quarta-feira, 13 de abril de 2011

O CORAÇÃO PREPARADO

CAPÍTULO 13

Por: D. M. Lloyd Jones


"Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações. Afim de, estando arraigados e fundados em amor" Efésios 3:17

Continuamos o nosso estudo do versículo 17 – a petição que o apóstolo faz pelos cristãos efésios – “e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé”. Até aqui consideramos de modo geral. Portanto, certamente nada nos é mais importante que saber como chegar a esta posição e, ao mesmo tempo, saber se Cristo habita realmente em nós, e como podemos ser habilitados a gozar este supremo privilégio, que é a maior fonte de alegria.

Como já vimos, há um comum testemunho desta grande experiência de Cristo no coração. Como mais um exemplo e ilustração tomemos o testemunho encontrado num dos hinos de Charles Wesley:

Jesus, és tudo em tudo para mim,

repouso no lidar, na dor alívio;

balsamo ao quebrantado coração

Na guerra és minha paz, na perda lucro;

Meu sorriso à carranca do tirano,

Minha glória e coroa na vergonha.

Esta é a sua experiência? Podemos adotar estas palavras e empregá-las? Cristo significa isto para nós? É isso que acontece quando Cristo habita no coração. Observem a intimidade da relação, a plenitude da satisfação. Cristo é seu “tudo em tudo”, sejam quais forem as circunstâncias e condições? Isto é experimental, é experiência pessoal; não é mantido só na mente; não é teoria. Charles Wesley achava a sua completa satisfação em Cristo. Ele tinha provado a veracidade das palavras ditas pelo Senhor, quando Ele afirmara que se alguém fosse a Ele, “jamais teriam sede”, se alguém cresse nEle, “jamais teriam sede”. Ele tinha dentro de si “uma fonte de água viva a jorrar para a vida eterna”.

Chegamos, pois, a esta questão sumamente prática e essencial: como é possível isso? O apóstolo responde: “pela fé” – “para que Cristo habite pela fé” ou, “mediante a fé”. Podemos considerá-la em termos da figura a que nos referimos previamente, de Apocalipse 3:20, onde Cristo diz:

Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo.”

Que significa “abrir a porta”? e como isto se relaciona com a fé? Para responder estas perguntas de maneira prática, devemos começar com Ef 3:16:

para que, segundo a riqueza da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior;”

Disto ninguém é capaz por si mesmo. Mas neste ponto surge o perigo de pensarmos que, por causa desta ênfase à obra primária do Espírito Santo, temos que ficar passivos, á espera de que nos aconteça algo. A verdade sobre esta questão foi expressa uma vez e para sempre na Epístola aos Filipenses 2:12,13, onde o apóstolo diz:

12... desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; 13 porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.”

Temos aqui o equilíbrio certo e a seqüência certa. O apóstolo começa com uma exortação, quase uma ordem: “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor”. Aí está o imperativo; aí está uma coisa que eu e você temos que fazer. Todavia imediatamente ele acrescenta: “porque Deus é quem efetua em vós”. Não fora o fato de que Deus “efetua em vós tanto o querer como o realizar”, nunca poderíamos fazer coisa alguma. Nossa vontade, como vimos, precisa ser estimulada e fortalecida; necessitamos do poder. E é porque Deus “efetua em vós tanto o querer como o realizar”, que podemos “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor”.

Passemos à resposta positiva à questão desta expressão. “pela fé”. Não podemos fazer melhor do que tomar a descrição que nos é oferecida na epístola aos Hebreus cap. 11. Um capítulo escrito com o fim de nos dar um relato e uma descrição daquilo que realmente constitui a vida pela fé. Não é uma estado passivo, como veremos, porém primária e essencialmente uma atividade; e o autor resume o ponto para nós no versículo 13:

“Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra.”

À luz desta definição da fé, podemos agora descobrir o verdadeiro significado das palavras: “e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé”. O primeiro princípio envolvido é que eu devo “ver” isto – “vendo-as, porém, de longe” (as promessas). Noutras palavras, devo reconhecer o ensino, em vez de lê-lo superficialmente. Devo ser cativado por ele. Os homens retratados em Hb 11, viviam neste mundo, como nós, e lhes chegou uma mensagem de algo diferente, algo procedente de Deus. E estes homens de fé a “viram”. Noé é um exemplo claro disso. Ele ouviu a mensagem de que Deus estava para destruir o mundo com um dilúvio. Ele “viu” essa mensagem, e fez algo a respeito.

O que diferencia os cristãos de todos os outros, em primeira instância, é que eles “vêem” algo. Assim, a questão vital, quando consideramos a possibilidade de Cristo habitar no coração, é: vemos esta possibilidade? Eu os estou conduzindo para os domínios dos heróis da fé, para os domínios em que o apóstolo Paulo e os cristãos primitivos viram. A menos que vejamos isto como uma realidade concreta, obviamente jamais o experimentaremos.

