quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Andando no Espírito


Capítulo XXIII

Digo, porém: Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne.
E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.
Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito. 
Gálatas 5:16,24-25

“Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito”. Estas palavras sugerem claramente a nós a diferença entre a vida cristã carnal e a espiritual. Na primeira o cristão pode se contentar em viver no Espírito, no sentido de que ele possui o Espírito em virtude de sua salvação; ele está satisfeito com o fato de conhecer que possui a vida nova, mas ele não anda no Espírito. O que é um seguidor espiritual, ao contrário, não está contente a menos que todo o seu andar e falar estejam no poder do Espírito. Ele anda no Espírito e assim não satisfaz as cobiças da carne porque ele é cheio com o Espírito.
Quando o cristão luta para andar dignamente com Deus e ser agradável a Ele em tudo, ele freqüentemente é perturbado profundamente pelo poder do pecado ainda evidente, e busca a causa pela qual ele tão freqüentemente falha em vencê-lo. Ele normalmente sente que é devido à sua falta de fé ou fidelidade, sua fraqueza natural, ou o poder de Satanás. Mas ele não consegue descansar nestas conclusões. Seria melhor prosseguir na descoberta da razão mais profunda pela qual todas estas coisas, das quais Cristo assegurou-nos libertação, ainda podem vencer-nos. Um dos mais profundos segredos da vida cristã é o conhecimento de que o poder que detém a liderança do Espírito é nossa própria carne. Aquele que sabe o que é a carne e como ela opera e como se deve lidar com ela, será o vencedor.
Sabemos que foi por causa da ignorância deste fato que os gálatas falharam tão miseravelmente. Foi isto que os levou a tentar aperfeiçoar na carne o que começou no Espírito (Gálatas 3:3). Foi isto que os fez presa daqueles queriam “ostentar-se na carne” para que pudessem “se gloriar na vossa carne” (Gálatas 6:12-13). Eles não sabiam quão incorrigivelmente corrupta era a carne. Eles não sabiam que nossa natureza é tão pecaminosa quando está cumprindo suas próprias cobiças, quando está “ostentando-se na carne”, como quando entrega-se ao serviço de Deus e tenta aperfeiçoar o que o Espírito começou. Porque os gálatas não estavam conscientes desta possibilidade, eram incapazes de detectar em suas paixões e cobiças; foi isto que obteve vitória sobre eles, de modo que eles faziam o que não queriam fazer. Eles não sabiam que tanto quanto a carne, se o esforço próprio e a vontade própria tivessem qualquer influência no serviço a Deus, ela permaneceria forte para o serviço do pecado, e que o único modo de torná-la ineficaz para fazer o mal seria torná-la ineficaz em suas tentativas de fazer o bem!
É a fim de revelar a verdade de Deus concernente à carne, tanto em seu serviço a Deus quanto ao pecado, que esta epístola foi escrita. Paulo queria ensiná-los que apenas o Espírito é o poder da vida cristã, e que este poder não pode ser eficaz a menos que a carne seja totalmente negada e posta de lado. Ao responder a pergunta de como pode ser isto, ele dá a maravilhosa resposta que é um dos pensamentos centrais da revelação de Deus. A crucificação e a morte de Cristo revelam não somente a expiação pelo pecado, mas também o poder que liberta do domínio do pecado que está radicado na carne. Quando Paulo no meio de seu ensino sobre o andar no Espírito nos diz: “e aqueles que são de Cristo crucificaram a carne com suas paixões e concupiscências” (Gálatas 5:24), ele está nos apontando o único caminho pelo qual o livramento da carne é obtido. Entender estas palavras, “crucificaram a carne”, e experimentá-las, é o segredo do andar não segundo a carne, mas segundo o Espírito. Que cada um que anseia andar pelo Espírito busque captar o significado delas.
Nas Escrituras, “a carne” significa toda a nossa natureza humana em sua presente condição sob o poder do pecado. Isto inclui todo nosso ser – espírito, alma e corpo. Após a queda, Deus disse do homem, “ele é carnal” (Gênesis 6:3). Todos os seus poderes, intelecto, emoções e vontade estão sob o poder da carne. As Escrituras falam da vontade da carne, da mente da carne, das paixões e cobiças da carne. Elas dizem que em nossa carne não habita bem algum. A mente da carne está em inimizade contra Deus. Sobre esta base ela ensina que nada que seja da carne, nada que a mente ou a vontade da carne pensa ou faz, não importa o quão justo isto aparente ser, e nem quanto os homens possam se gloriar nisto, nada disto pode ter qualquer valor à vista de Deus. Isto nos adverte que nosso maior perigo no andar cristão, a causa de nosso fracasso e fraqueza, é o nosso confiar na carne, em sua sabedoria e suas obras. Isto nos diz que para ser agradável a Deus, esta carne com sua vontade e esforços próprios deve ser inteiramente abandonada a fim de dar lugar para a vontade e obra de outro, o Espírito de Deus. O único caminho para ser liberto do poder da carne é crucificá-la.
“Aqueles que são de Cristo Jesus crucificaram a carne”. A tendência é falar do crucificar a carne como algo que deva ser feito. As Escrituras falam disto como algo que já foi feito: “Nosso velho homem foi crucificado com Ele, para que o corpo do pecado seja destruído e não mais sirvamos o pecado como escravos” (Romanos 6:6). “Estou crucificado com Cristo, logo, já não sou eu mais quem vivo, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20). Aqueles que são de Cristo crucificaram a carne. Este é um fato cumprido na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Através dela o mundo foi crucificado para mim e eu para o mundo. O que Cristo fez pelo Espírito eterno na cruz, Ele o fez não como um indivíduo, mas em nome da natureza humana, a qual, como sua Cabeça, Ele tomou sobre Si. Cada pessoa que aceita Cristo recebe-O como o crucificado – não apenas o mérito, mas o poder de Sua crucificação – e é unido e identificado com Ele. Aqueles que são de Cristo Jesus, em virtude de terem aceitado o Cristo crucificado como sua vida, desistiram de sua carne na cruz.
Alguns ainda perguntam, “o que quer dizer crucificaram a carne?”. Alguns se contentam com a verdade geral de que a cruz tira a maldição que estava sobre a carne. Outros pensam que eles devem provocar dores e sofrimentos para a carne; devem negá-la e mortificá-la. Outros pensam a respeito da influência moral que o pensamento da cruz comunicará. Em cada uma destas visões há um elemento de verdade. Mas se eles deverão se realizar em poder, devemos ir ao pensamento central: crucificar a carne é entregá-la à maldição. A cruz e a maldição são inseparáveis (Deuteronômio 21:23; Gálatas 3:13). Dizer “nosso velho homem foi crucificado com Ele, fui crucificado com Cristo” é uma declaração muito séria. Significa que confesso que minha velha natureza, meu ego, merece a maldição e que não há nenhuma maneira de me desembaraçar dela senão pela morte. Voluntariamente eu a entrego à morte. Aceitei como minha vida o Cristo que veio para entregar-Se, Sua carne, à maldição da morte de cruz – que recebeu a Sua nova vida somente por causa daquela morte e pela virtude dela. Entrego meu velho homem, minha carne, ego, com sua vontade e obra, como algo pecaminoso e maldito, à cruz. Está cravada ali. Em Cristo estou morto para ela e liberto dela.
O poder desta verdade é dependente de que seja conhecida, aceita, e de que se atue com base nela. Se eu apenas conheço a cruz como substituição, mas não como Paulo que se gloriava nela – na comunhão dela (Gálatas 6:14), eu nunca experimentarei seu poder para santificar. Quando a bendita verdade de sua comunhão raia sobre mim, vejo como pela fé posso entrar e viver em comunhão espiritual com Jesus que, como meu cabeça e líder, proveu a cruz como o único caminho para o trono e provou-a deste modo. Esta união espiritual, mantida pela fé, torna-se uma união moral. Tenho a mesma mente ou disposição que houve em Cristo. Considero a carne como pecaminosa e adequada somente para a morte. Aceito a cruz com sua morte para o que é carne, assegurada para mim em Jesus, como o único caminho para ser liberto do poder do ego e para andar em novidade de vida pelo Espírito.
O fato da fé no poder da cruz ser uma revelação e ao mesmo tempo a remoção da maldição e do poder da carne é uma verdade muito simples ainda que profunda. Eu começo a entender que no viver pelo Espírito há o perigo do render-se à carne ou ao ego em minha tentativa de servir a Deus. Isto torna a cruz de Cristo ineficaz (I Coríntios 1:17; Gálatas 3:3; 5:12-13; Filipenses 3:3-4; Colossenses 2:18-23). Agora vejo como tudo o que é do homem e da natureza, da lei e do esforço humano, foi para sempre julgado por Deus no Calvário. Ali a carne provou que com toda a sua sabedoria e toda a sua “religião”, odiou e rejeitou o Filho de Deus. Ali Deus provou que o único caminho para ser liberto da carne é entregá-la à morte como algo amaldiçoado. Começo a entender que preciso ver a carne como Deus a vê; aceitar a sentença de morte que a cruz decreta para tudo em mim que seja da carne; olhar para ela e para tudo que provém dela como algo maldito. Quando este hábito da alma cresce em mim, aprendo a nada temer mais do que a mim mesmo. Tremo perante o pensamento de permitir que a carne, minha mente e vontade naturais, usurpe o ligar do Espírito Santo! Toda minha atitude em relação a Cristo é aquela de humilde temor, consciente de que tenho dentro de mim aquela coisa amaldiçoada que está sempre pronta, como um anjo de luz, para introduzir-se no Santo dos Santos e desviar-me para servir a Deus não no Espírito, mas sim no poder da carne. É neste temor humilde que o crente é ensinado a crer plenamente não só na necessidade, mas também na provisão do Espírito Santo para tomar totalmente o lugar que a carne antes possuía e diariamente gloriar-se na cruz, da qual ele pode dizer, “pela qual eu estou crucificado para o mundo”.
Freqüentemente buscamos a causa do fracasso na vida cristã. Pensamos que porque estamos claros naquilo que os gálatas não entendiam – justificação somente pela fé – o perigo deles não pode ser nosso também. Ah, se soubéssemos o quanto permitimos que a carne opere em nossa caminhada cristã! Oremos pela graça de Deus para conhecê-la como nossa inimiga mais implacável, e como inimiga de Cristo. A graça de graça não significa somente o perdão do pecado, significa o poder de uma nova vida através do Espírito Santo. Concordemos com aquilo que Deus diz da carne e de tudo o que vem dela: que é pecaminosa, condenada, amaldiçoada. Não temamos nada mais que as obras ocultas da nossa própria carne. Aceitemos o ensino da Palavra de Deus: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem.” (Romanos 7:18). Peçamos a Deus que nos mostre até que ponto o Espírito deve nos possuir se desejamos agradá-Lo em todas as coisas. Creiamos que conforme nos gloriamos diariamente na cruz, e em oração e obediência entregamos a carne à morte da cruz, Cristo aceitará nossa rendição e por Seu divino poder manterá em nós a vida do Espírito. Devemos aprender não somente a viver em Espírito, mas como aqueles que foram libertos do poder da carne andar pelo Espírito em nossas vidas diárias.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O Espírito e a Carne


