quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Exposição sobre Efésios

Irmãos, continuamos com o estudo do livro de Efésios, chegamos ao capítulo 29 "DA FAMÍLIA DE DEUS". Que o Senhor fale aos nossos corações por meio da sua Palavra.


CAPÍTULO 29

DA FAMÍLIA DE DEUS

Por: D.M. Lloyd Jones

"Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus." - Efésios 2:19

Tendo considerado a primeira figura que o apóstolo emprega para nos mostrar o privilégio de sermos membros da Igreja Cristã, a saber, a de cidadãos de um Estado, agora chegamos à sua segunda figura. Os cristãos verdadeiros não são somente concidadãos dos santos, mas também são "da família de Deus". Obviamente, aqui há algo dife¬rente, há um avanço. No entanto, de novo, lembremo-nos de que as duas coisas que Paulo quer assinalar são este princípio da unidade e também a grandeza do privilégio. Podemos perguntar, porém: por que ele usa desse modo uma segunda figura? E por que, na verdade, ele vai usar uma terceira figura, que estudaremos mais adiante? A resposta, penso eu, é óbvia: é que ele sentiu que só a primeira figura não era suficiente. Ela nos dá uma idéia, apresenta-nos uma parte vital da doutrina, mas não inclui tudo. Não é suficientemente compreensiva. Ela estabeleceu um tremendo aspecto, que já consideramos, porém há muito mais para ser dito. Portanto, convém que consideremos e descubramos porque ele emprega esta segunda ilustração.
Certamente vocês se lembram de que, no primeiro capítulo, o apóstolo já nos apresentara esta idéia de família, onde ele diz: "E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito da sua vontade". Agora, aqui, ele retoma essa idéia, dizendo-nos que, como crentes, pertencemos à família de Deus. Noutras palavras, somos filhos de Deus. Paulo argumenta neste sentido quanto a judeus e gentios que se tornaram cristãos. Todas as outras distinções, vocês recordam, desapareceram, foram postas de lado, foram abolidas. Nesta nova realidade que Deus trouxe à existência entre os judeus e os gentios, o grande fato suplementar é que estamos na posição de filhos.

“a idéia de Estado com a idéia de família”

