quinta-feira, 9 de setembro de 2010

ESTUDO DE EFÉSIOS

CAPÍTULO 20

“O ÚNICO MEDIADOR”


"E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades." - Efésios 2:16


A unidade entre os homens só é possível quando os homens forem reconciliados com Deus

Com essas emocionantes e gloriosas palavras, o apóstolo continua a sua grande declaração sobre o método de Deus para reconciliar os homens, e ele mostra como é removido ainda outro obstáculo a esse resultado desejado. Os efésios, pagãos como eram, gentios, não somente estavam separados dos judeus, da comunidade de Israel, também estavam separados de Deus. E, obviamente, não poderá haver verda¬deira unidade entre homem e homem enquanto não houver esta outra unidade; porque a divisão original em judeu e gentio era totalmente em termos de relação com Deus. Por isso o apóstolo agora passa a mostrar como também esta segunda questão foi tratada, e da mesma maneira como antes, pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Mas vocês podem notar que o apóstolo expressa isso de maneira muito interessante. Em vez de simplesmente expor como os pagãos efésios foram reconciliados com Deus, ele diz: "E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades" – ambos, judeus e gentios. Depois ele nos mostra exatamente como isso foi feito.
O ensino aqui é fundamental e vital, especialmente com relação a toda esta questão de unidade e paz. Em sua forma geral, podemos expressá-Ia assim: todas as divisões, separações e contendas insigni¬ficantes e secundárias devem-se em última instância ao fato de que lodos os homens estão separados de Deus. Pois bem, essa é uma proposição fundamental e universal. O mundo está repleto de divisões e distinções, países, nações, blocos, grupos, cortinas, um lado e outro; dentro da nação, classes, grupos industriais, capital e trabalho, senhor ou empregador e empregado, etc.; e ainda, dentro desses grupos, divisões, rivalidades, invejas. O mundo está repleto de divisões e separações. Todavia, segundo o ensino das Escrituras, o que é realmente significa¬tivo é que estas divisões de menor importância e secundárias, divisões, separações e contendas de terceira, quinta, décima categoria, são causa¬das por uma única coisa, a saber, que todos os homens estão separados de Deus e em más relações com Ele.
Essa é a tese geral da Bíblia. Não haveria problema nenhum na vida se o homem não tivesse rebelado contra Deus e não tivesse caído e se afastado de Deus. Todos os problemas são devido a isso. Inversamente, portanto, temos direito de dizer que a unidade entre os homens só é possível quando os homens forem reconciliados com Deus. A importân¬cia dessa afirmação é óbvia. Há os que falam levianamente sobre a aplicação do ensino cristão aos problemas, e os que nos dizem que é tudo muito simples. Mas, conforme este ensino, é impossível, enquanto os homens e as mulheres não forem reconciliados com Deus. É pura perda de energia, de fôlego e de tempo tentar conseguir comportamento cristão dos que não são cristãos. Eles não têm condições de reagir de acordo. A pessoa tem que estar de bem com Deus antes de poder estar de bem com os seus semelhantes. Lembro-lhes como o nosso Senhor respondeu quando Lhe perguntaram qual é o primeiro e grande mandamento. A resposta foi: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento"; e depois: "E o segundo, semelhante a este, é: amarás o teu próximo como a ti mesmo". Entretanto você não conseguirá praticar o segundo enquanto não praticar o primeiro. Este é um princípio básico, fundamental.


Que significa a palavra "reconciliar"?

