Capítulo XXIII
Digo, porém: Andai em Espírito, e não
cumprireis a concupiscência da carne.
E os que são de Cristo
crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.
Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito.
Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito.
Gálatas 5:16,24-25
“Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito”. Estas palavras
sugerem claramente a nós a diferença entre a vida cristã carnal e a espiritual.
Na primeira o cristão pode se contentar em viver no Espírito, no sentido de que
ele possui o Espírito em virtude de sua salvação; ele está satisfeito com o
fato de conhecer que possui a vida nova, mas ele não anda no Espírito. O que é
um seguidor espiritual, ao contrário, não está contente a menos que todo o seu
andar e falar estejam no poder do Espírito. Ele anda no Espírito e assim não
satisfaz as cobiças da carne porque ele é cheio com o Espírito.
Quando o cristão luta para andar dignamente com Deus e ser agradável a
Ele em tudo, ele freqüentemente é perturbado profundamente pelo poder do pecado
ainda evidente, e busca a causa pela qual ele tão freqüentemente falha em vencê-lo. Ele
normalmente sente que é devido à sua falta de fé ou fidelidade, sua fraqueza
natural, ou o poder de Satanás. Mas ele não consegue descansar nestas
conclusões. Seria melhor prosseguir na descoberta da razão mais profunda pela
qual todas estas coisas, das quais Cristo assegurou-nos libertação, ainda podem
vencer-nos. Um dos mais profundos segredos da vida cristã é o conhecimento de
que o poder que detém a liderança do Espírito é nossa própria carne. Aquele que
sabe o que é a carne e como ela opera e como se deve lidar com ela, será o
vencedor.
Sabemos que foi por causa da ignorância deste fato que os gálatas
falharam tão miseravelmente. Foi isto que os levou a tentar aperfeiçoar na
carne o que começou no Espírito (Gálatas 3:3). Foi isto que os fez presa
daqueles queriam “ostentar-se na carne” para que pudessem “se gloriar na vossa
carne” (Gálatas 6:12-13). Eles não sabiam quão incorrigivelmente corrupta era a
carne. Eles não sabiam que nossa natureza é tão pecaminosa quando está
cumprindo suas próprias cobiças, quando está “ostentando-se na carne”, como
quando entrega-se ao serviço de Deus e tenta aperfeiçoar o que o Espírito
começou. Porque os gálatas não estavam conscientes desta possibilidade, eram
incapazes de detectar em suas paixões e cobiças; foi isto que obteve vitória
sobre eles, de modo que eles faziam o que não queriam fazer. Eles não sabiam
que tanto quanto a carne, se o esforço próprio e a vontade própria tivessem qualquer
influência no serviço a Deus, ela permaneceria forte para o serviço do pecado,
e que o único modo de torná-la ineficaz para fazer o mal seria torná-la
ineficaz em suas tentativas de fazer o bem!
É a fim de revelar a verdade de Deus concernente à carne, tanto em seu
serviço a Deus quanto ao pecado, que esta epístola foi escrita. Paulo queria
ensiná-los que apenas o Espírito é o poder da vida cristã, e que este poder não
pode ser eficaz a menos que a carne seja totalmente negada e posta de lado. Ao
responder a pergunta de como pode ser isto, ele dá a maravilhosa resposta que é
um dos pensamentos centrais da revelação de Deus. A crucificação e a morte de
Cristo revelam não somente a expiação pelo pecado, mas também o poder que
liberta do domínio do pecado que está radicado na carne. Quando Paulo no meio
de seu ensino sobre o andar no Espírito nos diz: “e aqueles que são de Cristo
crucificaram a carne com suas paixões e concupiscências” (Gálatas 5:24), ele
está nos apontando o único caminho pelo qual o livramento da carne é obtido.
Entender estas palavras, “crucificaram a carne”, e experimentá-las, é o segredo
do andar não segundo a carne, mas segundo o Espírito. Que cada um que anseia
andar pelo Espírito busque captar o significado delas.
