quarta-feira, 13 de outubro de 2010

CONTINUAÇÃO DO ESTUDO DO LIVRO DE EFÉSIOS


Irmãos em Cristo, estamos postando mais um capítulo sobre o estudo ministrado pelo irmão D.M. Lloyd Jones sobre o rico livro de Efésios.
Que o Senhor ilumine o nosso entendimento e que Ele por meio do Espírito Santo nos revele a Sua Palavra.

CAPÍTULO 25

A UNIDADE CRISTA


"Assim que já..." - Efésios 2:19


Agora vamos dar nossa atenção às duas palavras do apóstolo, "Assim já" (ARA), ou "Portanto, agora" (VA). Noutras palavras, em nossa consideração do capítulo dois desta grande Epístola, chegamos ao ponto no qual o apóstolo, tendo completado a sua declaração maior, faz um sumário, ou faz uma pausa momentânea para juntar as diversas verdades que estivera dizendo. E como ele o faz, é importante que igualmente o façamos. Sempre se corre o perigo, quando se trata de uma grande seção das Escrituras como esta, de que, ao se tratar dos vários pormenores, como estivemos fazendo, e tivemos que fazê-lo necessariamente, pode-se muito bem perder a linha mestra de orientação ou o argumento principal da seção. Por isso é muito importante que, exata¬mente como nos sugere o apóstolo, façamos uma breve pausa e consi¬deremos o que estivemos extraindo e captando.
Que coisa tremenda! É importante que o examinemos como um todo por um momento. Fomos sendo levados através dos passos dados: o apóstolo nos mostrou exatamente como Deus fez uma grande obra por meio do Senhor Jesus Cristo, como a parede intermediária de separação – a lei dos mandamentos nas ordenanças – foi demolida. Há esta entrada, este acesso à presença de Deus no Senhor Jesus Cristo e por meio do Espírito Santo. O que precisamos ter em mente é esta grande questão de unidade, da unidade que existe entre todos os que são verdadeiramente cristãos. É isso que o apóstolo tem superiormente em seu pensamento – este "um só corpo", este "um só novo homem"; "nós ambos", temos acesso por um só Espírito, e assim por diante. É sobre isso que ele deseja que tenhamos claro entendimento. E, portanto, é bom observar o que em geral constitui esta unidade, o que a produz, o que a traz à existência e lhe dá continuidade. Aqui nos vemos face a face com uma das grandes e cruciais declarações das Escrituras.


O que é ser cristão, e o que nos torna cristãos

Ao examinarmos isto, certos grandes princípios se nos tornarão manifestos. Por exemplo, vocês não podem considerar uma passagem como esta sem se lembrarem claramente do que é ser cristão, e do que nos torna cristãos. Mostrando como estes efésios foram introduzidos na Igreja com os judeus, o apóstolo mostra o que teve que acontecer com o judeu e com o gentio antes de poderem sequer entrar na Igreja, antes de sequer poderem ir à presença de Deus. Assim é que, aqui, de passagem, somos levados a esta pedra fundamental, a esta posição básica na qual vemos claramente o que nos torna cristãos. Noutras palavras, aí nos é dada uma esplêndida definição do cristão.


