quarta-feira, 17 de novembro de 2010

HABITAÇÃO DE DEUS


Continuação do estudo da epístola aos Efésios

Por: D. M. Lloyd Jones

CAPÍTULO 30

"Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra de esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito.” - Efésios 2:20-22

Estes versículos dão prosseguimento ao pensamento do versículo anterior, onde o apóstolo diz: "Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus".
Tratamos das duas primeiras figuras que o apóstolo usa para habilitar-nos a ver os privilégios de sermos membros da Igreja Cristã, e, assim, agora chegamos a esta terceira e última figura. E a figura da Igreja como "templo de Deus", "casa de Deus", edifício em que Deus habita.
É sempre interessante observar como opera a mente do apóstolo. Vocês alguma vez perguntaram, ao lerem esta declaração, por que o apóstolo acrescentou esta última, esta terceira figura? Parece-me haver uma única explicação. A idéia de família sugeriu-lhe logo a idéia de casa. É uma transição natural- da família para a casa em que ela habita. Digo que é interessante observar como opera a mente do apóstolo, e o digo deliberadamente. Quando pensamos na doutrina da inspiração dos escritores das Escrituras, é importante ter sempre em mente que a doutrina da inspiração não elimina as características individuais dos escritores; de outro modo, não haveria nenhuma variação no estilo, todos eles escreveriam exatamente da mesma maneira. Mas, embora seja um fato que todos estes diferentes escritores estavam cheios do Espírito Santo e foram dominados, governados e conduzidos por Ele, foi dada liberdade de ação às suas características individuais. Portanto, nunca tenha dificuldade alguma, quando ler ou ouvir uma porção das Escritu¬ras, em saber se foi escrita por Paulo ou por Pedro ou por João. Eles têm as suas características individuais, e aqui, nesta passagem, temos algo que é muito característico do apóstolo Paulo, a saber, o modo como a sua mente sempre se move ao longo das linhas da razão ou seguindo elos e conexões lógicos. Família! - Casa!
Agora devemos examinar esta figura. Ao tratar da Igreja como família de Deus, afanei-me para assinalar que isso representou um avanço no pensamento do apóstolo em relação à primeira figura. Procurei mostrar, com uma série de comparações e contrastes, o porquê disso, e como ele nos estava levando a uma concepção mais elevada. Agora, pois, ao chegarmos a esta terceira figura, levanta-se a questão: ele continua avançando? Esta terceira figura é um clímax ou um anticlímax? Alguns talvez sintam, na primeira leitura, que, qualquer que seja a verdade a respeito da segunda, esta terceira figura só pode ser um anticlímax, porque ir da idéia de família para a idéia de casa é certamente ir para baixo. Parece um movimento do pessoal para o impessoal, do homem para o material. Qual será, pois, a situação? O pensamento do apostolo está avançando? Está nos levando para um ponto ainda mais alto? Ou de repente ele muda a tendência e a linha de pensamento e nos leva a uma espécie de figura mecânica?
Esta é uma questão muito importante, não somente do ponto de vista da exatidão, da exegese e da exposição, mas talvez ainda mais do ponto de vista da verdade espiritual. Portanto, eu me proponho a mostrar que o pensamento do apóstolo continua avançando e que nesta terceira figura ele nos leva a um grande clímax além do qual nada e possível. Como se pode estabelecer isso? Da seguinte maneira: em sua definição e descrição da relação que existe entre os membros da Igreja. Já salientamos que o princípio dominante do apóstolo o tempo todo é o da unidade, e o que ele está procurando fazer com estas três figuras é expor este grande fato da unidade. Minha tese é que nesta terceira figura ele nos está mostrando a essência dessa unidade de maneira até mais grandiosa do que nas duas primeiras ilustrações. Com o fim de justificar esta minha tese, tudo o que necessito é mostrar a superioridade desta terceira figura nesse aspecto em relação à segunda, a figura da família; porque Já mostramos que essa é superior à figura do Estado.
A minha opinião é que os membros de uma família, embora mais estreitamente interligados que os concidadãos de um Estado, ainda constituem, nalguns aspectos, uma associação livre e solta. Afinal a família é uma reunião de indivíduos, ao passo que, quanto ao edifício, a situação é outra e o que há é uma verdadeira fusão das partes. Pois bem, a frase que o apóstolo usa no versículo vinte, "no qual todo o edifício” “o edifício completo" dá-nos a chave para um verdadeiro entendimento. Sei que há os que traduziriam essa expressão como "todo edifício”, mas ainda assim a verdade em foco continuaria sendo a mesma. Se vocês preferirem entender a frase como significando "todo edifício” e pensarem em cada edifício como uma parte diferente do templo, ainda assim as diferentes partes serão componentes de um todo, de modo que vocês ainda terão a idéia de um edifício completo. Opino, pois, que na idéia de um edifício, em distinção de uma família, há a idéia de uma unidade existente entre os diferentes tijolos ou pedras do edifício, unidade mais estreita do que a que existe entre os membros de uma família. Os membros de uma família são indivíduos separados e distintos. Os membros da família não são idênticos; eles não têm que fazer desaparecerem as suas características a fim de serem membros de uma família. A individualidade ainda permanece, e às vezes é tão forte que certos membros da família podem ter menos semelhanças uns com os outros do que com outras pessoas das suas relações. São membros de uma família e, todavia, a sua individualidade é mantida e permanece, e, nesse sentido, a conexão e a ligação é fraca. Por outro lado, o ponto deveras essencial quanto a uma estrutura, a um edifício, é a coesão, o que o apóstolo descreve como sendo "bem ajustado".
Talvez eu possa expressá-lo melhor da seguinte maneira: os membros de uma família, afinal de contas, podem separar-se uns dos outros. Não significa que deixam de ser membros da família, porém podem romper a companhia uns dos outros. Podem até brigar, não querer ver-se nem falar uns com os outros. Sei que a união fundamental ainda está ali e que nada poderá dissolvê-la; mas, no que diz respeito à amizade, à comunhão, ao companheirismo e a estarem juntos, eles podem, porque são entidades distintas e separadas, separar-se uns dos outros e até dar a impressão de que não existe nenhuma relação ou ligação entre eles. Contudo, se vocês começarem a fazer esse tipo de coisa com um edifício, o fim será que vocês não mais terão o edifício. Se vocês tirarem bom número de pedras de um edifício, suas paredes ruirão, o seu edifício deixará de existir. Assim é que neste caso, penso eu, o princípio da unidade revela-se mais estreito e mais próximo. Separem os tijolos ou as pedras de uma parede, e o edifício se vai; mas vocês podem separar os membros de uma família, e ainda a família permanecerá como uma unidade. A ligação é mais frouxa do que no caso do edifício. Portanto, a minha opinião é que o apóstolo está realmente avançando em seu pensamento, e que aqui ele nos mostra que a relação dos cristãos como membros de uma igreja é tão estreita e íntima como a que prevalece nas diferentes partes e segmentos de um edifício.

