quarta-feira, 15 de setembro de 2010

CONTINUAÇÃO DO ESTUDO DE EFÉSIOS


Irmãos e irmãs, estamos postando mais um estudo sobre o riquíssimo livro de Efésios. Nós que antigamente éramos gentios (hoje somos Igreja), estávamos longe de Deus, estávamos perdidos e sem Deus no mundo. Mas o Pai nos enviou as Boas Novas, e através de Cristo nos aproximou dEle aleluia!!!

Que o SENHOR nos abençoe com a sua Palavra.

CAPÍTULO 21

PAZ COM DEUS

"E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto." - Efésios 2:17

O apóstolo, neste versículo particular, dá mais um passo adiante em sua grande declaração concernente à salvação. Sua tese é: Deus em Cristo reuniu na Igreja os judeus e os gentios, fazendo deles um corpo e assim os reconciliando conSigo pela morte do nosso Senhor na cruz. Ele nos disse como o Senhor Jesus Cristo, por Sua morte na cruz, derrubou a parede intermediária de separação. Foi no Calvário que a parede de separação que estava no meio foi derrubada uma vez por todas. Na cruz; nem antes, nem depois. O véu do templo não foi rasgado antes que o nosso Senhor morresse na cruz. É a cruz que realiza isso. O nosso Senhor não o fez por Seu ensino nem por Seus milagres. Foi no momento da Sua morte que o véu foi rasgado. A lei dos mandamentos nas ordenanças foi abolida. Não somente isso, Ele fez também “dos dois um novo homem"; uma grande unidade é possibilitada. E finalmente ele nos disse como foi que pela morte de Cristo na cruz Deus reconciliou desse modo o judeu e o gentio conSigo.
Mas, obviamente, isso não é suficiente só por si. Pensem na humanidade em pecado. Deus enviou Seu Filho para abrir um caminho de salvação. O Filho fez tudo o que Ele foi enviado para fazer. Ele obedeceu ao Pai em todas as coisas; Ele cumpriu a lei positivamente, ativamente; Ele sofreu, passivamente, a punição dos nossos pecados em Seu corpo na cruz. Temos salientado isso tudo – e o repito porque precisa ser repetido, porque é comum pregarem sobre a cruz sem sequer mencionarem a imputação e a punição dos pecados. Contudo, aprofundamo-nos nisso e o examinamos em detalhe.


Como é que tudo isso que foi feito e que foi preparado chega a nós?