Vejamos como o apóstolo desenvolve isto. Num sentido ele está passando a um novo tema. Noutro sentido ele está dando continuidade ao que vinha expondo. O fato é que ambos são inseparáveis. Por isso ele os liga com a palavra "e", que realmente significa neste versículo "em acréscimo". Que é que o apóstolo está dizendo? Talvez, a melhor maneira de abordar o assunto seja examinar esta grande palavra "recon¬ciliar" – "E pela cruz reconciliar ambos com Deus". A palavra que de fato o apóstolo empregou e que é traduzida por "reconciliar" é muito interessante. Só se acha num outro lugar na Bíblia, e esse é Colossenses 1:20 e 21. Ali ele usa a mesma palavra – porém em nenhum outro lugar. A palavra "reconciliar" vocês encontram em muitas passagens na Versão Autorizada (inglesa; como também em Almeida). Vê-la-ão em Romanos 5:10. Vê-la-ão em 2 Coríntios 5:18, 19 e 20. No entanto, em todos esses casos a palavra utilizada pelo apóstolo não é a mesma que ele utilizou aqui. A raiz é a mesma; num sentido o significado essencial é o mesmo, mas aqui ele usou uma palavra muito especial, ele acrescen¬tou um prefixo que não usa noutros lugares. Portanto, ao expormos isto, devemos tomar a palavra como ele a usou, o prefixo inclusive.
Que é, pois, que significa a palavra "reconciliar"? Permitam-me opinar que ela inclui as seguintes ideias e concepções: primeira¬mente significa a mudança de uma relação hostil para uma relação amistosa. Esse é o sentido mais simples, o sentido básico. Contudo, significa mais. Em segundo lugar, não significa apenas amizade após um afastamento, um mero desfazer do afastamento inamistoso. Não é apenas levar pessoas que passavam umas pelas outras sem olhar-se a falar-se outra vez. Significa mais; significa realmente pôr junto de novo, re-unir, religar. A palavra tem esse sentido. Em terceiro lugar, a palavra acentua também o completamento da ação. Significa que a inimizade é eliminada tão completamente que a amizade toma o lugar. E a ênfase aqui está no caráter completo da ação. Não é remendar uma desarmonia. Não é fazer uma concessão, o tipo de coisas que tantas vezes acontece quando uma conferência já se alongou dias e dias, e chegou-se a um beco sem saída, e alguém de repente tem uma ideia brilhante e sugere a introdução de uma palavra ou fórmula especial, o que só serve para remendar o problema no momento. Não é isso. É uma ação completa, produz amizade e concórdia completa onde antes havia hostilidade.
Mas, em quarto lugar, também significa isto: não é meramente que os dois envolvidos num problema ou numa disputa ou numa contenda decidam entrar em acordo. Esta palavra utilizada pelo apóstolo implica que é uma das partes que toma a iniciativa da ação, e que é a parte superior ou mais elevada que o faz. Um componente dessa palavra indica uma ação que vem de cima. É a palavra grega "kata"; ela sugere uma ação descendente, que vem de cima. Não é que as duas partes se juntem como que voluntariamente; é uma delas trazendo a outra a esta posição de completa amizade e concórdia. E, finalmente, em quinto lugar, a palavra tem o sentido de restabelecimento de algo que havia antes. Pois bem, a nossa palavra "reconciliar" (inglês: "reconcile"), que é uma transliteração da palavra latina, ela própria sugere isso. Reconciliar! Antes eles estavam conciliados, agora estão re-conciliados, trazidos de volta para onde estavam. A palavra tem todos esses sentidos, e é especialmente este último ponto que é introduzido pelo prefixo especial que se vê na palavra utilizada aqui pelo apóstolo, o prefixo apo, um trazer de volta, o prefixo re. A isso é que se dá ênfase aqui.