“ponto de vista do privilégio”

Mas quando vemos isso do ponto de vista do privilégio, o progresso do pensamento fica ainda mais evidente. Vimos que o filho está numa posição mais vantajosa que o cidadão. O cidadão humilde pode apelar para o rei, para o chefe de Estado, mas não da mesma maneira pela qual uma criança pode aproximar-se do seu pai. Isso mostra uma relação mais íntima e um privilégio superior e maior. Todavia aqui o apóstolo vai alem disso. A sua concepção de Igreja nesta passagem é que a Igreja e templo santo do Senhor, que "todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor". Pois bem, o filho tem acesso ao Pai, mas o filho não habita dentro do Pai. Entretanto a idéia aqui apresentada é de Deus habitando conosco, fazendo em nós a Sua habitação. Ora, isso é um tremendo avanço do pensamento, como a segunda figura fora sobre a primeira. Não somente estamos nesta relação íntima com Deus e temos esta liberdade de acesso a Ele; além e acima de tudo isso, o mistério e a glória final da Igreja é que Deus habita nela. Ela é Seu templo, templo santo do Senhor. Como a Sua presença habitava no santuário interior do antigo templo entre os filhos de Israel, assim agora Ele habita na Igreja, entre o Seu povo. Não há nada, na esfera do pensamento, que supere isso.
Esta verdade, naturalmente, assemelha-se ao ensino dado pelo nosso Senhor pouco antes do fim da Sua vida terrena, quando Ele disse: “... convém-vos que eu vá; porque se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, quando eu for, enviar-vo-lo-ei" (João 16:7). Era um grande privilégio estar ah, na presença do Filho de Deus, vendo-O, ouvindo-O, podendo fazer-Lhe perguntas e receber Sua ajuda. Era maravilhoso, era esplêndido; mas há algo melhor, e é vir Ele habitar em nós, viver em nós, ter Sua morada em nós. E Ele disse: Eis o que vou fazer, virei a vocês e me manifestarei a vocês, eu e o Pai estaremos em vocês e em vocês faremos nossa morada (João 14:21-23). Isso é mais que falar com Ele externamente. Ele vem habitar em nós - "Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim" (Gálatas 2:20). Pois bem, é essa a idéia, o tipo de concepção que o apóstolo coloca diante de nós nesta terceira e última figura. que utiliza. O que ele diz é que os efésios são partes deste grande edifício, deste templo de Deus - estes mesmos efésios que antes estavam tão longe foram edificados neste templo e estão sendo edifi¬cados nele.

