CAPÍTULO 24
ORANDO NO ESPÍRITO
"Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito." - Efésios 2:18
Voltamos mais uma vez a este versículo de máxima importância, no qual o grande apóstolo mostra aos efésios o motivo que têm para regozijar-se no fato de serem cristãos e, portanto, co-herdeiros do reino de Deus com os judeus. É um versículo crucial. Vimos que este versículo nos faz lembrar que as três Pessoas da Trindade santa e bendita estão interessadas em nossa salvação e participam dela. Esse é, para mim, o fato mais glorioso que jamais poderemos conhecer. Não há nada que o supere, nem no céu. É aí que podemos saber, em sua plenitude, o que Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo têm feito por nós e pela nossa salvação. Vimos também que, imediatamente aqui, nesta existência, o maior benefício que auferimos deste grande fato da nossa salvação é que temos acesso ao Pai. Esse é o fim da salvação, esse é o grande objetivo que está por trás de tudo quanto Deus fez em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle - Ele morreu "para levar-nos a Deus", e o Seu sangue foi derramado para que pudéssemos ser capazes de entrar no "lugar santíssimo". Parar, pois, em qualquer ponto anterior a este é, não somente ignorar as Escrituras, é de fato ir contra as Escrituras, porque, o que importa em última instância não é o que você e eu pensamos que necessitamos ou desejamos, é o que Deus providenciou. E este é o fim e objetivo da salvação, que possamos ter acesso ao Pai, que possamos entrar à presença de Deus e gozar comunhão com Ele.
A COISA MAIS DIFÍCIL QUE TENTAMOS FAZER, PORQUE É A MAIOR COISA QUE FAZEMOS, É ORAR
Em vista do fato de que esse é o mais alto privilégio e a maior bênção que jamais podemos experimentar, não é surpreendente que justamente neste ponto é que a maioria de nós, na verdade todos nós, muitas vezes vemos grande dificuldade, e talvez continuemos em grande dificuldade. Suponho que, em última análise, a coisa mais difícil que tentamos fazer, porque é a maior coisa que fazemos, é orar. E, quanto à oração, há problemas que muitas vezes agitam as mentes e os corações do povo de Deus. Não é de admirar, pois não há nada maior que a oração. Por isso o adversário das nossas almas preocupa-se particularmente em atacar¬-nos neste ponto. Isso é uma coisa que todos nós aprendemos pela experiência. Não há nada, em nenhum sentido, que seja tão difícil como orar. Permitam-me lembrar-lhes algumas das muitas dificuldades, para que possamos ver o objetivo que o apóstolo tem em mente quando afirma o que temos neste versículo.
Uma dificuldade é aperceber-nos da presença de Deus. Deus é Espírito, Deus é invisível. Isso, em si, constitui logo uma dificuldade para nós. Estamos acostumados a ver pessoas ou a ouvir as suas vozes, quando temos amizade e comunhão com elas. Mas Deus é invisível. "Deus nunca foi visto por alguém" (João 1:18). Para expressá-lo de outro modo, é frequente ter-se uma impressão de irrealidade na oração de alguém. E há vozes que nos vêm, sugestões enviadas por satanás, querendo induzir-nos a pensar que na verdade estamos meramente passando por algum processo psicológico, que estamos apenas persua¬dindo e enganando a nós mesmos, que estamos virtualmente falando com nós mesmos e nos encorajando a nós mesmos. Há esta impressão de irrealidade da qual muitos se queixam frequentemente.
