sexta-feira, 24 de setembro de 2010

CONTINUAÇÃO DO ESTUDO DA CARTA AOS EFÉSIOS


Queridos irmãos e irmãs, estamos postando mais um capítulo do nosso estudo sobre a carta escrita pelo apóstolo Paulo aos efésios. Que o Senhor nos dê espírito de sabedoria e revelação a fim de que possamos receber a sua Palavra cheia de Vida e que possamos misturar a essa Palavra a Fé, pois a Palavra mistura a Fé pode gerar mais da Vida de Cristo em nós.

Que Deus npos abençoe!

CAPÍTULO 22

ACESSO AO PAI


"Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito." – Efésios 2:18

INTRODUÇÃO

Aqui, nesta declaração, o apóstolo chega ao grande clímax da sua persuasiva argumentação que começa no versículo onze deste capítulo dois da sua Epístola. Não há nada que a supere; é o pico mais alto, o apogeu. Esta é a quintessência da fé cristã e da posição cristã. Não há dúvida, pois, de que estamos contemplando e considerando uma das mais grandiosas e gloriosas declarações em toda a extensão das Escri¬turas. Para mim foi uma experiência emocionante dar estes passos com o apóstolo, um por um. Cada vez subimos mais alto, mais alto, mais alto. Mas, por fim, chegamos ao topo, estamos no ponto culminante, chega¬mos ao grande planalto, e ali ficamos olhando, olhando e contemplando com admiração e assombro as alturas a que fomos trazidos. Na verdade, para mim, a declaração que temos diante de nós não somente é estupenda, é estonteante. "Por ele ambos temos acesso ao Pai – acesso! – em um mesmo Espírito" (ou, "por um mesmo Espírito", VA).
A nossa principal dificuldade, e toda a dificuldade da Igreja, é que não compreendemos o significado de uma declaração como essa. Se a compreendêssemos, a Igreja Cristã passaria por uma revolução. Sería¬mos "tomados de um sentimento de maravilha, amor e louvor". Compreenderíamos que a coisa mais maravilhosa, mais extraordinária que jamais pode acontecer a alguém neste mundo é ele tornar-se cristão. Se tão-somente cada membro da Igreja, cada cristão da Igreja, compre¬endesse a verdade contida nessa declaração, a Igreja ficaria tão diferente que dificilmente a reconheceríamos. Ora, quão diferente é a Igreja daquilo que vemos aqui! Quantos pensam no cristianismo e na Igreja Cristã simplesmente como um lugar que eles frequentam de vez em quando, e isso de maneira perfuntória, hesitante, duvidando se o farão ou não, e por puro dever; ou como um lugar em que eles podem por em prática certos dons que eles têm, e estar ocupados – uma espécie de clube, uma instituição, uma sociedade humana. Que contraste com o que temos aqui! Isto é cristianismo, é isto que faz de alguém um cristão. A Igreja Cristã consiste realmente de pessoas que compreendem que todo o objetivo e propósito de todas as coisas é este – acesso ao Pai por um mesmo Espírito. Temos que meditar nisto, temos que deter-nos nisto, temos que aprofundar-nos nisto, temos que dedicar tempo a isto; pois, como tentarei mostrar a vocês, encontramos reunidas neste único versículo as coisas mais estupendas que já nos foram ditas ou que já compreendemos acerca de nós mesmos.