A proeminência do Novo Testamento

A este ensino, concernente à Igreja como um grande edifício, o Novo Testamento dá muita proeminência. E como não há nada mais vital hoje do que a necessidade que os cristãos têm de compreender este ensino do Novo Testamento sobre a Igreja, não há nada mais urgente para nós do que apegar-nos firmes a este ensino maravilhoso. Por certo vocês se lembram do que foi proposto pelo Senhor no grande incidente ocorrido em Cesárea de Filipe, quando Pedro fez a sua confissão de fé, "Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo", e o nosso Senhor lhe disse: "Eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja" (Mateus 16: 16-18). Aí está a primeira utilidade da analogia; aí está a base sobre a qual todos os outros têm edificado. Espero referir-me a essa declaração particular mais adiante, para que tenhamos algum entendi¬mento do que o nosso Senhor quis dizer com ela; mas ela é tratada aqui pelo apóstolo, indireta e implicitamente.
Depois há a declaração registrada no início do capítulo três da Primeira Epístola aos Coríntios, indo do versículo 9 ao 17. Ali o apóstolo afirma que ele é um sábio "arquiteto", e evidentemente tem em mente esta concepção geral da Igreja como um edifício - "ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo". Há pessoas de todo tipo que estão edificando sobre este fundamento, diz o apóstolo, porém elas não estão edificando da maneira certa, e vai haver um julgamento e as obras de cada um serão julgadas. Mas é à idéia de Igreja como edifício que ele está dando ênfase: "Não sabeis vós", diz ele, "que sois o templo de Deus?" Todo o problema da igreja de Corinto foi que os seus membros tinham esquecido isso, e a conseqüência foi que eles estavam se dividindo - "Eu sou de Paulo; eu sou de Apolo; eu sou de Cefas"; e assim por diante. Ele pergunta: vocês não percebem que são um templo do Deus vivo? Não destruam dessa maneira o templo de Deus, vocês estão violando o princípio da unidade. Somos assim levados a lembrar-nos da imensa importância desta doutrina. Em última análise, todas as dificuldades da Igreja provêm da incompreensão da natureza da Igreja. É por isso que, em última instância, todas estas Epístolas do Novo Testamento tratam da doutrina da Igreja. Estas pessoas tinham sido salvas, eram cristãs, sem dúvida; mas estavam com problemas em muitas direções porque continuavam esquecidas de que eram membros da Igreja. Segregavam-se a si mesmas, por assim dizer, tornando-se individualistas num sentido errado, e daí surgiram proble¬mas e sofrimentos. A resposta a isso tudo é: voltem e tratem de compreender que a Igreja é como um grande edifício.
Também diz a mesma coisa quando ele lembra a esses coríntios, no capítulo seis, versículo dezenove, que o Espírito Santo habita neles. Ele está pensando mais nos indivíduos do que na Igreja, porém isso faz parte do mesmo conceito. "Não sois de vós mesmos, fostes comprados por bom preço." O apóstolo lhes diz que não cometam certos pecados do corpo. Por quê? Porque "o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós". Há ainda uma declaração muito notável na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo seis, versículo dezesseis, onde ele diz: "Que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: neles habitarei, e entre eles eu andarei...” Aí está, mais uma vez, a Igreja como templo do Deus vivo. De novo vocês o têm na Primeira Epístola a Timóteo, capítulo três, versículo quinze. Cito todas estas passagens para mostrar quão vital¬mente importante é esta doutrina no ensino do Novo Testamento. "Mas, se (eu) tardar", diz Paulo a Timóteo, "para que saibais como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e firmeza da verdade." Continua sendo a mesma idéia. E o apóstolo Pedro faz uso da mesma ilustração. Diz ele: "Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual..." (1 Pedro 2:5). Há outros exemplos que também poderiam ser citados, mas estes são os principais.
Com todas estas passagens em nossas mentes, vejamos o que o apóstolo nos está ensinando realmente neste ponto do nosso capítulo. Parece-me que podemos dividir a sua declaração em duas partes principais. Primeiro, há nela uma afirmação geral acerca desta idéia de Igreja, especialmente em termos de unidade e privilégio; segundo, há nela verdadeiros detalhes da construção. Sempre que você examinar um edifício, é importante que tenha em mente essas duas coisas. Você pode ter uma visão geral do edifício; há certas características marcantes que você poderá notar imediatamente. Todavia, depois há aquele outro aspecto que se deve estudar num edifício - o exame dos alicerces, em detalhe, o processo empregado na construção das paredes, e o que mantém toda a estrutura interligada. Há esse aspecto, o lado mais mecânico. De maneira fascinante, o apóstolo trata aqui de ambos os aspectos.