Portanto, o que temos que fazer é comparar e contrastar a idéia de Estado com a idéia de família. E é só quando fizermos isto que compreenderemos porque o apóstolo introduz a segunda figura e em que sentido esta segunda figura constitui um definido avanço em relação à primeira, e nos leva a uma percepção mais profunda da verdade acerca da unidade de todos os cristãos e da grandeza do privilégio que gozamos. Devemos, pois, considerar os pontos de contraste entre o Estado e a família.
O primeiro é que a relação que existe entre os membros de um Estado é, afinal de contas, uma relação geral, ao passo que o que caracteriza a relação entre os membros de uma família é que esta é uma relação mais particular. Todos nós, neste país, somos cidadãos da Grã¬-Bretanha, mas não pertencemos à mesma família. Há numerosas famílias e, somos todos um no Estado. É isso que quero dizer quando falo da relação no Estado como sendo mais geral. Por outro lado, na família estreita-se a relação; é uma unidade muito menor. E porque a relação é mais estreita e mais particular, é, por isso mesmo, muito mais intensa. Assim é que podemos usar outras expressões. Podemos dizer que a ligação entre nós no Estado é muito leve. Há uma ligação, e é suficiente para separar-nos das pessoas que pertencem a outros países e a outros reinos. Estamos ligados uns aos outros, mas a ligação é leve. Numa família, porém, a ligação já não é leve. Visto que é particular, visto que é mais estreita, é mais intensa, e também mais cerrada. Portanto, o apóstolo está dando realmente um passo adiante em sua doutrina acerca desta unidade. A unidade que existe na Igreja Cristã entre os membros não é uma ligação leve, é uma ligação intensa, cerrada, íntima.
Todavia, podemos ir mais adiante com a seguinte colocação: em segundo lugar, a unidade existente no Estado é, em última análise, uma unidade externa. Isso dispensa desenvolvimento e demonstração. Não se pode pensar numa família, sem que se pense num fator interior, de dentro, que une os seus membros. Não é o que se dá no Estado, no qual nos unem certos tipos de cultura, certas leis, certos interesses comuns, todos os quais, num sentido final, estão na superfície das nossas vidas e fora de nós. Na família há algo essencialmente interior, interno. Noutras palavras, a relação entre os membros de um Estado é mais remota, enquanto que entre os membros de uma família é mais íntima. Quero dizer com isso que conhecemos muitas pessoas de maneira vaga e um tanto remota. Reconhecemos os que moram na mesma rua, ou que trabalham no mesmo emprego; são nossos "conhecidos", mas real¬mente não os conhecemos, não temos intimidades com eles. Pode haver uma espécie de conhecimento de "bom dia, boa tarde", uma amizade geral, porém é sempre remota. Ao passo que na família a idéia central é logo uma idéia de intimidade e entendimento, e de laços interiores.
Ou pensemos nisso de maneira diferente. Em última instância, a nossa relação uns com os outros no Estado é impessoal, ao passo que a verdade geral acerca da família é que, nesta, a relação é intensamente pessoal. Este é um princípio muito importante, independentemente da sua aplicação à Igreja. Há no mundo atual a tendência de salientar e desenvolver relações impessoais, em detrimento das relações pessoais. Vocês podem pensar em muitos exemplos disso. O próprio Estado age assim. À medida que o Estado se torna cada vez mais poderoso, e que interfere cada vez mais em nossas vidas, vai tendendo a nos despersonalizar. Passamos a ser unidades impessoais, passamos a ser números. Desaparece o elemento pessoal. Há muita evidência disso neste país atualmente.