O mistério da Trindade Santa e bendita

Há certas coisas que sobressaem na superfície deste versículo. Por exemplo, somos logo levados por este versículo a estar face a face com o mistério da Trindade Santa e bendita. Por Ele (o Filho, o Senhor Jesus Cristo) ambos temos acesso ao Pai em (ou por) um mesmo Espírito (o Espírito Santo, corretamente grafado com inicial maiúscula em todas as versões porque é uma referência ao Espírito Santo). Aí está um dos grandes versículos trinitários das Escrituras, e nos detemos por um momento diante deste mistério inefável. Pergunto: damo-nos conta, como devíamos, de que, num sentido, a doutrina da Trindade constitui a essência da fé cristã? É a doutrina que, dentre todas as outras, diferencia a fé cristã de toda e qualquer outra fé. Cremos em um só Deus. E, contudo, asseveramos que o Deus único são três Pessoas, o Pai e o Filho e o Espírito Santo. Um grande e inescrutável mistério! Não o entendemos, nós o asseveramos. É-nos ensinado aqui, é-nos ensinado noutros lugares das Escrituras. A Bíblia ensina claramente que o Senhor Jesus Cristo é verdadeiramente Deus, e igualmente que o Espírito Santo é verdadeiramente Deus, e, todavia, diz ela que há somente um Deus: Deus é um só, e há somente um Deus, que subsiste em três Pessoas. Não me peçam que explique isso. Mas vocês não começarão a entender a Bíblia, não terão a mínima possibilidade de entender a fé cristã, se não o aceitarem, se não crerem nisso, se não se inclinarem diante disso, e se não se humilharem e disserem: eu Te presto culto, eu Te adoro, eu Te louvo, ó "Grande Jeová, Três em Um". É, pois, vital que nós, como cristãos, nos lembremos disso constantemente. E quando o fizermos, os nossos cultos se encherão de reverência, de adoração, de um sentimento de temor, de um sentimento de glória e de louvor, louvor verdadeiro. Sempre que oramos, sempre que nos reunimos para adoração, estamos prestando culto a este Deus Triúno. Não podemos conceber a glória, a majestade e a grandeza dessa realidade, porém devemos tentar fazê-lo. Devemos preparar os nossos espíritos, devemos meditar, devemos ponderar nesta verdade, devemos sondar as Escrituras em sua busca, devemos vê-la; e, tendo-a reconhecido, como a reconheceram os homens a respeito de quem nós lemos nas Escrituras, os quais chegaram perto de Deus, tiraremos os calçados dos nossos pés, sentiremos que somos homens de lábios impuros, estaremos cônscios da glória inefável.


As três Pessoas da trindade santa e bendita interessam-Se por nós e estão empenha¬das, as três juntas, em nossa salvação

Permitam-me passar a uma segunda observação. As três Pessoas da trindade santa e bendita interessam-Se por nós e estão empenha¬das, as três juntas, em nossa salvação. Agora vocês vêem o que eu quero dizer quando afirmo que este versículo é estonteante. É isso exatamente que ele diz, que as três Pessoas, eternas em Sua glória, em Sua santidade e em Seu poder, as três Pessoas da Trindade santa e bendita estão interessadas em você, que você seja cristão, e estão interessadas em sua salvação, e estão levando a efeito a sua salvação. O mundo fala em honrarias, e está interessado em honrarias, em privilé¬gios, em conseguir admissão a clubes e posições e em que as pessoas sejam apresentadas a grandes personalidades. Eis aqui um fato: as três Pessoas da Trindade estão interessadas em você, e fizeram algo pela sua salvação! Que seria, se todos os cristãos se dessem conta disso!


O Pai

Como estão empenhadas em nossa salvação? Esta Epístola nos esteve dizendo isso. O apóstolo ocupou quase todo o capítulo primeiro para dizer-nos que foi o Pai que planejou e deu início à salvação. Vocês se lembram da frase várias vezes repetidas, "segundo o mistério da sua vontade" ou semelhante, "segundo o beneplácito de sua vontade", "segundo o seu beneplácito, que propusera em si mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos". O Pai "faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade". Os teólogos costumavam falar em "Trindade Econômica", ou "Economia da Trindade". Esta grande obra, esta grandiosa tarefa de salvação foi dividida entre as três Pessoas. O Pai concebeu e planejou a salvação. Ele a imaginou, projetou-a, decidiu sobre ela, determinou¬-a. O Deus eterno e sempiterno! É Seu plano e Seu propósito. Nunca apresentemos a fé cristã e a posição cristã quanto à salvação como se esta fosse algo que o Filho teve que arrancar do Pai. Foi o Pai que enviou o Filho. Vocês notam, na oração sacerdotal, no capítulo dezessete do Evangelho Segundo João, com que clareza o nosso Senhor diz: "Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que (Tu) me deste a fazer"; Ele veio "para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste"; "eram teus, e tu mos deste". Todas essas referências são ao Pai. O Pai é Quem concebe, inicia e põe em movimento este grande e glorioso plano e método de salvação.