Nenhuma outra coisa pode unir verdadeiramente os homens, a não ser o Evangelho

Outra coisa que nos é exposta é que nenhuma outra coisa pode unir verdadeiramente os homens, a não ser este evangelho. Vemos isso da seguinte maneira: o apóstolo, ao expor e mostrar como foi produzida esta maravilhosa unidade, de passagem nos mostrou o que teve que acontecer para que isso se tornasse realidade. À medida que vamos tendo discernimento das coisas que dividem homens e mulheres, somos levados e impelidos à conclusão de que nada, senão o poder de Deus em Cristo e por meio do Espírito Santo no evangelho, pode unir homens e mulheres. É certamente algo muito importante que devemos ter em mente na hora presente. Quando digo isso, estou pensando não somente na Igreja, mas também na situação internacional em geral. Há muita prosa falsa, leviana e superficial sobre a unidade na Igreja e entre as nações. Mas, como eu entendo o ensino das Escrituras, e especial¬mente esta seção particular, não há nada que seja tão perigoso, e afinal tão fátuo e tão completamente fútil, como esta vaga e geral conversa sobre juntar pessoas e estabelecer o que chamam "uma unidade".
Temos que reconhecer que há ocasiões em que parece haver uma unidade: porém acabará se evidenciando apenas uma unidade superfi¬cial, apenas uma aparência. Às vezes, por causa de certas circunstâncias, as pessoas se unem, levadas talvez por uma necessidade comum ou por um perigo comum, e então se vêem conversando e cooperando umas com as outras, e trabalhando juntas. Mas isso não é necessariamente uma verdadeira unidade, como a história o demonstra com muita clareza. Pode haver uma aproximação de homens ou nações, ou entre diferentes segmentos da Igreja Cristã, com objetivos específicos, e as pessoas superficiais são tentadas a dizer que afinal a inimizade foi abolida e são todos um. No entanto, uma comunidade de interesse ocasional não é uma real unidade. Leiam os seus livros de história secular e observem o que as nações têm feito, notem como houve estranhas combinações de países em ocasiões diferentes, e como no momento parecia que eles tinham formado uma firme amizade, que nunca poderia ser dissolvida. Mas então, poucas páginas adiante em seu livro de história, vocês verão estes dois países, que pareciam ter-se tornado um, em conflito um com o outro. Eis a explicação. Quando pareciam estar numa firme amizade, foi somente porque havia tais circunstâncias no caso de ambos os países, que era compensador e conveniente a eles que se juntassem. Isso se vê com frequência durante uma guerra. Surge de repente um inimigo comum, e os outros (que realmente não se dão bem e sempre foram antagônicos), por causa daquele perigo comum, cooperam entre si com a finalidade de manter o inimigo por baixo; porém depois, no momento em que isto se realiza, eles voltam a desentender-se. O que parecia unidade não era unidade nenhuma, era pura fachada, mera aparência. Isso não é unidade real.
Exatamente a mesma coisa se aplica nos domínios da Igreja. Há os que pensam e dizem que, em face do grande inimigo, o materialismo (chamem-lhe comunismo, se o preferirem), todos os que se chamam cristãos de um modo ou de outro devem juntar-se. Não devemos incomodar-nos com definições, mas devemos cerrar fileiras numa frente comum contra este grande inimigo. Há, portanto, os que dizem que os católicos romanos e os protestantes deveriam trabalhar juntos e unir-se, esquecer todas as suas diferenças, levantar-se juntos em defesa da civilização ocidental, ou seja qual for o nome que acaso se lhe dê, contra este grande adversário comum. E pensam que isso é unidade. Ora, a minha afirmação é que o ensino deste parágrafo da nossa Epístola, sem ir mais longe, mostra-nos como é superficial e, em última análise, como é fútil toda essa conversa. Se captamos bem o ensino desta seção, que nos ajuda a penetrar no conhecimento da natureza do homem em pecado, e que é o que de fato divide as pessoas fundamentalmente, então penso que somos levados à conclusão de que nada menos que uma solução fundamental, como a que unicamente o evangelho oferece, e nenhuma outra coisa, pode produzir esta verdadeira, real e duradoura unidade. É o que este ensino mostra com clareza.