O pecado separa de Deus

Qual é, então, o ensino do apóstolo? Permitam-me dizê-lo com alguns princípios. A primeira verdade aqui ensinada é que o pecado separa de Deus. Todos os nossos problemas são, em última instância, causados pelo fato de que não entendemos claramente o pecado. O apóstolo já dissera isso no versículo 12, e o repete aqui. Não há como exagerar a repetição disso. "Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo". O contrário disso é, "ser aproximado", ser trazido para perto. O que há de terrível no pecado, justamente o que somos propensos a esquecer, é que o pecado não é uma mera transgressão da lei – é isso; que o pecado não é só desobediência – é isso; que o pecado não é só errar o alvo – é isso; a coisa mais pavorosa quanto ao pecado, e mais devastadora, é que ele significa romper a comunhão com Deus. Quer dizer que somos cortados, extirpados de Deus, que ficamos fora da relação com Deus, que ficamos sem Deus. Ora, é isso que o apóstolo salienta aqui. Todavia nem aí termina. O pecado produz também inimizade entre o homem e Deus. E essa é, segundo este ensino em toda parte, a condição do homem em pecado. Isso aconteceu no princípio da história. Deus fez o homem para Si, e o homem estava em comunhão com Deus. Oh, se tão-somente fixássemos essa ideia como devíamos! Fomos feitos para Deus, fomos destinados a Deus; nunca fomos feitos para o mundo, para a carne e para o diabo. O homem foi feito para Deus, foi destinado a viver em comunhão com Deus, foi destinado a fruir Deus. E essa era a sua condição original. Mas a lástima foi que o pecado entrou; e o que há de terrível quanto ao pecado não é simplesmente que Adão e Eva comeram o fruto proibido – isso é verdade, foi uma ação praticada, foi rebelião, foi arrogância, foi uma infração do mandamento de Deus e desprezo da Sua lei – porém o terrível foi que rompeu a comunhão. O homem estava andando com Deus e, de repente, deu-Lhe as costas. É isso que há de mais temível no pecado. Portanto, o problema é esse, é isso que precisa se endireitado. Não é apenas uma questão de sermos perdoados por ações particulares. Não é esse o único problema. O problema básico é: como se pode restabelecer essa comunhão? Como é possível recuperá¬-la?
É justamente neste ponto que muitos erram em seu pensamento sobre estas coisas. Isso porque não entendem o significado da morte de Cristo, e da cruz, e porque não vêem sentido numa celebração da Ceia. Dizem eles: certamente não há grande problema; quando uma criança faz algo errado, o pai a perdoa e fica tudo bem; não é assim com Deus? Se eu confessar os meus pecados, se eu disser que sinto muito, Deus não me perdoará? E a resposta do Novo Testamento é que não é tão simples assim. Se fosse, o Senhor Jesus Cristo nunca teria vindo ao mundo; certamente nunca teria ido para a cruz. Não, o problema é problema de comunhão, e o problema de como se pode restabelecer a comunhão. E isso não é importante só em nossa entrada inicial na vida cristã; não há nada que seja mais vitalmente importante para os cristãos em todos os estágios. Quanto mais cedo começarmos a pensar nos pecados, não simplesmente em termos de más ações, e sim, em termos de nossa relação com Deus, melhores cristãos seremos.
Tudo isso é exposto perfeitamente na Primeira Epístola de João, no capítulo primeiro. Ali vocês têm uma descrição. Cristão é aquele que está em comunhão com Deus e anda com Deus. "A nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus Cristo", diz João. Diz ele que os apóstolos estão nesta comunhão e que eles querem que outros a gozem também. Mas então vem a pergunta: como isso é possível? "Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas"; e eu sou pecador e estou sempre caindo em pecado. No momento em que eu caio em pecado, eu quebro a minha comunhão com Deus. Não é só que essa ação pecaminosa é má; estou insultando o meu Companheiro. Estou fazendo na presença do Deus santo, que é luz, algo que para Ele é odioso e detestável. Como podemos andar em comunhão? É como João o expressa. Estou dando ênfase a isto por esta boa razão, que, em minha experiência pessoal e em minha experiência como pastor, não há descoberta mais importante que o cristão possa fazer em sua batalha contra o pecado, contra os pecados particulares, do que justamente esta verdade. O que sempre digo às pessoas é: pare de orar acerca daquela coisa particular que o leva a cair; faça a oração positiva; pense nisso em termos da sua comunhão com Deus. Não pense meramente em termos da sua queda e daquela coisa particular; dê as costas a isso, comece a pensar em si como companheiro de Deus e de Cristo, e diga: agora estou com Ele e não devo fazer em Sua presença nada que O desagrade e que O fira. Pense positivamente! Lembre-se de que Cristo está sempre com você, e então você passará a odiar aquilo que o faz cair, e aquilo se tornará inimaginável. Entretanto é isso que nos inclinamos a deixar de fazer, não é? Esquecemos que o que há de terrível no pecado é que ele é uma violação da comunhão e que nos separa de Deus. O termo "reconciliação" de imediato nos põe face a face com o fato de que ficamos fora da comunhão e necessitamos ser restaurados para que voltemos a gozar a comunhão.
Quando Deus chamou Abraão e formou a nação de Israel, Ele já estava dando um grande passo para que se efetuasse a reconcilia¬ção. O mundo todo tinha pecado em Adão e tinha caído, afastando-se de Deus e, assim, todos estávamos separados de Deus. O homem não fez nada a respeito, e não poderia fazer. Mas Deus fez, Deus agiu. Das massas da humanidade Ele formou uma nova nação para Si, um povo para ser Sua propriedade peculiar, um povo com o qual Ele poderia ter comunhão e o qual poderia ter comunhão com Ele, uma nova nação, uma nova criação. Essa é a comunidade de Israel. E o restante estava fora dessa comunidade, ainda sem comunhão com Ele. O Seu povo estava em comunhão com Ele, o restante não. Ora, se não captamos esta verdade, há um sentido em que não entendemos nada do Velho Testamento. Esta história constitui a soma e a substância do Velho Testamento, a história da formação do povo de Deus – Deus formando este povo peculiar para Si – e da relação entre eles. Todavia, desafortu¬nadamente, isso não foi suficiente, pois o apóstolo nos diz aqui que os judeus, como os gentios, necessitavam ser reconciliados com Deus. Tanto os judeus como os efésios precisavam de reconciliação. Por quê? O Novo Testamento dá a resposta. Todos os sacrifícios levíticos, as ofertas queimadas e os sacrifícios, a morte do cordeiro pascal e do cordeiro diário e a apresentação do sangue, e todo o restante deste cerimonial rico e complexo, realmente não foram suficientes; tudo isso era apenas uma sombra de algo que viria, era apenas uma cobertura sobre os pecados dos homens. "Porque é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire o pecado" (Hebreus 10:4): cobria o pecado, porém realmente não atingia o problema. Era suficiente para a ocasião. Mas, de acordo com este mesmo apóstolo Paulo, no capítulo três da Epístola aos Romanos, era necessário que Deus justificasse aquele tratamento dado aos pecados, e Ele o justificou na cruz do Calvário. Ele teve que justificar-Se para a remissão dos pecados passados, e Ele o fez na cruz.
No entanto, o problema não era só esse. É pena, mas judeus precisavam ser reconciliados por esta razão também, que eles tinham entendido tão inteiramente mal o que Deus tinha feito em Abraão, e na nação, que eles achavam que o simples fato de que eram descendentes físicos de Abraão os salvava. João Batista sabia disso, porque, quando começou a pregar àqueles judeus, ele disse: "Não presumais, de vós mesmos, dizendo: temos por pai a Abraão; porque eu vos digo que, mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão" (Mateus 3:9). Mas era o que diziam. Certa ocasião o Senhor Jesus Cristo disse a eles: "Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". Eles, porém, se ofenderam e disseram: "Somos descendência de Abraão, e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: sereis livres?" (João 8:33, VA e ARA). Os judeus tinham entendido tudo errado; pensavam que devido serem judeus estavam em boas relações com Deus, mas com isso trouxeram condenação sobre si. Precisavam ser reconciliados. E além do mais, como vimos em ocasião anterior, a atitude deles para com os gentios era terrivelmente pecaminosa. Eles os consideravam como cães, desprezavam-nos como forasteiros. Por estas diversas razões eles precisavam ser reconciliados com Deus.