O Filho

Então o Filho ofereceu-Se voluntariamente para realizar a obra. Não se questiona que se realizou um grande concílio na eternidade, antes do início do tempo, como nos dizem as Escrituras: "antes da fundação do mundo". Tudo o que aconteceu foi conhecido antes e foi previsto. O Pai concebeu o plano e o Filho ofereceu-Se voluntariamente para vir executar o plano. O Pai deu-Lhe as pessoas, o Pai deu-Lhe uma obra para realizar, e Ele veio e a realizou. E ali, pouco antes da cruz, Ele pôde dizer que a tinha realizado. Conhecemos bem os grandes fatos; mas não nos esquecemos. Lembremo-nos constantemente do que essa obra envol¬veu para o Filho que, embora sendo "igual a Deus", "não teve por usurpação o ser igual a Deus", contudo, "humilhou-se, fazendo-se indigno de honra". Ele veio dessa maneira tão humilde; Ele soube o que é ser pobre e sofrer privações e pobreza; Ele Se misturava com as pessoas comuns e teve uma vida comum. Poderíamos conceber o que isso significou para Ele? Sofreu contra Si próprio "a contradição dos pecadores"; suportou a ruindade, o despeito e a inveja deles. No entanto, acima e além de tudo, Ele levou sobre Si os nossos pecados, suportou que por nós Ele fosse feito pecado pelo Pai, embora Ele não conhecesse pecado; suportou que fosse lançada sobre Ele a iniquidade de nós todos; foi para a cruz, para levar "em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro". Foi o que Ele fez. Cumpriu a lei ativamente, viveu sob a lei como homem, "nascido de mulher, nascido sob a lei", colocou-se deliberadamente sob ela, por Seu querer foi batizado por João Batista, identificando-Se com o pecador e com tudo o que está envolvido nisso, e morreu e foi sepultado. O Príncipe, o Autor da vida, morreu e foi colocado num túmulo; mas ressuscitou. Aí estão os fatos magníficos. Essa é a parte do Filho – procedente do seio do Pai, procedente da eternidade. Ele estava no princípio com Deus, nada foi feito sem Ele; porém Ele deixa a glória, põe-na de lado – "Tenro, Ele deixa de lado a Sua glória" – e leva avante a Sua grande tarefa. Por Ele, mediante Ele, este Filho bendito! Essa é a obra realizada pelo Filho.


O Espírito Santo

Há então a obra realizada pelo Espírito Santo. É Ele que a leva a cabo em nós, pessoa por pessoa. Essa é a Sua obra. Vocês notam que o Filho Se subordina voluntariamente ao Pai. E o Espírito Santo Se subordina ao Filho e ao Pai. São co-iguais, são co-eternos, e são iguais em todos os aspectos; e, contudo, por causa da nossa salvação, há esta subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito Santo ao Filho e ao Pai juntos. O Espírito Santo vem e aplica a obra redentora. Aplica-a a mim, aplica-a a você. É Ele que nos faz participantes de Cristo; é Ele que nos leva a ver a nossa necessidade e todas as outras coisas que espero considerar mais adiante; é Ele que aplica a grande redenção que foi levada a efeito pelo Filho. E o faz não somente ao indivíduo, mas também o faz à Igreja. Ele edifica a Igreja, Ele enche a Igreja com a Sua vida e com a Sua presença. Essa é a obra realizada pelo Espírito Santo. Ele "não falará de si mesmo". Ele falará simplesmente de Cristo. "Ele me glorificará", diz o Senhor; e Ele o fez, e ainda o faz.
Assim, logo na superfície deste versículo, temos estas duas tremen¬das afirmações: que estamos olhando para as três Pessoas da Trindade bendita; porém, ainda mais admirável e espantoso, que as três Pessoas estão interessadas em nós e estão preocupadas com a nossa salvação, e atuaram para que a nossa salvação viesse a ocorrer.


O problema do pecado, o meu e o seu, foi e é tão grande que exigiu a atuação das três Pessoas da Trindade