Não estou argumentando politicamente, mas o faço filosofica¬mente, considerando-o um ponto muito importante e, em última análise, faço-o do ponto de vista da personalidade e da individualidade. O Estado sempre tende a despersonalizar-nos. Naturalmente, isso faz parte de toda a questão da psicologia das massas e das multidões. Você sempre tende a perder um pouco a sua identidade na multidão. E por isso que as multidões são tão perigosas, e talvez chegue o dia em que haverá necessidade de uma legislação que proíba a reunião de pessoas além de certos limites numéricos. Gostemos ou não, uma multidão tem influên¬cia sobre nós, e as pessoas tendem a agir automaticamente em meio a uma multidão. Hitler sabia disso muito bem, e soube aproveitar a idéia. Numa multidão você pode levar as pessoas a fazerem coisas que jamais elas sonhariam em fazer sozinhas ou individualmente. De um modo ou de outro, desaparece o elemento pessoal. De fato precisamos observar e vigiar isso até mesmo em nossos sistemas educacionais. Quanto mais você forçar lealdade a um lado ou a uma escola, mais tendendo estará a despersonalizar as crianças e a produzir uma relação impessoal. Eu até chego a opinar que, talvez, esta seja uma das principais razões do pavoroso aumento de divórcios no presente. As pessoas pensam cada vez menos em si desta maneira pessoal, e os objetos de lealdade se tornaram mais gerais - o país, a Coroa, a escola, a ala, algo semelhante, algo que está fora da pessoa. Essas coisas não devem ser negligenciadas, concordo, pois é uma coisa terrível a pessoa ser egoísta e egocêntrica; porém a tragédia é que sempre nos inclinamos a ir de um extremo ao outro. Na tentativa de ensinar as crianças e outros a não serem egoístas, certamente iremos ao outro extremo, se nos tornarmos tão impessoais que eles tenham medo de expressar os seus sentimentos, e assim tentem despersonalizar-se ao ponto de desaparecerem na multidão, Assim vocês vêem que o apóstolo avançou definitivamente em seu pensamento aqui. A ligação, a relação no Estado é impessoal. Mas na família - e esta é a glória da família - todos nós somos pessoas, e todas as relações são pessoais, diretas e imediatas.
Então, finalmente, podemos dizer que a diferença entre as duas relações é a diferença que há entre uma relação legal, judicial e uma relação de sangue, vívida e vital. O que em última instância nos une no Estado é a lei. Pode haver certos interesses e perspectivas em comum; todavia o que afinal de contas nos une e mantém a coesão é o processo da lei - a relação é legal. Mas não é esse o caso da família. Na família o que nos une é o sangue. É uma relação vital. Pode-se mostrar facilmente a diferença desta maneira: vocês verão particularmente no continente europeu, em vários países que estão separados uns dos outros como Estados, que, não obstante, há o mesmo sangue nas pessoas que pertencem a esses Estados diferentes. Pensem nos eslavos, por exem¬plo. Eles têm o mesmo sangue e possuem certas características; e embora uns pertençam a um país e outros a outro, sempre se pode reconhecer o eslavo. E assim com outros tipos de nacionalidade e de sangue. Uma relação de sangue é algo mais íntimo, direto, vital e vivo do que qualquer relação que seja delimitada e determinada pelos processos da lei e pelos decretos dos homens.
O apóstolo, então, não está meramente multiplicando palavras quando diz: "Assim que já não sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos" - sim, e membros "da família de Deus". Ele deu passos adiante, levou-nos a uma esfera mais elevada, e estreitou a relação; e quando você estreita a relação, esta sempre se torna mais intensa. Sempre temos relação mais intensa quando somos em menor número. Isso é psicologia, assim é a natureza humana, não é? Por isso o termo "família" transmite todas estas grandes idéias que é importante que captemos.