O judeu e o gentio são reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira

Isso nos leva ao próximo princípio, que é que o judeu e o gentio são reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira, não diferentemente. "E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo" – esse é o ponto, essa é a ênfase aqui. Ora, "um corpo" não se refere ao corpo físico do Senhor Jesus Cristo. "Um corpo" é a Igreja. Assim, o que ele ensina é que os judeus e gentios são reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira; não há mais diferença alguma entre eles. Há somente um modo de ser reconciliado com Deus. "Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem" (l Timóteo 2:5). Não há caminhos diferentes rumo ao reino de Deus para o judeu e o gentio; há somente um caminho, e este é, de novo, "um corpo". A razão pela qual dou ênfase a isso é que há um ensino muito popular, porém que, à luz deste versículo e doutros, parece-me terrivelmente, perigosamente antibíblico e que afirma que agora, durante esta dispensação, é em Cristo e por Sua graça e Sua morte que os homens são salvos, mas que no futuro os judeus serão salvos pela observância da lei. A eles será pregado, não o evangelho da graça de Deus, e sim o "evangelho do reino", e a lei, e eles guardarão a lei e entrarão no reino pela guarda da lei. Digo de novo, deliberadamente, que isso é uma negação do fato de que há um só modo pelo qual o homem pode ser reconciliado com Deus, a saber, mediante Jesus Cristo, e Este crucificado. Não há acesso à presença de Deus, exceto por intermédio do único Mediador; "reconciliar ambos com Deus em um corpo", e é este o único corpo, o único caminho. É neste único corpo, a Igreja; e homem nenhum jamais foi nem jamais será reconciliado com Deus, a não se por este meio. Abraão e os santos do Velho Testamento, todos aqueles cujos pecados foram cobertos, estão realmente reconciliados com Deus em Cristo. Nas gerações futuras todos serão reconciliados da mesma maneira. É pela graça de Deus, e unicamente pela graça de Deus, que todo e qualquer homem pode ser salvo.