Nas Escrituras, “a carne” significa toda a nossa natureza humana em sua
presente condição sob o poder do pecado. Isto inclui todo nosso ser – espírito,
alma e corpo. Após a queda, Deus disse do homem, “ele é carnal” (Gênesis 6:3).
Todos os seus poderes, intelecto, emoções e vontade estão sob o poder da carne.
As Escrituras falam da vontade da carne, da mente da carne, das paixões e
cobiças da carne. Elas dizem que em nossa carne não habita bem algum. A mente
da carne está em inimizade contra Deus. Sobre esta base ela ensina que nada que
seja da carne, nada que a mente ou a vontade da carne pensa ou faz, não importa
o quão justo isto aparente ser, e nem quanto os homens possam se gloriar nisto,
nada disto pode ter qualquer valor à vista de Deus. Isto nos adverte que nosso
maior perigo no andar cristão, a causa de nosso fracasso e fraqueza, é o nosso
confiar na carne, em sua sabedoria e suas obras. Isto nos diz que para ser
agradável a Deus, esta carne com sua vontade e esforços próprios deve ser
inteiramente abandonada a fim de dar lugar para a vontade e obra de outro, o
Espírito de Deus. O único caminho para ser liberto do poder da carne é
crucificá-la.
“Aqueles que são de Cristo Jesus crucificaram a carne”. A tendência é
falar do crucificar a carne como algo que deva ser feito. As Escrituras falam
disto como algo que já foi feito: “Nosso velho homem foi crucificado com Ele,
para que o corpo do pecado seja destruído e não mais sirvamos o pecado como
escravos” (Romanos 6:6). “Estou crucificado com Cristo, logo, já não sou eu mais
quem vivo, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20). Aqueles que são de Cristo
crucificaram a carne. Este é um fato cumprido na cruz de nosso Senhor Jesus
Cristo. Através dela o mundo foi crucificado para mim e eu para o mundo. O que
Cristo fez pelo Espírito eterno na cruz, Ele o fez não como um indivíduo, mas
em nome da natureza humana, a qual, como sua Cabeça, Ele tomou sobre Si. Cada
pessoa que aceita Cristo recebe-O como o crucificado – não apenas o mérito, mas
o poder de Sua crucificação – e é unido e identificado com Ele. Aqueles que são
de Cristo Jesus, em virtude de terem aceitado o Cristo crucificado como sua
vida, desistiram de sua carne na cruz.
Alguns ainda perguntam, “o que quer dizer crucificaram a carne?”. Alguns
se contentam com a verdade geral de que a cruz tira a maldição que estava sobre
a carne. Outros pensam que eles devem provocar dores e sofrimentos para a
carne; devem negá-la e mortificá-la. Outros pensam a respeito da influência
moral que o pensamento da cruz comunicará. Em cada uma destas visões há um
elemento de verdade. Mas se eles deverão se realizar em poder, devemos ir ao
pensamento central: crucificar a carne é entregá-la à maldição. A cruz e a
maldição são inseparáveis (Deuteronômio 21:23; Gálatas 3:13). Dizer “nosso
velho homem foi crucificado com Ele, fui crucificado com Cristo” é uma
declaração muito séria. Significa que confesso que minha velha natureza, meu
ego, merece a maldição e que não há nenhuma maneira de me desembaraçar dela
senão pela morte. Voluntariamente eu a entrego à morte. Aceitei como minha vida
o Cristo que veio para entregar-Se, Sua carne, à maldição da morte de cruz –
que recebeu a Sua nova vida somente por causa daquela morte e pela virtude
dela. Entrego meu velho homem, minha carne, ego, com sua vontade e obra, como
algo pecaminoso e maldito, à cruz. Está cravada ali. Em Cristo estou morto para
ela e liberto dela.