“aplicação particular disso tudo aos cristãos”

Tendo mostrado a diferença de modo geral, passemos agora à aplicação particular disso tudo aos cristãos, aos membros da Igreja Cristã. Por que é importante que compreendamos esta relação familiar? Por que o apóstolo estava tão desejoso de que estes efésios a compre¬endessem? E porque tantos de nós não compreendem estas verdades que nós somos o que somos e a Igreja é o que é. Acaso compreendemos que de fato somos da família de Deus - e que pertencemos à família de Deus? Esta verdade é uma parte vital da doutrina da salvação. Por isso devemos considerá-la.
Começo com o aspecto mais grandioso e mais importante. É importante que o compreendamos para que entendamos, como devemos, a maravilhosa e estupenda graça de Deus. Eis o que quero dizer: já seria uma coisa maravilhosa se Deus apenas decidisse não punir-nos, não nos enviar ao inferno. Era o inferno que nós merecíamos. Em nosso estado e condição natural, que o apóstolo descrevera ¬"andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos", e sendo "filhos da ira, como os outros também" ¬não merecíamos outra coisa que não o inferno. Digo que teria sido uma coisa maravilhosa se Deus meramente decidisse não nos deixar naquele estado e não punir-nos. Contudo, o método de salvação estabelecido por Deus não pára aí. Ele nos eleva a esta dignidade de filhos, Ele nos adota em Sua família.
Vê-se tudo isso na parábola do filho pródigo. O filho foi para casa e disse a seu pai: "Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho". E ia acrescentar, "faze-me como um dos teus jornaleiros". Mas o pai não pode considerar o seu rapaz, embora pródigo, como um dos seus serviçais. Isso simplesmente não pode acontecer. Diz ele: não, não, você volta como meu filho; e o abraça, e lhe traz o melhor traje e o anel, e mata o bezerro cevado. Meu filho! Esse é o método divino de salvação. E, pois, importante que captemos este princípio, a fim de nos habilitarmos a engrandecer a graça? E Deus. Que plano de salvação! Que esquema de redenção! Não satisfeito com outra coisa, senão que estejamos na Sua presença como Seus filhos! Se não nos dermos conta disso, não nos daremos conta da grandeza e das riquezas da graça de Deus.
Aí está, então, o primeiro ponto, e o mais importante, o ponto que, em certo sentido, inclui todos os demais. Ele acentua o que há pouco estive dizendo, que nunca devemos pensar na salvação negativamente. Só começamos com os aspectos negativos. A primeira coisa da qual todos necessitamos é o perdão dos pecados e a nossa libertação da Ira de Deus. Todavia Ele não se detém nisso. E jamais devemos deter-nos nisso, em nosso pensamento. O nosso pensamento deve ser positivo, devemos ver a que tudo isso leva. O cristão não é meramente alguém que foi perdoado e salvo do inferno. Muito mais que isso, ele foi adotado na família do Deus eterno!
Outro ponto muito importante é o seguinte: vocês notam que isso só é verdade quanto a nós no Senhor Jesus Cristo e por intermédio dEle. Isso só é próprio dos que estão "em Cristo". Isso é absolutamente vital e fundamental, porque há corrente hoje um frouxo ensino concernente à paternidade universal de Deus, assim chamada, e à fraternidade universal dos homens. Aqui, neste capítulo, o apóstolo ensina exatamente o oposto. Toda bênção - e devemos ter em mente que este versículo dezenove é um resumo do que vem antes - tudo, ele nos estivera dizendo, é "em Cristo Jesus". Nenhuma destas coisas é real sem Cristo Jesus. "Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto"; "Ele é a nossa paz." Depois, no versículo 18, "Porque por ele (ou "nele", Cristo), ambos temos acesso ao Pai em um (ou "por um") mesmo Espírito". Isso de pertencer à família de Deus independentemente do Senhor Jesus Cristo não existe. A humanidade está dividida em dois compartimentos - os que estão fora de Cristo ou sem Cristo, e os que são membros da família de Deus. Acerca dos primeiros disse o Senhor Jesus Cristo: "Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai" (João 8:44). Como é importante observar estas coisas! Deus, como o Criador, é o Criador de todos, e nesse sentido há uma espécie de paternidade. Entretanto não é disso que o apóstolo está falando aqui; não é dessa verdade que o Senhor Jesus Cristo fala, quando diz: "Vosso pai celestial sabe que necessitais de todas estas coisas" (Mateus 6:32). Não, esta é a nova relação que só passou a existir mediante o Senhor Jesus Cristo e a obra perfeita por Ele realizada.
Portanto, Deus não é Pai dos que não crêem em Cristo. E não há quem possa ir a Deus e Lhe pedir algo, dizendo: "Meu Pai", a não ser que vá "pelo sangue de Cristo", confiando unicamente em Sua obra perfeita. Isso, como vocês sabem, muitas vezes é negado hoje. Muitos falam leviana, desembaraçada e relaxadamente sobre ir a Deus sem sequer mencionar o nome do Senhor Jesus Cristo. Um dia se despertarão para verem que Ele nunca os conheceu, que eles estão fora, que não pertencem à família. Sem Cristo, esse relacionamento não existe. Por outro lado, deixem que eu diga enfaticamente que esta bênção é uma realidade quanto a todos os cristãos verdadeiros. Nisso não há divisões quanto aos cristãos - são todos "concidadãos dos santos e da família de Deus". Portanto, devemos rejeitar todos os ensinamentos que dizem que alguns cristãos não são filhos de Deus, e que traçam uma distinção entre filhos e criaturas. Criaturas e filhos, neste sentido, são iguais, e você não pode ser cristão sem ser uma criatura de Deus e um filho de Deus. Os termos aplicam-se igualmente a todos os cristãos.
É importante compreender isso, pela seguinte razão: se eu e vocês somos filhos de Deus, não temos direito de viver como se fôssemos I apenas empregados. Não temos direito de viver na cozinha da casa. Somos filhos! - e todos os cristãos que não se dão conta disso, e que estão levando uma vida de serviçal, estão desonrando a Deus e estão difa¬mando a glória eterna da Sua graça. Por isso é importante compreender mais este avanço na doutrina. Se não o compreendermos, cairemos naqueles diversos erros e, com isso, estaremos difamando a glória do Senhor Jesus Cristo. Nós O estaremos tirando do centro, Ele já não será crucial, o Seu sangue estará sendo posto de lado e em descrédito. Ele não será tudo para nós, e não glorificaremos Seu Pai como devemos.
Esse é, então, o primeiro motivo pelo qual devemos captar esta verdade. É indispensável para um verdadeiro entendimento da doutrina da salvação.