Mas agora surge a questão: como é que tudo isso que foi feito e que foi preparado chega a nós? o versículo que estamos focalizando agora responde essa pergunta. "E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe e aos que estavam perto." Noutras palavras, tendo aberto o caminho e a possibilidade, o Senhor agora nos vem e nos diz que Ele, tendo feito o que fez, proclama-o, anuncia esta boa notícia, que a paz entre o homem e Deus, paz da qual o homem angustiosamente necessita, é obtenível.
Há muito desacordo sobre o que significa exatamente o nosso versículo, e o que ele diz exatamente. Ele se refere ao Senhor Jesus Cristo. Ele é Aquele que fez todas as coisas que estivemos conside¬rando, para "pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades"; e, "vindo ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e, aos que estavam perto". O Senhor Jesus Cristo é Aquele de quem Paulo está falando; é Sua ação. Os dois conceitos possíveis são os seguintes:
Primeiro, há os que dizem que este versículo é uma referência ao que o nosso bendito Senhor fez enquanto esteve neste mundo. As palavras que temos que considerar são: "vindo, ele evangelizou a paz". Que significa este "vindo"? Um grupo gostaria de fazer-nos acreditar que é uma referência à encarnação, à primeira vinda de nosso Senhor, e ao Seu ministério terreno, descrito nas páginas dos quatro Evangelhos. O segundo conceito é o que afirma que esta é uma referência à pregação do Senhor Jesus Cristo por intermédio dos apóstolos; não à Sua pregação feita pessoalmente por Ele, mas à Sua pregação mediante a Igreja, mediante os apóstolos – o que aconteceu depois da Sua morte, ressur¬reição e ascensão e subsequente envio do Espírito Santo sobre a Igreja no dia de Pentecoste.
Embora seja um ponto interessante, não é, felizmente, uma questão vital, num sentido final. Contudo, é de interesse e, portanto, devemos vê-lo de passagem. Há certas considerações que, ao que me parece, militam fortemente contra o primeiro conceito. Lendo os Evangelhos, vocês verão que o ministério do nosso Senhor limitou-se aos judeus. Ele dizia de Si que não tinha sido enviado "senão às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mateus 15:24). Ele disse especificamente aos Seus discípu¬los: "Não ireis pelo caminho das gentes" – dos gentios (Mateus 10:5). O Seu ministério estava limitado aos judeus. Vocês recordam o inci¬dente da mulher siro-fenícia. Quando ela veio pedir uma bênção para a sua filha, a resposta dEle foi: "Não convém tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos" (Marcos 7:27). Essa era a Sua atitude em toda parte. Todavia, não é tão simples assim, porque vemos que ocasionalmente em Seu ensino Ele mostrava que realmente viera para todos, tanto para os judeus como para os gentios. Creio que há uma insinuação disso mesmo na grande declaração de Lucas 4:18, com a Sua citação de Isaías 61, onde se vê que Ele estava pregando um evangelho para todos os povos, especialmente na sequência do Seu discurso. Ele disse também, certa ocasião: "Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco" (João 10:16) – clara referência aos gentios. E depois vocês se lembram de que, embora tenha recusado o pedido de André e Filipe que fosse ver os gregos que tinham vindo e disseram: "Queremos ver a Jesus", não obstante Ele continuou e disse: “E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim" (João 12:21,32). Foi uma clara predição de que Ele ia fazer algo, mediante Sua morte, que abriria a porta de entrada até para os gregos, para os gentios, para os que estavam "longe". Parece-me, pois, que um bom exame dos quatro Evangelhos leva-nos à conclusão de que, conquanto o nosso Senhor tenha limitado deliberadamente o Seu ministério e o dos Seus discípulos aos judeus durante a Sua vida na terra, Ele deu ocasionais indicações de que haveria algo mais amplo e maior depois que Ele realizasse na cruz a obra que fora enviado para realizar.


Cristo, por meio dos apóstolos, por meio dos Seus servos, pregou este evangelho de paz com Deus