A natureza desta verdadeira unidade existente entre os cristãos

Depois, outra coisa que se vê com clareza é a seguinte: é-nos dado um entendimento e um profundo discernimento da natureza desta verdadeira unidade existente entre os cristãos. O ponto é que somente os que se enquadram na descrição dada aqui é que são realmente um. O apóstolo fala desta unidade em termos de um só corpo e nos oferece esta maravilhosa analogia do corpo, analogia tão frequentemente utilizada por ele. Ele salienta que se trata de uma unidade vital, orgânica; não é simplesmente uma questão de se ligarem frouxamente as pessoas, não é simplesmente uma questão de, num dado momento, as pessoas esquecerem as diferenças e formarem uma espécie de coalizão. Nada disso! É uma unidade viva, uma unidade que prevalece no corpo, onde os dedos se ligam ao restante do corpo, não apenas grudados, mas uma unidade viva, unidade de sangue e de nervos. É um todo, com várias partes, não certo número de partes postas juntas para formarem um todo. Começa-se do centro para fora, e não vice-versa. Talvez eu possa fazer um sumário disso tudo dizendo que a unidade entre os cristãos é uma unidade completamente inevitável por causa daquilo que é verdadeiro quanto a todos e a cada um. Às vezes penso que esse é o princípio mais importante de todos. Parece-me que, com toda essa conversa sobre unidade estamos esquecendo a coisa mais importante, que a unidade não é uma coisa que o homem tem que produzir ou arranjar: a verdadeira unidade entre os cristãos é inevitável e indeclinável. Não é criação do homem; é, como tão claramente nos foi mostrado, criação do próprio Espírito Santo. E a minha tese é que existe essa unidade neste momento entre cristãos verdadeiros. Não me importa quais sejam os rótulos que lhes ponham, a unidade é inevitável; eles não a podem evitar, por causa daquilo que realmente caracteriza cada um dos cristãos, individual¬mente falando.


Por natureza, por causa dos seus antecedentes e do que está por trás deles, os homens estão desesperadamente divididos

Permitam-me mostrar-lhes a seguir como estes princípios são aqui expostos em detalhe. Há primeiramente este grande postulado, que, por natureza, por causa dos seus antecedentes e do que está por trás deles, os homens estão desesperadamente divididos. Isso nos foi mostrado aqui, em termos do judeu e do gentio, e dos profundos e violentos preconceitos que ambos tinham. Isso é o homem em pecado. O homem em pecado é um montão de preconceitos. E posto que todos os homens estão em pecado e têm esses preconceitos, a desunião é inevitável. O judeu desprezava o gentio, o gentio odiava o judeu, e então havia aquela parede de separação que estava no meio. O mundo ainda está cheio desse preconceito racial – pessoas que não hesitam em excluir nações inteiras e a condená-las, a falar delas com sarcasmo e zombaria; e, por sua vez, os condenados fazem exatamente a mesma coisa. Essa é a verdade com relação a classes, com relação a grupos. A humanidade toda está dividida dessa maneira. Não é algo superficial, é profundo na vida do homem, é elementar. Num sentido é algo que está fora do controle do homem. Ele tenta dominar isso, coloca por cima um revestimento de cavalheirismo e polidez, ele pode sorrir para alguém que ao mesmo tempo ele está amaldiçoando em seu coração. Monta¬mos o espetáculo, e as aparências são resguardadas, porém por baixo há inimizade e desunião; e o simples fato de que as pessoas mutuamente sorriem e apertam as mãos não nos diz nada, necessariamente, do que se passa em seus corações. Elas podem publicar os seus comunicados e, todavia, ao mesmo tempo podem estar planejando e conspirando o fracasso umas das outras e fazendo várias coisas inamistosas umas contra as outras. Todos nós sabemos muito bem disso. A arte da política, geralmente assim chamada, seja política local ou imperial ou internacional, baseia-se precisamente na suposição de que não se pode confiar em ninguém e que você tem que estar de olho nos seus melhores interesses, fazendo concessões quando lhe for conveniente.
Essa é, pois, a verdade acerca da humanidade. E é a verdade ao nível individual exatamente como o é ao nível internacional. Portanto, não somente é ser novato nestas questões, e ingênuo, falto de instrução e iletrado quanto ao conhecimento da história, aquele que supõe que as aparências são o que são; é também profundamente perigoso. Noutras palavras, voltamos a isto: antes que possa haver unidade entre os homens, tem que haver uma mudança radical neles. Tem que haver uma mudança na própria constituição deles. O que precisa ser mudado em cada um de nós, no que somos por natureza, são os nossos preconceitos fundamentais; não o que fazemos à superfície para favorecer negócios ou as aparências, mas o que realmente somos, o que realmente cremos nas profundezas de nosso ser. Enquanto isso não for posto em ordem, será ocioso e uma pura perda de tempo falar em unidade.