Capítulo XXII


Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne?
Gálatas 3:3
Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne. Ainda que também podia confiar na carne; se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu
Filipenses 3:3-4

A carne é o nome pelo qual as Escrituras indicam a nossa natureza caída – alma e corpo. A alma na criação foi posta entre o espiritual ou divino e o sensível ou terreno, para dar a cada um deles o que lhes é devido, e guiá-los àquela perfeita união que resultaria no fato do homem alcançar seu destino – um corpo espiritual. Quando a alma cedeu à tentação do sensível, ela se afastou do governo do Espírito e pôs a si mesma sob o poder do corpo – ela se tornou carne. E agora a carne não está apenas ausente do Espírito, mas é hostil a ele. “A carne milita contra o Espírito” (Gálatas 5:17).

Neste antagonismo da carne com o Espírito existem dois aspectos. Por um lado, a carne milita contra o Espírito ao cometer pecado e transgredir a lei de Deus. Por outro lado, sua hostilidade para com o Espírito é não menos manifestada em sua busca de servir a Deus e fazer Sua vontade. No ceder à carne, a alma voltou-se para si mesma em lugar do Deus a quem o Espírito a ligava; o egocentrismo prevaleceu sobre a vontade de Deus; o egocentrismo se tornou seu princípio governante. E agora, tão sutil e forte é este espírito do eu que a carne, não somente em pecar contra Deus, mas também quando a alma busca servir a Deus, ainda impõe o seu poder. Ela se recusa a permitir que apenas o Espírito lidere, e em seus esforços para ser “religiosa” ela ainda é o grande inimigo que obstrui e apaga o Espírito. É por causa desta falsidade da carne que muitas vezes ocorre o que Paulo fala aos Gálatas: “Tendo começado no Espírito, estejais agora vos aperfeiçoando na carne?”. A menos que a rendição ao Espírito seja completa, e a espera Nele seja contínua, em dependência e humildade, o que começou no Espírito muito rapidamente se torna confiança na carne.