Minha decisão é, pois, que, no geral, a segunda interpretação é melhor; que o que o apóstolo está realmente dizendo aqui é que Cristo, por meio dos apóstolos, por meio dos Seus servos, pregou este evangelho de paz com Deus, o qual Ele tornou possível com a obra perfeita que Ele realizou na cruz. Há um sentido em que Ele nunca poderia ter feito isso durante a Sua vida na terra porque os homens não poderiam entender o significado da cruz; mesmo os apóstolos não puderam, sempre tropeçavam nisso. Era necessário que a obra fosse consumada, que Ele ressuscitasse, que o Espírito Santo fosse dado, antes de poder acontecer isto. E assim aconteceu. Vocês podem notar que o primeiro versículo do livro de Atos diz-nos que o escritor, Lucas, lembra a Teófilo "tudo o que Jesus começou a fazer". Agora lhe Vai falar acerca das coisas que Jesus continuou a fazer. E é esse o significado do livro de Atos – é o registro dos atos do Senhor ressurreto por meio da Igreja. Vocês recordam como Pedro e João, tendo curado o homem Junto à Porta Formosa do templo, disseram: "...por que olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude ou santidade fizéssemos andar este ho¬mem... pela fé no seu nome fez o seu nome fortalecer a este que vedes e conheceis" – referindo-se a Cristo – "fortalecer a este...". "Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno"; quem o faz é Ele, por assim dizer, mediante os apóstolos. Isto é algo que todos nós devemos conhecer bem. Escrevendo aos coríntios, diz o apóstolo Paulo: "Somos embaixadores da parte de Cristo... Rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus". E, naturalmente, há o tremendo fato de que foi Pedro que disse, no dia de Pentecoste: "A promessa vos diz respeito (falando primeiramente aos judeus e aos prosélitos), a vossos filhos, e a todos os que estão longe". Aí está o primeiro grande, inequívoco e explícito pronunciamento de que de fato o evangelho é para ser pregado a todos. E eu afirmo que o próximo versículo desta nossa seção, a saber, o versículo 18, onde o apóstolo imediatamente se refere ao Espírito Santo, é uma confirmação disso. A afirmação que ele faz no versículo dezessete o faz logo pensar no Espírito, e isso o leva à sua próxima afirmação. Mas, para mim, a prova conclusiva e final vê-se claramente em 1 Timóteo 3:16, onde o apóstolo lança uma declaração extraordiná¬ria. Diz ele: "Sem dúvida alguma grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido na glória". Vocês podem notar a sequência. "Pregado aos gentios" vem depois não somente de "foi justificado em espírito", mas também de "visto dos anjos", o que, para mim, é uma inequívoca referência à Sua morte na cruz. Há, pois, um sentido em que é evidente que essa era a sequência na mente do grande apóstolo.
Então, essa é mais ou menos a mecânica do nosso texto, interes¬sante e importante, e digna de mais amplo estudo. Todavia o importante é que o apóstolo está asseverando um fato. Tenha ou não começado com o Senhor em Seu ministério terreno, o fato é que a mensagem cristã é uma proclamação a judeus e gentios, a gentios e judeus, de que o caminho da paz com Deus foi aberto por Jesus Cristo, e Ele crucificado. Essa é a mensagem. É a isso que o apóstolo está desejoso de que estes efésios se apeguem. E é com isso que ele quer que eles fiquem admirados, admirados de ser isso possível, de que tenha acontecido, e de que Cristo assim o esteja pregando, oferecendo-Se a eles, expondo¬-o diante deles e convidando-os a agir com base nisso. E essa continua sendo a mensagem que a Igreja Cristã deve pregar; essa é a sua mensagem ao mundo atual. Portanto, o nosso dever é descobrir o ensino, a doutrina, desta tremenda declaração. É uma das mais gloriosas de todas as Escrituras. "E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto."