Por que todos os verdadeiros cristãos são necessariamente um?

Então, que é que o evangelho faz para produzir esta unidade? Como foi que estes judeus e gentios vieram a estar juntos? Por que todos os verdadeiros cristãos são necessariamente um? Eis algumas das respostas:


Todos nós somos igualmente pecadores

Todos somos pecadores, e nada, senão o evangelho, leva as pessoas a verem isso. Todos nós somos pecadores, cada um de nós. Vou além e digo: todos nós somos igualmente pecadores. O que determina se você é um pecador ou não, não é a soma total dos pecados que você cometeu, é a sua atitude total para com Deus. Aqui é que vemos quão fúteis e superficiais são todas as divisões e distinções. Era isso que mantinha separados o judeu e o gentio. O judeu dizia: somos o povo de Deus e temos as Escrituras, os oráculos de Deus, temos a lei, temos o cerimonial e o templo; estes outros não têm nada destas coisas. E achavam que isso os acertava, que isso fazia uma diferença vital. Mas o propósito geral da pregação do evangelho, diz o apóstolo Paulo, é mostrar ao judeu que ele é tão pecador quanto o gentio. "Não há um justo, nem um sequer." "Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus." Todo o mundo "tornou-se culpado diante de Deus". Nesta altura vocês vêem como é inteiramente superficial, e que desperdício de tempo é favorecer as nossas divisões entre gente muito má, gente má, gente boa, gente muito boa, e gente nobre. São nossas classificações, não são? A um homem chamamos pecador, um de fora; e julgamos outro respeitável, muito fino e muito bom. Realmente atribuímos significação a todas estas divisões e distinções. No momento em que você vem para o evangelho, tudo isso é demolido e se torna completamente irrelevante. A prova, afinal de contas, não é o que somos entre nós e de acordo com as nossas medidas e os nossos padrões. Cada um de nós tem que vir à presença de Deus. E, face a face com Ele, somos todos pecadores, somos todos vis. Não O conhecemos. Não O servimos como devíamos. Quebramos as suas leis. Cada um foi por seu próprio caminho. "Todos nós andamos desgarrados como ovelhas" (Isaías 53:6).
Entendemos isso perfeitamente bem na esfera natural. Mas de algum modo falhamos não aplicando isso à esfera espiritual. Temos os nossos padrões para medir a luz e a energia elétrica, e assim por diante. Falamos em voltagem, em tantos ou quantos watts e em coisas como essas, e aí estão divisões e distinções – ligarei uma lâmpada de 150 watts ou uma de 15? Que diferença! A diferença parece ser muito importante. Contudo, leve as duas, a de 15 e a de 150, e coloque-as diante do sol, e as suas diferenças não importarão mais. Não importa se você tem uma vela ou uma candeia ou uma lâmpada muito poderosa, à luz do sol elas são trevas, por assim dizer, e as diferenças são irrelevantes e não pesam nada. É assim na esfera espiritual. Todos nós estamos face a face com Deus. E quando estou na presença de Deus e da Sua santidade e da Sua lei, não me servirá de ajuda pensar que talvez eu seja um pouco menos mau do que alguma outra pessoa; a questão é: sou suficientemente bom para Ele? Sou suficientemente bom lá? E o que este evangelho fez foi mostrar Deus aos homens e mostrar os próprios homens à luz de Deus; e estão todos condenados, estão todos sob um denominador comum. Não há judeu nem gentio, bárbaro, cita, escravo nem livre, rico nem pobre, instruído nem ignorante. Todas estas coisas são irrelevantes – ¬preto ou branco, este lado de uma cortina ou aquele. Isso não importa, todos pecaram. Esse é o primeiro passo para a unidade. Antes que possa haver unidade, todos nós temos que ser derrubados ao pó. Enquanto qualquer de nós estiver de pé, e quiser impor-se, nunca vocês terão unidade, porque ele está se gabando de alguma coisa, está agarrado a algo que lhe é peculiar. Vocês jamais conseguirão unidade dessa maneira; temos que dar cabo do ego. Mas aqui, encarando Deus no evangelho, somos lançados ao pó, somos forçados a ver a nossa total pecaminosidade, e um a um vemos exatamente em que situação estamos na Sua presença.