Depois há o problema da concentração. Se você está lendo um livro, não é muito difícil concentrar-se. Se você está falando com alguém, não há esse problema. Todavia, acaso não temos visto muitas vezes que, quando nos pomos a orar, as nossas mentes vagam por todas as direções, que a nossa imaginação viaja pelo mundo inteiro e, embora estejamos de joelhos com a intenção de falar com Deus, tendemos a pensar em problemas - em algo que aconteceu ontem, em algo que vai acontecer amanhã? Quão difícil é firmar a nossa mente e os nossos pensamentos, e concentrar-nos de tal modo que a nossa oração seja realmente um ato vívido, verdadeiro e vital! Depois há também o sentimento de indigni¬dade, a lembrança da nossa pecaminosidade e o sentimento de que não temos direito de aproximar-nos de Deus. Este terrível sentimento de indignidade milita contra nós. E ainda vêm as dúvidas, as dúvidas se insinuam na mente, perguntas e questionamentos. Não tenho necessi¬dade de desenvolver isto elaboradamente; todos nós estamos familiari¬zados com estas coisas, e elas acontecem porque a oração é a suprema atividade da alma humana, é o ponto mais alto que podemos alcançar nesta vida - comunhão com Deus. Assim é que, quando nos envolvemos nessa atividade, todas as forças do inferno, por assim dizer, atuam sobre nós e fazem o máximo para frustrar os nossos esforços. Digo isso não só porque é um fato, mas também em parte como um meio de incutir ânimo. Não se desanime por achar a oração difícil. Na verdade, o que se deve temer é achar muito fácil orar, porque, se compreendermos exatamente o que estamos fazendo, veremos que, de maneira inevitável, seremos alvos e vítimas especiais do adversário das nossas almas e, correspondentemente, acharemos difícil orar.
NADA É TÃO FATAL COMO ENTREGAR-SE À ORAÇÃO SEM PENSAR
Por todas essas razões, pois, é muito necessário que nos instruam como orar e que saibamos orar. Nada é tão fatal como entregar-se à oração sem pensar. O primeiro ato na oração sempre deve ser o que os chamados "pais" costumavam chamar "recolhimento". Sempre deve haver um ato de recolhimento, de meditação. É muito errado correr para a presença de Deus com petições, sem dar-nos conta do que estamos fazendo. Devemos parar, fazer uma pausa, meditar e recordar o que estamos fazendo. Há muitas maneiras de esclarecer este ponto. Se você tiver uma audiência com a rainha, provavelmente achará sábio e oportuno aprender algo sobre a etiqueta da corte. Ora, multiplique isso pelo infinito, e aí você terá uma alma indo à presença de Deus. Não é algo que se possa fazer leviana e impensadamente, não é algo para o que devamos ir precipitadamente; temos que compreender o que nos cabe fazer. Aqui o apóstolo, ao dar-nos uma lista das coisas admiráveis acontecidas com estes efésios, leva-nos a esta altura tremenda: "Por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito". Vocês não somente deixaram de ser estranhos e forasteiros, e de estar separados; vocês entraram à presença de Deus. Como chegaram lá? Ele nos diz, vocês recordam, que há dois elementos essenciais; e já demos ênfase ao fato de que são somente dois. Há somente duas coisas acerca das quais temos que ter entendimento absolutamente claro e certo. Uma é o próprio Senhor Jesus Cristo; e a outra é o Espírito Santo. Não há o que acrescentar a esta lista. Nada de acrescentar a virgem Maria, nada de acrescentar a Igreja, nada de acrescentar um sacerdócio, nada de acrescentar os santos. Não acrescentem nada. Tudo o que é essencial à oração é que vocês se aproximem por meio do Senhor Jesus Cristo; e já consideramos como fazê-lo.
"POR UM SÓ ESPÍRITO"
A segunda coisa é dar-nos conta de que é "por um só Espírito", Ao passarmos a considerar isto, a primeira coisa que temos que salientar é que a referência é à Pessoa do Espírito Santo. O apóstolo não está dizendo que, agora que os judeus e os gentios compartilham as mesmas ideias e têm a mesma perspectiva e têm um espírito comum, eles podem, portanto, orar juntos. Isso é verdade, naturalmente, porém há algo muito mais forte aqui. A referência não é a espíritos humanos que agora entram em unidade ou vêm em uníssono. A referência é ao Espírito Santo; assim, muito acertadamente, em nossas Bíblias os tradutores indicam isto escrevendo "Espírito", com inicial maiúscula. É uma referência à Pessoa do Espírito Santo. E o que o apóstolo está ensinando é que o Espírito Santo é tão essencial à oração como o próprio Senhor Jesus Cristo. Não Um sem o Outro, e sim ambos juntos.
