domingo, 7 de novembro de 2010

EXPOSIÇÃO SOBRE EFÉSIOS


Irmãos continuamos com mais um capítulo do nosso estudo sobre a epístola aos efésios. O irmão Lloyd Jones, com a ajuda do Senhor, expõe de forma muito rica cada detalhe e certamente nos ajuda a entender as riquezas escondidas nesses textos.
Que o Espírito Santo ilumine os olhos do nosso coração, e que possamos reter as verdades espirituais contidas nesse estudo.
Que Deus nos abençoe.

CAPÍTULO 28

PRIVILÉGIOS E RESPONSABILIDADES

Por: D. M. Lloyd Jones

"Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus." - Efésios 2:19


Como já vimos, o apóstolo está descrevendo aqui, de maneira positiva, os privilégios dos membros da Igreja Cristã. Havendo expli¬cado como os dois lados foram aproximados, os judeus e os gentios, agora mostra aos dois juntos qual é a situação deles como membros da Igreja. Com esse fim, ele emprega diversas imagens e figuras. A Igreja, ele já tinha sugerido, é como um corpo. Mas aqui ele nos fala da Igreja como uma cidade, um reino – "concidadãos". Ele diz que a Igreja é também como uma família – "a família de Deus". Todavia a Igreja é também como um templo, no qual Deus habita. No momento vamos examinar a primeira figura dada neste versículo dezenove – a Igreja como um Estado, um reino, uma cidade. Anteriormente consideramos o significado dessa definição em geral. Consideramos também como se obtém esta cidadania. E então vimos alguns dos privilégios gerais que pertencem a nós, como cidadãos desse reino. Lembramo-nos do caráter do nosso Rei, da extensão do Seu reino, dos nossos concidadãos, e da glória futura deste reino estupendo no qual fomos introduzidos.


Privilégios mais particulares que pertencem a nós como membros e cidadãos deste grande reino

Mas agora devemos examinar por um momento privilégios mais particulares que pertencem a nós como membros e cidadãos deste grande reino. O apóstolo tinha desejo de que os efésios se dessem conta destas coisas. Eles tinham sido salvos, estavam na Igreja, tinham sido selados pelo Espírito Santo. No entanto, ele não está satisfeito com isso, ele ora no sentido de que os olhos do seu entendimento sejam ilumina¬dos para que eles possam conhecer mais estas coisas e, dentre elas, esta em particular. E, certamente, o nosso maior problema como povo cristão hoje é que não nos damos conta dos privilégios da nossa posição como membros da Igreja Cristã. A maior necessidade atual é ter uma verda¬deira e adequada concepção da natureza da Igreja Cristã. Visto que a nós que pertencemos a ela falta isso, é que não conseguimos atrair os de fora. Causamos tão pobre impressão que eles não se interessam. O avivamento começa na Igreja. Nunca se poderá levar adiante a evangelização com uma Igreja que não seja uma viva demonstração do evangelho. Assim, de todos os pontos de vista, aquilo em que necessitamos concentrar-nos na hora presente é o caráter, a natureza da Igreja, e o privilégio da nossa posição na Igreja.
Consideremos alguns destes outros privilégios. Há certas coisas que podemos acrescentar aos privilégios gerais, já considerados. Ao desenvolvermos esta analogia da Igreja como um reino, esses privilé¬gios se tornam óbvios.