A reconciliação é realizada e produzida pelo Senhor Jesus Cristo

Assim, passo ao próximo princípio, que expresso da seguinte maneira: a reconciliação é realizada e produzida pelo Senhor Jesus Cristo. Para Ele "reconciliar", VA; "E para que Ele" – Ele, o Senhor Jesus – "reconciliasse ambos com Deus em um corpo". Ele! Ah, se todos pudéssemos entender isso claramente! Não há esperança para o homem fora de Cristo. Ele veio ao mundo porque Ele é o único caminho. Nenhum homem, torno a dizê-lo, nunca pôde nem poderá salvar-se por seus próprios esforços e lutas, não importa o que lhe preguem. Tampouco a lei pode salvá-lo; como Paulo diz: "O que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne..." (Romanos 8:3). Cristo tinha que vir. "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo", e não há outro caminho. Aqui o apóstolo dá ênfase ao Senhor Jesus Cristo. Foi Deus que O enviou, mas foi Cristo que, com a Sua vinda e com toda a Sua obediência ativa e passiva, o realizou. "Ele é a nossa paz", e somente Ele é a nossa paz. Digo e repito que, se não atribuirmos todo o louvor, toda a honra e toda a glória ao Senhor Jesus Cristo, não somos cristãos. É Sua ação; é ação de Deus em Cristo e por meio dEle. O homem está morto em ofensas e pecados, é um inimigo e estranho em sua mente pelas suas más obras; ele odeia a Deus; não faz nada realmente bom, e não é capaz de fazê-lo. Como seria possível a reconciliação? Encontramos a resposta na definição da palavra: é uma ação do alto, é um movimento da parte de Deus, do Deus contra quem nos rebelamos e a quem demos as costas. É Ele que inicia o grande movimento. Ele o começou no Velho Testamento. Ele o continua no Novo; é perfeito. É Sua ação. É tudo em Jesus Cristo. É tudo a graça de Deus em Cristo. "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo." Essa é a mensagem.
Mas, em particular se vê que o apóstolo afirma que foi "pela cruz". "E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo." Volta a chamar a atenção de vocês para a maneira pela qual o apóstolo vai repetindo estas coisas. "Mas agora em Cristo Jesus", dissera ele no versículo treze, "vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto." Aqui ele não se restringe a dizer para "reconciliar ambos com Deus em um corpo"; ele inclui – "pela cruz". Ele introduz isto porque tem que introduzi-lo. Não há reconciliação sem a cruz. E que é que a cruz significa? A passagem paralela de Colossenses 1:20 o diz perfeitamente: "Havendo por ele feito a paz pelo sangue de sua cruz". É a morte, a vida entregue abnegadamente, o sangue derramado, a vida vertida. É como Deus faz a paz, é como Cristo faz a paz, é como se concretiza a reconciliação.
Não há possibilidade de reconciliação sem a morte do Senhor Jesus Cristo na cruz do Calvário. Por quê? Bem, aí está o último ponto: "... matando com ela a inimizade" – com ela, nela, por meio dela. Chegamos aqui à questão que o povo gosta de levantar. Por que foi indispensável a morte de Cristo na cruz, e como é que ela nos reconcilia? Vocês verão estranhas respostas dadas a essas perguntas, respostas que me parecem incapazes de reconciliar-se com a declaração do apóstolo. Alguns dizem que o que acontece é que "Deus perdoa a cruz"; que homens cruéis levam o nosso Senhor à morte, porém, Deus lhes perdoa até isso. Dizem eles que todos nós estávamos lá. "Você estava lá quando crucificaram o meu Senhor?" Sim, eles respondem, você estava, você estava num dos grupos – o soldado, o fariseu, ou um deles, e você o crucificou; ah, mas esta é a mensagem: Deus perdoa até isso. Mas isso não é fazer a paz pela cruz. Isso é fazer a paz apesar da cruz, o que é exatamente o oposto. Contudo, o que o apóstolo ensina em toda parte é que Deus, Cristo, faz a paz pela cruz, através, por meio da cruz. Outra explicação dada é que Deus sempre produz o bem, mesmo do mal. José, em seus dias, viu isso, José disse aos seus irmãos: "Vós bem intentastes o mal contra mim, porém Deus o tornou em bem..."; vocês me venderam maldosamente, vocês intentaram algum mal; ah, sim, mas Deus o tornou em bem, e Ele sempre faz isso. A suprema ilustração disso, dizem eles, é que até o mal da cruz Deus tornou em bem. Os homens praticaram má ação, entretanto Deus a tornou em algo maravilhoso. Será isso salvar-nos e reconciliar-nos pela cruz? Não! Torno a dizer que isso é apenas uma maneira de dizer que Ele nos salva apesar da cruz. Isso não é salvar pelo sangue da cruz. Isso não é fazer a paz pelo sangue da cruz – através ou por meio do sangue da cruz. Ainda outros dizem que significa que, quando eu contemplo Cristo ali, morrendo inocentemente na cruz, o meu coração se quebranta ao compreender eu a pecaminosidade e a enormidade disso tudo. Mas isso tampouco resolve, porque também não é fazer a paz pelo sangue da cruz. Segundo Paulo, isso aconteceu, isso foi realizado; não é algo que só acontece quando eu me dou conta do que me aconteceu na cruz; foi feito uma vez por todas, a ação foi completa, no Calvário – "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo". Ele o fez uma vez para sempre. É uma coisa muito mais profunda do que qualquer dessas explicações.