Mais uma vez temos que fazer a nós mesmos certas perguntas. Teríamos nós, em nossa vida de oração até este exato momento, compreendido o lugar vital e a importância vital do Espírito Santo? Teríamos compreendido que sem Ele de fato não podemos orar verda¬deiramente, e que a verdadeira oração é sempre oração pelo Espírito Santo mediante o Senhor Jesus Cristo? Como cristãos, compreendemos como é essencial o Senhor Jesus Cristo, o único e exclusivo Mediador entre Deus e o homem. Mas aqui, segundo o apóstolo, é igualmente essencial que nos apercebamos da nossa dependência do Espírito Santo e da Sua obra e da Sua atividade peculiares em nós. E esta não é uma afirmação isolada; o apóstolo a repete. Por exemplo, no último capítulo desta Epístola aos Efésios, no versículo dezoito, onde ele estivera falando de revestir-nos de toda a armadura de Deus, ele encerra dizendo: "Orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espírito" (outra vez com a inicial maiúscula) - no Espírito Santo. Essa é a sua concepção da oração. E se vocês forem à Epístola aos Filipenses, verão que ele diz a mesma coisa de novo, no capítulo três, versículo três, onde diz: "Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos maus obreiros, guardai-vos da circuncisão. Porque", diz ele, "a circuncisão somos nós, que servimos a Deus no Espírito" (de novo a inicial maiúscula (Ara e VA)); ou vocês poderiam traduzi-lo, "nós, que servimos a Deus pelo Espírito" e que compreendemos que somos completamente dependentes dEle. Os judaizantes - "a circuncisão" - não serviam a Deus no Espírito ou pelo Espírito; sua forma de culto era mecânica. E o que diferencia o culto e a oração cristãos de todos os outros tipos e espécies de oração é que é no Espírito. Existem muitos outros que oram, porém não oram "no Espírito". Este é o fator peculiar, o fator distintivo quanto à oração cristã. O apóstolo Judas diz exatamente a mesma coisa em sua carta, no versículo vinte: "mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo, conservai-vos a vós mesmos no amor de Deus". Aí está, de maneira muito explícita. Vocês estão orando, diz ele, no Espírito Santo.
Estas expressões não são usadas ao acaso pelos escritores do Novo Testamento. "No Espírito", para eles, fazia parte da própria essência da oração. E, na verdade, ao dizerem isso tudo, estavam apenas mostrando como a palavra de Zacarias cumpriu-se, quando ele profetiza que o "Espírito de graça e de súplicas" seria derramado nesta era do Messias (12:10).
É, pois, de vital importância que entendamos a parte que o Espírito Santo desempenha nesta questão de oração. Num sentido, já tivemos a nossa exposição no capitulo quatro do Evangelho Segundo João. Aí, falando à mulher samaritana, o nosso Senhor coloca este ponto de maneira clara e uma vez por todas. Ela fala levianamente sobre adoração – “Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar". O nosso Senhor a corrige e explica este assunto com clareza e simplicidade: "Deus", diz Ele, "é Espírito, e Importa que os que o adoram o adorem em espírito e verdade". Que é a oração? Quais as verdadeiras características da oração? Que é orar no Espírito?
ALGUMAS NEGATIVAS QUNTO A ORAR NO ESPÍRITO:
Não é uma questão de lugar
Vejamos primeiro as características negativas. Obviamente não é uma questão de lugar nem de cerimônia como tais. O nosso Senhor logo pôs o dedo na falácia da mulher samaritana - "este monte". Se você quiser adorar, diziam os samaritanos, terão que adorar aqui. Os judeus, por outro lado, diziam que você terá que fazê-lo em Jerusalém, no templo, que Deus estava confinado no templo – quando eles, os samaritanos, achavam que Ele estava confinado no seu monte. Lugares! Cerimônias! Há pessoas que só oram quando estão num lugar de culto e que nada sabem da oração em privado e da oração em secreto. Para elas a oração é algo que só acontece em certas ocasiões, ocasiões estabelecidas e em lugares especiais. Ora, a verdadeira oração no Espírito é a antítese disso. Não se restringe a um lugar especial, nem a alguma espécie particular de cerimônia.