Benefícios que gozamos por sermos cidadãos desse reino

Pensem, por exemplo, nos benefícios que gozamos por sermos cidadãos desse reino. Essa é uma das primeiras coisas em que se pensa em conexão com um reino. Como cidadão de um país, você goza todos os benefícios do reino, do governo e das leis dessa comunidade particular. Com frequência, a orgulhosa vanglória dos cidadãos deste país (Inglaterra), é que ele é a pátria da liberdade – da democracia parlamen¬tar, e assim por diante. Pois bem, são essas as coisas que desfrutamos como resultado da nossa cidadania neste país. Noutros países há pessoas que não têm estes privilégios, ainda vivem mais ou menos em servidão. Há outros que estão debaixo de tiranias terríveis. Uma das melhores coisas da cidadania é que ela dá de imediato a você o direito de gozar todos os benefícios do sistema e forma de governo, e da economia de um Estado particular.
Podemos transferir tudo isso para a esfera da Igreja. O apóstolo já nos fizera lembrar isso, no capítulo primeiro, no versículo três, onde ele diz: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo". Esse é o sumário de todas as bênçãos deste reino particular. São intermináveis, e é impossível tentar descrevê-las. Mas devemos apegar¬-nos ao grande princípio de que todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo são nossas. O reino, a cidade a que pertencemos é um reino, uma cidade em que todas as bênçãos são dadas gratuitamente; é do beneplácito do Rei que elas sejam dadas. Ele Se deleita em fazê¬-lo. Ele Se interessa pelos Seus cidadãos, interessa-Se por todo o Seu povo; seu bem-estar ocupa um lugar especial em Sua mente e em Seu coração. Ele é o Pai do Seu povo, e Se interessa por seu bem-estar e por sua felicidade em todos e cada um dos seus aspectos.
Outras declarações das Escrituras no mesmo sentido nos ajudarão a entender isto. O apóstolo, em sua primeira carta a Timóteo, usa uma expressão interessante: "Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis" (ou, "principalmente dos que crêem", VA, 4:10). A palavra "Salvador" significa Aquele que aben¬çoa, Aquele que cuida de, Aquele que livra de dificuldade. E as Escrituras ensinam isto em toda parte, concernente a Deus. Deus "faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos". Há hoje no mundo homens e mulheres que nunca pensam em Deus e nunca O mencionam, exceto para blasfemar do Seu nome; não obstante, gozam alguns dos benefícios e bênçãos comuns, gerais do reino de Deus. Tudo o que eles têm provém de Deus. Ele é "o Salvador de todos os homens", sim, mas "principalmente dos que crêem". Ele tem interesse pessoal pelos crentes, um interesse especial, um interesse peculiar, e eu e vocês, como cidadãos do reino, somos os beneficiários destes benefícios, destas bênçãos especiais que Ele tem para o Seu povo. Tudo é ordenado para o nosso bem. "Sabemos", diz Paulo – não há necessidade de argumentar a respeito, nem de questionar ou indagar – ¬"Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus" (Romanos 8:28). Não há nada que supere isso. É pura verdade que Deus, que domina totalmente o universo e o cosmos, manipula todas as coisas para o bem do Seu povo. Tudo é realizado com vistas a este fim. Deus tem o domínio sobre tudo e, como nosso Rei, Ele manipula todos os Seus recursos para o nosso bem.
Vejam outra declaração feita pelo mesmo apóstolo: "Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?" (Romanos 8:32). O nosso Senhor também afirma que "até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados" (Mateus 10:30), e que nada pode aconte¬cer independentemente de nosso Pai. Muito do ensino do Sermão do Monte destina-se a inculcar esta ideia do interesse e preocupação especial de Deus pelo Seu povo. É uma coisa que faz parte de toda a concepção de um reino com seu rei e seus cidadãos. E por isso devemos lembrar-nos deste fato deveras maravilhoso. Neste reino de Deus e do Seu Cristo, ao qual pertencemos, todos os recursos da Deidade são para nós. Esse é o ensino da Bíblia, em toda parte. O Velho Testamento diz muita coisa acerca do interesse de Deus por Seu povo. Isso está ainda mais claro no Novo Testamento. Somos os beneficiários de todas estas admiráveis, indizíveis, insondáveis riquezas e bênçãos do reino de Deus.