“concepção geral da Igreja como edifício”.

No momento só quero tratar particularmente do primeiro princípio; a saber, esta concepção geral da Igreja como edifício. Ao estudarmos este ponto, queira o Espírito habilitar-nos a ver-nos a nós mesmos como parte deste admirável processo que está em andamento.
A primeira coisa que o apóstolo nos diz é que a Igreja é um edifício que está em processo de edificação. Não conheço melhor maneira de pensar na era atual, na presente dispensação, do que simplesmente ver a Igreja desse modo. Que é que Deus está fazendo no presente? Que será que na verdade Deus tem feito desde que o nosso Senhor completou a Sua obra e retornou ao céu? Que é que na verdade Deus tem feito desde a queda do homem? A resposta é que Deus está erigindo um edifício, e esse edifício é a Igreja. Este é um processo que está em andamento. E o apóstolo nos dá idéia disso aqui, com estas palavras, "edificados sobre o fundamento", ou, mais precisamente, "que estão sendo edificados sobre". Está presente aí a idéia de processo. E também noutra expres¬são, "no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor". Vocês podem ver o processo em andamento, um edifício crescendo para o alto e aumentando. Gosto de pensar nisso como um quadro descritivo daquilo que está acontecendo no mundo vocês podem ler os livros da história secular, podem examinar a história do mundo e da raça humana como o faz o homem de mentalidade secular, e verão que é muito difícil formular alguma idéia disso tudo; mas quando o examinam do ponto de vista da Bíblia, vêem claramente o que está acontecendo. Deus tem um grande plano. Ele é o Arquiteto eterno, que traçou a Sua planta e as especificações, e está edificando. E de cada geração Ele está retirando certas pedras, escavando as pedreiras, extra¬indo as pedras, levando-as da maneira que espero descrever posterior¬mente, e adicionando-as ao edifício. Em algumas gerações houve poderosos avivamentos e houve grande acréscimo, podendo-se ver o edifício como que saltando para o alto; porém também há períodos em que parece não acontecer nada, e um observador casual poderia dizer que não há crescimento, que não há expansão, que as paredes não sobem nada e que nada acontece. E, contudo, o edifício está crescendo, uma pedra aqui, outra ali, talvez. E tudo parte deste grande processo.
Devemos lembrar-nos de que não se trata apenas de uma parte do propósito de Deus, mas do fato de que esse propósito é firme e seguro. Este processo de edificação vem se realizando há muito tempo "Vocês estão sendo edificados para isso", para templo do Senhor, diz Paulo a estes efésios, entretanto quantos milhares, quantos milhões têm sido edificados desde aquele tempo! Eu e vocês fomos acrescentados a ele; somos parte dele; e o processo continua. E continuará até que se complete e termine. Este grande apóstolo Paulo, no capítulo onze da Epístola aos Romanos, fala sobre "a plenitude dos gentios" e sobre o fato de que "todo o Israel será salvo". Acreditem-me, "o Senhor conhece os que são seus" e "o fundamento de Deus fica firme" (2 Timóteo 2: 19). Faça o mundo o que quiser, fique às soltas o inferno, ainda assim cada um daqueles que Deus escolheu para este edifício estará no edifício. Fomos colocados nele, acrescentados a ele, e este é o mais alto e maior privilégio que pode ser dado ao ser humano. Portanto, pense em si desta maneira, como parte deste edifício glorioso, deste tremendo templo que Deus está edificando. Ele vai extraindo pedras do mundo e vai erigindo este novo edifício, esta estrutura maravilhosa, este glorioso templo. Esse é o primeiro pensamento.