E o notável é que o que a princípio poderia parecer um paradoxo, tão logo a carne busque servir a Deus ela se torna a força do pecado. Sabemos como os fariseus, com sua justiça-própria e religião carnal, caíram em orgulho e egocentralidade e se tornaram os servos do pecado. E Paulo indagou aos Gálatas a respeito de aperfeiçoarem na carne o que começou no Espírito, advertindo-os contra a justiça de obras, porque as obras da carne eram tão manifestas que eles estavam em perigo de devorarem-se uns aos outros. Satanás não possui um instrumento mais ardiloso para manter as almas em escravidão do que incitá-las a praticar a religião na carne. Ele sabe que o poder da carne jamais pode agradar a Deus ou vencer o pecado, e que no devido tempo a carne que tem ganhado supremacia sobre o Espírito no serviço a Deus afirmará e manterá esta mesma supremacia no serviço do pecado. É somente onde o Espírito tem a liderança e o governo na vida de adoração que haverá o poder para liderança e governo na vida de obediência prática. Se eu hei negar o eu em meus relacionamentos com os outros, vencer o egocentrismo, temperamento e falta de amor, eu devo primeiro aprender a negar o eu em meu relacionamento com Deus. Ali a alma, a sede do eu, deve aprender a curvar-se ao Espírito, onde Deus habita.

O contraste entre a adoração no Espírito e a adoração na carne é lindamente expresso na descrição da circuncisão verdadeira feita por Paulo – a circuncisão do coração – cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus: “Aqueles que adoram a Deus no Espírito, gloriam-se em Cristo Jesus e não confiam na carne”. Pondo o gloriar-se em Cristo Jesus no centro do verso, como a essência da fé e vida cristã, ele chama a atenção, por um lado, para o grande perigo que o rodeia e, por outro lado, a salvaguarda pela qual o seu pleno desfrute é assegurado. Confiança na carne é aquilo que acima de tudo torna o gloriar-se em Cristo Jesus inoperante, e adoração no Espírito é unicamente aquilo que torna o gloriar-se em Cristo Jesus vida e verdade. Possa o Espírito revelar-nos o que significa gloriar-se em Cristo Jesus.

Há um gloriar-se em Cristo Jesus acompanhado por confiança na carne que tanto a história quanto a experiência nos ensinam. Entre os Gálatas, os mestres a quem Paulo se opôs tão fortemente eram todos pregadores de Cristo e Sua cruz. Mas eles a pregavam não como homens ensinados pelo Espírito para conhecerem a infinita e toda-penetrante influência da cruz, mas como aqueles que tinham tido o Espírito de Deus no início, e que permitiram que sua própria sabedoria e pensamentos interpretassem o que a cruz significava, e assim a reconciliaram com uma religião que em larga medida era puramente legal e então carnal. A história das igrejas da Galácia é repetida hoje mesmo nas igrejas que confiam estarem livres do erro dos Gálatas. Note como muitas vezes é dito que a doutrina da justificação pela fé é o ensino principal da epístola, e a doutrina da habitação interior do Espírito e de nosso andar pelo Espírito é pouco mencionada.

Cristo crucificado é a sabedoria de Deus. Confiança na carne, em conexão com o gloriar-se em Cristo, é confiança na própria sabedoria adquirida. As Escrituras são normalmente estudadas, pregadas e recebidas no poder da mente natural, com pouca ênfase na necessidade do ensino do Espírito. Elas são entendidas com a mesma confiança com a qual os homens conhecem qualquer verdade – por ensino humano e não divino – e na ausência daquela receptividade que espera em Deus para revelar Sua verdade.

Cristo, pelo Espírito Santo, é não somente a sabedoria, mas o poder de Deus. Confiança na carne e gloriar-se em Cristo Jesus são vistos e sentidos em muito da obra da igreja cristã na qual o esforço e o planejamento humano tomam um lugar mais amplo do que a espera no poder que vem do alto. Nas maiores organizações eclesiásticas, nas igrejas separadamente, e na vida interior do espírito e oração, vemos quantos esforços infrutíferos e repetidos fracassos são decorrentes deste erro. Não há falta de reconhecimento de Cristo como nossa única esperança, e nem falta de dar-Lhe o louvor que Lhe é devido, todavia tanta confiança na carne torna tudo isto ineficaz.

Deixe-me perguntar novamente se não há muitos de vocês que buscam uma vida de plena consagração e bênção, e que descobrem que o que temos mencionado aqui é o segredo de seu fracasso. Quando em uma mensagem, conversa, ou oração particular, a plenitude de Jesus foi exposta a você com a possibilidade de uma vida santa, sua alma sentiu que tudo isto era tão maravilhoso e simples que nada poderia retê-lo. E talvez quando você aceitou o que foi visto ser seguro e acessível, entrou em uma alegria e poder que antes lhe eram desconhecidos. Mas isto não permaneceu. Algo estava basicamente errado. A sua busca pela causa do problema foi em vão. A razão que foi dada pode ter sido que sua rendição foi incompleta, ou que sua fé não era genuína. E ainda assim sua alma lhe assegurava de que estava pronta para desistir de tudo e confiar em Jesus para tudo. Sua alma quase se desesperava de uma perfeição impossível – se perfeita consagração e perfeita fé fossem a condição da bênção. E a promessa tinha sido que seria tudo tão simples – a vida perfeita para o pobre e o fraco.

Ouça o ensinamento da Palavra de Deus hoje: foi a confiança na carne que confiscou o seu gloriar-se em Cristo Jesus. Foi o eu fazendo o que somente o Espírito pode fazer; foi a alma tomando a liderança na expectativa que o Espírito apoiaria os seus esforços, ao invés de confiar no Espírito Santo para fazer tudo e então esperar Nele. Você seguiu Jesus sem negar o eu. Olhe novamente para o nosso texto: Paulo nos aponta a única salvaguarda conta este perigo: “Nós é que somos a circuncisão, nós que servimos a Deus no Espírito e não confiamos na carne”. Aqui estão os dois elementos da adoração espiritual: o Espírito exalta Jesus e humilha a carne. Se nós desejamos verdadeiramente nos gloriar em Jesus e tê-Lo glorificado em nós; se queremos conhecer a glória de Jesus em nossa experiência pessoal, livres da ineficácia que marca os esforços da carne, devemos aprender o que é a adoração a Deus no Espírito.