Somente quando entendemos esta verdade é que passamos a usufruir os privilégios desta posição

Mas eu tomo a liberdade de dizê-lo com maior clareza. Somente quando entendemos esta verdade é que passamos a usufruir os privilégios desta posição. Vocês percebem o que isto significa? Estivemos considerando os privilégios de ser um cidadão do reino, e estes são maravilhosos e gloriosos. No entanto, à luz das distinções que traçamos, você pode ver quão mais altos são os privilégios quando você se vê como filho de Deus, e não apenas como cidadão do Seu reino.
Quais são estes privilégios? Eis o primeiro: Deus é nosso Pai. O eterno e sempiterno Deus! Podemos ir a Ele como nosso Pai. Vocês recordam o que o próprio Senhor Jesus Cristo disse: "Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus" (João 20: 17). Certamente não há maior honra nem maior dignidade que possamos vislumbrar ou compre¬ender do que justamente esta - levar sobre nós o nome de Deus. Não admira que João, no prólogo do seu Evangelho, tenha dito que "a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (o direito, a autoridade) de serem feitos filhos de Deus" (1: 12). Não há o que supere isso, não há o que conceber acima disso, que somos de fato membros da família de Deus. Isso nos caracteriza literalmente como cristãos. Diz ainda João: "Ama¬dos, agora somos filhos de Deus" (l João 3:2). Não sabemos o que seremos em toda a sua plenitude, continua ele dizendo, mas isto sabemos, que já, agora, somos filhos de Deus. O apóstolo Pedro ocupa¬-se igualmente disso e afirma que "somos participantes da natureza divina" (2 Pedro 1:4). Cada vez mais me parece que é a nossa falha neste ponto que realmente explica por que a Igreja Cristã está como está. E não se trata do que fazemos ou tentamos fazer; enquanto não voltarmos a isto, e realmente não o compreendermos, enquanto não o sentirmos e não experimentarmos o seu poder, não vejo esperança para a Igreja Somos filhos de Deus, participantes da própria natureza divina.
Depois, por causa disso, a segunda coisa que nos caracteriza em nossa relação com Deus como nosso Pai é que temos o direito de aproximar-nos dEle, o mesmo direito que uma criança tem quanto ao ser pai. Paulo já o dissera num versículo anterior: "Porque por ele arribo: temos acesso" - não a Deus, vocês se lembram, mas - "ao Pai em um mesmo Espírito". Isso é tão extraordinariamente forte que mal pode¬mos recebê-lo; mas é verdade. Posso usar uma ilustração simples e óbvia? Imaginem um homem, alguém responsável por uma grande empresa, com centenas, talvez milhares de pessoas a seu serviço e sob a sua direção, um homem excepcionalmente ocupado. É evidente que esse homem não pode cuidar pessoalmente de todos os pormenores do seu negócio ou das obras ou do que seja. Ele só lida com grandes princípios; ele tem os seus gerentes e subgerentes, chefes etc., e esses tratam das minúcias das coisas dos seus respectivos departamentos. Se você levar um detalhe de algum departamento a esse grande homem, que é o chefe de todos, o presidente da companhia, ele simplesmente o despedira, pois não tem tempo para essas coisas. E contudo o vejo ali, um certo dia, em seu escritório, sentado à mesa de trabalho, com todas estas grandes tarefas em mente, e talvez com vultosas quantias para administrar, pelas quais ele é responsável. Ele não pode ver os seus gerentes hoje, só pode ver alguns diretores especiais. Contudo, de repente, ele ouve uma leve batida à porta. Ele sabe quem é; é o seu filhinho, o seu pequerrucho cambaleante; e o homem vai pessoalmente abrir a porta, e passa algum tempo falando com ele, tal vez brincando um pouco com ele.