Qual é o ensino? Vamos resumi-lo da seguinte maneira: obvia¬mente, a primeira grande afirmação é que a necessidade fundamental do homem é paz com Deus. Essa é a paz que o nosso Senhor prega, a paz com Deus. Temos aí, vocês veem, uma continuação da afirmação do versículo anterior. "E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades." Depois ele prossegue, no próximo versículo, dizendo: "Porque por ele temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito". A paz é essa, pois. Aqui não é tanto a paz entre gentios e judeus; essa fora consumada, agora a paz é com Deus, da qual ambos necessitam. É por isso que eu gosto daquela outra tradução que diz: "E veio e pregou a paz a vós, que estáveis longe, e pregou paz a eles, que estavam perto". Os judeus necessitavam da paz, tanto como os outros.
E digo de novo que a declaração fundamental é que a suprema e primordial necessidade do homem é a necessidade de paz com Deus. O homem, perdida a sua relação com Deus, o homem em pecado, vive inquieto e miseravelmente infeliz. Há uma exposição maravilhosa disso tudo no capítulo cinquenta e sete do livro do profeta Isaías. Não tenho dúvida de que o apóstolo tinha em mente essa passagem quando escreveu estas palavras. Ela diz: "Paz, paz, para os que estão longe, e para os que estão perto, diz o Senhor" (versículo 19). Mas então o profeta continua e diz: "Os ímpios são como o mar bravo, que se não pode aquietar, e cujas águas lançam de si lama e lodo". Aí está a figura, aí está a explicação – "como o mar bravo". Todos nós conhecemos bem essa figura do mar bravio, inquieto. Por que o mar está sempre inquieto, sempre em movimento? Por que as ondas? Por que o fluxo e refluxo? Os cientistas dizem que é porque sempre agem sobre o mar duas forças opostas. A primeira delas é a Lua. A Lua controla em parte as mudanças e os movimentos do mar. Há, por outro lado, a força magnética do centro da Terra, uma tremenda atração magnética. De um lado, a atração e a influência da Lua, e doutro lado, a influência oposta das forças magnéticas do centro da Terra. E o resultado é que o mar está em constante movimento; temos as ondas e vagas, e o fluxo e refluxo; e ocasionalmente ocorre um vendaval que sopra sobre o mar e eleva as ondas em vagalhões, e temos uma terrível tempestade. "Os ímpios são como o mar que se não pode aquietar, e cujas águas lançam de si lama e lodo.” Vocês já andaram pela praia depois de uma tormenta, e viram a lama, a sujeira, os pedaços de madeira e outras coisas lançadas pelas águas? São os restos de embarcações e de suas cargas, a sujeira e a lama que ficam na praia após uma tempestade. Que descrição perfeita! Bem, diz Isaías (e é o que está na mente do apóstolo aqui), é como são os ímpios.
É a figura do homem sem Deus, inquieto como o mar revolto. Qual a causa disso? A explicação, no sentido espiritual, é a mesma das condições do mar. Tudo começou no Éden. O homem foi feito por Deus e foi colocado no Paraíso. Não havia movimento nenhum, nenhuma inquietação no Paraíso, pois somente uma coisa atuava sobre o homem – Deus! Deus fez o homem à Sua imagem, o homem estava em correspondência, em comunhão com Deus, fruía Deus, e a sua vida era uma vida de inalterada paz e bem-aventurança. Não havia infelicidade, não havia problema, não havia dificuldade, não havia ansiedade. O homem estava num estado de inocência e de completa paz, quietude e liberdade. No entanto, o homem caiu. Deu ouvidos a outra força, a outro poder, e ao lhe dar ouvidos, ficou sujeito a esse poder. O poder do diabo, o poder do mal, o poder do inferno começou a atuar sobre ele, e daquele momento em diante a vida do homem foi de inquietude e conflito. O homem, fora da relação com Deus, é exatamente como o mar. Continua havendo nele uma rememoração, uma lembrança, da sua retidão origi¬nal. Ele não sabe disso, ele não pode dizer nada a respeito; ele não acredita na Bíblia, não acredita na teologia; não obstante, é um fato.
