenho, que sou participante das riquezas. O apóstolo teve um conhecimento pessoal do Senhor Jesus Cristo, e esse é o maior tesouro do mundo. Muitas vezes dizemos, e é verdade, que a maior bênção que podemos ter neste mundo é ter um bom marido ou mulher ou amigo. Dizemos que isso é uma possessão inapreciável. Entretanto no evangelho nos é oferecido este conhecimento de Cristo e este companheirismo com Ele. Escrevendo aos Filipenses, diz o apóstolo: "Para mim o viver é Cristo" (Filipenses 1:21). E vida para ele ¬conhecer a Cristo. Depois ele prossegue, dizendo que a sua maior ambição é "conhecê-lo". Não quer dizer simplesmente conhecer algo acerca dEle; quer dizer conhecê-lO, para poder andar e falar com Ele, e ouvi-la. Assim vivia o apóstolo Paulo. Ele vivia neste estado de comunhão com Cristo. Cristo estava mais perto dele e lhe era mais precioso e mais real do que qualquer coisa no mundo. Ele já desfrutava isto e disto queria mais e mais.
Ele ora pelos outros: "que Cristo habite pela fé nos vossos corações" (3: 17). O Senhor vem ao coração e nele habita. Ele mesmo diz: "Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo" (Apocalipse 3:20). Todas as riquezas e todos os tesouros de Deus estão em Cristo, e Ele entra na vida e no coração, e ali habita - "Cristo em vós, a esperança da glória" (Colossenses 1 :27). O apóstolo prossegue e ora por estes efésios, no sentido de que sejam "fortalecidos com poder pelo seu Espírito no homem interior; para que Cristo habite pela fé nos vossos corações". E o objetivo disto é que venham a compreender "a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento". Nada no mundo é compará¬vel a isto - ser amado por Cristo, senti-lo e experimentá-lo. Que são as riquezas do universo inteiro, em comparação com isto? Ser amado pelo Filho de Deus! "As insondáveis riquezas de Cristo."
Ainda assim, além da dádiva de Si mesmo, Cristo também nos dá o Seu Espírito Santo. "Eu, na verdade, vos batizo com água", disse João Batista; "ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo" (Mateus 3: 11). Recebemos o dom da habitação do Espírito Santo, residente em nós; e, ademais, o Seu poder de ativar-nos e habilitar-nos para "operar a nossa salvação" (Filipenses 2: 12) e para sermos testemunhas disto para os outros.
Mas há também certas riquezas particulares que resultam disto. A primeira que Cristo nos dá é descanso: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei" (Mateus 11 :28). Vocês têm experiência disto? Ele o pode dar-lhes copiosamente. Depois é a paz. Isto é o que Ele diz: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize" (João 14 :27). Não posso ajudar nenhuma alma necessitada e atribulada pregando sobre a situação internacional, mas eis a mensa¬gem de Cristo para vocês: "Paz vos dou", não importa o que lhes esteja acontecendo. Os jovens podem ser convocados para a luta, não sei; calamidades podem sobrevir, não sei; porém sei que o de que necessi¬tamos é paz interior. Aconteça o que acontecer no mundo exterior, Ele nos dá Sua paz. "Não estejais inquietos por coisa alguma", diz Paulo; isto é, "Em nada vos oprimais com ansiosa preocupação"; aconteça o que acontecer com o seu marido, ou com os seus filhos, não se inquiete. "Antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e suplicas, com ação de graças." E logo a seguir: "a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus" (Filipenses 4:6-7). Tudo isso está incluído nas riquezas "insondáveis".
Pensem então na alegria. "Até agora", diz o Senhor, "nada pedistes em meu nome; pedi, e recebereis, para que o vosso gozo se cumpra”. Isso foi dito no contexto, "no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" (João 16:24, 33). Acaso vocês precisam de sabedoria? "Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada", diz Tiago em sua Epístola (1:5). O Senhor nos oferece direção, entendi¬mento, sabedoria e discernimento. Isto leva a uma das coisas mais maravilhosas, a saber, a capacidade de estarmos contentes com o quinhão que nos toca, haja o que houver. Paulo diz aos filipenses: "já aprendi a contentar-me com o que tenho. “Sei estar abatido, e sei também ter abundância... Posso todas as coisas naquele que me fortalece" (4:11-13). Que maneira de enfrentar o futuro, por mais trevoso e problemático que seja! Seja o que for que aconteça, podemos encará¬-lo com serenidade e firmeza. "Posso todas as coisas naquele que me fortalece”.