Tudo é posto de lado. Por quê? É seu filho. Essa é a doutrina que estamos considerando. Deus, que criou do nada todas as coisas, e para quem todas as estrelas e constelações são o que bolinhas de gude são para uma criança, Deus, que domina todas as coisas e que existe de eternidade a eternidade, para quem as nações são como "o pó miúdo das balanças" (Isaías 40: 15) - é meu Pai, é seu Pai, e não há nada, por menor e mais trivial que seja, na minha vida e na sua, pelo que Ele não Se interesse e, por assim dizer, pelo que não Se disponha a deixar que o universo inteiro siga adiante por seu próprio impulso por algum tempo enquanto Ele ouve você e dá atenção somente a você. E isso que essa doutrina quer dizer.
Como somos tolos! Como nos privamos de algumas das coisas mais preciosas da vida cristã, simplesmente porque não nos apegamos à doutrina! Usamos as expressões levianamente, mas não analisamos o seu conteúdo. Eis o que o apóstolo está dizendo: não somos só cidadãos -lembro-lhes que o cidadão tem direito de apelar para o rei, mas isto nos leva muito mais longe - vou como uma criança diretamente à presença de meu Pai, e Ele está sempre pronto a receber-me. Ou, para dizê-lo invertendo os termos, se tão-somente nos déssemos conta do interesse de Deus por nós e da Sua amorosa preocupação conosco! Como é que podemos ler as Escrituras e examinar estas declarações gloriosas, e, ao que parece, nunca as compreender? Foi o próprio Filho de Deus que nos disse que, como filhos de Deus, "até os cabelos da nossa cabeça estão todos contados". É dessa maneira, e em minúcias como essa, que Deus nos conhece. O nosso Senhor estava sempre repetindo este ponto. Diz Ele: "Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas" (Mateus 6:32). Porque inquietar-se e aborrecer-se? Se você tão¬-somente compreendesse que Ele é seu Pai, que Ele sabe tudo a seu respeito, e que Ele conhece todas as suas necessidades e inquietações muito melhor do que você mesmo, como um pai sabe estas coisas melhor do que seu filho! Por que você não confia nisso, por que você não põe a sua confiança nisso, por que você vai ao Pai com hesitação e dúvida? "Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas." Somos membros da família de Deus. Não haverá perigo de abusarmos desta doutrina enquanto nos lembrarmos de que o nosso Senhor disse na Oração Dominical: "Pai nosso, que estás no céu, santificado seja o teu nome". Enquanto você começar desse modo, quando for a Deus recorrendo a Ele como seu Pai, não haverá leviandade, nem familiari¬dade indigna, porém a plena relação de Pai-e-filho permanecerá, e você poderá buscá-lO com confiança, com segurança, com certeza, sabendo que, por ser Ele seu Pai, e por Suas grandíssimas e preciosas promessas, Ele estará sempre pronto a recebê-lo. Mais maravilhoso que o Seu estupendo poder é a relação. Essa é a garantia.