O direito de acesso ao Rei

Outro privilégio é que temos o direito de acesso ao Rei. Essa verdade inclui o mais humilde cidadão do território. Em última instân¬cia, ele tem direito de apelar para o rei. Todo o processo da lei está ali, num sentido, para habilitá-lo a exercer esse direito. Ele pode recorrer de uma autoridade para outra superior, até por fim apelar para o rei. Pois bem, isso aplica-se a cada um de nós, como cristãos. Temos um Rei que, apesar de ser o Rei dos reis e o Senhor dos senhores, e o Governador dos confins da terra, conhece os Seus cidadãos individualmente e por eles Se interessa. Você está sobrecarregado, leva um pesado fardo, está lutando e pelejando? Lembro-lhe que você tem direito de acesso ao Rei. Leve a sua causa a Ele. Por maior que seja aquilo que está ocupando a sua atenção, eu lhe garanto que, se você estender a mão quando Ele estiver passando e lhe apresentar a sua petição, Ele terá tempo para ouvi¬-lo, para olhar para você e para tratar do seu caso. Nunca nos sintamos sumidos na Igreja ou no grande mundo em que vivemos. Nunca pensemos que somos tão pequenos e insignificantes que este grande e exaltado Rei não Se interessa por nós. O ensino geral das Escrituras salienta o inverso e o contrário. Ele está pronto a ouvir o seu humilde clamor.
Quantos exemplos disso há na vida e no ministério do nosso bendito Senhor, quando esteve na terra! Lembram-se de quando Ele fazia a Sua última viagem para Jerusalém, como era seguido por uma grande multidão? Mas lá estava um pobre cego que clamava: "Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim" (Lucas 18:38). Tentaram fazê-lo calar¬-se. Quieto!, diziam, Ele vai indo para Jerusalém, Ele não tem tempo para falar com Você. Todavia Ele o ouviu. E teve tempo para parar, falar com ele, curá-lo e libertá-lo. Igualmente teve tempo para Zaqueu. Também teve tempo para cuidar doutro cego, à porta do templo. Não Importava onde estivesse, ou quão grande fosse a multidão. Lembram¬-se da mulher que tocou as Suas vestes? Aí vocês têm ilustrações do Seu cuidado e solicitude pelas pessoas. Portanto, em sua necessidade e em seu desespero, lembre-se de que, como cidadão deste reino, o seu Rei conhece você e está sempre pronto a ouvir a sua petição e a atender o seu clamor.


Os recursos do reino são compartilhados entre nós

Mas vamos considerar outro aspecto do assunto. Os recursos do reino são compartilhados entre nós. Referimo-nos a este ponto quando estudamos a nossa concidadania com os santos; porém só o analisamos do ponto de vista da sua grandeza. Entretanto também nos será valioso do ponto de vista prático. A comunhão que gozamos com os nossos concidadãos! Isso também é uma parte essencial de toda e qualquer concepção do Estado. Fala-se muito hoje sobre a responsabi¬lidade do Estado pelo bem-estar do povo, cuja base se pretende ser que os fortes levem as cargas dos fracos, e os ricos as cargas dos pobres. É uma co-participação feita para que ninguém tenha superabundância e outros fiquem sem nada. Essa é a ideia. E caracteriza mais propriamente o reino de Deus. Há uma injunção específica, neste sentido: "Mas nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos" (Romanos 15:1). "Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo" (Gálatas 6:2).
Certamente não há nada que nos seja mais precioso do que a maneira pela qual, como cidadãos juntos, como membros da Igreja Cristã juntos, sabemos e experimentamos isso na prática. Haveria alguma coisa mais animadora para o cristão do que saber que outros oram por ele? – que outros têm você, o seu fardo e o seu problema em seus corações e estão fazendo intercessão por você? Eles não estão pensando somente em si mesmos, você é um concidadão, vocês se pertencem. Oramos uns pelos outros, sentimos uns com os outros, entendemo-nos uns aos outros. Eu poderia desenvolver este ponto extensamente; deixem-me, porém, dizê-lo simplesmente desta forma: quantas vezes soubemos da seguinte experiência! Sentimo-nos de tal modo que mal podemos orar, estamos desanimados, e talvez o diabo tenha estado particularmente ocupado conosco, e nos esquecemos inteiramente do fato de que temos este acesso direto ao próprio Rei. Enquanto estamos tendo comiseração por nós mesmos, de repente nos encontramos com outro cristão e, começando a conversar, vemos que ele ou ela está com o mesmo problema ou dificuldade. Imediatamente somos tranquilizados e fortalecidos. E assim vamos adiante juntos. Levamos as cargas uns dos outros. "A lágrima de compaixão", a compreensão! Estamos indo juntos para Sião, através de uma terra estranha. É deveras maravilhoso aperceber-nos de que os recursos de outros, a força e a habilidade de outros, estão à nossa disposição em nossas dificuldades. E, por sua vez, quando eles estão deprimidos e nós estamos alegres, podemos ajudá-los. É admirável a comunhão entre os concidadãos!