Muitos quando lêem essa passagem e começam a ter alguma compreensão dela e a “vê-la”, não vão adiante, pois raciocinam como segue: certamente é verdadeira com relação a muitos cristãos; isto só vale para pessoas excepcionais. Muitos há que pensam e argumenta desta maneira. O diabo veio e lhes sugeriu que, naturalmente, está é uma experiência perfeitamente genuína, mas nunca destinada a toda gente.

No entanto, as dificuldades podem tomar outra forma. Alguém poderá dizer: por certo, esta experiência é maravilhosa, e eu gosto de ouvir e ler sobre ela; porém obviamente não se destina a mim; sou um homem de negócio, e me preocupo com os quefazeres desta vida. Ou, sou um profissional muito ocupado. Posso ver com muita clareza que, se eu não tivesse mais nada a fazer, senão passar meus dias estudando, concentrando na vida cristã, e pudesse dedicar-me a esta questão, não tenho dúvida de que seria possível. Entretanto, estou imerso em questões de negócio; decerto esta experiência é completamente impossível para mim.

A resposta pura e simples a esta alegação é que o apóstolo Paulo a considerava possível para cada um dos membros da igreja de Éfeso. Estes cristãos primitivos eram escravos, não eram senhores de si, eram forçados a trabalhar, labutar, suar. Não tinham instrução, conhecimento e cultura, e estavam mergulhados nos mais sórdidos pormenores da vida. Todavia, o apóstolo garantia que isto lhes era possível.

Assim devemos deixar-nos persuadir pelo ensino de que esta experiência é possível a cada um de nós. Não está restrita a pessoas proeminentes; tem sido a experiência das pessoas mais comuns. O que temos que fazer é confiar nisto, vê-lo, ficar convencido disto. Se não ficarmos convencido de que isto é possibilidade para nós, obviamente não o buscaremos.

O termo subseqüente, de Hebreus 11:13, afirma que eles “abraçaram as promessas”. Cada termo dá mais um passo. No momento em que estas pessoas se persuadiram das promessas, desejaram tomar posse delas; começara, a desejar ardentemente o seu cumprimento. Abraçar as promessas significa ter fome e sede delas. Persuadidos de que elas foram destinadas para eles, estes agora começaram a ter fome e sede delas e, então, apropriar-se delas.

Uma excelente exposição disto se acha num hino de Gerhard Tersteegen, um piedoso um piedoso cristão do século dezoito, que tinha experimentado estas coisas. Ele não somente havia “visto” esta realidade; ficara convencido dela e abraçara:

Tu, oculto Amor de Deus, cuja altura

e cuja profundeza ninguém sonda

de longe vejo Tua luz esplêndida

anelo teu repouso desfrutar.

Meu coração se aflige e não repousa

enquanto em Ti repouso não achar.

Ele não somente vira isto como uma possibilidade intelectual; tornara-se uma realidade espiritual para ele. Temos nós visto a possibilidade? Desejamo-la? Nós a temos buscado? Há muitos hoje que têm tomado tantas coisas pela fé, que nada têm.

A expressão que vem a seguir, em Hebreus 11:13, é vitalmente importante. Eles “confessaram que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra.” Este é o ponto em que eles começaram a agir. Se deixarmos de agir com base no que abraçamos, tudo será em vão. No caso dos vigorosos homens de fé que fala Hebreus 11, vemos que toda a sua vida e perspectiva era determinada, dominada por esta experiência. Quando Abraão abraçou esta promessa, deixou a sua terra e partiu “sem saber para aonde ia”. Ele confessou, agiu, toda a sua vida tornou-se um testemunho da realidade de Deus. Uma vez que vejamos isto, e estivermos convictos disto, e o abracemos, isto vem a ser o motivo dominante da nossa vida e o centro do nosso ser. Desejar Cristo no coração faz-nos prontos a renunciar a todas as coisas, enquanto não O tivermos.

Para este fim, o primeiro passo que devemos dar é manter esta questão nas nossas mentes. A única maneira de fazê-lo é ler a Bíblia, e especialmente passagens como esta e outras semelhantes, e então meditar nisso, pensar nisso com freqüência e, deliberadamente, fazer a sua mente dirigir-se a isso. Outra prática de inestimável valor e ler sobre os santos do passado, suas biografias. Observem como eles buscavam esta experiência.

Acima de tudo, temos que lembrar constantemente que está envolvido nisto um relacionamento pessoal com o Senhor Jesus. Isso é absolutamente central. Estamos falando acerca dEle, acerca de Cristo no coração, e da experiência que decorre da intimidade com Ele.