Pois bem, devo ressaltar logo o segundo ponto sugerido na passa¬gem em foco, que é o seguinte: este processo é vital. Outra vez deve anotar como é fascinante observar como opera a mente do apóstolo. Ele deve ter percebido, logo que começou com esta concepção, que as pessoas poderiam pensar na Igreja, e no edifício da Igreja, de maneira mecânica. Põe-se tijolo em cima de tijolo, acrescenta-se pedra a pedra, coloca-se um pouco de reboco, etc. - o que é mais mecânico do que edificar? O apóstolo, penso eu, teve tanto receio de que as pessoas o entendessem mal dessa maneira, que estranhamente introduziu a pala¬vra "cresce": "no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce ..." Um edifício pode crescer? Segundo o apóstolo, pode; e, a fim de tornar isso claro, ele quase incorre no erro, na verdade incorre no erro de misturar as suas metáforas. Ele mistura a metáfora do crescimento das flores, da relva, com a de um edifício desenvolvendo-se, erguendo-se, estenden¬do-se e indo para cima. É interessante notar que no capítulo três da Primeira Epístola aos Coríntios ele também põe estas duas idéias lado a lado. Diz ele no versículo nove: "Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus". Ao mesmo tempo o apóstolo se refere a si próprio como agricultor e como arquiteto. Vocês, diz ele, são como uma lavoura de trigo, e são também um edifício. Ele coloca as duas idéias juntas e parece fundi-las numa só. O edifício crescendo - um processo vital.
O apóstolo Pedro faz a mesma coisa. Se ele recebeu de Paulo a idéia ou não, eu não sei. (Sabemos que ele tinha lido as cartas de Paulo porque ele nos disse que algumas delas eram um pouco difíceis de entender 2 Pedro 3: 15-16).) Vocês notaram as palavras de I Pedro 2:5 que há pouco citei: "Vós também, como pedras vivas ..."? Uma pedra pode ser viva, pode estar viva? Há vitalidade numa pedra? Pedro afirma que há, pois esta é a sua metáfora: "Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual".
Na verdade aqui, no versículo 22, o apóstolo expõe também a mesma idéia: "no qual todo o edifício, bem ajustado" - bem ajustado! Ele faz uso desta mesma idéia no capítulo quatro quando, falando sobre o corpo, diz: "Do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas". Ora, tudo isso é muito simples no caso do corpo, mas seria tão evidente no caso de uma parede, no caso de um edifício? A única maneira de entender isso, de acordo com o apóstolo, é captar a idéia de que se trata de um edifício vital, um edifício vivo.
Esta é uma das coisas que precisam ser expostas com ênfase urgente¬mente hoje. Há toda a diferença do mundo entre apenas acrescentar nomes ao rol de membros de uma igreja, e o crescimento do templo santo do Senhor. Estamos vivendo numa época caracterizada por uma mentali¬dade estatística, e vocês podem ler relatórios de países e localidades em que todo o mundo parece ser membro de igreja. Mas, infelizmente, não se segue que todos esses membros estão sendo edificados neste santo templo do Senhor. Não se segue necessariamente que eles são pedras "vivas", que eles fazem parte deste crescimento. O crescimento da Igreja é vital, não mecânico. Os homens podem aumentar o número de membros de uma igreja, porém somente Deus pode edificar, mediante o Espírito, na construção da Igreja. Este crescimento rumo a um templo santo é um processo vital. Quando vocês ouvirem tudo o que se fala hoje sobre a unidade da Igreja e sobre uma grande Igreja mundial, e sobre a incorporação de denominações diferentes, tenham em mente esta palavra "cresce". Uma coisa é meramente fundir diversas organiza¬ções. Não é esse o conceito de Paulo sobre a unidade da Igreja e sobre o aumento da Igreja. Mas parece que é esse o pensamento dominante hoje. É mecânico, é estatístico. Segundo esta idéia, vocês simplesmente somam; vocês se assentam, têm uma conferência, e resolvem fazer isso. Que contraste com este processo vital, vivo, dinâmico! "Cresce para templo santo"! Pedras vivas! Pedras animadas! Dou ênfase a esta verdade porque não hesito em asseverar que, em grande parte, é porque este princípio foi esquecido que a Igreja está como está hoje. A Igreja está rogando aos homens que se agreguem a ela. Que confissão de incapacidade de entender a natureza da Igreja! Eu nunca peço a ninguém que se agregue à Igreja. Nunca o farei. Nunca o fiz. Para mim é um grave erro querer convencer as pessoas, quase implorar-lhes, que se agreguem à Igreja. Na verdade, muitas vezes as pessoas são subornadas para aderirem à Igreja. Mas tudo isso é a verdadeira antítese deste processo vital no qual o apóstolo está interessado, este crescimento, o resultado desta tremenda operação. Lembremo-nos sempre que este processo é vital.