O poder desta verdade é dependente de que seja conhecida, aceita, e de
que se atue com base nela. Se eu apenas conheço a cruz como substituição, mas
não como Paulo que se gloriava nela – na comunhão dela (Gálatas 6:14), eu nunca
experimentarei seu poder para santificar. Quando a bendita verdade de sua
comunhão raia sobre mim, vejo como pela fé posso entrar e viver em comunhão
espiritual com Jesus que, como meu cabeça e líder, proveu a cruz como o único
caminho para o trono e provou-a deste modo. Esta união espiritual, mantida pela
fé, torna-se uma união moral. Tenho a mesma mente ou disposição que houve em Cristo. Considero
a carne como pecaminosa e adequada somente para a morte. Aceito a cruz com sua
morte para o que é carne, assegurada para mim em Jesus, como o único caminho
para ser liberto do poder do ego e para andar em novidade de vida pelo
Espírito.
O fato da fé no poder da cruz ser uma revelação e ao mesmo tempo a
remoção da maldição e do poder da carne é uma verdade muito simples ainda que
profunda. Eu começo a entender que no viver pelo Espírito há o perigo do
render-se à carne ou ao ego em minha tentativa de servir a Deus. Isto torna a cruz
de Cristo ineficaz (I Coríntios 1:17; Gálatas 3:3; 5:12-13; Filipenses 3:3-4;
Colossenses 2:18-23). Agora vejo como tudo o que é do homem e da natureza, da
lei e do esforço humano, foi para sempre julgado por Deus no Calvário. Ali a
carne provou que com toda a sua sabedoria e toda a sua “religião”, odiou e
rejeitou o Filho de Deus. Ali Deus provou que o único caminho para ser liberto
da carne é entregá-la à morte como algo amaldiçoado. Começo a entender que
preciso ver a carne como Deus a vê; aceitar a sentença de morte que a cruz
decreta para tudo em mim que seja da carne; olhar para ela e para tudo que
provém dela como algo maldito. Quando este hábito da alma cresce em mim,
aprendo a nada temer mais do que a mim mesmo. Tremo perante o pensamento de permitir
que a carne, minha mente e vontade naturais, usurpe o ligar do Espírito Santo!
Toda minha atitude em relação a Cristo é aquela de humilde temor, consciente de
que tenho dentro de mim aquela coisa amaldiçoada que está sempre pronta, como
um anjo de luz, para introduzir-se no Santo dos Santos e desviar-me para servir
a Deus não no Espírito, mas sim no poder da carne. É neste temor humilde que o
crente é ensinado a crer plenamente não só na necessidade, mas também na
provisão do Espírito Santo para tomar totalmente o lugar que a carne antes
possuía e diariamente gloriar-se na cruz, da qual ele pode dizer, “pela qual eu
estou crucificado para o mundo”.
Freqüentemente buscamos a causa do fracasso na vida cristã. Pensamos que
porque estamos claros naquilo que os gálatas não entendiam – justificação
somente pela fé – o perigo deles não pode ser nosso também. Ah, se soubéssemos
o quanto permitimos que a carne opere em nossa caminhada cristã! Oremos pela
graça de Deus para conhecê-la como nossa inimiga mais implacável, e como
inimiga de Cristo. A graça de graça não significa somente o perdão do pecado,
significa o poder de uma nova vida através do Espírito Santo. Concordemos com
aquilo que Deus diz da carne e de tudo o que vem dela: que é pecaminosa,
condenada, amaldiçoada. Não temamos nada mais que as obras ocultas da nossa
própria carne. Aceitemos o ensino da Palavra de Deus: “Porque eu sei que em
mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está
em mim, mas não consigo realizar o bem.” (Romanos 7:18). Peçamos a Deus
que nos mostre até que ponto o Espírito deve nos possuir se desejamos agradá-Lo
em todas as coisas. Creiamos que conforme nos gloriamos diariamente na cruz, e
em oração e obediência entregamos a carne à morte da cruz, Cristo aceitará
nossa rendição e por Seu divino poder manterá em nós a vida do Espírito.
Devemos aprender não somente a viver em Espírito, mas como aqueles que foram
libertos do poder da carne andar pelo Espírito em nossas vidas diárias.
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