Capítulo XIX
Em Cristo digo a verdade, não minto
(dando-me testemunho a minha consciência
no Espírito Santo).
Romanos 9:1
O mesmo Espírito testifica com o nosso
espírito que somos filhos de Deus.
Romanos 8:16
A maior glória de Deus é Sua santidade, em virtude
da qual Ele odeia e destrói o mal, ama e opera o bem. Na humanidade, a
consciência tem a mesma tarefa. Ela condena o pecado e aprova o que é direito e
bom. A consciência é o remanescente da imagem de Deus, a mais próxima
semelhança do divino, a guardiã da honra de Deus em meio à ruína da queda. A
obra redentora de Deus começa com a consciência. O Espírito de Deus é o
Espírito de santidade; a consciência é uma fagulha da santidade divina. A
harmonia entre a obra do Espírito Santo em renovar e santificar o homem e a
obra da consciência é íntima, essencial. O crente que deseja ser cheio com o
Espírito Santo e experimentar até a plenitude das bênçãos que Ele dá, deve
primeiro ver que precisa conceder a sua consciência o lugar de honra que lhe é
devido. A fidelidade à consciência é o primeiro passo na senda da restauração à
santidade de Deus. Uma boa consciência é o terreno básico e a característica da
verdadeira espiritualidade. Quando a consciência testemunha em relação a uma
pronta resposta para com Deus e quando o Espírito testemunha quanto à aceitação
que Deus dá à nossa fé e obediência, então os dois tornam-se um.
A consciência pode ser comparada à janela de um
quarto, através da qual a luz do céu brilha e através da qual nós podemos ver o
céu. O coração é a câmara na qual nossa vida habita, nosso ego, nossa alma, com seus
poderes e afeições. Sobre as paredes dessa câmara está escrita a lei de Deus.
Mesmo nos povos pagãos ela é ainda parcialmente legível, embora tristemente
obscurecida e desfigurada. No crente, a lei está escrita pelo Espírito Santo em
letras de luz, as quais são freqüentemente turvas no princípio, mas tornam-se
mais claras e brilhantes conforme são expostas às luz que vem de fora. Em cada
pecado que eu cometo, a luz que brilha interiormente torna-o manifesto e o
condena. Se o pecado não é confessado e abandonado, a mancha permanece, e a
consciência torna-se corrompida porque a mente rejeita o ensino da luz (Tito
1:15). E assim, com o pecado sobre pecado, a janela fica mais e mais escura,
até que a luz mal pode brilhar através dela e o cristão pode pecar sem perturbação – uma consciência
em grande parte cega e sem sentimento. Em Seu trabalho de renovação, o Espírito
Santo não cria novas faculdades: Ele renova e santifica aquelas que já existem. A consciência é uma obra do
Espírito de Deus, na função de Criador. O Espírito de Deus, na função de Redentor,
tem como Seu primeiro cuidado restaurar o que o pecado corrompeu. É somente
restaurando a consciência à sua função plena e saudável e revelando nela a
graça maravilhosa de Cristo, “o Espírito
testifica com o nosso espírito”, que Ele habilita o crente a viver uma vida
na plena luz do favor de Deus. É quando a janela do coração que olha em direção
ao céu está limpa e é mantida assim que nós podemos andar na luz.
A obra do Espírito na consciência é tripla. Através
da consciência, o Espírito faz com que a luz da lei santa de Deus brilhe dentro
do coração. Um quarto pode ter as cortinas puxadas, ou mesmo as venezianas
fechadas: e isto não impede que a luz do relâmpago, de tempo em tempo, brilhe
nas trevas. A consciência pode estar tão corrompida e cauterizada pelo pecado
que o forte homem no interior habite em paz. Quando o relâmpago do Sinai brilha no
coração, a consciência desperta e está pronta a admitir e sustentar a
condenação. Tanto a lei quanto o evangelho, com o seu chamado ao arrependimento
e sua convicção de pecado, apelam para a consciência. É apenas quando a
consciência concorda com o peso da transgressão e descrença, que o livramento
pode verdadeiramente vir.
É através da consciência que o Espírito, do mesmo
modo, faz com que a luz da misericórdia brilhe. Quando as janelas de uma casa estão manchadas, elas podem ser
lavadas. “Quanto mais o sangue de Cristo,
que pelo Espírito eterno a Si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a
nossa consciência de obras mortas para servirmos ao Deus vivo” (Hb 9:14;
10:2,22). O alvo do sangue de Cristo é alcançar a consciência, para silenciar
suas acusações, e limpá-la, até que ela possa testificar: toda mácula está
removida; o amor do Pai faz com que Cristo, em brilho descoberto, irradie em
minha alma. Este é o privilégio de cada crente. Isso se torna certo quando a
consciência diz amém à mensagem de Deus a respeito do poder do sangue de Jesus.
A consciência que foi purificada no sangue deve ser
mantida limpa por um andar em obediência de fé, com a luz do favor de Deus
brilhando sobre ela. Diante da promessa de que o Espírito de habitação tomaria
a seu encargo a liderança em toda a vontade de Deus, a consciência deve
concordar e testificar que Ele tem realizado esta obra. O crente é chamado a
andar em humildade e vigilância, a fim de que em nada sua consciência o acuse
de não ter feito o que ele sabia ser certo ou ter feito o que não provém de fé.
Ele deve estar contente com nada menos do que o testemunho de Paulo: “Porque a nossa glória é esta: o testemunho
da nossa consciência, de que com simplicidade e sinceridade de Deus, não com
sabedoria carnal, mas na graça de Deus, temos vivido no mundo” (II Co 1:12).