Somos todos igualmente incapazes

Essa primeira resposta leva inevitavelmente à segunda. Não só todos nós somos igualmente pecadores, porém também somos todos igualmente incapazes. Pois bem, essa era a dificuldade com o judeu; ele não percebia a sua incapacidade. Achava que o seu conhecimento da lei ia salvá-lo de um modo ou de outro. Mas ele passou a ver que não ia. Como o apóstolo diz no capítulo três de Romanos: "pela lei vem o conhecimento do pecado". Certamente! Muito valiosa nesse aspecto! "Eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: não cobiçarás" (Romanos 7:7). Ela marca a coisa. A lei é de inestimável valor nesse aspecto. No entanto, o tolo judeu achava que o seu conhe¬cimento da lei puro e simples de algum modo o salvava. Mas não o fazia nem podia fazê-lo. A lei simplesmente condena; não ajuda a salvar. Isso é vital para o argumento geral deste apóstolo, e para o argumento geral do evangelho em toda parte. Ouçam-no dizê-lo também em Romanos 8:3: "Portanto o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito". Aí está, uma vez por todas. Não somente somos todos pecadores, todos nós juntos, porém igualmente somos todos incapazes em nosso pecado. Podemos, com grande determinação e força de vontade, tentar ser melhores, mas inutilmente. Há pessoas que podem levar uma vida excelente, abstêmia e nobre; podem dedicar-se e aperfeiçoar-se e a elevar-se na escala moral; entretanto quão fútil isso é, pois a tarefa é chegar a Deus! É ocioso gabar-se dos cavalos de força dos seus carros motorizados quando você se defronta com uma monta¬nha que o carro mais poderoso não poderá subir. E essa é a situação do homem em pecado. Não importa quão grande seja a luta moral de um homem, ele, por si mesmo, nunca poderá chegar a satisfazer a Deus e às Suas exigências. Ninguém poderá permanecer de pé no juízo simples¬mente firmado em sua justiça própria e por seus próprios esforços; quando compreendemos isso, todos só temos que dizer:

Meus labores, minha mão
Cumprir jamais poderão
O que Tua lei exige;
Se o meu zelo e o meu ardor
Repouso não conhecessem
E as minhas sentidas lágrimas
Perpetuamente corressem,
E tudo pelo pecado,
Pecado não poderiam
Expiar; nunca o fariam!

Somos todos um em nossa incapacidade, em nossa fraqueza, em nossa desesperança, em nossa ineficácia; estamos juntos no pó. A compreensão disso é que traz unidade. Antes disso, altaneiro, alguém diz: eu sou melhor do que você, progredi muito mais que você. Jazendo desamparados no pó, percebemos que não temos de que nos gabar, não temos nada que possamos falar. Somos silenciados, todos nós juntos. A competição é abolida. Negativamente, estamos todos na mesma situa¬ção.