Há também algumas pessoas para as quais parece que a essência mesma da oração é a questão de postura e posição física. Como se preocupam em poder ajoelhar-se! De fato conheço pessoas que opinam seriamente que você não terá a mínima possibilidade de orar, senão de joelhos. Não podemos aprofundar-nos nesses pontos todos interessan¬tes que são. Simplesmente estou tentando ressaltar o grande princípio central: que não existe postura alguma que seja essencial à oração. É certo ajoelhar-se para orar, e igualmente certo orar de pé, é igualmente certo prostrar-se, rosto em terra. Todas estas coisas estão nas Escrituras. Noutras palavras, não é a postura, a posição física, que importa. E se você percebe no seu íntimo uma tendência para dizer que a postura é o grande e central elemento, o elemento vital, já não é orar "no Espírito". Você estará atribuindo significação importante a um elemento incidental. É evidente que você pode orar no templo, que você pode orar no monte, mas não só no templo, nem só no monte, nem só numa dada postura.
Não é uma questão de formas de oração
Há depois toda a questão das formas de oração. Aí está outro assunto complicado. Devemos ter orações fixas? Devemos ter orações formais? Devemos ter liturgias? Como é vital este assunto! Há trezentos anos foi em parte responsável pelo movimento puritano. Uns diziam que não há liberdade na oração quando se está preso a liturgias, a formas fixas e a orações lidas. Eles achavam que isso era um resíduo do catolicismo romano. Diziam que a oração tem que ser livre e tem que estar sob a direção e a inspiração do Espírito Santo. Assim, a ênfase não deve ser colocada na beleza das frases, na perfeição da linguagem e nas formas especiais. Não me entendam mal, não estou dizendo que uma oração escrita ou lida não pode ser verdadeira; mas sempre, nesta questão de oração, temos que ter muito cuidado para manter o equilíbrio entre a liberdade do Espírito e a forma. Até certo ponto, as duas coisas são essenciais. Contudo, evidentemente, o ensino do nosso Senhor é que o fator vital é o Espírito; o domínio, a inspiração, a liberdade do Espírito Santo. E assim vocês sempre verão que, em todos os grandes períodos de avivamento, quando o avivamento vem, as pessoas começam a largar das formas e liturgias e a tolerar a oração livre, extemporânea. Mas isso também pode tornar-se mecânico, e o fato de você não estar usando formas fixas não significa necessariamente que você está sempre orando com liberdade. Há maior perigo nas formas do que na oração extemporânea, porém mesmo esta não é garantia de que você não se tornará mecânico e não ficará amarrado. Eis o grande princípio: não dê ênfase à forma ou à beleza ou à perfeição da linguagem ou a qualquer coisa semelhante a isso, mas sim, ao fato de que a verdadeira oração é no Espírito. Noutras palavras, a oração, de acordo com este ensino, nunca deve ser algo meramente formal, todavia deverá ser sempre algo vital.