Eu apenas reitero como verdade de Deus a partir de Sua bendita Palavra: glorie-se em Cristo Jesus pelo Seu Espírito. Glorie-se Nele como o glorificado que batiza com o Espírito Santo. Em simplicidade e descanso, creia que Ele lhe deu o Seu próprio Espírito para viver em você. Medite nisto, creia em Sua Palavra concernente a isto, até que sua alma se curve em temor reverente perante Deus na verdade gloriosa: o Espírito Santo de Deus habita em você.

Renda-se à Sua liderança, sobre a qual temos aprendido não ser somente nos pensamentos ou na mente, mas também na vida e na disposição. Renda-se a Deus para ser guiado pelo Espírito Santo em toda a sua conduta. Ele é prometido para todos aqueles que amam a Jesus e O obedecem. Lembre-se qual foi o objetivo principal de sua vinda: restaurar o partinte Senhor Jesus aos Seus discípulos. “Não vos deixarei órfãos”, disse Jesus; “voltarei para vós outros”. Você não pode se gloriar em um Jesus distante do qual está separado. Quando tenta fazê-lo, isto requer um grande esforço – você precisa da ajuda da carne para isso. Você só pode se gloriar em um Salvador que é presente, a quem o Espírito Santo revela em você. Quando Ele o faz, a carne é rebaixada; os feitos da carne são mortificados. Toda a sua prática de fé deve ser: eu não tenho confiança na carne. Glorio-me em Cristo Jesus. Adoro a Deus no Espírito.

Amado crente, tendo começado no Espírito, você deve continuar no Espírito. Cuide-se de tentar aperfeiçoar a obra do Espírito na carne. Deixe que a “não confiança na carne” seja o seu grito de batalha; permita que uma profunda desconfiança da carne e temor de entristecer o Espírito por andar na carne guarde-o humildemente diante de Deus. Ore a Deus pelo Espírito de revelação a fim de que você possa ver Jesus como seu tudo e ver como, pelo Espírito Santo, a vida divina pode tomar o lugar de sua vida, e Jesus ser entronizado como o protetor e guia de sua alma.

O Templo do Espírito Santo


Capítulo XXI

 Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?
I Co 3:16

As Escrituras nos convidam a estudar a analogia do templo com a habitação interior do Espírito. O templo foi construído com o modelo que Moisés viu no monte, uma sombra lançada pelas realidades espirituais eternas que ele simbolizava. Uma dessas realidades é a natureza tripla do homem. Porque o homem foi criado à imagem de Deus, o templo não é apenas um exemplo do mistério da aproximação do homem à presença de Deus, mas também do caminho de Deus para penetrar no homem, para estabelecer residência com ele.
Nós estamos familiarizados com a divisão do templo em três partes. Havia o exterior, visto por todos os homens, com o átrio no qual todo israelita podia entrar e onde todos os serviços externos eram executados. Havia o Santo lugar, no qual apenas os sacerdotes entravam, para apresentar a Deus o sangue e o incenso, o pão ou o óleo, que tinham trazido de fora. Embora próximos, eles não estavam ainda dentro do véu; na presença imediata de Deus. Deus habitava no Santíssimo, em uma luz inacessível, onde ninguém poderia se aventurar. A entrada momentânea do sumo sacerdote uma vez ao ano era apenas para fazê-los conscientes da verdade de que não havia lugar para o homem lá até que o véu fosse rasgado em dois.
O homem é o templo de Deus. Nele há três partes. O corpo representa o átrio, a vida exterior e visível, onde a conduta é regulada pelas leis de Deus e onde todo o serviço consiste em olhar como são as coisas ao redor de nós, e aproximar-nos de Deus. A alma representa a vida interior, o poder da mente, sentimento e vontade. No homem regenerado este é o Santo lugar, onde pensamentos, afeições e desejos se movem para lá e para cá como os sacerdotes do santuário, rendendo a Deus o seu serviço na plena luz da consciência. Então há, dentro do véu, oculto de toda vista e luz do homem, o mais íntimo e oculto santuário, o lugar secreto do Altíssimo, onde Deus habita e onde o homem não pode entrar, até que o véu se rasgue. O homem tem não apenas corpo e alma, mas também espírito. Mais profundo que a alma com sua consciência, há a natureza espiritual unindo o homem com Deus. Tão grande é o poder do pecado que de alguma maneira esta parte morre: “eles são sensuais, não tendo o Espírito”. Em outros, ele é nada mais que um lugar dormente, um vácuo, aguardando pela vivificação do Espírito Santo. No crente, ele é a câmara interior do coração, do qual o Espírito tomou posse, e a partir do qual Ele aguarda para fazer Sua gloriosa obra, tornando a alma e o corpo santos para com o Senhor.
Assim que, a menos que esta habitação interior seja reconhecida, rendida e humildemente mantida em adoração e amor, ela trará comparativamente pouca bênção. Reconhecer a presença do Espírito Santo habitando interiormente nos habilitará a levar em conta todo o templo, mesmo o átrio mais exterior, como sendo sagrado para o Seu serviço, e entregar cada faceta de nossa natureza à Sua liderança e vontade. A parte mais sagrada do templo – para a qual todo o resto existia e dependia – era o Santo dos Santos. Embora os sacerdotes nunca pudessem entrar e ver a glória que residia lá, a conduta deles era regulada e sua fé motivada pelo pensamento da presença invisível que ele continha. Era este fato que dava valor à aspersão do sangue e ao queimar do incenso. E era este fato que tornava um privilégio se aproximar e lhes dava confiança para sair e abençoar o povo. Era o Santo dos Santos que tornava o lugar onde eles serviam um Santo lugar. Toda a vida deles era controlada e inspirada pela fé na glória invisível que habitava para dentro do véu.
E assim é com o crente. Até que ele aprenda pela fé curvar-se em santo temor diante do estupendo mistério que ele é o templo de Deus porque o Espírito de Deus habita nele, ele nunca aceitará a sua vocação com a alegria e confiança que ela merece. À medida em que ele olha para o santo lugar, tanto quanto o homem possa ver por si mesmo, ele buscará em vão pelo Espírito Santo. Cada um deve aprender a conhecer o lugar secreto do Altíssimo interiormente.
Como esta fé nesta habitação oculta se torna nossa? Tome uma posição sobre a Palavra de Deus e aceite e se aproprie de seu ensino. Necessitamos crer que Deus quer dizer o que Ele diz. Nós somos o Seu templo – um tipo de templo que Deus ordenou que fosse construído. Ele quer que vejamos nele o que Deus pretendia para nós. O Santo dos Santos era o ponto central, a porção essencial do templo. Ele era escuro, secreto, escondido, até o tempo de seu desvendamento. Ele requeria e recebia a fé do sacerdote e do povo. O Santíssimo dentro de mim é oculto e invisível também – algo que apenas a fé pode perseguir e conhecer. O Pai e o Filho agora mesmo fazem Seu lar dentro de mim. Eu meditarei e estarei quieto até que algo da sobrepujante glória desta verdade se apodere de mim e a fé comece a perceber que eu sou o Seu templo, e no lugar secreto Ele se assenta sobre o Seu trono. Quando eu me aplico em meditar e adorar dia a dia, rendendo e abrindo todo o meu ser a Ele, Ele resplandecerá, em Seu poder divino e amoroso, em minha consciência a luz da Sua presença.
Em meio à terrível experiência do fracasso e pecado, nova esperança romperá. Embora eu possa ter buscado avidamente fazê-lo, eu não pude manter o lugar santo para Deus, porque Ele próprio é que o mantém. Se eu Lhe dou a glória devida ao Seu nome, Ele enviará Sua luz e Sua verdade através de todo o meu ser, revelando o Seu poder para santificar e abençoar. Através da alma, colocando-se sempre mais debaixo de Seu governo, o Seu poder operará, mesmo nas paixões e apetites interiores, sujeitando cada pensamento ao Espírito Santo.
Se você tem afastado o pecado e pedido ao Espírito para habitar em você, creia que Ele o faz e que você é o templo do Deus vivo! Você foi selado com o Espírito Santo; Ele é a segurança do amor do Pai por você.
Lembre-se de que o véu era apenas para um tempo. Quando a preparação estava completa, o véu da carne foi rasgado. Assim como a morte de Cristo rasgou o véu de templo, também o véu é rasgado em você para permitir a entrada do Espírito Santo do alto para o interior do seu ser. A glória oculta do lugar sagrado se derramará dentro de sua vida consciente: o serviço do lugar santo será no poder do Espírito eterno.
Sumário

