Capítulo VII
O Espírito nas
reuniões da Igreja
A partir do dia de Pentecostes, o
Espírito Santo ocupa uma posição inteiramente nova. Toda a administração dos
assuntos da Igreja de Cristo, desde aquele dia, foi delegada a Ele... ofício
que Ele exercerá soberanamente, de acordo com as necessidades que surgirem. Há
somente um outro grande evento para o qual as Escrituras nos ordenam que
olhemos, a segunda vinda do Senhor. Até lá, vivemos na era de Pentecostes, e
sob o governo do Espírito Santo. — James Elder Cumming, D. D.
2. O Espírito Santo na adoração e nas reuniões da igreja.
Haverá
alguma coisa que somos chamados a fazer, da mais elevada à mais simples, em
relação à casa de Deus, da qual o Espírito Santo não é o agente nomeado? É
verdade que os crentes são os instrumentos pelos quais Ele age; mas eles não
têm função nenhuma à parte da inspiração e da direção dEle. Para tornar isso
claro, vamos considerar as várias partes das reuniões da igreja como
normalmente são conduzidas, reparando a ligação que têm com o seu divino
Ministro.
(1)
A
pregação - é, por consentimento geral, um importante fator
da obra do ministério, tanto do pastor como do evangelista. Em que consiste a
sua inspiração e autoridade? Pedro expõe de forma simples o método apostólico: (1
Pe 1.12).
“pelo
Espírito Santo enviado do céu, vos pregaram o evangelho”
O
verdadeiro pregador não é o que usa o Espírito Santo, mas é aquele que é usado
pelo Espírito. Ele fala como alguém que se move no elemento e na atmosfera do
Espírito Santo, e que é controlado pelo Seu divino poder.
É
nesse aspecto que o sermão se diferencia infinitamente do discurso, e o
pregador, do orador. Paulo enfatiza claramente esse contraste na carta aos
coríntios. O único assunto da sua pregação, diz ele, era “Jesus Cristo e este crucificado”, e a única inspiração da sua
pregação, o Espírito Santo: (1 Co 2.4).
“A
minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem
persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de
poder”
O
que quis dizer Philip Henry, quando resolveu “pregar Cristo crucificado de
forma crucificada”? Possivelmente mais do que ele pensou ou sabia. Ele “dará
testemunho de mim”, é o que Jesus diz a respeito do Paráclito prometido. O
Consolador dá testemunho dAquele que foi crucificado. Nenhum outro assunto no
púlpito tem assegurada a Sua cooperação. Filosofia, poesia, arte, literatura,
sociologia, ética e história são assuntos que atraem a atenção de muita gente,
e aqueles que lidam com esses temas no púlpito podem até apresentá-los com
palavras atraentes da genialidade humana; mas não há garantia de que o Espírito
Santo dê o aval do Seu testemunho a essa apresentação. A pregação da Cruz possui a garantia da demonstração do
Espírito, como não o tem nenhum discurso secular, ou moral, ou mesmo religioso.
Quando Paulo escreve aos tessalonicenses: (1 Ts 1.5),
“o
nosso evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas,
sobretudo, em poder, no Espírito Santo e em plena convicção”
Precisamos
lembrar que “nosso evangelho” significava uma única coisa para Paulo, a
apresentação de Jesus Cristo crucificado no meio do povo. Se virmos isso,
teremos encontrado o segredo do poder do Evangelho. Não deverá ser, então, essa
a suprema questão do pregador, os assuntos que com certeza garantem o
testemunho do Espírito Santo, em vez dos assuntos que atraem a atenção do povo?
Coloquemos lado a lado o pregador popular e o pregador apostólico, e avaliemos
qual recompensa queremos escolher: admiração geral do povo, ou o testemunho de Deus,
“por sinais, e milagres, e várias maravilhas, e dons do Espírito Santo,
distribuídos por sua vontade” (Hb 2.4)? O sermão aprovado com aplausos e
aclamações, ou a Palavra recebida “com alegria do Espírito Santo” (1 Ts 1.6)?