Ainda mais, não digo que você não deve ter horas de oração fixas; mas, no momento em que começar a fazer isso, terá que ser cauteloso. Haverá sempre o perigo de você estar orando porque é meio-dia ou são 7 horas ou alguma hora do dia e da noite, e não porque você está ansioso para estar em comunhão com Deus. Todas estas coisas podem tornar-se em perigos. É por isso que, parece-me, há certas frases e expressões que jamais devemos empregar. Este ensino acerca da oração no Espírito indica que nunca devemos falar em "dizer as nossas orações", nem empregar aquela outra frase leviana que tantas vezes está nos lábios de algumas pessoas, "dizer uma oração". Há quem fale em entrar num edifício e "dizer uma oração". Quer dizer que estão recitando uma frase. Você não pode "dizer uma oração" quando está tendo comunhão com Deus. Onde está o Espírito Santo? Onde está o elemento de vida? Repetir frases não é orar. Não, diz o nosso Senhor, você tem que livrar¬-se disso tudo; a oração é uma realidade espiritual. "Deus é Espírito, e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade." O Espírito Santo é absolutamente essencial; e sem Ele não podemos orar de verdade, pois a oração é uma viva, vital e real comunhão com Deus, que é Espírito. Deus é Espírito. E a oração realmente significa que o meu espírito está em comunhão com Deus. É pessoal. É companheirismo, este companheirismo imediato, e nada menos que isso. Dessa maneira o apóstolo lembra aos efésios que nesta matéria o Espírito Santo é absolutamente essencial. Você pode ler suas orações sem o Espírito Santo. Você pode repetir frases sem o Espírito Santo. Você pode ficar de joelhos e falar sem o Espírito Santo. Entretanto você não pode fazer contato com Deus, não pode comunicar-se realmente com Deus, que é Espírito, sem a atividade do Espírito Santo. Permitam-me ir mais longe, ao ponto de dizer que, sem o Espírito Santo, nem o próprio Senhor Jesus Cristo e Sua obra, sós, podem levar-nos a esta relação vital com Deus. "A hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai (não neste monte, nem ainda em Jerusalém, mas) em espírito e em verdade." É isso que vem, diz Ele. E é isso que o Espírito Santo produz e possibilita. Sem o Espírito Santo a oração é mecânica, sem vida, difícil, a oração fica sendo uma tarefa terrível; mas com Ele tudo muda e a oração se torna livre e gloriosa, e o gozo supremo da alma.
O QUE SERIA EXATAMENTE QUE O ESPÍRITO FAZ NESTA QUESTÃO DE ORAÇÃO?
Isso nos deixa agora com a pergunta: o que seria exatamente que o Espírito faz nesta questão de oração? E as respostas são quase intermináveis. Vou simplesmente dar alguns títulos. Em certo sentido poderíamos resumir tudo dizendo que é Ele que, como intermediário, transmite-nos e torna vívido e real para nós tudo o que foi feito pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Todavia, dividamos o assunto da seguinte maneira: porque eu oro, porque devo orar, porque tenho desejo de orar?
O Espírito Santo cria em mim uma mente espiritual
A resposta é, que é o Espírito Santo que cria em mim uma mente espiritual. Por natureza o homem, como vimos extensamente neste capítulo, não tem mente espiritual ou perspectiva espiritual. E sem a ação do Espírito, a oração é uma completa impossibilidade; simples¬mente não conseguimos orar. Naturalmente, pode ser que nos tenham ensinado a dizer nossas orações, e podemos ir fazendo isso mecanica¬mente a vida toda. E, que pena, muitos de nós permanecem crianças nesta questão até o túmulo! Ensinados a dizer as suas orações de manhã e de noite - e vocês verão adultos, homens inteligentes, homens de negócio e profissionais, que gostam e até se orgulham de dizer que continuam dizendo as orações que aprenderam na infância. Permane¬cem crianças nesta questão; noutras questões não permanecem crianças, mas nesta continuam simplesmente fazendo o que sempre fizeram. E isso é tão sem sentido agora, como o era então. Não é oração. A primeira coisa absolutamente essencial é que devemos ter mente espiritual, perspectiva espiritual. Estávamos mortos em ofensas e pecados; e embora nos tenhamos tornado cristãos, a condição de mortos tende a permanecer e a afligir-nos. Às vezes não nos é difícil animar-nos? Não nos inclinamos a orar, sentimo-nos sem vida, letárgicos e insípidos, e as coisas espirituais não são reais para nós. Nesse estado não podemos orar. Pois bem, o Espírito nos dá alento, nos vivifica, nos inquieta, nos move, nos estimula, persuade as nossas mentes carnais a pensarem espiritual¬mente. Esse é sempre o primeiro elemento essencial nesta questão de oração. Tornamo-nos cientes do reino espiritual e somos levados a lembrar que nós mesmos temos o Espírito dentro de nós. E no momento em que começarmos a compreender isso, em certo sentido já estaremos começando a orar. Contudo é claro, a questão não termina aí.