·      O espírito aqui (João 4:24) denota aquele elemento mais profundo da alma humana pelo qual é possível manter comunhão com Deus.
·      Note como Paulo, ao apelar aos coríntios para erguer-se de seu profundo estado carnal, mais uma vez pleiteia com eles na base do fato de eles serem templos do Espírito Santo.
·      Aprendamos aqui que cada crente tem o Espírito Santo, e que ele deve saber disto, e que este conhecimento é a mais eficiente ferramenta para elevar-se de uma vida carnal e adentrar a plenitude do Espírito.
·      É o corpo que é o templo do Espírito Santo (I Coríntios 6:19). Se nosso espírito é cheio com o Espírito de Deus, isto se manifestará também no corpo. “Se pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, certamente vivereis” (Romanos 8:13).
·      Você sabe disto pela fé? Você está prosseguindo para conhecê-lo em plena experiência de modo que sua consciência mais profunda dirá espontaneamente: sim, eu sou um templo de Deus; o Espírito de Deus habita em mim?

Introdução sobre Espírito, Alma e Corpo

(Estudo complementar)
O corpo é a cobertura externa do homem é, sem dúvida alguma, correto, mas a Bíblia jamais confunde o espírito e a alma como se fossem a mesma coisa. Não só são diferentes em condições, mas também suas naturezas diferem uma de outra. A Palavra de Deus não divide o homem em duas partes de alma e corpo. Pelo contrário, trata o homem como um ser tripartido: espírito, alma e corpo. 1 Tessalonicenses 5:23, 24 diz:

“E o próprio Deus de paz vos santifique completamente; e o vosso espírito, e alma e corpo sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”.

Este versículo mostra claramente que o homem está dividido em três partes. O apóstolo Paulo se refere aqui à santificação total dos crentes: «vos santifique completamente». Segundo o apóstolo, como se santifica uma pessoa por completo? Guardando seu espírito, alma e corpo. Este versículo também faz uma distinção entre espírito e alma, pois de outro modo Paulo teria dito simplesmente «sua alma».
Tem alguma importância a divisão em espírito e alma? É um assunto de primordial importância porque afeta tremendamente a vida espiritual do crente. Como um crente pode compreender a vida espiritual se não conhecer o alcance do mundo espiritual? Sem compreender isto como pode crescer espiritualmente?
O fracasso em distinguir entre o espírito e a alma é fatal para a maturidade espiritual. Como poderemos escapar do fracasso se confundirmos o que Deus dividiu? Outras partes da Bíblia fazem a mesma diferenciação entre espírito e alma. Veja Hb 4:12:

“Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração”.

Neste versículo, o escritor divide os elementos não corporais do homem em duas partes, «alma e espírito». Aqui se menciona a parte corporal através das juntas e das medulas — órgãos motores e sensoriais. Quando o sacerdote utiliza a faca para cortar e dividir totalmente o sacrifício, não pode ficar nada oculto. Inclusive se separam as juntas e as medulas (tutanos). Da mesma maneira o Senhor Jesus usa a Palavra de Deus sobre seu povo para separá-lo todo, para penetrar inclusive até a divisão do espiritual, o anímico e o físico. E daqui se deduz que, posto que se pode dividir a alma e o espírito, devem ser diferentes em sua natureza. Assim, é evidente aqui que o homem é um composto de três partes.