Admiração pelo pregador por parte de todos os que ouviram o discurso, ou cair
“o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra” (At 10.44)? Não há
palavras que descrevam a gravidade do assunto que estamos ventilando. A
presente geração está rapidamente perdendo a compreensão do sobrenatural; como conseqüência
disso, o púlpito está rapidamente descendo ao nível da plataforma do discurso.
E cremos que esse declínio deve-se, mais do que a qualquer outra coisa, à desconsideração do Espírito Santo como
o supremo inspirador da pregação. Queremos ver um grande orador no
púlpito, esquecendo-nos que o menor expositor da Palavra, quando cheio do
Espírito Santo, é maior do que ele. Com certeza, queremos o evangelho; mas na
tenaz tentativa de que seja apresentado de acordo com o “espírito desta era”,
desconsideramos a supremacia do “Espírito de Deus”. E o método do discurso logo
se impõe nesse assunto. Não há como manter por muito tempo a verdade no púlpito
depois que perdemos ali “o Espírito da verdade”. Vinet diz: “Aquele que não
possui a totalidade da vida também não possui a verdade por completo”.
Em
tudo que dissemos, não estamos desconsiderando o elemento humano na pregação,
nem subestimando o estudo e o treinamento mental santificado como preparação
desse nobre ofício. Estamos unicamente destacando o extremo perigo de
considerar como principal aquilo que Deus fez inferior. O Espírito Santo é quem
ergue o pregador muito acima do homem extremamente capacitado. O pregador que
levou com um só sermão três mil pessoas à fé no Cristo crucificado, respondeu
por antecipação a pergunta daqueles que, reparando apenas na elaboração humana
do seu sermão, talvez perguntem qual foi o segredo do seu poder. Ele revela o
segredo numa simples e curta frase:
“pelo
Espírito Santo enviado do céu”.
(2)
A
oração - é um dos elementos mais vitais da adoração na
igreja de Deus. “Senhor, ensina-nos a
orar como também João ensinou aos seus discípulos”. Jesus satisfez
literalmente esse pedido dos Seus discípulos. Assim como João, sob a lei, podia
somente dar regras e noções, por não haver ainda chegado a dispensação da graça
e do Espírito, assim Jesus lhes deu um modelo
de oração, uma lição sobre a “técnica de adoração”. Mas é somente
quando chega à noite anterior à Sua morte, quando anuncia a chegada do
Consolador, que Ele introduz os discípulos ao coração e ao mistério do grande
assunto, ensinando-os a orar como João não
podia ter ensinado aos seus discípulos. “Até agora nada tendes pedido em
meu nome”, disse Jesus em Seu discurso pascal. Mas agora que Ele estava prestes
a começar o Seu ofício mediatório à direita de Deus, e prestes a enviar o
Consolador para os Seus discípulos, Ele podia conceder esse alegre privilégio: (Jo
16.23).
“se
pedirdes alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome” [1]
Essa expressão equivale a dizer “em mim”.
É
evidente que não significa usar o nome de Jesus como uma senha ou como amuleto,
mas é participar da Sua pessoa e adequar-se à vontade dEle; de forma que
quando oramos será como se o próprio Jesus estivesse na presença de Deus intercedendo.
Nem é “como se” — é o próprio fato. Somos identificados com Cristo
por meio do Espírito que foi enviado, e a Sua vontade é forjada dentro de nós
pelo Espírito Santo, de tal forma que pedir a Ele aquilo que desejamos é pedir
aquilo que Ele deseja para nós. Ficamos cheios da Sua vontade porque somos
inspirados pelo Seu Espírito, que vive e sussurra dentro de nós. É por isso que
podemos saber que somos sempre ouvidos, uma vez que estamos nAquele que pode
dizer com toda ousadia ao Pai: “Eu bem sei que sempre me ouves”. É a mediação
de Cristo para com o Pai, e a mediação do Espírito Santo para conosco, que nos
dá o alto privilégio de orar em nome de Jesus, como está escrito:
“porque,
por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito”.
Por
isso, quando lemos mais tarde, nas epístolas, onde a doutrina é exposta mais
plenamente, “com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito”
(Ef 6.18), e “orando no Espírito
Santo” (Jd 20), entendemos que essas são simplesmente admoestações para
usar o privilégio de pedir em nome de Jesus. Pois estar no Espírito é estar
em Cristo, unido à Sua pessoa, identificado com a Sua vontade, revestido da Sua
justiça, de forma que estamos diante do Pai como se fosse o próprio Senhor
Jesus.