Ele nos faz lembrar-nos dos nossos pecados
É o Espírito que nos mostra a nossa necessidade, é Ele que nos faz lembrar-nos dos nossos pecados. Não há nada que tenha tanta probabilidade de levar um homem a orar como a sua consciência do seu pecado e da sua necessidade. E esta é a obra peculiar do Espírito Santo. Vocês vêem a diferença entre meramente correr para a presença de Deus com certas petições, e verdadeiramente ter companheirismo e comu¬nhão. Você diz a si próprio: vou ter esta audiência com o Rei eterno, imortal, invisível. Quem sou eu para entrar lá? Que espécie de criatura sou eu? Como estou vestido? Como estou calçado? Qual a minha aparência? Noutras palavras, o Espírito Santo está fazendo você ver o seu pecado, Ele o está convencendo e o está tornando convicto da sua necessidade, Ele está produzindo no seu íntimo uma santa tristeza, um verdadeiro arrependimento. Isso tem o poder de induzi-lo à oração. Ele o está preparando.
Ele nos mostra a necessidade que temos de Deus e da misericórdia de Deus e da bênção de Deus
Isso nos leva ao próximo ponto, o qual é que Ele nos mostra a necessidade que temos de Deus e da misericórdia de Deus e da bênção de Deus. Imediatamente você é retirado da esfera das generalidades e se dá conta de que é uma alma isolada. Você j á não tem interesse pelas coisas e meros eventos e acontecimentos; você foi levado pelo Espírito Santo a compreender que Deus lhe deu esta dádiva especial, a alma, o espírito. Você veio a este mundo como um indivíduo, e embora seja uma só pessoa dos milhões de pessoas neste mundo, ainda assim você é um ser isolado, distinto, separado e tem relação com esse Deus que também é Espírito e é pessoal, e você vai encontrá-lO. Assim você começa a sentir o desejo de conhecê-lO e de estabelecer contato. O Espírito Santo faz isso. Pois bem, isso é da própria essência da oração; ela se torna pessoal nesse ponto, e deixa de interessar-se apenas pelas formas, aparências e coisas desse gênero.
Tudo isso ainda é muito vago. Mas um passo vital é dado quando a pessoa começa a sentir necessidade de Deus. Quanto a vocês não sei, porém cada vez mais eu me vejo procurando esta coisa singular em todas as pessoas. As pessoas que me atraem, das quais eu gosto, são as que me dão a impressão de que têm fome de Deus, que em suas almas anelam pelo Deus vivo. Eu coloco essas pessoas adiante das demais. Esta é a coisa realmente vital, sentir fome, sentir sede de Deus. Em certo sentido, não há o que supere isso. Você pode ser muito ocupado e muito ativo sem isso. Pode ser tão ocupado que você se torna quase impessoal, alheio a si próprio, não percebendo a condição da sua própria alma e a sua necessidade de Deus e da sua relação com Deus. O Espírito Santo produz essa consciente necessidade de Deus.
Ele nos revela Deus em Sua glória
Depois o Espírito de Deus vai adiante e nos revela Deus em Sua glória. Isso também é algo absolutamente vital e essencial. Tenho para mim que, em última análise, todas as dificuldades da oração provêm da nossa incapacidade de compreender a verdade sobre Deus. Ah, que diferença faria! Somos todos como Moisés, não somos? E acaso não somos como Josué, depois dele? Queremos correr para a presença de Deus. Vocês se lembram de como Moisés, perto da sarça ardente, não entendeu muito. Ele ia investigar, ia correr para lá. Então veio a voz e falou: para trás! "Tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa." Esse é o terreno em que eu e vocês estamos quando nos dedicamos à oração. Vamos estar na presença de Deus. E o Espírito nos revela Deus em Sua glória e em Sua majestade. Entretanto não só isso, Ele nos revela Deus como nosso Pai. E assim Ele cria em nós o desejo de conhecer a Deus e de manter comunhão com Ele. Foi algo semelhante a isto que levou o salmista a dizer: "Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo" (42:1-2). O Deus vivo! Ele não quer mais simplesmente orar a Deus, ele quer o Deus vivo e quer um ato vivo e real de comunhão, a experiência de estar com Deus. Ora, é somente o Espírito que faz isso. E quando acontece esse tipo de coisa, a oração é totalmente diferente. Torna-se a coisa mais animadora do mundo, torna-se a coisa mais emocionante. Ela deixa de ser formal, rígida e difícil, e deixamos de ter todos esses problemas.