Há no homem um fator chamado consciência. Ah, quantos não há que gostariam que não houvesse consciência! Contudo eles a têm, e ela vai lhes falando e os vai segurando; é uma influência em sua vida. Que é ela? E a lembrança, a reminiscência da sua retidão original. No fundo do coração o homem sabe que foi feito para algo melhor. Ele tem senso de justiça, do certo e do errado, do bem e do mal. Vou além, ele tem até senso de Deus. Não gosta, mas tem; e isso o perturba. Esse é um lado – a força que vem de cima. Entretanto, há outra força que o puxa na direção oposta – a natureza humana decaída, a cobiça, a paixão, o desejo, o ciúme, a inveja, todas estas coisas feias e horríveis. O apóstolo fala disso uma vez por todas no capítulo sete de Romanos: "Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei, que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros". As duas são antagônicas, e o resultado é que o homem fica inquieto e como as ondas do mar, do mar inquieto, que não tem descanso. E então, ocasionalmente, vêm os temporais. Refiro-me a alguma furiosa investida do diabo! Há sempre um ligeiro movimento no ar, todavia nem sempre dizemos que é uma ventania. Quando o movimento aumenta, torna-se ventania, vendaval. O diabo está sempre aí, a perturbar-nos, porém há ocasiões em que ele faz uma furiosa investida, e sofremos um ataque violento, somos jogados para lá e para cá, e somos lançados violenta¬mente, como uma tempestade no mar. O diabo e as suas forças parecem incontroláveis, e as nossas vidas ficam tão turbulentas e agitadas como o mar na mais violenta tempestade. E não só isso – as circunstâncias também! Vêm as guerras, vem a enfermidade, um ente querido cai doente, algo vai mal, e toda a nossa vida se transtorna. Não sabemos onde estamos; abalam-se as nossas bases, como dizemos. Tudo vai rolando para lá e para cá, como o mar. Vocês veem como a descrição é perfeita. Esse é o homem que não tem relação com Deus, o homem resultante da Queda. Não tem paz, vive inquieto.
Naturalmente, a consequência disso tudo é que o homem nunca está satisfeito. Não há nada que caracterize tanto a vida pecaminosa como a sua inquietude. Acaso vocês não vêem isso no mundo atual? O mundo alguma vez esteve tão inquieto como no presente? Vejam a moderna mania de lazer. A que se deve? À inquietude! As pessoas dizem: vamos sair, vamos fazer alguma coisa; não podemos aguentar só ficar em casa; isso nos fará enlouquecer. Vamos sair, vamos esquecer tudo, vamos fugir de tudo. Lazer! Estão tentando livrar-se da inquietude! Uma nova emoção, um ansioso desejo de algo novo! Escapismo é o termo usado para isso hoje, e o mundo se enquadra no fato. O mundo está emocionalmente agitado, e está procurando agitar-se mais ainda. Tem que receber estímulo na forma de bebidas ou de diversão. Tem que ter algo que mantenha a coisa andando. É tudo expressão dessa inquietude fundamental, desse desassossego, dessa falta de paz, dessa falta de tranquilidade mental. O homem em pecado não conhece a paz mental, não conhece a paz do coração. É instável, diz Tiago, como as ondas do mar. Tem mentalidade dupla – isto puxa, aquilo puxa; sente que devia ser melhor, mas gosta de alguma coisa má; e se vê puxado de dois lados. Sua vida e seus caminhos são de fato como as inquietas ondas do mar. Sem nada que o satisfaça!
A analogia é perfeita, não é? Ah, a lama e a sujeira lançadas por tudo isso! Milhões passam o domingo lendo sobre isso. A lama e a sujeira! Está em todos os jornais, em toda parte, nas conversas do povo; está se tornando por demais óbvio. A respeitabilidade está desaparecendo, o pecado está se tornando escancarado outra vez. A tempestade soprou durante algum tempo, e a lama e a sujeira estão ficando cada vez mais evidentes. O homem em pecado é isso – sem paz, sem sossego, sem tranquilidade; como as ondas revoltas do mar, a sua vida espirra lama, sujeira e coisas nojentas. O horror e a fealdade disso tudo! E a tragédia é que, em sua ignorância e cegueira, o homem não percebe nada disso. Ele não sabe, não entende; acha que os seus problemas são causados pelas circunstâncias, ou pelo ambiente, ele está sempre em busca de paz e procurando ter repouso. Mas não consegue; esforça-se quanto pode, e falha. Tudo isso indica o fato de que a suprema necessidade do homem, a necessidade fundamental do homem, é a necessidade de paz e repouso, mente serena, coração tranquilo.