Devemos refletir antes de deixarmos estas magníficas questões. Primeiro, o problema do pecado, o meu e o seu, foi e é tão grande que exigiu essa atuação. Não há nada mais que me surpreenda e que me cause mais espanto quanto a muitos, mesmo dentro da Igreja, do que a maneira como eles não gostam da doutrina do pecado, e indagam: por que é que você tem que estar sempre dando ênfase ao pecado? Eis a resposta: o pecado é um problema tão grande que foi necessária a ação das três Pessoas da Trindade santa e bendita para enfrentá-lo. Essa é a única explicação. O pecado é um problema tão profundo que envolveu tudo isso. Não é um problema simples; não é um problema do qual Deus poderia tratar com simplicidade porque Ele é Deus e porque Ele é amor. Não! O pecado é um problema tão profundo que, por causa dele, reuniu¬-se um concílio antes dos tempos, e o Filho teve que vir ao mundo, vindo da eternidade, e teve que passar por tudo aquilo que estive descrevendo. É disso que o pecado necessita. Também necessita da presença do Espírito Santo na Igreja. Ou, para dizê-lo doutro modo, a salvação não é apenas uma questão de virmos a compreender que Deus é amor e, então, que Deus nos perdoa. Muitas vezes se faz uma apresentação errônea disso, como se a única coisa que foi destinada a realizar-se na cruz foi uma demonstração de que Deus é amor, e que o único problema é que nos façamos saber a nós mesmos que Deus é amor. Não é esse o ensino na passagem que estamos focalizando. Aqui a ênfase é ao sangue de Cristo, à Sua carne, ao Seu corpo, à Sua cruz, à Sua morte. Não, a salvação não é apenas uma questão de compreender que Deus é amor, e de receber perdão: a salvação é algo que envolve estas atividades especiais das três Pessoas: nenhum poder menor poderia efetuá-la. "Outro bem suficiente não havia para pagar o preço do pecado". Estava envolvido um preço; uma retidão, uma justiça de Deus estava envolvida. Tinha que haver a cruz, era o único caminho. Assim o apóstolo nos está mostrando aqui algo da real natureza da salvação.
Mas eu suponho que, de todas as coisas, a mais estonteante é captar e compreender, se pudermos, o assombroso fato de que as três Pessoas da Trindade santa e bendita nos amaram tanto que fizeram tudo isso por nós. Auto-subsistentes, existindo eternamente naquela inefável unidade e glória e, contudo, preocupados conosco! O Pai Eterno tem Seus olhos postos em você, conhece você, interessa-Se por você. O Filho de Deus amou tanto você que Se deu por você. E o Espírito Santo o ama tanto que vem para dentro de você para aplicar-lhe e levar a cabo tudo isso. Se você não concorda comigo que esta é a coisa mais estupenda que jamais ouvirá no tempo ou na eternidade, bem então eu perco as esperanças com você. Haverá alguma coisa que supere isto? – que a palavra me diz que estas três Pessoas não somente me amaram tanto, porém também que agiram desta maneira para que eu pudesse ser redimido? Se tão-somente compreendêssemos isso como devíamos, seu efeito sobre nós seria tremendo, revolucionaria toda a nossa concepção do cristianismo. Não pensaríamos nele em termos de dever ou de outra coisa qualquer, não pensaríamos nele em termos de glória, de privilégio e de curiosidade. O cristianismo seria a coisa mais emocio¬nante do mundo para nós. Teríamos nele a nossa constante alegria, e diríamos com Paulo: "Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo". Seríamos tomados de um permanente sentimento de "maravilha, amor e louvor".


O objetivo da salvação é que conheçamos a Deus como o nosso Pai

No entanto, passemos a uma terceira proposição. Vemos que aqui somos postos face a face com a doutrina da Trindade, é-nos dito que as três Pessoas da Trindade estão interessadas em nós e em nossa salvação e a estão levando a efeito em nós. E depois nos é dito que o fim da salvação, a meta suprema da salvação, o objetivo da salvação, é que conheçamos a Deus como o nosso Pai. "Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito." Pois bem, esse é o principal fim e objetivo da salvação. É o que o apóstolo está especialmente interes¬sado em ressaltar aqui, o fato de virem todos os cristãos juntos ao Pai. Os judeus e os gentios vêm juntos, como um só corpo e como um só espírito, à Sua presença. Esse é o clímax. O apóstolo já nos estivera falando sobre como o Senhor Jesus Cristo removeu as barreiras, os obstáculos e os empecilhos entre o gentio e o judeu, como Ele removeu esta comum inimizade entre mim e Deus, e de fato ele foi mais longe, ao ponto de nos dizer no versículo dezesseis que Ele reconcilia a ambos, o judeu e o gentio, com Deus "pela cruz em um corpo, matando com ela as inimizades". Bem, dirá alguém, certamente você não pode ir além disso. Haverá alguma coisa que supere a reconciliação? Há! É por isso que eu disse que este versículo dezoito é o clímax. A reconciliação é maravilhosa. Mas isto é mais prodigioso e maravilhoso. A reconciliação não é o fim. Além da reconciliação, temos o acesso ao Pai. Você pode, em certo sentido, reconciliar-se com pessoas e ainda não ter muita intimidade com elas. Você pode deixar de estar em inimizade; as barreiras, os empecilhos e os obstáculos podem ter sido removidos; todavia isso não é tudo, há mais esta outra coisa.