Ele mantém os nossos olhos fitos no Senhor Jesus Cristo
Além disso, o Espírito realiza a obra que o próprio Senhor nosso declara que é a Sua obra mais especial e mais peculiar, a saber: Ele mantém os nossos olhos fitos no Senhor Jesus Cristo. Disse o Senhor que o Espírito Santo O glorificaria: "Ele me glorificará" (João 16:14). Esse é o Seu supremo propósito e função. E é exatamente o que Ele faz. Havendo nos mostrado a nossa total pecaminosidade, debilidade e pequenez, e a glória de Deus, Ele nos leva ao Senhor Jesus Cristo. Ele nos faz vê-lO em toda a glória e maravilha de Sua Pessoa, em toda a glória e maravilha da Sua obra. Vemo-lO como o Mediador. Permitam¬-me colocá-lo na forma de perguntas. Sempre que oramos percebemos a nossa completa e absoluta dependência do Senhor Jesus Cristo e da Sua obra expiatória? Estamos sempre conscientes do fato de que, sem o sangue de Jesus, não podemos ter acesso à presença de Deus? Certa¬mente nós todos teríamos que confessar que milhares das vezes em que oramos, "tomamos isso como líquido e certo". E vejam só o que tomamos como líquido e certo: o fato mais glorioso da história! Não damos graças a Deus por ele, não meditamos nele, não pensamos nele até os nossos corações serem arrebatados. Nós apenas o pressupomos. Haverá coisa mais terrível, ou, em certo sentido, mais próximo do blasfemo, do que presumir simplesmente o sangue do Calvário e a morte de Cristo? O Espírito Santo nunca nos permitirá fazer isso. Ele nos revelará o Senhor Jesus Cristo em toda a Sua glória e, graças a Deus, em Sua total suficiência. Assim é que, quando estiver na presença de Deus, e terrivelmente cônscio da sua própria pecaminosidade, da sua indigni¬dade, da sua impureza, da sua baixeza e da sua fraqueza, o Espírito Santo revelará a você que foi quando nós estávamos "ainda fracos" que Cristo "morreu a seu tempo pelos ímpios"; que foi quando éramos "inimigos" que fomos salvos pela morte do Senhor Jesus Cristo (Romanos 5:6,10). Será então que o Espírito o fará lembrar que Cristo disse: "Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento" (Mateus 9:13). Será então que você verá desfilarem Maria Madalena e todos os demais chegando a Deus, conduzidos por Ele. O Espírito Santo mostrará tudo isso a você. E você verá que, apesar da sua baixeza indescritível, não obstante você tem acesso à presença de Deus. Você dirá com Charles Wesley:
Justo e santo é o Teu nome!
Eu, cheio de pecado e jaça,
Eu sou tudo o que há de mau;
Cheio és Tu de verdade e graça!
Ele revela, Ele desvenda o Senhor Jesus Cristo. Quando você se põe a orar, você tem aquelas exaltadas visões da Pessoa e da obra do Senhor Jesus Cristo? É isso que prova que você está orando "no Espírito". Você não pode orar no Espírito sem ser levado a vê-lO e aperceber-se dEle como nunca antes.
Ele nos leva a um entendimento de todas as promessas de Deus
É igualmente o Espírito Santo que nos leva a um entendimento de todas as promessas de Deus. Sabemos o que é estar cercado de provações, tribulações e problemas, e o que é estarmos cientes da nossa fraqueza e ineficiência. De fato somos tentados a clamar a Ele: que farei? Que farei? E aí o Espírito começa a revelar a você as "grandíssimas e preciosas promessas", e tudo se transforma. É Ele que nos revela Deus como nosso Pai, como "o Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" e o nosso Pai. Vocês se lembram desta colocação feita por Paulo: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo" (Efésios 1:3). No momento em que você se der conta disso, toda a sua perspectiva mudará. Você dirá a si mesmo: bem, embora as coisas estejam como estão, Deus é meu Pai, e tenho a autoridade do Senhor Jesus Cristo para dizer que Ele tem todos os cabelos da minha cabeça contados, que Ele não somente se interessa pela queda de cada pardal, Ele está infinitamente mais interessado em mim e em tudo o que me acontece. Ele é o Pai de Jesus Cristo, e é meu Pai; e como Ele cuidou dEle, cuidará também de mim. Ele disse: "Não te deixarei, nem te desampararei" (Hebreus 13:5). Você tem alguma experiência disso? Você sente na presença de Deus, por ser filho de Deus, embora estando talvez quase sufocado por dificuldades e problemas, uma alegria e felicidade que domina e supera tudo? É isso que o Espírito Santo faz.