Antes de ser possível a reconciliação, algo tem que acontecer da parte de Deus

O ensino verdadeiro é que, antes de ser possível a reconciliação, algo tem que acontecer da parte de Deus, bem como da nossa parte. O pecado trouxe inimizade entre o homem e Deus. Deus odeia o pecado. A ira de Deus manifesta-se contra o pecado. E antes que possa haver reconciliação, antes que Deus possa abençoar de novo, esta inimizade terá que ser removida pelo sangue da cruz. Por que ele menciona o sangue, por que a cruz, por que a morte? Porque essa é a explicação de todo o ensino do Velho Testamento acerca dos sacrifícios. Esse foi o método de Deus, foi Deus que ordenou isso tudo como figura daquilo que seria feito em Cristo. Não era assim que o faziam? Tomavam o animal e punham as mãos sobre a sua cabeça. Que é que significava isso? Eles estavam transferindo simbolicamente os seus pecados e os pecados do povo ao animal. Depois o animal era morto e o seu sangue era derramado; e o sangue era apresentado como oferta; o animal era oferecido como um sacrifício. Esse é o ensino. E é precisamente esse o ensino do Novo Testamento acerca da morte de Cristo na cruz. "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados." Por que não? Porque Ele imputou os pecados do mundo a Ele! Deus tomou os meus pecados e os seus e os colocou sobre a cabeça de Cristo, e então, na qualidade de Cordeiro de Deus, Ele O matou. Não lhes imputando os seus pecados! Porque "Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5:21). Pelo sangue da Sua cruz! Pela cruz Ele o fez! A inimizade – a inimizade contra Deus foi posta sobre Cristo e ali foi eliminada. Ele a matou ali. Esse é o ensino. Esse é o significado do grito de desamparo: "Meu Deus, meu Deus, por que me desampa¬raste?" Visto que o sangue de Cristo, o sangue do Cordeiro de Deus, foi derramado sobre o Calvário, o caminho da reconciliação está livre. A inimizade foi removida, e Deus pode olhar para o homem com benig¬nidade e está pronto a abençoá-lo, a recebê-lo e a restaurá-lo. Os judeus precisavam disso, os gentios precisavam disso, e, juntos em Cristo, eles o receberam. Em Cristo, pelo Seu sangue, eles podem entrar juntos no "Lugar Santíssimo". Que evangelho maravilhoso, que declaração estupenda! Que aconteceu no Calvário? Cristo foi morto. Sim, mas por Sua morte Ele matou a inimizade! Ele fez dos principados e potestades um espetáculo público, cravou na cruz a lei, e o homem foi reconciliado com Deus. Todos são reconciliados da mesma maneira, em Cristo. Seja você judeu ou gentio, bárbaro ou cita, escravo ou livre, homem ou mulher, bom ou mau, alto ou baixo, você terá que vir dessa maneira. Cristo morreu pela Igreja. Ou, como diz o apóstolo Paulo em seu discurso de despedida aos presbíteros da igreja de Éfeso: "...a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue" (Atos 20:28). Um corpo! O único modo de reconciliar Deus com o homem, e o homem com Deus, é pela cruz, pela morte de Cristo, que mata a inimizade, que remove todos os pecados. "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado."

Fonte: D.M. Lloyd Jones

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