Temos acesso

O apóstolo, parece-me, diz-nos três coisas aqui. A primeira é que temos acesso por um só Espírito ao Pai, Pois bem, a palavra "acesso" é importante e interessante. Também pode ser traduzida pela palavra "aproximação", ou melhor ainda, penso eu, pela palavra "apresenta¬ção": "Porque por ele ambos temos apresentação ao Pai por um mesmo Espírito." Significa que a relação foi restabelecida, aquela relação amigável com Deus com a qual somos aceitáveis a Ele e temos certeza de que Ele tem boa disposição para conosco. Ora, o importante para compreender-se aqui é que o Senhor Jesus Cristo não Se limita a preparar ou abrir o caminho para isto. Ele de fato o efetua, de fato o produz. É Ele que nos apresenta ao Pai, que nos leva, nos toma pela mão e nos guia até a Sua presença. Meu desejo é salientar o fato de que este é realmente o grande fim e objetivo da salvação. E suponho que nunca houve uma época em que fosse necessário salientar isto mais do que a época atual. Nós todos nos tornamos tão subjetivos, e estamos tão interessados em nossos temperamentos, estados mentais, sentimentos e condições que, quando damos os nossos testemunhos, dizemos que o que a salvação nos fez foi fazer-nos felizes, ou foi eliminar isto ou aquilo; e aí paramos. Contudo, o grande objetivo da salvação é levar-nos à presença de Deus – nada menos que isso, nada que esteja abaixo disso.
Certamente vocês notam como o Senhor disse esta mesma coisa no versículo três do capítulo dezessete de João: "E a vida eterna é esta" – as pessoas dizem: recebi a vida eterna, estou salvo, tenho a vida eterna. Sim, mas o que é a vida eterna? Não é apenas que você não é mais o que era; inclui isso, entretanto isso é relativamente pouco. A grande reali¬dade é a seguinte – "A vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste". Ou então ouçam-nO em Hebreus 10:19: "Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus" – foi o que o sangue de Jesus fez, habilitou-me a entrar no "santuário", no "lugar santíssimo". Vocês vêem a figura, vocês captam a ideia que está na mente de Paulo. Sob o cerimonial do Velho Testamento as pessoas comuns não tinham permis¬são para entrar no "lugar santo", menos ainda no "lugar santíssimo". Ao lugar santo somente os sacerdotes tinham permissão para ir. Mas nem os sacerdotes tinham permissão de entrar no lugar santíssimo. Somente um homem tinha permissão para entrar ali, o sumo sacerdote, e só uma vez por ano, e então "não sem sangue" (Hebreus 9:7). Entrava uma vez por ano. E isso era uma coisa tão tremenda que, enquanto ele estava lá, fora da vista, o povo, apreensivo, ficava esperando o seu retorno.
No Velho Testamento lemos minuciosa descrição dos tipos de paramentos e vestes que os sacerdotes e o sumo sacerdote deviam usar; e no caso do sumo sacerdote se vê que nas bordas do seu grande manto eram fixadas campainhas. Você já se perguntou qual o propósito das campainhas e das romãs? Qual era o seu objetivo? Simplesmente este: o povo sabia que era uma coisa tremenda e estupenda alguém entrar no "lugar santíssimo" e na presença de Deus. "Quem dentre nós habitará com o fogo consumidor?", pergunta Isaías, "Deus é fogo consumidor" (Isaías 33:14; Hebreus 12:29), tal é a Sua santidade que tudo tende a encolher-se e a evitar a Sua presença. O sumo sacerdote entra uma vez por ano para representar o povo e fazer uma oferta pelos pecados do povo. A questão é: ele vai sair vivo? E como se alegrava o povo ao ouvir o tilintar das campainhas nas bordas do manto do sumo-sacerdote! Sabiam todos então que ele continuava vivo, que o seu sacrifício – a oferta que ele apresentara, o sangue que levara – fora suficiente, que Deus o aceitara e que os pecados deles tinham sido perdoados. Quando o sumo sacerdote ia saindo eles ouviam o tilintar das campainhas cada vez mais forte. Ele estivera no "lugar santíssimo".
Mas o que nos diz a passagem que estamos estudando é que mediante Cristo, pelo Espírito Santo, nós mesmos podemos entrar no "lugar santíssimo". Temos acesso ao Pai: não mais ficamos no pátio externo, não mais entre os sacerdotes, apenas; o "véu" foi rasgado, podemos entrar lá diretamente. Pedro diz a mesma coisa em 1 Pedro 3:18: "porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos...". Por quê? Para que eu não vá para o inferno? Para que eu seja feliz? Para que eu não caia mais nalgum pecado particular? Tudo perfeitamente verdadeiro; porém não é o que Pedro diz; o que ele diz é isto: "Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus". "Estas coisas vos escrevemos", diz João, já ancião e próximo do fim da vida, "para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão (como apóstolos) é com o Pai, e com o seu Filho Jesus Cristo." Este, meus amigos, é o grande fim e objetivo da salvação, que entremos na presença de Deus e tenhamos comunhão com Ele. Não estamos mais longe, fomos trazidos para perto, estamos dentro, estamos face a face com Ele, temos comunhão com Deus. Conhecer a Deus, e a Jesus Cristo, a quem Ele enviou! Você tem acesso, você deu¬-se conta dele? Você está exercendo o seu direito a ele?