A paz é a necessidade de todos os homens, não somente de alguns

Passemos, porém, ao segundo ponto. A paz é a necessidade de todos os homens, não somente de alguns. "E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe, e aos que estavam perto." Os judeus precisavam da mensagem tanto como os gentios que estavam longe, e exatamente da mesma maneira que eles. Pois bem, essa é a grande tese do apóstolo aqui. Ele tem que estabelecer que os judeus necessitam da mensagem tanto como os gentios. No entanto, os judeus não conseguiam ver isso. Esse era o seu problema. Naturalmente os gentios podiam precisar disso! – embora os judeus não gostassem nem disso, porque achavam que Deus não Se interessava por nenhum povo, exceto eles próprios. Mas eles certamente não precisavam! Por isso os fariseus odiavam tanto o nosso Senhor. A pregação do nosso Senhor fazia os fariseus acharem que até eles eram pecadores, e não gostavam disso. Eles diziam: somos piedosos, somos religiosos, somos boas pessoas, temos a lei! E assim o apóstolo Paulo teve que escrever os capítulos dois e três da Epístola aos Romanos só para mostrar-lhes que eles necessi¬tavam da mensagem de paz tanto como os gentios. Os judeus achavam que, porque tinham a lei, isso de algum modo significava que eles a haviam cumprido; que, porque sabiam que havia uma lei, isso os colocava em boas relações com a lei. E por isso Paulo tem que dizer: "Pela lei vem o conhecimento do pecado"; ela não os livra dele, não faz mais que dar conhecimento, mas eles não conseguiam ver isso. Acha¬vam que os seus privilégios – e eles tinham privilégios, como Paulo mostra – salvavam-nos automaticamente. Eles tinham os oráculos de Deus, as Escrituras do Velho Testamento; a lei fora dada a eles, os pais lhes pertenciam, e assim por diante. Isso era verdade. Todavia posto que punham a sua confiança nesses privilégios e em sua posse deles, eles estavam fora do reino. Mas não enxergavam isso. Assim, a mensagem tem que vir a eles como tem que vir a todos os outros. Não obstante continua sendo um problema para muitos. Há muitos que pensam que o evangelho, numa forma evangelística, precisa ser pregado a certas pessoas, porém não a todas. Acham que certamente isso não é necessário para os que foram criados em lares cristãos e que, em sua juventude, eram levados à Escola Dominical e sempre frequentavam um local de culto. Você não precisa pregar-lhes evangelisticamente, dizem eles; certa¬mente eles já estão lá, já chegaram perto. Os que dizem isso não conseguem ver que os que estão perto precisam da mesma mensagem da qual precisam os que estão longe. Mas precisam, diz Paulo – ¬"evangelizou os que estavam longe e os que estavam perto".
Observem ainda que longe e perto são distinções relativas, não são distinções absolutas. Permitam-me oferecer-lhes uma ilustração. Vejam o caso de dois vultos que figuram no Novo Testamento, um o apóstolo Paulo, e outro o carcereiro de Filipos. Considerem-nos a ambos. Vejam Paulo, hebreu de hebreus, educado como fariseu, sentara-se aos pés de Gamaliel, conhece a lei e nela tem prazer. Ele serve a Deus, pensa ele, com consciência pura. Um bom homem, homem de boa moral, homem religioso! Do outro lado, o carcereiro de Filipos, gentio, sujeito violento, homem pronto a cometer suicídio quando as coisas vão mal. Olhando para esses dois homens, que é que vocês dizem deles? Alguém dirá instintivamente: o apóstolo Paulo está muito perto do reino de Deus; o carcereiro de Filipos está muito longe. E, contudo, o próprio apóstolo nos diz que, na realidade, os dois homens tinham idêntica necessidade, que ele tinha tanta necessidade da paz do evangelho como o aquele carcereiro. "Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação", diz ele, "que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores" – gente como o carcereiro de Filipos e como os membros da igreja de Corinto, que eram adúlteros, fornicadores, mal vistos até pela humani¬dade, a escória da sociedade? Não, não; não somente eles, Cristo Jesus veio para salvar os pecadores – "dos quais eu sou o principal"! Porventura não parece monstruoso, não parece ridículo que este jovem piedoso, este bom fariseu, esteja na mesma situação do carcereiro de Filipos? Contudo ele diz que é isso mesmo. Não havia diferença alguma, pois "Não há um justo, nem um sequer". Estamos todos na mesma situação. E continua sendo assim hoje.
Falemos com clareza sobre isso. Há alguns que obviamente se acham tão longe quanto é possível estar do reino de Deus. As pessoas às quais me referi há pouco, cuja ideia de felicidade consiste em embebedar-se e tornar-se piores que animais, pessoas que vivem em sentinas de vício e iniquidade sem jamais terem um pensamento sobre Deus ou sobre moralidade, porém que só vivem de acordo com a sua natureza animal, estão, vocês costumam dizer, tão longe do reino de Deus quanto é possível conceber. Mas há outros que são amáveis, pacíficos, respeitáveis, que nunca praticam males visíveis aos outros, que odeiam essas coisas, procuram fazer o bem, empreendem luta moral, trabalham pela elevação da raça, estão cheios de boas obras, de boas ações, de boas realizações, de interesses e trabalhos intelectuais, que se interessam pelas coisas da mente etc., que frequentam um local de culto, que são membros de igreja, talvez. A primeira vista, e superficialmente, as duas posições perecem diametralmente opostas, e a tendência geral é dizer que elas não têm nada em comum.