"Templo santo".

Isso me leva ao meu terceiro comentário. Vocês notam que o apóstolo diz que este é um "templo santo". Quando você anda em volta deste templo e o examina, qual a sua impressão maior? Bem, diz o apóstolo, a impressão maior que ele causa é de "santidade". Ele não diz uma palavra sobre o seu tamanho, não fala nada sobre o seu caráter ornamental. Não diz nada sobre algo nele que se preste para exibição. Contudo, ele diz que o templo é santo. Essa é a sua grande característica. “... cresce para templo santo no Senhor." "No qual também vós sois edificados para morada de Deus em Espírito" (ou, "mediante o Espírito", VA). Ah, como temos esquecido esta característica! Quão tristemente está sendo esquecida hoje! Certamente foi essa a fatalidade que aconteceu quando Constantino ligou o Estado romano à Igreja Cristã. Foi esquecido que ela é um templo santo, que a principal característica da Igreja sempre é que ela seja santa - não que ela seja grande e Influente. Decerto vocês se lembram da afirmação que um homem fez, talvez em parte brincando, mas como é verdadeira! Discu¬tindo a questão dos milagres na Igreja, este homem assinalou que era quando a Igreja podia dizer: "Não tenho prata nem ouro", que ela podia continuar, dizendo, "Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda" (Atos 3:6). Atualmente a Igreja não pode fazer nenhuma dessas afirmações. Ela tem prata e ouro, tornou-se grande e poderosa, todavia se esqueceu da santidade. No entanto, esta é a característica do templo, "um povo santo", "um local de encontro para Deus nele habitar".
Oxalá em toda a nossa conversação, em todo o nosso pensar e em todas as nossas discussões concernentes à unidade hoje, este princípio fosse posto no centro. Mas não é. O que está sendo discutido hoje são os diversos pontos de vista acerca da ordenação; se os bispos são do ser (isto é da essência) da Igreja, ou se são apenas da sua conveniência,* e assim por diante; meras questões mecânicas! Como se essas coisas tivessem algum valor! Como o apóstolo continua dizendo no capítulo 4, a única garantia da verdadeira unidade da Igreja é a unidade do Espírito Santo, a unidade da santidade, a unidade do povo santo. Quando a santidade é a principal característica, a unidade aparece por conta própria. Quando santidade é colocada no centro, muita coisa terá que sair, antes de muita Coisa poder entrar. Todo avivamento, todo grande aumento da Igreja em sua longa história, sempre seguiu esse padrão. Foi quando Wesley e Whitefield tiveram o seu "Clube Santo" que veio o avivamento, há 200 anos. Você começa com a santidade, e então o número aumenta. Mas se você tentar aumentar o número sem a santidade, você não terá um "templo santo no Senhor". Terá uma grande organização, terá uma florescente preocupação com atividades, terá uma instituição maravilhosa; porém não será esse o lugar onde Deus habita. Poderá ser um lugar de muito entretenimento e de muita atividade e agitação, mas não será a Igreja do Deus vivo. A santidade é a sua principal característica.