O Espírito Santo e a Consciência


Capítulo XIX

Em Cristo digo a verdade, não minto (dando-me testemunho a minha consciência no Espírito Santo).
Romanos 9:1
O mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus.
Romanos 8:16

A maior glória de Deus é Sua santidade, em virtude da qual Ele odeia e destrói o mal, ama e opera o bem. Na humanidade, a consciência tem a mesma tarefa. Ela condena o pecado e aprova o que é direito e bom. A consciência é o remanescente da imagem de Deus, a mais próxima semelhança do divino, a guardiã da honra de Deus em meio à ruína da queda. A obra redentora de Deus começa com a consciência. O Espírito de Deus é o Espírito de santidade; a consciência é uma fagulha da santidade divina. A harmonia entre a obra do Espírito Santo em renovar e santificar o homem e a obra da consciência é íntima, essencial. O crente que deseja ser cheio com o Espírito Santo e experimentar até a plenitude das bênçãos que Ele dá, deve primeiro ver que precisa conceder a sua consciência o lugar de honra que lhe é devido. A fidelidade à consciência é o primeiro passo na senda da restauração à santidade de Deus. Uma boa consciência é o terreno básico e a característica da verdadeira espiritualidade. Quando a consciência testemunha em relação a uma pronta resposta para com Deus e quando o Espírito testemunha quanto à aceitação que Deus dá à nossa fé e obediência, então os dois tornam-se um.
A consciência pode ser comparada à janela de um quarto, através da qual a luz do céu brilha e através da qual nós podemos ver o céu. O coração é a câmara na qual nossa vida habita, nosso ego, nossa alma, com seus poderes e afeições. Sobre as paredes dessa câmara está escrita a lei de Deus. Mesmo nos povos pagãos ela é ainda parcialmente legível, embora tristemente obscurecida e desfigurada. No crente, a lei está escrita pelo Espírito Santo em letras de luz, as quais são freqüentemente turvas no princípio, mas tornam-se mais claras e brilhantes conforme são expostas às luz que vem de fora. Em cada pecado que eu cometo, a luz que brilha interiormente torna-o manifesto e o condena. Se o pecado não é confessado e abandonado, a mancha permanece, e a consciência torna-se corrompida porque a mente rejeita o ensino da luz (Tito 1:15). E assim, com o pecado sobre pecado, a janela fica mais e mais escura, até que a luz mal pode brilhar através dela e o cristão pode pecar sem perturbação – uma consciência em grande parte cega e sem sentimento. Em Seu trabalho de renovação, o Espírito Santo não cria novas faculdades: Ele renova e santifica aquelas que já existem. A consciência é uma obra do Espírito de Deus, na função de Criador. O Espírito de Deus, na função de Redentor, tem como Seu primeiro cuidado restaurar o que o pecado corrompeu. É somente restaurando a consciência à sua função plena e saudável e revelando nela a graça maravilhosa de Cristo, “o Espírito testifica com o nosso espírito”, que Ele habilita o crente a viver uma vida na plena luz do favor de Deus. É quando a janela do coração que olha em direção ao céu está limpa e é mantida assim que nós podemos andar na luz.
A obra do Espírito na consciência é tripla. Através da consciência, o Espírito faz com que a luz da lei santa de Deus brilhe dentro do coração. Um quarto pode ter as cortinas puxadas, ou mesmo as venezianas fechadas: e isto não impede que a luz do relâmpago, de tempo em tempo, brilhe nas trevas. A consciência pode estar tão corrompida e cauterizada pelo pecado que o forte homem no interior habite em paz. Quando o relâmpago do Sinai brilha no coração, a consciência desperta e está pronta a admitir e sustentar a condenação. Tanto a lei quanto o evangelho, com o seu chamado ao arrependimento e sua convicção de pecado, apelam para a consciência. É apenas quando a consciência concorda com o peso da transgressão e descrença, que o livramento pode verdadeiramente vir.
É através da consciência que o Espírito, do mesmo modo, faz com que a luz da misericórdia brilhe.     Quando as janelas de uma casa estão manchadas, elas podem ser lavadas. “Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno a Si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência de obras mortas para servirmos ao Deus vivo” (Hb 9:14; 10:2,22). O alvo do sangue de Cristo é alcançar a consciência, para silenciar suas acusações, e limpá-la, até que ela possa testificar: toda mácula está removida; o amor do Pai faz com que Cristo, em brilho descoberto, irradie em minha alma. Este é o privilégio de cada crente. Isso se torna certo quando a consciência diz amém à mensagem de Deus a respeito do poder do sangue de Jesus.
A consciência que foi purificada no sangue deve ser mantida limpa por um andar em obediência de fé, com a luz do favor de Deus brilhando sobre ela. Diante da promessa de que o Espírito de habitação tomaria a seu encargo a liderança em toda a vontade de Deus, a consciência deve concordar e testificar que Ele tem realizado esta obra. O crente é chamado a andar em humildade e vigilância, a fim de que em nada sua consciência o acuse de não ter feito o que ele sabia ser certo ou ter feito o que não provém de fé. Ele deve estar contente com nada menos do que o testemunho de Paulo: “Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência, de que com simplicidade e sinceridade de Deus, não com sabedoria carnal, mas na graça de Deus, temos vivido no mundo” (II Co 1:12). (Compare At 23:1; 24:16; II Tm 1:3). Note bem estas palavras: “nossa glória é esta: o testemunho de nossa consciência”. É quando a janela é mantida limpa e brilhante por nossa habitação na luz que nós podemos ter comunhão com o Pai e com o Filho. O amor do céu brilha descoberto em nosso interior, e nosso amor responde em confiança infantil.
A manutenção de uma boa consciência em relação a Deus é essencial para a vida da fé. O crente não deve se contentar com nada menos que isso. Ele deve estar certo de que isso está ao seu alcance. Os crentes do Velho Testamento tiveram pela fé o testemunho de terem agradado a Deus (Hb 11:4-6, 39). No Novo Testamento, ela se coloca diante de nós não somente como um mandamento a ser obedecido, mas também como uma graça concedida pelo próprio Deus. “Para que possais andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda a boa obra, e crescendo no conhecimento de Deus; corroborados em toda a fortaleza, segundo a força da sua glória... para que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação, e cumpra todo o desejo da sua bondade, e a obra da fé com poder... operando em vós o que perante ele é agradável” (Cl 1:10-11; II Ts 1:11; Hb 13:21). Quanto mais buscamos esse testemunho da consciência – de que estamos fazendo o que é agradável a Deus – mais sentiremos a liberdade daquelas falhas que nos impedem de olhar imediatamente para o sangue de Cristo. O sangue que limpa a consciência age no poder da vida eterna que não conhece interrupção ou mudança e que salva completamente. “Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1 Jo 1:7).
A causa da fraqueza da nossa fé é a falta de uma consciência limpa. Perceba como Paulo conecta as duas coisas em I Timóteo: “o amor de um coração puro, e de uma boa consciência, e de uma fé não fingida” (1:5). “Conservando a fé, e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando, fizeram naufrágio na fé” (1:19). E especialmente (3:19), “Guardando o mistério da fé numa consciência pura”. A consciência é o fundamento da fé. Aquele que deseja se fortalecer na fé e ter confiança para com Deus deve saber se O está agradando (I Jo 3:21-22). Jesus disse claramente que é para os que O amam e guardam Seus mandamentos que a promessa do Espírito é dirigida. Como poderíamos reivindicar confiadamente essa promessa, a não ser que em simplicidade infantil nossa consciência possa testificar que preenchemos os requisitos? Até que a igreja possa subir à altura de seu santo chamado como intercessora, e reivindicar essas promessas ilimitadas que estão ao seu alcance, os crentes se aproximarão de seu Pai, regozijando-se, como Paulo, no testemunho de sua consciência – de que pela graça de Deus estão andando em santidade e sinceridade divina. Devemos perceber que esta é a mais profunda humildade e traz a maior glória para a graça ofertada por Deus – desistir das nossas idéias do que podemos alcançar e aceitar a declaração de Deus sobre o que Ele deseja e promete como o padrão daquilo que devemos ser.
Como essa vida bendita na qual podemos apelar diariamente a Deus e aos homens como Paulo: “Em Cristo digo a verdade, não minto (dando-me testemunho a minha consciência no Espírito Santo)” pode ser atingida? O primeiro passo é se humilhar debaixo da reprovação da consciência. Não se contente com uma confissão geral de que algo está errado. Acautele-se da confusão entre transgressão real e tentação para o pecado. Se quisermos morrer para o pecado pelo Espírito de habitação, devemos primeiro lidar com a prática do pecado. Permita que o trabalho da consciência em silenciosa submissão e humilhação reprove e condene qualquer pecado. Diga para o seu Pai que você, pela Sua graça, irá obedecer – mesmo nas menores coisas. Aceite novamente a oferta de Cristo de tomar posse inteiramente do seu coração, habitar em você como Senhor e cuidador. Confie que Ele, pelo Seu Espírito Santo, o fará mesmo quando você se sentir fraco e desamparado. Lembre-se que a obediência, o tomar e guardar as palavras de Cristo em sua vontade e vida, é o único caminho para provar a realidade de sua rendição a Ele e o seu interesse em Sua obra e graça. Vote em fé que pela graça de Deus você irá procurar sempre ter uma consciência vazia de ofensa a Deus e aos outros.
Quando você seguir esses passos, estará sendo fiel em manter sua consciência pura, e a luz do céu irá resplandecer de forma mais brilhante no seu coração, revelando o pecado e enfatizando a lei escrita lá pelo Espírito. Esteja disposto a ser ensinado; confie que o Espírito irá ensiná-lo. Todo o esforço para manter limpa a consciência que foi lavada pelo sangue será acompanhado da ajuda do Espírito. Renda-se de todo o coração à vontade de Deus e ao poder do Seu Espírito Santo.
Conforme você se curva à reprovação da sua consciência e se entrega completamente para fazer a vontade de Deus, sua coragem se fortalecerá, tornando possível ter uma consciência vazia de ofensa. O testemunho da consciência sobre o que você está fazendo e irá fazer, pela graça, será acompanhado pelo testemunho do Espírito sobre o que Cristo está fazendo e irá fazer. Em simplicidade infantil você irá procurar começar cada dia com a simples oração: Pai, não há nada agora entre o Senhor e Seu filho. Minha consciência, divinamente limpa no sangue, dá testemunho disso. Não permita que nem mesmo a sombra de uma nuvem intervenha nesse dia. Em tudo quero fazer a Sua vontade: Seu Espírito habita em mim, e me guia, e me fortalece em Cristo. Você entrará na vida que se regozija somente na graça, e que diz ao fim de cada dia: nosso gozo é esse, “o testemunho de nossa consciência” de que em santidade e divina sinceridade, pela graça de Deus, nos conduzimos neste mundo.