“há uma relação com o Filho”

Esse é o primeiro aspecto do privilégio. O segundo é: graças à nossa relação com o Pai, há uma relação com o Filho. As Escrituras se referem ao Senhor Jesus Cristo como "o primogênito entre muitos irmãos" (Romanos 8:29). E é verdade. Diz Ele: "Meu Pai - vosso Pai". Há uma relação entre nós e Ele. Diz o autor da Epístola aos Hebreus que Ele "não socorre a anjos, mas socorre a descendência de Abraão" (2:16, ARA). Ele não assumiu a natureza dos anjos, assumiu a natureza humana; Ele foi feito "um pouco menor do que os anjos", desceu ali nosso nível, assumiu a natureza humana por meio da virgem Maria. I ~I (' é o nosso irmão, é o primogênito entre muitos irmãos; Ele diz: "Eis-me aqui a mim, e aos filhos que Deus me deu". Assim, Ele é um conosco participante da nossa natureza. Mas, como mostra a Epístola aos Hebreus, Ele não fica nisso. Em razão dessa verdade, Ele nos entende Ele Se identifica conosco, Ele está no céu para nos representar. Ele está sempre lá com o Pai, intercedendo por nós. E pensar nisso é, de novo, algo que se nos impõe com extraordinária força. E nEle, por meio dEle e por Ele que nós vamos ao Pai.
No entanto, não nos esqueçamos nunca de que, graças à nossa relação com o Pai e com o Senhor Jesus Cristo, temos o direito de dizer, segundo este apóstolo: "E se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo" (Romanos 8: 17). E neste momento, seja qual for a sua situação, esta é a pura e simples verdade a seu respeito, você é um herdeiro de Deus. Há uma glória que nos espera, glória tão maravilhosa que até as Escrituras pouco nos falam dela. Às vezes as pessoas perguntam: por que tão pouco se nos fala do céu, por que tão pouco nos é dito em detalhe sobre o estado eterno? A resposta é muito simples. Porque somos pecadores, porque somos decaídos, a nossa linguagem também é decaída, e qualquer tentativa de descrever a glória do céu seria uma falsa apresentação. Por isso não recebemos descrições pormenorizadas. Tudo que nos é dito é que estaremos com Cristo - e isso deveria ser suficiente para nós. Estaremos com Ele. Seremos semelhantes a Ele.
Há imagens utilizadas no livro de Apocalipse, mas, lembremo-nos de que são apenas figuras e imagens; a realidade mesma é infinitamente mais grandiosa, a glória é indescritível. E eu e vocês somos herdeiros disso. "Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus" "Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra" e esta será uma nova terra, uma terra glorificada, renovada, "novos céus e nova terra, em que habita a justiça" (2 Pedro 3:] 3). E é nossa; somos herdeiros dela, e co-herdeiros com Cristo. "Se sofrermos (com ele), também com ele reinaremos", diz Paulo a Timóteo. O que o está aborrecendo, Timóteo, por que você está se queixando e lamentando? Porque está tão desgostoso consigo mesmo? Você não sabe que se sofrer com Ele, também reinará com Ele e será glorificado com Ele? Se nos lembrássemos disso sempre, falaríamos menos, não nos queixaríamos, não nos deixaríamos vencer e abater pelos problemas e dificuldades. Os nossos fracassos realmente provêm da nossa incapacidade de captar e compreender que Deus é nosso Pai, que todo e qualquer pormenor da nossa vida é do interesse dEle. Leve tudo a Ele; "leve-o ao Senhor em oração", seja o que for. Ele próprio empregava o termo Pai. Não pense em Mim, parece Ele dizer, como um Deus distante, na glória e na eternidade; estou lá, mas em Cristo vim a você, sou seu Pai, venha a mim. Assim como o Senhor fazia o Seu amoroso convite e convidava a que fossem a Ele todos os que estavam cansados e sobrecarregados, igualmente Deus convida os Seus filhos. "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei" (Mateus 11 :28). Aquela criança que está zangada e triste porque deseja uma coisa que ela não tem - seu pai a ergue e abraça, e a criança fica satisfeita só por isso, porque sabe que o abraço significa que tudo o que o pai tem é dela também. Assim Deus está pronto a tomar-nos nos Seus braços e a envolver-nos no Seu amor. Busquem a Deus, cristãos, Ele é seu Pai, vocês são "membros da família de Deus".
E ainda, pela mesma razão, compartilhamos o mesmo Espírito. O Espírito que estava em Cristo é o mesmo Espírito que está em nós. "E, porque sois filhos", diz Paulo, "Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai" (Gálatas 4:6). O Espírito de adoção! (Romanos 8: 15). Aí está outro resultado da nossa condição de filhos de Deus - Ele nos deu o Seu Espírito.

“das responsabilidades disso tudo”

Ao concluir, preciso lembrá-los das responsabilidades disso tudo? Isso é inevitável. Desfrute tal posição, tal dignidade, tal glória; participar de tais privilégios, ah, como é grande a nossa responsabili¬dade! Permitam-me citar algumas palavras ditas pelo nosso Senhor. Tendo em vista tudo quanto acima foi dito, "resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus" (Mateus 5: 16). Um filho nos diz muitas coisas sobre os seus pais, não diz? Um filho não nos diz somente coisas referentes a si, ele nos diz muito mais acerca de seus pais. Quando você observa o comportamento de uma criança, você aprende realmente muito sobre a disciplina, ou a falta dela, no seu lar. O filho proclama o pai. "Eles verão as vossas boas obras, e glorificarão a vosso Pai, que está nos céus." Cristo disse de novo: "Neles (em nós) eu sou glorificado" (João 17:10, VA e ARA). Certamente vocês recordam como, no Sermão do Monte, falando sobre o amor aos inimigos, o nosso Senhor diz: "Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem". Por que devemos fazer todas estas coisas? Eis porquê: "Para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus" (Mateus 5:43-45). Aí está porque temos que fazê-lo, para que sejamos semelhantes ao nosso Pai, para que proclamemos a família a que pertencemos. "Pois, se amardes aos que vos amam que galardão havereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus." Portanto, na próxima vez que você estiver em dúvida quanto à ação que deva praticar ou não, se você deve fazer certa coisa ou não, não perca tempo perguntando a alguém se aquilo é certo ou errado; simpl.es1]1ente pergunte: "Essa espécie de coisa é digna de um filho de meu Pai? E coerente com a família a que eu pertenço, com o Pai que pôs o Seu nome em mim e a quem eu represento entre os homens?”
"Já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus."

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