Trindade santa e bendita

Isso me leva ao último pensamento, no momento, e é que sempre se deve pensar na Igreja, em termos da Trindade santa e bendita. Com que constância o apóstolo volta a isso! Vimo-lo no versículo dezoito, "Porque por ele (referindo-se ao Filho) ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito". As três Pessoas! Vocês notam a sua ênfase? "Jesus Cristo (aí está a primeira menção de Cristo nestes versículos particulares) é a principal pedra da esquina" - Jesus Cristo! Que mais? "No qual" - em Jesus Cristo - "todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor" - outra vez o Senhor Jesus Cristo; "no qual" - ainda o Senhor Jesus Cristo. Paulo não consegue deixá-lo de lado, não pode esquecê-IO. Vai sempre dando ênfase a isto, e o vai repetindo. Quando lemos inteiramente estes dois capítulos desta Epís¬tola aos Efésios, com que freqüência vemos esta repetição do nome, Jesus Cristo, o Senhor, Cristo Jesus, nEle, também nEle; e ele continua, e vai sempre se referindo a Ele! Sem Cristo não há Igreja. Sem Cristo não há unidade. É por isso que um congresso mundial de crenças, assim chamado, é uma negação de Cristo e da Igreja. E é por isso que qualquer movimento ou organização que pretenda pôr os homens em paz com Deus e que não ponha Cristo em toda parte - no centro, no início, no fundamento, no fim, em toda parte - não é cristão. Poderá fazer muitas coisas boas socialmente, poderá ajudar pessoas, poderá talvez produzir alguma mudança em suas vidas; mas se Cristo não lhe for essencial, não é cristão. Notem a repetição aqui de novo - "Jesus Cristo" - nO qual, nO qual, nO qual! Não há nada que esteja fora da nossa relação com Ele. E depois, "morada de Deus" - o Pai! - vindo habitar nEle. Ele manifestava a Sua presença na glória da Shekiná no templo, no "lugar santíssimo"; e Ele vem habitar na Igreja. E o faz mediante o Espírito. O Filho! O Pai! O Espírito Santo! Esta é sempre a ordem - o Filho nos leva ao Pai, e o Pai e o Filho enviam o Espírito. E assim temos este "templo santo no Senhor".
Vocês não vêem a importância desta doutrina? As pessoas entra¬vam no antigo templo para encontrar-se com Deus. Era o lugar habitado por Sua presença e Sua honra. A importância prática, a importância vital desta doutrina para nós é que Deus agora habita no templo que é a Igreja. E é em nós e através de nós que as pessoas O buscam e, nesse primeiro sentido, vêm a Ele. Estaremos nós dando a impressão aos de fora que a Igreja é o templo do Deus vivo? Estarão eles vendo algo desta santidade, desta referência que é própria de Deus em nós - que Ele habita em nós e Se move em nós?
Há, então, alguns princípios gerais que se deduzem da linguagem geral do apóstolo. Consideraremos em detalhe o que ele nos diz acerca da construção. É absolutamente vital. Em todo este moderno interesse pela união e pela Igreja, nada é mais fundamentalmente importante do que ser todo o nosso pensamento dominado pelas Escrituras. Devemos ser cautelosos para que não se intrometam idéias humanas, e devemos assegurar-nOs de que, em nosso desejo de "fazer" algo, não estejamos desperdiçando nossa energia e, assim quando chegar o dia em que a obra de todos os homens será provada por fogo, ver que a nossa obra não será mais que madeira, feno e palha e que será totalmente queimada e nós sofremos perda - embora, .pela graça de Deus, nós mesmos ainda possamos ser salvos - todavia, como que pelo fogo (I Coríntios 3: 13 e 15).

*Esse... Bene esse. Em latim no original. Nota do tradutor.

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