O Espírito de Intercessão


Capítulo XVIII

E aquele que examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito; e é ele que segundo Deus intercede pelos santos.
Romanos 8:27

Dos ofícios do Espírito Santo, aquele que nos leva mais profundamente ao entendimento do Seu lugar na economia da graça divina e do mistério da Santa Trindade é a obra que Ele faz como o Espírito de intercessão. Temos o Pai para quem intercedemos e que ouve a intercessão. Temos o Filho através de quem intercedemos e através de quem recebemos e nos apropriamos da resposta por causa de nossa união com Ele. E temos o Espírito Santo por quem intercedemos, que intercede em nós, de acordo com a vontade de Deus, com sons tão profundos, inexprimíveis, que Deus escrutina nossos corações para conhecer a mente do Espírito. Tão graciosa e real quanto a divina obra de Deus no trono, ouvindo graciosamente nossas preces, é a obra do Filho assegurando e transmitindo a resposta do alto, e a obra do Espírito Santo em nós, intercedendo em nosso favor. A intercessão interior é tão divina quanto a intercessão do alto. Vejamos por que razão é assim, e o que isso nos ensina.

Na criação do mundo vemos como foi obra do Espírito colocar-Se em contato com a matéria escura, caótica e sem vida e por Sua energia avivadora conceder a ela o poder da vida e da frugalidade. Foi somente depois de ser vitalizada por Ele que a Palavra de Deus a esculpiu e originou as várias formas de vida e beleza de que agora desfrutamos. Da mesma forma, na criação do homem foi o Espírito que foi soprado no corpo que havia sido formado da terra e que se uniu àquilo que, doutra feita, seria apenas matéria morta. Mesmo na pessoa de Jesus, um corpo foi preparado para Ele através da obra do Espírito. Através do Espírito Seu corpo ressurgiu do túmulo e é através do Espírito que nossos corpos são tornados templos de Deus – os próprios membros de nosso corpo, membros de Cristo. Pensamos no Espírito em relação com a natureza espiritual do ser divino, distante da vileza e fragilidade da substância física. Mas é obra do Espírito unir-Se especificamente com o que é material, elevá-lo à Sua própria natureza espiritual, e assim criar a mais elevada forma de perfeição – um corpo espiritual.

Esta visão da obra do Espírito é essencial para o entendimento do lugar que Ele tem na divina obra da redenção. Em cada parte dessa obra há um ofício especial designado para cada uma das três pessoas da Trindade. O Pai é o Deus invisível, o Autor de tudo. O Filho de Deus é a forma de Deus revelada, tornada manifesta, e trazida para perto de nós. O Espírito de Deus é o poder de Deus habitando em Seu povo e operando nele o que o Pai e o Filho desejam para nós. Não só individualmente, mas na igreja como um todo, o que o Pai propôs e o Filho buscou, pode ser apropriado e levado a termo no corpo de Cristo somente através da intervenção contínua e da operação ativa do Espírito Santo.