(Compare At 23:1; 24:16; II Tm 1:3). Note bem estas palavras: “nossa glória é esta: o testemunho de nossa
consciência”. É quando a janela é mantida limpa e brilhante por nossa
habitação na luz que nós podemos ter comunhão com o Pai e com o Filho. O amor
do céu brilha descoberto em nosso interior, e nosso amor responde em confiança
infantil.
A manutenção de uma boa consciência em relação a
Deus é essencial para a vida da fé. O crente não deve se contentar com nada menos
que isso. Ele deve estar certo de que isso está ao seu alcance. Os crentes do
Velho Testamento tiveram pela fé o testemunho de terem agradado a Deus (Hb
11:4-6, 39). No Novo Testamento, ela se coloca diante de nós não somente como
um mandamento a ser obedecido, mas também como uma graça concedida pelo próprio
Deus. “Para que possais andar dignamente
diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda a boa obra, e
crescendo no conhecimento de Deus; corroborados em toda a fortaleza, segundo a força
da sua glória... para que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação, e cumpra
todo o desejo da sua bondade, e a obra da fé com poder... operando em vós o que
perante ele é agradável” (Cl 1:10-11; II Ts 1:11; Hb 13:21). Quanto mais
buscamos esse testemunho da consciência – de que estamos fazendo o que é
agradável a Deus – mais sentiremos a liberdade daquelas falhas que nos impedem
de olhar imediatamente para o sangue de Cristo. O sangue que limpa a
consciência age no poder da vida eterna que não conhece interrupção ou mudança
e que salva completamente. “Mas, se
andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o
sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1 Jo
1:7).
A causa da fraqueza da nossa fé é a falta de uma
consciência limpa. Perceba como Paulo conecta as duas coisas em I Timóteo: “o amor de um coração puro, e de uma boa
consciência, e de uma fé não fingida” (1:5). “Conservando a fé, e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando,
fizeram naufrágio na fé” (1:19). E especialmente (3:19), “Guardando o mistério da fé numa consciência
pura”. A consciência é o fundamento da fé. Aquele que deseja se fortalecer
na fé e ter confiança para com Deus deve saber se O está agradando (I Jo
3:21-22). Jesus disse claramente que é para os que O amam e guardam Seus
mandamentos que a promessa do Espírito é dirigida. Como poderíamos reivindicar
confiadamente essa promessa, a não ser que em simplicidade infantil nossa
consciência possa testificar que preenchemos os requisitos? Até que a igreja
possa subir à altura de seu santo chamado como intercessora, e reivindicar
essas promessas ilimitadas que estão ao seu alcance, os crentes se aproximarão
de seu Pai, regozijando-se, como Paulo, no
testemunho de sua consciência – de que pela graça de Deus estão andando em
santidade e sinceridade divina. Devemos perceber que esta é a mais profunda
humildade e traz a maior glória para a graça ofertada por Deus – desistir das
nossas idéias do que podemos alcançar e aceitar a declaração de Deus sobre o
que Ele deseja e promete como o padrão daquilo que devemos ser.
Como essa vida bendita na qual podemos apelar
diariamente a Deus e aos homens como Paulo: “Em Cristo digo a verdade, não minto (dando-me testemunho a minha
consciência no Espírito Santo)” pode ser atingida? O primeiro passo é se humilhar debaixo da reprovação da
consciência. Não se contente com uma confissão geral de que algo está errado.
Acautele-se da confusão entre transgressão real e tentação para o pecado. Se
quisermos morrer para o pecado pelo Espírito de habitação, devemos primeiro
lidar com a prática do pecado. Permita que o trabalho da consciência em
silenciosa submissão e humilhação reprove e condene qualquer pecado. Diga para
o seu Pai que você, pela Sua graça, irá obedecer – mesmo nas menores coisas.
Aceite novamente a oferta de Cristo de tomar posse inteiramente do seu coração,
habitar em você como Senhor e cuidador. Confie que Ele, pelo Seu Espírito
Santo, o fará mesmo quando você se sentir fraco e desamparado. Lembre-se que a
obediência, o tomar e guardar as palavras de Cristo em sua vontade e vida, é o
único caminho para provar a realidade de sua rendição a Ele e o seu interesse
em Sua obra e graça. Vote em fé que pela graça de Deus você irá procurar sempre ter uma consciência vazia de
ofensa a Deus e aos outros.
Quando você seguir esses passos, estará sendo fiel
em manter sua consciência pura, e a luz do céu irá resplandecer de forma mais
brilhante no seu coração, revelando o pecado e enfatizando a lei escrita lá pelo
Espírito. Esteja disposto a ser ensinado;
confie que o Espírito irá ensiná-lo. Todo o esforço para manter limpa a
consciência que foi lavada pelo sangue será acompanhado
da ajuda do Espírito. Renda-se de todo o coração à vontade de Deus e ao
poder do Seu Espírito Santo.
Conforme você se curva à reprovação da sua
consciência e se entrega completamente para fazer a vontade de Deus, sua
coragem se fortalecerá, tornando possível ter uma consciência vazia de ofensa.
O testemunho da consciência sobre o que você está fazendo e irá fazer, pela
graça, será acompanhado pelo testemunho do Espírito sobre o que Cristo está
fazendo e irá fazer. Em simplicidade infantil você irá procurar começar cada
dia com a simples oração: Pai, não há nada agora entre o Senhor e Seu filho.
Minha consciência, divinamente limpa no sangue, dá testemunho disso. Não
permita que nem mesmo a sombra de uma nuvem intervenha nesse dia. Em tudo quero
fazer a Sua vontade: Seu Espírito habita em mim, e me guia, e me fortalece em Cristo. Você entrará
na vida que se regozija somente na graça, e que diz ao fim de cada dia: nosso
gozo é esse, “o testemunho de nossa consciência” de que em santidade e divina
sinceridade, pela graça de Deus, nos conduzimos neste mundo.
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