Todos nós viemos ao mesmo e único Salvador

E isso, naturalmente, leva a outro ponto que o apóstolo salienta. Todos nós viemos ao mesmo e único Salvador. Como o apóstolo se delicia em repetir o nome! "Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto" – vejam vocês como ele o repete logo! "Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um"; "Na sua carne (ele) desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos"; "para criar em si mesmo dos dois um novo homem"; "e pela cruz (ele pudesse) reconciliar ambos com Deus em um corpo"; "e, vindo ele, evangelizou a paz"; "porque por ele ambos temos acesso." É sempre esta bendita Pessoa. Aqui estamos começando a ver o assunto positivamente. Estamos todos juntos no pó, nas cinzas e em trapos. Então erguemos os olhos e olhamos juntos para a mesma Pessoa bendita. Não estou interessado num Congresso Mundial das Crenças. Não posso ajoelhar-me e estar com pessoas, das quais uma está com os olhos postos em Confúcio, outra em Maomé, outra em Buda e outra em algum filósofo. Não posso! Há somente Um para quem olhar, o bendito Filho de Deus. E eu não tenho nenhum sentimento de unidade e nenhuma comunhão com quem não esteja olhando comigo para o mesmo Salvador. "Há um só Deus e um só Mediador (unicamente um Mediador) entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem" (l Timóteo 2:5). Não há unidade sem isso. Estamos juntos no fracasso e na incapacidade, e agora estamos olhando juntos para a mesma Pessoa bendita. E se não estamos, de que vale falar em unidade? De que vale falar em ter coisas em comum e em afirmar que somos todos um, se há alguma dúvida sobre Ele, quanto a se Ele é o Filho de Deus ou apenas homem? Se houver qualquer dúvida sobre isso, não haverá unidade, não haverá comunhão. Temos que confessar juntos que há somente um Salvador, unicamente um Senhor Jesus Cristo, Deus e homem, duas naturezas em uma pessoa, nascido da virgem, Maria, crucificado sob Pôncio Pilatos, ressurreto. É preciso que não haja dúvida sobre Ele! Não haverá unidade, a menos que estejamos de acordo sobre Ele! O mesmo Salvador, a mesma Pessoa!


Temos a mesma salvação

E depois temos a mesma salvação! Devemos particularizar, vocês sabem. Não basta dizer: ah, eu creio em Cristo e sou um com todos os que crêem em Cristo. Todavia, o que significa crer em Cristo? Bem, notem como o apóstolo o expressa. Diz ele que "naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concer¬tos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto". Esse é o único caminho. Eu não estou perto de um homem qualquer, a não ser que ele tenha sido trazido para perto pelo sangue de Cristo. Não tenho comunhão com alguém que não gosta da teologia do sangue. Ele poderá dizer-me, se quiser, que crê em Cristo, porém eu não conheço nenhum Cristo, exceto o Cristo que morreu por mim e pelos meus pecados na cruz. Não tenho acesso ao Pai, exceto "pelo sangue de Jesus". O homem que deixa de lado a cruz é um homem com quem eu não estou em comunhão, não me interessa que título ele se dê. Não há unidade, exceto entre os que pertencem ao grupo dos comprados pelo sangue, os quais compartem a mesma salvação na qual a cruz é inevitável, essencial e central. "Nenhum outro havia suficien¬temente bom para pagar o preço do pecado." Deus, diz ainda Paulo no capítulo três de Romanos, tem que ser justo quando age como justificador daquele que crê em Jesus. Não posso crer num Deus que possa tolerar o pecado e fingir que não o vê. Deus é "santo, justo e reto". Ele disse que punirá o pecado, e terá que fazê-lo; e creio que Ele o fez em Cristo, na cruz. Foi aquele mesmo Cristo da cruz que literalmente saiu corporalmente do túmulo e subiu ao céu para a minha justificação. Sou um só com aqueles que estão vestidos com a mesma veste de justiça, que é a justiça de Cristo. Não há unidade quando as pessoas estão com vestes diferentes – uma com a sua justiça moral, outra com a justiça de alguma filosofia, a outra com a justiça de Cristo. Não somos um com ninguém, senão com os que "lavaram as suas vestes no sangue do Cordeiro" e estão imaculadamente vestidos com a justiça do Filho de Deus. Esse é o argumento; não somente na passagem que estamos estudando, é o argumento em toda parte. Compartimos uma "salvação comum". Essa é a expressão utilizada, vocês se lembram, na Epístola de Judas.