Em
Romanos 8, onde encontramos a mais completa exposição da doutrina do Espírito,
vemos claramente que o ministério do
Consolador consiste em operar em nós aquilo que Cristo realiza por nós no trono.
Isso é especialmente verdade com respeito à oração. Na Epístola aos Hebreus,
lemos: (Hb 7.25).
“Por
isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo
sempre para interceder por eles”
Na
Epístola aos Romanos, lemos: (Rm 8.26,27).
“Também
o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos
orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com
gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do
Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos”
Essas
passagens, lidas em conjunto, claramente mostram o Espírito fazendo em nós a
mesma coisa que Cristo está fazendo no céu por nós. E, além disso, elas nos
revelam o método usado pelo Cristo glorificado para ajudar aqueles que não
sabem como orar quando devem orar, ensinando-os, não por meio de um método exterior, mas pela direção interior.
De fato, a oração inspirada pelo Espírito Santo muitas vezes é tão profunda que
não pode ser expressa em palavras comuns, mas chegam aos ouvidos do Pai unicamente em suspiros sem palavras, em gemidos inexprimíveis (oh,
Senhor). A tônica de toda intercessão verdadeira é a vontade de Deus. Na oração
dos discípulos, como o Senhor lhes ensinou, ouve-se distintamente essa nota:
“faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu”. Na oração que o Salvador
fez no Getsêmani, ouve-se outra vez essa nota, quando com forte clamor e
lágrimas o Filho de Deus exclama: “não seja como eu quero, e sim como tu
queres”. E na revelação da doutrina da oração por meio de um apóstolo inspirado
lemos: “se lhe pedirmos alguma coisa conforme a sua vontade, ele nos ouve”. A
mais profunda obra do Espírito Santo no crente é harmonizar a sua mente a essa
elevada nota, uma vez que “segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos
santos”. Há uma promessa que todos os discípulos gostam de citar quando
querem segurança nas orações: (Mt 18.19).
“Em
verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a
respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por
meu Pai, que está nos céus”
A
palavra traduzida como “concordarem” é muito significativa.
É a palavra grega “sumfwnhswsin”, de
onde vem nossa palavra “sinfonia”. Se
dois estão de acordo ou estão em sinfonia quanto ao que pedem,
eles têm a promessa de que serão atendidos. Mas, da mesma forma que todas as
notas de um órgão precisam estar ajustadas ao diapasão, senão se torna
impossível a harmonia, assim também acontece com a oração. Não basta que
dois discípulos concordem um com o outro; eles precisam estar em harmonia com a
terceira Pessoa — o justo e santo Senhor — para que possam concordar em
intercessão no verdadeiro sentido bíblico. É possível haver concordância em
assuntos inteiramente pecaminosos, em total discordância da vontade de Deus,
como se vê na pergunta de Pedro a Safira, esposa de Ananias: (At 5.9).
“Por
que entrastes em acordo [sunefwnhyh – a mesma
palavra] para tentar o Espírito do Senhor?”
Ali
havia mútuo acordo, mas flagrante desacordo com o Espírito Santo. Ao contrário
do que aconteceu nesse incidente, é o
ministério do Espírito Santo harmonizar a nossa vontade com a de Deus;
e é somente assim que se pode orar no
Espírito.
Por
essa razão, não é possível dar ênfase demasiada ao ministério do Espírito na
direção do culto na casa de Deus. Usar formas litúrgicas é recair no legalismo,
é consentir em ser ensinado a orar “como João ensinou aos seus discípulos”. É
verdade que pode haver formas improvisadas bem como formas escritas, orações
decoradas bem como orações lidas num livro. A esses hábitos nós contrapomos o
mais elevado ensino do Espírito, que é privilégio da atual dispensação, na qual
o Pai procura adoradores que o adorem “em
Espírito e em verdade”. Orar de forma correta é a mais alta das
realizações. E isso é assim porque o segredo se encontra entre estes dois
opostos: um espírito intensamente ativo e ao mesmo tempo intensamente
passivo (submisso); um coração que prevalece diante de Deus porque foi
conquistado por Deus. Vemos isso na oração de um grande santo:
“Ó
Senhor! Meu espírito, esta manhã, era como uma harpa, produzindo música diante
de Ti, porque Tu primeiro afinaste o instrumento pelo Espírito Santo, e
então escolheste o salmo de louvor que devia ser tocado nele”.