A proteção que o reino nos dá

Contudo, vamos considerar outra fonte de conforto, a saber: a proteção que o reino nos dá. É algo extraordinário. É um fato, ao nível secular. Todo o poder, toda a capacidade e todos os recursos de um reino estão por trás do cidadão mais humilde e servem para defendê-lo. Deixem-me utilizar uma ilustração que sempre me parece expressar o ponto com muita clareza. Do seu estudo da história vocês se lembram do que aconteceu em 1739? Em 1739 começou a chamada "Guerra da Orelha de Jenkins". Um certo capitão Jenkins navegava em alto mar, e uma guarda costeira espanhola o atacou sem nenhuma justificação, e por breve tempo ocupou o seu navio. E ainda, em acréscimo à infâmia da ação, cortaram uma das orelhas do capitão Jenkins. Este finalmente voltou ao seu país. Conservou a orelha numa garrafa de álcool e, quando regressou, apresentou-a ao parlamento. E por causa disso, este país, Grã-Bretanha, declarou guerra à Espanha em 1739 – a Guerra da Orelha de Jenkins. Quem era o capitão Jenkins? Não importa, era um cidadão, da Grã-Bretanha, e não devia ser insultado pela Espanha, nem por qualquer outro país; e porque o insultaram, todo o poderio deste país voltou-se contra a Espanha em defesa daquele cidadão individual. E quando eu e você viajarmos ao exterior e acaso sofrermos alguma indignidade ou insulto, devemos lembrar-nos do fato de que o mesmo poder, e todos os recursos do nosso país, estão por trás de nós e preocupados com a nossa defesa.
Isso tudo se aplica com mais propriedade à esfera da Igreja. Vejam certos exemplos do Velho Testamento. Eis aí um homem de Deus duramente pressionado, seus inimigos a cercá-lo e a atacá-lo. Que poderá fazer? Ele diz: "Torre forte é o nome do Senhor; a ela correrá o justo, e estará em alto refúgio" (Provérbios 18:10). "O nome do Senhor!" Há uma exposição maravilhosa disso nos Salmos três e quatro, onde o salmista nos conta que estava cercado por todas as espécies de perigos e de inimigos furiosos. E, todavia, eis o que ele escreve: "Tu, Senhor, és um escudo para mim, a minha glória, e o que exalta a minha cabeça. Com a minha voz clamei ao Senhor, e ouviu-me desde o seu santo monte. Eu me deitei e dormi; acordei, porque o Senhor me sustentou. Não temerei dez milhares de pessoas que se puseram contra mim e me cercam. Levanta-te, Senhor; salva-me, Deus meu; pois feriste a todos os meus inimigos nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios. A salvação vem do Senhor". Zacarias diz algo semelhante: "Porque assim diz o Senhor dos Exércitos: depois da glória ele me enviou às nações que vos despojaram; porque aquele que tocar vós toca na menina do seu olho" (Zc 2:8). Vocês querem algo que vá além disso? "Aquele que tocar em vós", diz Deus a você como cristão, "toca na menina do meu olho" – o ponto mais sensível do Meu ser. Essa é a proteção. "Dou-lhes a vida eterna", diz o Senhor Jesus Cristo, "e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão" (João 10:28). Haverá algum lugar mais seguro que esse? "Se Deus é por nós", diz Paulo, "quem será contra nós?" (Romanos 8:31). "O Senhor é o meu ajudador", diz o escritor da Epístola aos Hebreus, "e não temerei o que me possa fazer o homem" (13:6). Diz João, em sua Primeira Epístola, "maior é o que está em vós do que o que está no mundo" (4:4). Pode ser que o inimigo esteja atacando e ferindo você; não revide, não se vingue, diz Paulo, pois "Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o SENHOR" (Romanos 12:19). "Eles o venceram", diz o livro de Apocalipse, "pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho" (12:11). Aquele poderoso dragão que se levanta contra a Igreja de Deus, e lança da sua boca uma torrente de águas na tentativa de arrastá-la, está sempre tentando destruir o povo de Deus. Que é que podem fazer os que Lhe pertencem? "Eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho." É assim que se derrota o diabo quando ele vem com toda a sua milícia e com todo o seu terrível poder. Diz finalmente o apóstolo Paulo: "por cuja causa padeço também isto" – as perseguições, provações e tribu¬lações que sofreu – "mas não me envergonho; porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito (VA: "para guardar aquilo que eu lhe confiei") até àquele dia" (2 Timóteo 1:12). Está certo, diz Paulo; você, Timóteo, está passando por tempos difíceis; sei o que é isso; eu não me envergonho, não fico alarmado, não me apavoro, não me abalo – pois eu conheço Aquele em quem eu creio, e Lhe confiei tudo, e Ele me guardará e guardará tudo o que eu considero precioso até aquele dia. Ah, se nos déssemos conta dos nossos privilégios como cristãos! Seja qual foro seu problema, seja qual for a sua situação, seja qual for a sua provação, eu insisto com você, lembre-se dos recursos, lembre-se das coisas que caracterizam você como cidadão deste grande e glorioso reino.