Temos o mesmo Espírito Santo habitando em nós

Todas estas coisas são comuns a todos os cristãos. Além disso, temos o mesmo Espírito Santo habitando em nós, vivendo em nós, agindo em nós, e realizando exatamente a mesma obra em nós. O apóstolo já o tinha mencionado. É "por um só Espírito" que temos este nosso acesso ao Pai. "Operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar" – o mesmo Deus, o mesmo Espírito Santo! Unidade maravilhosamente orgânica! Quão diferente é isso de dizer-se superficialmente: unamo¬-nos. Há um inimigo comum, esqueçamos as nossas diferenças! Necessitamos de uma mudança radical. É a nossa natureza que causa divisões, e seja o que for que não trate da nossa natureza, não terá a mínima possibilidade de resolver o problema. E para mudar a nossa natureza, eis o que é necessário – é preciso que venha o Espírito Santo. E Ele veio, está em todos nós, está produzindo em nós – e isto é talvez, em muitos aspectos, o que há de mais maravilhoso – a mesma nova natureza. "Se alguém está em Cristo, nova criatura é (uma nova criação); as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo." O cristão não é alguém que fez automelhoramento, ou que até certo ponto aprendeu a dominar-se e, na linguagem das Escrituras, "limpou o exterior do copo e do prato". Nada disso! Ele é um novo homem. Deus o fez "participante da natureza divina". E a natureza divina é caracterizada pelo amor.
Como podemos conseguir unidade, se não houver amor? Mas o Espírito Santo produz este novo homem, esta nova natureza. Este "fruto do Espírito" vê-se em todos os cristãos, e assim é que temos a unidade inevitável. Todos os cristãos nascem do Espírito, do mesmo Espírito. "Necessário vos é nascer de novo", disse Cristo a Nicodemos. "O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito." Isto é absolutamente essencial. Os homens nunca serão um, se não tiverem esta mesma natureza comum. Em Cristo nós a temos. E Ele criou em Si mesmo "dos dois um novo homem, fazendo a paz". Esta Sua nova humanidade! E assim, com esta nova natureza, com esta nova disposição dentro de nós, nós que somos cristãos, temos os mesmos interesses, estamos preocupados com as mesmas coisas e temos os mesmos desejos. Por isso, quando nos encontramos, logo vemos que temos esta co-participação em interesses e desejos. Não é difícil achar algo de que falar quando você se encontra com um cristão. Você o reconhece na hora. Vocês conversam sobre as mesmas coisas, sobre estes assuntos espiri¬tuais; não ficam mais conversando sobre o mundo e as suas pomposas e superficiais nulidades, e sim, sobre os interesses eternos, a alma, Deus, Cristo, a salvação, o novo nascimento, e todas estas coisas. Os cristãos se reúnem e se falam. É como são descritos os fiéis do Velho e do Novo Testamentos. Pessoas que se conhecem, que se sentem mutuamente atraídas, que se entendem; não precisam de introduções bem elaboradas, logo pegam estes tópicos comuns, os mesmos desejos os anima, e compartilham as mesmas esperanças. Como é inevitável a unidade entre os cristãos!


Temos o mesmo Pai

Depois isso nos leva a esta verdade: temos o mesmo Pai. "Porque por meio dele (ou por ele) ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito" (VA). Pertencemos uns aos outros porque pertencemos a Deus. Somos filhos do mesmo Pai. Ora membros de uma família, podemos discordar e brigar às vezes, porém há por trás uma unidade fundamental. Essa é a diferença entre a verdadeira unidade entre os cristãos e esta unidade produzida artificialmente sobre a qual o mundo e, infelizmente, a Igreja tanto falam no presente. Você pode olhar para uma família e dizer: eles parecem odiar uns aos outros, vejam como brigam. Mas, se você procurar conviver com eles, logo verá que eles são um, porquanto há uma unidade de sangue. Eles pertencem à mesma família, ao mesmo pai. Eles têm direito, por assim dizer, têm liberdade de discordar, entretanto há sempre esta unidade básica. Todavia, naque¬las outras pessoas, que à superfície parecem tão unidas, por baixo, no coração, não há nada sólido, e a aparência de unidade entra em colapso na hora da maior necessidade. Como cristãos verdadeiros, temos um só Pai. Somos filhos do mesmo Rei celestial. E, portanto, temos os mesmos interesses familiares.