O segundo ponto que temos que compreender é que certas coisas são completamente incompatíveis com esta experiência. Se Cristo está em nossos corações, certas outras coisas não devem e não podem estar em nossos corações. Uma declaração muito clara sobre este aspecto da experiência acha-se em 2 Coríntios 6:14-16, onde lemos:

“14 Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? 15 Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo? 16 Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos? Porque nós somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.”

Não há necessidade de argumentar sobre isto. Certas coisas são incompatíveis. Não há concórdia entre Cristo e Belial. Se Cristo está em meu coração, há certas coisas que têm que sair do meu coração.

Então, se verdadeiramente buscarmos esta experiência e a abraçarmos, temos que tomar uma atitude a respeito. “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo”, diz o apóstolo João 2:15. Vocês não podem ter o amor do Pai e o amor do mundo ao mesmo tempo. Portanto, se quiserem Cristo em seus corações, livrem-se do mundo e d sua mentalidade, da sua perspectiva, da suas atitudes. Depois verão que ainda permanece um inimigo, e este é o mais astuto de todos, a saber, o ego. Cristo e o ego pecaminoso não podem permanecer no coração ao mesmo tempo. Tomemos por exemplo da experiência de um santo protestante francês Teodoro Monod:

Amarga vergonha e tristeza

haver alguma ocasião

em que o Salvador, com piedade,

clame em vão e obtenha a resposta:

“Do ego tudo, e nada de Ti!”

Mas Ele me achou; contemplei-O

na maldita cruz a sangrar,

e lhe ouvi falar: “Pai, perdoa-lhes!”

Minha alma anelante suspira:

“Do ego um pouco, e um pouco de Ti!”

Mesmo após ter-se tornado cristão e ter cessado de dizer: “Do ego tudo, e nada de Ti”, houve um estágio que ele dizia: “Do ego um pouco, e um pouco de Ti”. Ele continua:

Sua eterna mercê, dia a dia

curando, ajudando em plena graça,

vigoroso, suave e paciente,

fez me abaixar, e eu sussurrei:

“Do ego menos, e mais de Ti!”

E então ele chega ao pináculo:

Mais alto que o mais alto céu,

mais fundo que o mais fundo mar,

Senhor, Teu amor enfim venceu;

atende agora esta oração:

“Do ego nada, e tudo de Ti!”

Conhecemos algo desses estágios? Tem que ser Cristo ou o ego. Enquanto estivermos dominando nossas as vidas, Cristo não estará; portanto, não somente as coisas têm que sair; o ego também. O Espírito já nos está fortalecendo com o Seu poder no homem interior, e é porque Ele o faz que nós temos que fazer estas coisas. Se vocês desejam de fato Cristo em seus corações, têm que pôr em prática esta exortação. Não há outro meio. “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16:24). “E os que são de Cristo Jesus”, declara Paulo, “crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências”.

Depois, o passo seguinte é o da oração. Devemos dar-nos conta da nossa total dependência do Senhor. Devemos dar ouvidos à exortação: “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor”; mas também devemos dar-nos conta da nossa total dependência do Senhor. Torno a recorrer a Gerhard Tersteegen. Tendo percebido o que é que necessitava e não conseguindo achá-lo, ele prossegue:

Ó divino Amor, auxilia-me

de vãos cuidados a livrar-me;

segue e apanha a minha vontade

em meu confuso coração:

faze-me Teu dócil filho, para

eu sempre clamar; “Aba, Pai!”

Vocês oram desta maneira ao Senhor? Esta é a oração de um homem que verdadeiramente está abraçando e confessando estas coisas. Assim, ele clama por ele, anseia por ele, roga-o ao Senhor. A oração é essencial.

Finalmente, é preciso haver perseverança. Devemos continuar e persistir. Haverá muitas ocasiões de desânimo. Pode ser que vocês se sintam muito piores do que antes. Contudo, prossigam, continuem, perseverem. Este é o seu processo; Ele os está conduzindo avante. E temos a Sua definida promessa e garantia: “e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora”. Desse modo, geralmente sucede que o primeiro passo na vinda desta experiência de: “cristo no coração” é que nos é dada uma visão do negror dos nossos corações, do horror do ego, e da vida egocêntrica que nos assusta e faz com que fiquemos completamente desesperados. Todavia é precisamente isto que Ele quer que sintamos. É só quando ficamos completamente desesperados e nos sentimos totalmente sem esperança, que olhamos para Ele e compreendemos a necessidade do fortalecimento do Espírito no homem interior, oramos por esta benção como nunca oramos antes. Então Ele cumprirá a Sua promessa: “Eu Me manifestarei a você; virei e farei Minha habitação em você; Eu e o meu Pai habitaremos em você”.

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