As obrigações, as exigências, as responsabilidades da nossa cidadania

Apresso-me a acentuar outro aspecto que é igualmente importante para nós, a saber, as obrigações, as exigências, as responsabilidades da nossa cidadania. "Já não somos estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos." O que estivemos fazendo foi regozijar-nos nos privilégios, porém agora vamos lembrar-nos das responsabilidades. As Escrituras dão ênfase a elas em toda parte. Toda a segunda metade desta Epístola aos Efésios é dedicada quase exclusivamente a isso. Mas vamos recordar resumidamente algumas coisas que decorrem da nossa posição privilegiada e exaltada. São elas que, como já mencionei, nos fornecem certas provas sutis e excelentes quanto a se pertencemos ao reino ou não.


O nosso orgulho do reino

A primeira é, obviamente, esta – o nosso orgulho do reino. A analogia humana é óbvia. O nosso orgulho da pátria, o nosso orgulho da cidadania! Sir Walter Scott pergunta, com muito acerto: "Haverá algum ser humano vivo que esteja com a sua alma tão amortecida que nunca tenha dito a si próprio: Esta é a minha terra natal, a minha terra?" Isso é natural, é instintivo. As pessoas não somente estão dispostas a falar sobre o seu país e a aclamá-lo; também morrerão por ele. As pessoas fazem isso por qualquer coisa pela qual se interessem. Está alguém interessado em música? – está sempre falando sobre música. Está interessado em futebol? Não gritaria, torcendo pelo seu time? Vocês não os têm ouvido aos milhares? O interesse pela agremiação deles! Não contentes com isso, usam os seus mascotes, as suas cores especiais, pagam muito dinheiro para ir ver seu ti me jogar. O entusiasmo! A paixão! Essa é a esfera do seu interesse.
Mas, que dizer de nós? Somos cidadãos de um reino que não pertence a este mundo – o reino celestial que estivemos descrevendo. Que dizer a respeito? Temos orgulho dele? Estamos mostrando de que lado estamos? Estamos mostrando as nossas cores? Ou, quando estamos em companhia de certas pessoas, procuramos ocultar que somos cris¬tãos? Quando estamos com pessoas que não observam o domingo, e que antes desprezam as que frequentam a igreja, procuramos dar a impressão de que essa é também a nossa posição? Não admira que as multidões estejam fora da igreja, quando tantas vezes nós damos a impressão de que nos sentimos um pouco envergonhados pelo fato de estarmos dentro. Todavia não é só questão de envergonhar-nos. Se nos déssemos conta da verdade acerca da nossa posição, ficaríamos comovidos, ficaríamos emocionados. Como o homem que diz, "Esta é a minha terra natal, a minha terra", nós nos gloriaríamos em nosso reino e nos gabaríamos dele, estaríamos prontos a aclamá-lo e, se necessário, a morrer por ele. Nós o enalteceríamos, e enalteceríamos as suas virtudes e todos os altos, grandes e gloriosos privilégios dele decorrentes, e estaríamos ansiosamente desejosos de que todos o conhecessem e pertencessem a ele – como acontece com alguém que se encontra num país estrangeiro. Os homens deste país, quando no exterior, não escon¬dem que são britânicos, querem que todo o mundo saiba disso. E as pessoas que vêm para cá de outros países fazem o mesmo, e fazem muito bem! Do mesmo modo, como cidadãos deste reino glorioso, devemos mostrar sempre a nossa lealdade a esse reino, e gloriar-nos no fato de que pertencemos a ele.