Acesso ao Pai

Passemos, porém, à segunda ênfase. A segunda coisa que ele nos diz é que temos acesso ao Pai. Agora notem a mudança do termo. O que ele diz no versículo dezesseis é: para Ele (Cristo) "pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo". Por que ele não diz então, "Porque por ele ambos temos acesso a Deus em um mesmo Espírito"? Ele mudou de termo, ele diz: "ao Pai". Não é por acidente. Ele o faz deliberadamente. Por quê? Aqui de novo está algo que é estonteante em sua imensidão, e irresistível, se tão-somente nos dermos conta disso, que Deus em Cristo e pelo Espírito Se torna nosso Pai. Por isso o nosso Senhor, quando nos deu a Sua oração modelo, ensinou-nos a dizer: "Pai nosso, que estás nos céus". Por isso também o Senhor Jesus Cristo, quando falava com a mulher samaritana sobre a adoração, usou o mesmo termo. Ela, com as suas ideias indoutas sobre adoração, fala "neste monte" e "em Jerusalém". Mas o nosso Senhor muda todo o curso da conversa¬ção, eleva-a e diz: "O Pai procura a tais que assim o adorem"; "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade"; são essas as pessoas que o Pai procura para que O adorem. Ou vejam ainda como Cristo o expressa em João 14:6: "Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim". Há pessoas que talvez tenham crido em Deus, todavia elas jamais conhecerão a Deus como Pai, exceto em Jesus Cristo e pelo Espírito. "Ninguém vem ao Pai, senão por mim." E ouçam Pedro dizê-lo também em sua Primeira Epístola: ''E, se invocais por Pai aquele que sem acepção de pessoas... " (1:17). É o Pai que invocamos. E, de novo, João diz: "A nossa comunhão é com o Pai" – não, "com Deus", "com o Pai"; ele usa a palavra Pai aqui. Este é, obviamente, o ensino de todo o Novo Testamento, e é também o que distingue a posição cristã. O cristão é alguém que foi introduzido na mesma relação com Deus que o Senhor Jesus Cristo tem com Ele como Filho do homem. Isso é cristianismo, isso é salvação. Vocês notam como Ele ora. "Pai", diz Ele, "é chegada a hora", e também, "Pai justo", e "Pai santo". Não um Deus distante, mas Pai! Assim é que compreendemos – e é isto que significa – que Ele está pronto a receber-nos e a ouvir-nos.
Saber isso é saber que Deus tem amoroso interesse por nós. "Nós conhecemos, e cremos no amor que Deus nos tem", diz ainda João em 1 João 4:16, e nós confiamos nisso, descansamos nisso. "Nós conhece¬mos, e cremos no amor que Deus nos tem"; é o que você dirá quando se der conta de que veio ao Pai. Se você conhece a Deus como seu Pai, você sabe que até os cabelos da sua cabeça estão todos contados. Você sabe? O Pai – é ao Pai que estamos vindo. Vocês notaram aquela declaração sumamente admirável do nosso Senhor em Sua oração sacerdotal, registrada em João 17 :23? Imagino que, de todas as declara¬ções concernentes ao cristão, nenhuma supera esta: "Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tem amado a eles como me tens amado a mim". Se somos verdadeiramente cristãos, e se viemos ao Pai, sabemos que Deus nos ama como ama a Seu próprio Filho. Logo, sabemos que Ele nunca nos deixará nem nos abandonará. Logo, sabemos que o que quer que aconteça, por baixo sempre estão os braços do Eterno.