Permitam-me dizê-lo definitivamente desta forma: escrevendo aos romanos, o apóstolo diz: "Não recebestes o espírito de escravidão para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai" (ou, "o Espírito de adoção... ", Rm 8:15, VA). Sabemos algo sobre escravidão, não sabemos? Sabemos algo sobre as dificuldades que enumerei no princípio - e isso é pura escravidão. Tentar pensar em algo que dizer, tentar produzir um sentimento - ah, que escravidão é essa! Não há liberdade aí. Que diferença um filho falando com seu pai, estendendo as mãos para o pai, para abraçá-lo, sussurrando suas pequeninas coisas porque está alegre por ver seu pai. É assim que devemos orar, com uma gloriosa liberdade. "Não o espírito de escravidão para outra vez estardes em temor! - mas o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos (com este clamor rudimentar, infantil, filial): Aba, Pai." Você experimenta liberdade na oração? Você experimenta esta eloquência espiritual na oração? Você sabe o que é ser arrebatado de si próprio na oração? Você sabe o que é quase desejar continuar orando para sempre, e achar difícil parar? Isso é orar no Espírito, quando a oração chegou às suas maiores alturas. Aí está, pois, o modo como temos acesso ao Pai, diz Paulo, mediante o Senhor Jesus Cristo, e pelo Espírito.
VOCÊ GOSTA DE ORAR?
Permitam-me colocar tudo numa pergunta. Você gosta de orar? Você sempre gostou de orar? É para você a ocupação mais agradável? Se não é, é porque você esqueceu que as operações do Espírito Santo são absolutamente essenciais à oração. Portanto, quando você for orar, lembre-se disso. Ore a Ele, peça-Lhe que o anime, que o vivifique. Ele o fará; Ele já o fez sem você perceber. O desejo de orar foi produzido por Ele, o simples pensar nisso. É Ele que produz todos estes bons desejos; Ele "opera em vós tanto o querer como o efetuar" (Filipenses 2:13); peça-Lhe, pois, e Ele o fará crescer. Vá a Ele, seco e amortecido como você está, diga-Lhe que você tem vergonha de si próprio, diga-Lhe que você quer conhecer a Deus, diga-Lhe que você quer fruir a Deus, diga-Lhe que você quer esta liberdade no Espírito; e peça a Ele que torne isso possível, e persevere até que a resposta venha. E virá! Ouça de novo a palavra do apóstolo em Romanos 8:26 e 27, neste sentido: "O Espírito ajuda as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito". É tão maravilhoso que, mesmo quando nos vemos completamente desamparados e não sabemos pelo que orar ou o que fazer, e, digamos, ficamos desesperados - não chegamos a experimentar esse extremo, graças a Deus - mesmo então nos vemos gemendo, sem saber o que estamos dizendo. É o próprio Espírito fazendo intercessão por nós, em nós, por meio de nós, com gemidos inexprimíveis. Se Ele faz isso sem a nossa solicitação, sem que Lho peçamos, quanto mais certo é que, se verdadeiramente Lhe pedirmos e buscarmos o Seu auxílio, Ele nos responderá! E, começando a orar no Espírito Santo, teremos verdadeiro acesso à presença de Deus, e não somente glorifi¬caremos a Deus, como também começaremos a gozá-la para sempre.
Por: D.M Lloyd Jones
Nenhum comentário:
Postar um comentário