Primeiro a pátria, depois eu

Naturalmente, o próximo ponto é: primeiro a pátria, depois eu. Essa é a provada verdadeira apreciação que a pessoa faz da sua cidadania. Quando o país está em dificuldade, o grito é: "Pelo rei e pela pátria!" – não por seus interesses e preocupações particulares! Ouçam o que diz o apóstolo Paulo: "Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra" (2 Timóteo 2:4). Ele quer dizer que quando um homem é soldado do exército, não se dedica ao mesmo tempo a uma profissão ou a um negócio fora do exército. Ele está inteiramente à disposição do oficial comandante, do seu rei e do seu país. Ele não se embaraça com os negócios desta vida quando está na guerra, porque as consequências seriam caóticas. Se muitos homens alistados no exército, com o país em guerra, de repente dissessem: lamento, mas não posso combater hoje, tenho que ir para casa e resolver alguns negócios, o exército seria logo derrotado. Os soldados têm que cancelar a si próprios, têm que dar de mão de si, têm que estar a disposição do rei e da pátria. Quando você está no exército, não é você que decide quando vai ter folga. Apliquemos esse pensamento à esfera superior. "Pelo rei e pela pátria!" "Ninguém que milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra." Primeiro o reino e o rei. E é justamente essa a prova para vermos se nos damos conta da nossa cidadania neste reino. Acaso submetemo¬-nos ao Rei e à pátria? Renunciamo-nos a nós mesmos? Compreende¬mos que a verdade a nosso respeito é que "não sois de vós mesmos", que "fostes comprados por bom preço"? (1 Coríntios 6:19 e 20). Pertencemos a Ele, não pertencemos mais a nós mesmos.


Agora sou estrangeiro em todo e qualquer outro reino

O próximo pensamento nesta sequência lógica é: em virtude da minha relação com este reino, segue-se que agora sou estrangeiro em todo e qualquer outro reino. Paulo diz a estes efésios: "Já não sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos"; outrora estavam fora deste reino, eram estranhos e estrangeiros, mas agora são cidadãos do reino. Entretanto, lembre-se, isso significa que você agora é um estranho e um estrangeiro naquele país do qual você veio. Que impor¬tante princípio! Permitam-me lembrá-los da maneira pela qual o após¬tolo Pedro usa este argumento na sua Primeira Epístola: "Vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus". "Amados'', diz ele, "peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais que combatem contra a alma; tendo o vosso viver honesto entre os gentios, para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem" (2:10-12). Vocês vêem a mudança? Eles não eram um povo; agora são. Estavam fora do reino, estranhos e estrangeiros fora do reino de Deus; agora estão dentro do reino de Deus. Mas, por causa disso, diz ele, vocês são estrangeiros e peregrinos neste mundo, não pertencem mais a ele. Essa e outra maneira de dizer o que Paulo diz em Filipenses 3:20: "A nossa cidadania está no céu" (VA); e porque a nossa cidadania está no céu, aqui somos estrangeiros. estamos no mundo porém não somos do mundo.
Isto é uma coisa que acontece automaticamente. Quando você esta visitando outro país, você não se torna parte dele; continua sendo estrangeiro, sabe disso, e todo o mundo sabe disso também. Eu e vocês, como cristãos, tornamo-nos estrangeiros neste mundo. Não mais pertencemos a este mundo, se é que somos cristãos verdadeiros. Somos como pessoas que estão fora de casa. Estamos aqui por algum tempo, somos forasteiros, somos peregrinos, somos viajores; esta é sempre a descrição que a Bíblia nos apresenta. Leiam o capítulo onze da Epístola aos Hebreus. Os que são mencionados ali se consideravam "estrangeiros e peregrinos na terra". Eles estavam em busca da "cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus". Eles moravam em tendas. Cada um deles dizia: "Sou estrangeiro aqui, meu lar é o céu". Segue-se automaticamente, não segue? Somos tão-somente estranhos e estrangeiros entre os ímpios. Eles não nos entendem, eles são diferentes. Podem opor-se a nós, podem perseguir-nos. Tudo muito certo, diz Pedro, apenas se lembrem de quem vocês são, e se lembrem de que não pertencem mais a eles. Não há necessidade de argumentar a respeito disso. Ou vocês estão no reino de Deus, ou estão fora; não podem estar nos dois lugares ao mesmo tempo. E é preciso que fique evidente para todos que vocês pertencem a este reino celestial e não àquele outro.