Todavia, o propósito geral do evangelho é dizer que, diante de Deus, elas são idênticas e precisam exatamente da mesma mensagem. O segundo tipo precisa da mensagem de paz tanto como o primeiro. Paz aos que estavam perto, como também aos que estavam longe! Aqueles parecem estar às portas do reino, mas não estão no reino. E no momento em que vocês se puserem a analisar isso, verão como é verdade. Os seus intelectualistas, os seus moralistas e os seus idealistas vivem tão inquietos como os outros, e igualmente infelizes. Não conseguem achar paz, mais do que as outras pessoas. Claro, talvez não lancem tanta lama e tanta sujeira. O que é óbvio no caso delas não é alguma prática nojenta, porém os restos do naufrágio são igualmente óbvios. Não é lama e imundície, talvez sejam pedaços de madeira ou restos de enfeites ou algo parecido. No caso dos infelizes que levam a vida nas sarjetas, a coisa é óbvia, é aberta, é visível; todos podem vê-la. A condição do bêbado cambaleante ou do homem violento é óbvia, todos podem vê-la. Mas o fato de vocês não poderem ver muito movimento na superfície da vida dos outros não significa que não haja nenhum movimento. Posso demonstrar que há um tremendo movimento ali. Por baixo da superfície aparentemente calma e lisa, há uma revolta em ação, há uma tremenda violência. Como posso saber disso? Desta maneira: a grande moléstia da humanidade, particularmente do homem civilizado, é a chamada neurose. As neuroses, dizem-nos, são causadas por repressões. Que é uma repressão? Algo que você mantém em baixo, que você não deixa vir à tona, você não parte para a embriaguez ou o adultério. Não, todavia a luta está ali, a fúria interior, a tempestade, uma verdadeira torrente de luxúria e paixões, mantidas por baixo, por assim dizer, mas ali estão. Não há repouso, não há paz. Repressões e neuroses! – manifestando-se talvez em úlceras gástricas, transparecendo na insônia e na dependência de soníferos. Essa é a doença do homem moderno e da civilização. As pessoas do primeiro grupo que descrevi nunca têm que tomar essas drogas; a inquietude toma forma diferente nelas; as outras se reprimem, e a natureza protesta. A luta é tão grande que os nervos não aguentam, e assim essas drogas se tornam necessárias. As duas posições são realmente idênticas. O importante não são os sintomas de uma doença, e sim a doença propriamente dita; assim vocês veem que aquelas pessoas que parecem estar tão perto do reino, que são tão agradáveis e bondosas, e que estão sempre falando de elevação moral e estão sempre tentando melhorar a condição do homem e lutam em prol da cultura, são tão inquietas e doentias como o pecador violento e patente. Elas necessitam de paz, tanto quanto esse violento.
Mas talvez eu possa provar o meu ponto mais conclusivamente se lhes peço que examinem experimentalmente os dois tipos, as duas classes. O teste sobre a nossa situação, como disse quando expus o meu primeiro princípio, é se conhecemos a Deus. Não é se você acredita em coisas concernentes a Deus. Não há paz se não há conhecimento de Deus. Aquela boa pessoa das suas relações, pessoa culta, intelectual, altamente moral, pessoa que pode estar sempre lendo livros, teologia, talvez a Bíblia, pode não ter nenhum conhecimento de Deus. Por isso é inquieta e infeliz. Ela não pode ver a Deus, está sempre investigando, pesquisando, indo ouvir boas preleções, esperando que algo vá acontecer; porém, não o possuem. Não o têm mais do que qualquer outra pessoa. O teste é esse. Tais indivíduos estão atormentados por algum pecado passado. Têm medo de morrer. Não sabem onde estão, não sabem que os seus pecados foram perdoados. Não sabem o que os espera no futuro. Não têm a fé que sustenta no transe da morte, não têm certeza do céu, não sabem que são filhos de Deus; e o resultado é que vivem inquietos, sentem-se mal e infelizes. Acaso estou esclarecendo o meu princípio? Não é esse o problema com eles? Acham-se tão perto e, todavia, tão longe! "Longe" e "perto", como eu disse, são termos relativos. A pergunta importante é: você está no reino? E se você compreender que a pergunta importante é essa, você compreenderá que, afinal, estar perto não dá nenhuma vantagem sobre estar longe.
Posso oferecer-lhes uma ilustração quase ridícula? Você quer sair, e entra numa fila de ônibus. O ônibus chega, e você está, digamos, no décimo lugar da fila. As pessoas começam a entrar no ônibus. Você diz: “Ótimo, eu vou entrar". O nono passageiro entra, e o motorista diz: “Ninguém mais, lotado." Ajudaria em alguma coisa você ter sido o próximo, se ainda houvesse lugar? O fato é que você está fora do ônibus, e o fato de você ser o próximo na fila não o ajuda. Ou, a mesma coisa com alguém que vai pegar um trem, e justo no momento em que ele vai mostrar o bilhete na entrada da plataforma de embarque, ouve-se o apito e o trem parte. Diz ele: quase o peguei! – mas isso o ajuda? Essas ilustrações podem ser divertidas, porém espero que os que se riem façam a si mesmos esta pergunta solene: "Estou dentro do reino, ou apenas perto?" Pode ser que você esteja à porta de entrada há muitos anos. Você seria incapaz de ver que isso não o ajudará? Pergunto: você está dentro? Você conhece a Deus? Você sabe que os seus pecados estão perdoados? E quando você vai orar a Deus quando tem algum problema, você sabe que O vê e que você está falando com Ele? Você tem acesso com confiança e ousadia? Você entra pelo sangue de Jesus no "Lugar Santíssimo"? Essa, digo eu, é a questão, e não há outra. Tão perto e, contudo, tão longe! Estar uma polegada fora do reino não é nenhuma vantagem sobre o homem que está a mil milhas de distância. "Paz aos que estavam longe, e, aos que estavam perto." Todos têm necessidade da paz. "Os ímpios, diz o meu Deus, não têm paz." "Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus." Ou, como Agostinho o diz finalmente em sua experiência pessoal: "Tu nos fizeste para Ti, e os nossos corações não descansam enquanto não acham repouso em Ti". Intelectualistas morais, vocês têm repouso? Está tudo tranquilo por dentro, há paz em sua alma, e paz entre vocês e Deus? Esta é a necessidade de todos.