São
extremamente solenes e sugestivas as palavras do Senhor Jesus: “são estes que o
Pai procura para seus adoradores”. Em meio a toda repetição de formas e
monotonia das liturgias, quão intensamente o Altíssimo procura aquele que O adora em espírito, com um
coração contrito diante de Deus, com um espírito tão sensível às operações secretas
do Espírito Santo que, quando os lábios falam, o fazem expressando a oração
eficaz que pode muito em seus efeitos!
Se
alguém argumentar que aquilo que estamos dizendo é elevado demais para ser
prático, talvez seja bom confirmar nossa posição com o testemunho da
experiência. As coisas que dissemos não se referem especificamente às orações
feitas no púlpito. O sacerdócio
universal dos crentes, tão claramente ensinado pelas Escrituras,
constitui a base da intercessão comum, pois “orar uns pelos outros” é a característica distintiva da dispensação
do Espírito Santo. Por isso, a reunião de oração, na qual o corpo todo dos
crentes participa, provavelmente se aproxime mais do padrão da adoração dos
cristãos primitivos do que qualquer outra atividade que temos como igreja. Se
aplicarmos o nosso princípio aqui, então, qual é o método mais satisfatório?
Será que o culto deve ser planejado de antemão, uma pessoa escolhida para orar, outra para exortar; e durante o
andamento da adoração, deve alguém ser chamado para dirigir as orações, e
depois outro em seguida? Em resumo, deve-se planejar a reunião com
antecedência e determinar como deve desenvolver-se, conforme se acha
conveniente e oportuno? Alguém, depois de muitos anos de experiência, pode dar
poderoso testemunho do valor de outro caminho — o caminho de exaltar o ministério do Espírito Santo como o condutor
da reunião, e dessa forma restringir a pressão humana na assembléia, para que o Espírito tenha a mais alta
liberdade de mover um para orar e outro para dar testemunho, este para cantar e
aquele para dizer “amém depois da tua ação de graças”, conforme a Sua própria
soberana vontade. (2 Co 3:17)
“Ora,
o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade”.
Aqui
não estamos falando de teoria, mas de forma prática, experimental. O fervor e a
espiritualidade e a doce naturalidade deste último método tem-se mostrado muito
mais do que uma possibilidade, e isso depois de prolongadas tentativas em ambos
os caminhos, o primeiro sendo trilhado por desconhecer caminho melhor, em
constante esforço e inquietação e aflição, e este último com indizível calma e
conforto e refrigério espiritual.
Q
Honremos o Espírito Santo como o Senhor da assembléia;
Q
Apliquemo-nos para conhecer o segredo da entrega
a Ele;
Q
Cultivemos um ouvido pronto para ouvir a Sua voz
interior e uma língua pronta para dar o Seu testemunho audível;
Q
Sejamos submissos para guardar silêncio
quando Ele proíbe, bem como para falar quando Ele ordena, e aprenderemos
quão melhor é o caminho de Deus do que o caminho do homem, ao conduzir a
adoração da Sua casa[2].
“Continua..........”
[1]
Enquanto o Senhor Jesus não tinha sido glorificado, era impossível orar ao Pai
em nome dEle. A possibilidade de fazê-lo é um privilégio peculiar à dispensação
do Espírito Santo. — Alford.
[2]
Seríamos muito beneficiados se prestássemos mais atenção à voz da história
cristã em questões como esta. É muito sugestivo o surgimento de seitas como os
“Quietistas”, os “Místicos”, os “Amigos”, e os “Irmãos”, que dão ênfase à “voz
tranquila” e à “direção interior”. Se nós não avançamos tanto quanto alguns
desses avançam na insistência de falar apenas quando são movidos de maneira
perceptível pelo Espírito, talvez precisemos ser admoestados quanto à forma
rígida, artificial e humana de adoração, que tornou necessário o protesto
dessas seitas.