Representar o nosso Rei e a nossa pátria

Eu gostaria de colocar este ponto da seguinte forma, como o meu quarto princípio. Como estranhos, peregrinos e estrangeiros neste mundo, lembremo-nos sempre de que a nossa primeira obrigação é representar o nosso Rei e a nossa pátria. "A Inglaterra espera que cada homem cumpra hoje o seu dever", disse o almirante Nelson na manhã da batalha de Trafalgar. Em tempos antigos, aonde quer que fosse um cidadão do Império Romano, ele levava o seu manto peculiar, o sinal do fato de que ele era um cidadão romano; e ele zelava muito do manto e sua honra. Com toda razão o fazia! Sim, diz o apóstolo Paulo também aos filipenses, "Somente deveis portar-vos dignamente, conforme o evangelho de Cristo" (Fp 1:27). Você é um estranho fora de casa, você sabe da sua pretensão e você disse aos outros o que você é. Lembre-se, eles o estarão observando. Nunca se esqueça disso! Eles vão julgar o seu Rei e o seu país pelo que vêem em você. Vejam de novo, em Pedro: "Amados, peço-vos como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais que combatem contra a alma; tendo o vosso viver honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem". Eles perseguem vocês como a malfeitores, mas provem a eles, pelas suas boas obras, que vocês são filhos de Deus.
Sempre é assim que o Novo Testamento prega a santificação e a santidade. Alguma coisa tragicamente errada aconteceu com a pregação da santificação e da santidade quando ela sempre nos oferece algo, "Vida com V maiúsculo", ou algo que vai ser maravilhoso para nós. Eis como as Escrituras nos exortam à santidade: "Sede santos, porque eu sou santo, diz o Senhor". Se você não está vivendo uma vida santificada e uma vida santa, você é um traidor da sua pátria e do seu Rei. Você não tem direito de viver como quiser. Você não pode dissociar-se da sua cidadania. Você não pode dizer: não importa a ninguém o que eu faço, quero ter a minha vida à minha maneira. Não, se você é cristão. Se você cair, todos nós cairemos com você. E o mundo se rirá de nós. Acima de tudo, Cristo será ridicularizado. Pois um membro da Igreja Cristã ter vida mundana nada mais é que ser ele um canalha e um traidor. Na esfera secular as pessoas são executadas por fazerem uma coisa como essa. Insultar a bandeira! Rebaixar o país! Rebaixar o monarca! Não há nada pior. E eu e você somos cidadãos deste Rei celestial e do Seu reino glorioso e santo. "Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais (que fiqueis longe) das concupiscências carnais que combatem contra a alma" – não por amor de vocês mesmos apenas, porém por amor daqueles gentios que estão olhando, e pela honrado seu Rei. "Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo."
Essa é uma boa maneira de estudar a prática cristã. Em nossa vida diária, quando nos assaltam dúvidas sobre se devemos fazer algo ou não, ou se devemos usar isto ou aquilo, esta é a nossa prova: serve para mim? Condiz? Se eu vestir este manto, ele está de acordo com meu chapéu e os meus sapatos? É digno? Combina com...? Essa é a figura, a ilustração utilizada pelo apóstolo. Se não servir, se não combinar, se não for próprio e não estiver em harmonia com o restante, devo largar dele. Que toda a sua conduta seja governada pelo evangelho de Cristo. Todas as minhas ações devem ser controladas por ele. É preciso que seja uma realidade global. Cada ato deverá ser digno, próprio, pertinente. Assim, você deve pensar nas grandes doutrinas da fé e perguntar: esta espécie de conduta é consoante com essa fé? Convém ao evangelho de Cristo?