Até as mesmas provações nós temos

Não somente o acima exposto caracteriza a todos nós como cristãos, mas até as mesmas provações nós temos. Temos as mesmas tentações. Temos os mesmos problemas. Isso às vezes nos faz compreender a unidade mais que qualquer outra coisa. Quando você pensa que está só em suas dificuldades, provações e tribulações, e vem à casa de Deus, como fez o homem do Salmo 73, você logo se dá conta: "Bem, de qualquer forma, não estou sozinho nisto". Você encontra alguém e começa a contar-lhe os maus momentos pelos quais está passando. E quando você lhe pergunta como vão as coisas com ele, ele lhe diz a mesma coisa que aconteceu com você na mesma semana. Visto que somos espirituais, visto que temos esta nova natureza, temos os mesmos inimigos – o mundo, a carne e o diabo – e eles nos atacam do mesmo modo. Assim entendemos, levamos as cargas uns dos outros, temos compaixão uns pelos outros. "Não veio sobre vós tentação, senão humana", ou "senão a que é comum aos homens" (VA). É o que Paulo diz aos coríntios (l Coríntios 10:13). Estamos todos tomando parte na mesma batalha, na mesma luta "contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais". Mas, louvado seja Deus, na luta experimentamos a mesma graça divina, a mesma libertação, o mesmo Salvador, o mesmo Guia, Mentor e Amigo.


Estamos todos marchando e indo para o mesmo lar eterno

E, finalmente, estamos todos marchando e indo para o mesmo lar eterno. Como cristãos, compreendemos como ninguém que este mundo é passageiro, que esta existência é tão-somente uma escola preparatória. Este não é nosso lar; estamos marchando para o céu, para a glória. Temos a mesma esperança posta diante de nós. Há muitas diferenças aqui – diferenças de nacionalidade, diferenças de dons. Podemos diferir na aparência, e em mil e um outros aspectos – sim, mas todos nós estamos indo para o mesmo lugar, para a mesma eternidade e a mesma glória, para o mesmo Deus, para o mesmo céu. Temos os olhos postos na mesma "recompensa de galardão".


Vocês não concordariam que as proposições que apresentei no começo estão justificadas? Não existe isso de unidade, exceto nas pessoas caracterizadas por estas coisas. Nenhuma outra unidade, assim chamada, tem qualquer valor. Mas, ao mesmo tempo, devemos acres¬centar que, tolerar qualquer coisa que divida pessoas dotadas destas características, é pecado. De modo que, quanto a mim, não dou impor¬tância ao rótulo de uma pessoa; as pessoas que eu realmente conheço e nas quais estou interessado, são aquelas que são verdadeiramente caracterizadas por estas coisas que venho salientando. Não estou interessado em seu país, em sua cor, em seus dons, habilidades, posses, nem em algum rótulo que o mundo dos homens dê a eles. Se um homem me diz que sabe que é pecador sem esperança, vil, condenado, perdido, e que se apóia unicamente no fato de que o Senhor Jesus Cristo morreu por seus pecados, que o Seu corpo foi partido e o Seu sangue foi derramado por seus pecados, que põe sua confiança unicamente nessa obra expiatória e reconciliatória realizada por Cristo, que Cristo foi seu Substituto, e que Deus em Cristo pelo Espírito fez dele um novo homem e lhe deu uma nova natureza, então estou com esse homem. Pertenço a ele e ele me pertence, e não admitirei que coisa alguma nos separe. E cada vez me parece mais pecaminoso permitir que alguma coisa nos separe. Seria certo tais pessoas estarem distribuídas entre as diversas denominações como estas são, e ligadas a pessoas com as quais elas não têm fundamentalmente nada em comum, a não ser simplesmente a tradição? A unidade verdadeira é esta unidade do Espírito, esta unidade da nova natureza, esta unidade que é em Cristo e Este crucificado, a unidade do Seu sangue, a unidade do próprio Senhor.
Queira Deus, em Sua graça infinita, dar-nos capacidade de ver estas coisas. A unidade do Espírito é o único e veraz vínculo da paz. Graças a Deus, todos os que pertencem a Ele, nascidos do Seu Espírito, são dEle e são um, apesar da sua cegueira, do seu pecado e da sua incapacidade de levar à plena realização essa gloriosa verdade!

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