O Senhor também pode transfigurar a morte. "Para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho", diz o apóstolo aos filipenses (1:21). Ah, "as riquezas da Sua graça"! A bem-aventurada esperança que Ele nos oferece por sermos filhos de Deus, e "se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo" (Roma¬nos 8: 17), capacita-nos a sorrir mesmo em face da morte. Embora se usem bombas atômicas e de hidrogênio, e o nosso mundo seja reduzido a nada, resta para nós "uma herança incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar" (1 Pedro 1:3-5).
Mal comecei a falar-lhes das riquezas, mas estas são algumas das coisas que se acham na casa do tesouro da graça de Deus. Vocês estão usufruindo estas riquezas, "as insondáveis riquezas de Cristo"? Vocês são infelizes? Estão abatidos? Sentem-se despojados de tudo? Deus tenha misericórdia de vocês! Com todos estes tesouros dados gratuita¬mente, não temos direito de passar necessidade; e somos uma desonra para Cristo, se estamos nessa condição. Vocês usufruem a Cristo? Ele está à porta e bate. Esse texto não é para os incrédulos; é para os convertidos. É mensagem para a igreja em Laodicéia (Apocalipse 3:20). Ele está à porta, e bate; Ele quer entrar e enchê-los de paz, de alegria e de tudo quanto vocês necessitam. Deixem-nO entrar! Con¬templamos estas riquezas? Demoramo-nos nelas? Nós as estamos recebendo cada vez mais? Seu desejo por elas vai ficando cada vez maior, cada vez maior? Vocês vivem por essas coisas? Como vocês vão passar o restante deste dia? Será em termos das "insondáveis riquezas de Cristo", ou vocês vão cair de novo nos jornais ou na leitura de um romance ou no rádio ou na televisão? Em Cristo é que são abundantes as riquezas. Não permita Deus que sejamos como os crentes em Laodicéia, que achavam que tinham tudo e que estavam ricos! A mensagem do Filho de Deus aos que pensam assim é: "Como dizes: rico sou, e estou enriquecido ... " Se alguém tende a dizer, sou conver¬tido, não sou como esses incrédulos; sou fundamentalista, e não modernista; comigo está "tudo bem", e posso sentar-me e relaxar; se pensa assim e acredita que não precisa de nada, a verdade a respeito dele é: "Não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu". Acaso vocês estão em dúvida sobre si mesmos e sobre o que têm? Se é assim, esta é a palavra do Senhor para vocês: "Aconselho-te que de mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças; e vestidos brancos, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e que unjas os teus olhos com colírio, para que vejas" (Apocalipse 3:18). Dessa maneira Ele oferece a todos os que nEle crêem as suas "inson¬dáveis riquezas".
Não permita Deus que nenhum de nós viva como mendigo! Não permite Deus que qualquer de nós esteja em penúria, em necessidade e carência, em angústia, em condição alarmante e insegura! O mundo hoje nos oferece uma oportunidade única de falar aos homens e às mulheres das "insondáveis riquezas de Cristo". Estamos sendo vigia¬dos, estamos sendo observados; e muitos, em sua ruína espiritual, ficam a indagar se, afinal de contas, a resposta está em Cristo. O mundo O julga pelo que vê em nós. Se dermos a impressão de que, afinal, ser cristão não ajuda muito quando há uma crise, não ouvirão a nossa mensagem e não olharão para Ele. Mas se vêem que somos inteiramen¬te diferentes deles, e capazes de manter calma, equilíbrio, paz, estabi¬lidade, e até alegria em meio aos furacões da vida, sob Deus isso poderá ser o meio para abrir os seus olhos e levá-los ao arrependimento, trazendo-os ao Senhor Jesus Cristo e às Suas "insondáveis riquezas".
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