Cristo, e somente Cristo, oferece e é capaz de dar esta paz a todos os que vêem a necessidade dela

Isso me leva ao derradeiro princípio, que é: Cristo, e somente Cristo, oferece e é capaz de dar esta paz a todos os que vêem a necessidade dela. É nisso que o apóstolo se gloria. Cristo o fez e abriu o caminho. Nenhum homem pode achar a Deus procurando-O. Nenhum homem pode reconciliar-se com Deus. Todavia, como vimos, Cristo fez a paz entre o homem e Deus pelo sangue da Sua cruz. Foi ali que Ele aboliu a inimizade, e o fez tomando-a sobre Si. Não somente os pecados vis, torpes, patentes, flagrantes, mas também os pecados de justiça própria, de presunção, de arrogância, de moralismo, como se isso fosse espiritualidade. Ele tomou isso tudo sobre Si. "Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados" (1 Pedro 2:24). Foi por causa disso que Ele pôde dizer: "Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize" (João 14:27). Você já recebeu a Sua paz? Ele o reconcilia com Deus; e a paz de Deus, que excede todo o entendimento, poderá guardar o seu coração e a sua mente, se tão-somente você for a Ele. "Não estejais inquietos por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus" (Filipenses 4:6-7). Leve tudo a Ele. Cristo abriu o caminho para você ir a Deus com as suas dificuldades, com os seus problemas, sejam quais forem.

Quanta vez a paz perdemos,
Quanta dor temos em vão,
Tudo porque não levamos
Tudo a Deus em oração.

E o caminho está livre para você agir assim também, pois Cristo o abriu. O pecado foi removido, a inimizade, o antagonismo, foi destruído, e você pode ir confiantemente à presença de Deus.
E tendo levado a Ele os seus problemas e dificuldades, deixe-os com Ele, deixe-os lá. "Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti" (Isaías 26:3). Firme no Senhor! – você tem ampla, franca e aberta entrada, pelo sangue de Jesus Cristo. Entre, olhe para Ele, tenha firme a sua mente nEle, e você começará a gozar a Sua bem-aventurada paz. Cristo nos dá paz com Deus, paz com os outros, paz interior. "Ele veio e pregou a paz aos que estavam longe e aos que estavam perto." Alguém que tem vivido como que nas próprias mandíbulas do inferno pode ler estas palavras. Meu amigo, você pode ter esta paz, agora. Mas se a sua situação é de quem sempre esteve interessado e sempre esteve muito perto, você também pode tê-la, agora. Vocês podem tê-la juntos. É dádiva inteiramente gratuita de Deus, mediante Jesus Cristo, o nosso Senhor. Você já a tem? Regozija-se nela? A paz que Jesus Cristo oferece pode ser sua agora e para todo o sempre.

Por. D. M. Lloyd Jones

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