Devemos sempre estar preocupados com a defesa do reino

Finalmente, deveria ser óbvio que, como cidadãos deste reino, devemos sempre estar preocupados com a defesa do reino, com a defesa das suas leis e com a defesa de tudo o que é propugnado por esse reino. A bandeira! Devemos estar dispostos a morrer pela "bandeira"; ela representa o país e tudo o que lhe pertence. Isso é igualmente verdade quanto a nós, no sentido espiritual. Não mais somos estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos. Em dias como os atuais somos convocados para defender esta "bandeira", a Bíblia. Ela está sendo atacada e ridicularizada. Vocês a estão defendendo? Não basta dar o seu testemunho como uma defesa da Bíblia. Vocês têm que preparar-se para defender a Bíblia. Para começar, vocês têm que conhecer a Bíblia. E vocês têm que ter algum conhecimento dos livros que os ajudarão a defender a Bíblia. Boa vontade e boas intenções não defenderão o país. Para defender o pais, o homem tem que entrar no exército e tem que ser treinado, fazer exercícios e aprender a ser disciplinado; goste ou não, terá que fazê-lo "à força", como se diz. E eu e você temos que aprender "à força" a defender a bandeira, o país, o reino. O nosso livro está sendo atacado; a nossa fé está sendo atacada. Temos que estar "sempre preparados", diz Pedro, "para responder a qualquer que nos pedir a razão da esperança que há em nós" (1 Pedro 3:15). Como poderemos fazê-lo? O reino está sendo atacado por um inimigo poderoso, e eu e vocês estamos sendo convocados como combatentes para que façamos a nossa pequena parte individual. Não há maior honra, não há privilégio mais alto. A vitória é certa e segura. Mas seria trágico, quando chegar o grande e glorioso dia de celebrar essa vitória, se algum de nós achasse que não fez absolutamente nada, que simplesmente ficamos sentados enquanto alguma outra pessoa fazia o trabalho, a defesa, a luta, o esforço.
Não precisamos ser todos grandes peritos na arte da guerra. Deixem-me usar uma analogia humana. Não precisamos ser todos soldados de carreira; você não precisa ser, necessariamente, um obreiro de tempo integral, pode engajar-se na Defesa Civil do reino de Deus. Um policial de alto nível. Ache tempo para isso. Tenha um só interesse. Dedique-se a ele. O reino de Deus está sendo atacado e ridicularizado. Saltemos logo em sua defesa, por pequeno que seja o serviço que possamos prestar.
Noutras palavras, como cidadãos deste reino, o nosso maior desejo, a nossa principal ambição, sempre deverá ser que as suas fronteiras sejam ampliadas e ele se torne cada vez mais poderoso e cada vez mais glorioso, até o dia em que "os reinos do mundo vierem a ser de nosso Senhor e do seu Cristo".
"Já não sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos" neste reino glorioso. E por essa razão somos apenas estrangeiros e peregrinos neste mundo, com todo o seu artificialismo, ostentação com toda a sua louca confiança própria, que darão em nada. Graças a Deus, não pertencemos a isso. Aqui somos apenas estrangeiros. "A nossa cidadania", graças a Deus, "está no céu."

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