Isto é especialmente verdadeiro a respeito da oração intercessória. A vinda do reino de Deus, o crescimento na graça, conhecimento e santidade nos crentes, sua crescente devoção à obra de Deus, a obra efetiva do poder de Deus nos não convertidos através dos meios de graça – tudo isso Deus tem para nós através de Cristo. Mas essas coisas não podem vir a menos que sejam desejadas e buscadas, ansiadas, cridas e esperadas. Esta é a maravilhosa posição que o Espírito Santo ocupa – para Ele foi designada a tarefa de preparar o corpo de Cristo para alcançar, receber e se assegurar daquilo que foi providenciado na plenitude de Cristo, nosso Cabeça. Para que sejam comunicados o amor e a bênção do Pai, tanto o Filho quanto o Espírito têm de trabalhar. O Filho recebe do Pai, revela e nos aproxima; o Espírito interior desperta a alma para ter com seu Senhor. Tão indispensável quanto a obra incessante de Cristo, pedindo e recebendo do Pai, é a incessante intercessão do Espírito.

A luz que é lançada sobre este santo mistério pelas palavras do texto que tomamos é impressionante. Na vida de fé e oração há operações do Espírito nas quais a Palavra de Deus é esclarecida ao nosso entendimento, e nossa fé aprende a expressar aquilo que pede e de que precisa. Mas há também operações do Espírito, mais profundas que os pensamentos ou sentimentos, em que Ele produz desejos e anseios no nosso espírito, nas fontes secretas da vida, que só Deus pode descobrir e entender. Há o desejo por “conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento” e de ser “cheios de toda a plenitude de Deus”, a esperança Naquele “que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além do que pedimos ou pensamos” (Efésios 3:19-20), mesmo o que “não subiu ao coração do homem” (I Coríntios 2:9). Quando essas aspirações tomam posse de nós, começamos a orar pelo que não pode ser expresso, e nosso único conforto é que o Espírito intercede em nós com gemidos inexprimíveis numa língua que só Ele conhece e entende.

Aos Coríntios, Paulo diz: “Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento” (I Coríntios 14:15). Sob a influência do mover do Espírito Santo e de Seus miraculosos dons, o perigo era negligenciar o entendimento. O perigo nesses últimos dias é o oposto, orar com o entendimento é universal. Devemos nos lembrar que junto com a oração do entendimento deve haver oração no Espírito (Judas 1:20, Efésios 6:18). Devemos dar o lugar devido à cada uma das operações do Espírito. A Palavra de Deus deve habitar ricamente em nós, nossa fé deve se agarrar clara e inteligentemente a ela, e nós devemos pleiteá-la em oração. Devemos ainda nos lembrarque no santuário mais íntimo do nosso ser, na área do inexprimível e inconcebível, o Espírito intercede por nós aquilo que não sabemos e não conseguimos expressar (I Coríntios 2:6-11). Conforme crescemos na compreensão da divindade do Espírito Santo, e a realidade de Sua habitação, devemos reconhecer quão infinitamente além do alcance de nossas mentes está a avidez divina com que Ele nos dirige aos céus. Devemos sentir a necessidade de cultivar a atividade de fé que procura se ater e obedecer a Palavra de Deus e daí aprender a orar. Conforme oramos, nos lembraremos o quanto Deus e o mundo espiritual em que entramos pela oração estão infinitamente acima de nossa compreensão. Creiamos e nos regozijemos porque onde falham o coração e a carne, Deus é nossa força; Seu Santo Espírito no santuário interior de nosso espírito faz Sua obra incessante de intercessão e ora em nós de acordo com a vontade de Deus. Conforme oramos, adoremos em santa quietude, e rendamo-nos ao bendito Parácleto, que é o único e verdadeiro Espírito de súplica.

“Não sabemos o que havemos de pedir como convém”, mas “é Ele que segundo Deus intercede pelos santos” (Romanos 8:26-27). É especificamente na oração intercessória que podemos contar com a profunda, inexprimível, mas prevalecente intercessão do Espírito.

Que privilégio ser o templo do qual o Espírito Santo clama ao Pai seu incessante “Aba” e oferece seus louvores profundos demais para serem colocados em palavras. Que idéia maravilhosa é que o Filho eterno habitou na carne em Jesus de Nazaré e orou ao Pai como homem, e também que o Espírito eterno habita em nós – carne pecaminosa que somos – e fala ao Pai através de nós assim como fez o Filho. Quem não se renderia a este bendito Espírito para se tornar aceitável para compartilhar da poderosa obra intercessória através da qual somente o reino de Deus pode ser revelado? O caminho está aberto e nos convida a todos. Permita que o Espírito Santo tenha pleno controle sobre sua vida. Creia na possibilidade de Ele tornar a sua personalidade e consciência o lugar de Sua habitação. Creia na certeza de Sua obra e intercessão através de você de uma forma que nenhuma mente humana pode compreender. Creia que na secreta, calada, perseverança dessa obra, Seu imenso poder está aperfeiçoando o divino propósito do seu bendito Senhor. Viva como alguém em quem aquilo que ultrapassa o entendimento se tornou verdade e vida, em quem a intercessão do Espírito é parte da vida diária.

Sumário

1.    Lendo sobre o lugar do Espírito Santo na oração intercessória, podemos entender melhor as orações do nosso Senhor em Sua última noite na terra com seus repetidos “Não se faça a minha vontade, porém a Tua” e “Seja feita a Tua vontade” (Mateus 26). Ele pretende que tenhamos o Espírito Santo orando em nós e através de nós, guiando nossos desejos e fortalecendo nossa fé. Ele espera que rendamos todo o nosso ser à habitação do Espírito para que Ele ore livremente através de nós de acordo com a vontade de Deus.

2.    “Não sabemos o que havemos de pedir como convém” (Romanos 8:26): quão frequentemente isso tem sido um peso, um sofrimento! Que isso de agora em diante seja um conforto. Porque nós não sabemos, devemos ficar de lado e dar lugar Àquele que sabe. Podemos crer que em nossa gagueira, às nossas vistas, o intercessor está pleiteando por nós. Não temamos em crer que em nossa ignorância e fraqueza o Espírito Santo está fazendo a Sua obra.