Temos este acesso

Isso me leva ao terceiro e último ponto, a saber, que temos este acesso. "Através dele, ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito"(VA). Nós o temos, diz Paulo. Posso colocá-lo na forma de várias perguntas? Temos isto? Fazemos uso do acesso? Descansamos nele? Gozamos a paz dele resultante? Você sabe que Deus o ama? Você sabe que Ele realmente ama você? Você O conhece como seu Pai? Você de fato sabe que "todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus"? Mas, venha, deixe-me levá-lo a um ponto mais alto e fazer-lhe esta pergunta: você sabe o que é estar no "lugar santíssimo"? Temos acesso, apresentação, pelo Espírito ao Pai. Somos levados por Cristo, pelo Seu sangue, para dentro do "lugar santíssimo", por meio do Espírito Santo. Isso é verdade sobre você? Você conheceu, sentiu, percebeu a presença de Deus? Foi isso que Cristo veio fazer, diz o apóstolo. É um avanço com relação à reconciliação, vocês vêem. Não é meramente perdão, não é meramente que a inimizade se foi. Temos acesso, temos direito de entrar. Vocês se aproximam de Deus na plena certeza da fé? Vocês dão ouvidos à exortação da Epístola aos Hebreus quando diz: "Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça"? (Hebreus 4:16). Vocês vão a Deus com o instinto, a segurança e a confiança com que uma criança vai a seu pai? É ao Pai que estamos indo, diz o apóstolo. Vocês sabem como se porta uma criança. Ela está em dificuldade, tem o seu pequeno problema, alguma coisa a está afligindo tremendamente, e ela corre para o seu pai ou para a sua mãe. Ela fala aos pais sobre o que a aflige, conta tudo, confiante em que eles poderão dar um jeito naquilo, e então se alegra. Esse é o tipo de coisa que o apóstolo quer comunicar. "Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus", diz o nosso Senhor (Mateus 18:3, ARA). E então, nós vamos instintivamente a Deus como ao nosso Pai? Levamos a Ele as nossas preocupações e os nossos problemas, aborrecimentos e ansiedades? Vamos com essas coisas a Ele e, como a criança, havendo-Lhe falado tudo sobre elas, nós as deixamos com Deus, confiantes e certos de que Ele tratará delas todas e que, portanto, podemos gozar a Sua paz, que excede todo o entendi¬mento?
Acaso posso resumir tudo com uma pergunta final? Estamos desfrutando de Deus? "Qual é o fim principal do homem?", indaga a primeira pergunta do Breve Catecismo da Assembleia de Westminster. E eis a resposta dada: "O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lO para sempre". E, em conformidade com o apóstolo nesta passagem, o gozo começa agora, nesta existência, neste mundo. Não temos que esperar até irmos para o céu. O propósito quanto a nós é que fruamos a Deus aqui na terra, conheçamo-lO como nosso Pai, e descansemos neste conhecimento, desfrutemos o conhecimento e fruamos ao próprio Deus na comunhão com Ele.
Isso é apenas o começo do que este versículo nos fala. Ele nos assegura que o amor de Deus por nós é tão grande que as três Pessoas da Trindade tomaram parte no processo de tratar conosco, de tal maneira e por tais meios que eu e você, perdidos, condenados e sem esperança, pudéssemos, mesmo enquanto formos deixados neste mundo de pecado e dor, gozar o companheirismo do Pai, andar com Ele com amizade e em comunhão, e desfrutá-lO. Cada vez mais devemos olhar para a frente, para vê-lO como Ele é, sem nenhum véu que O esconda dos nossos olhos, e havemos de fruí-IO em plenitude por toda a eternidade. Desfrutamos de Deus? É totalmente possível, é livre, mediante Cristo e pelo Espírito Santo.
Por. D. M. Lloyd Jones

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