ESTUDO DA EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS - EFÉSIOS 3
Por: M. D. Lloyd Jones
"E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou; para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus, segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor." Efésios 3:9-11
Com estas palavras, como a palavra “E” indica, o apóstolo dá conti¬nuidade ao tema sobre a tarefa do ministério cristão, de tornar conhe¬cida a mensagem do evangelho. Até aqui ele esteve tratando dos benefícios pessoais particulares, individuais, que todos nós podemos auferir se cremos no Senhor Jesus Cristo e em Seu evangelho. Mas a mensagem não pára nesse ponto. Paulo continua: "E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou". Noutras palavras, a mensagem cristã e a salvação cristã não são unicamente pessoais. O evangelho é pessoal, e sempre começa com o pessoal; porém vai além do pessoal e do individual, abrangendo algo maior e mais amplo. Este amplo propósito é alcançado, como veremos, por meio do pessoal; todavia é importante para nós que compreendamos que o evangelho de Jesus Cristo, além e acima do que nos dá a título de salvação pessoal, tem também um âmbito maior, um escopo mais amplo. Para isto o apóstolo chama a atenção dos efésios nestes três versículos.
O evangelho sempre tem que ser pregado num mundo de problemas e sofrimentos, de guerras e derramamento de sangue, mundo em que as pessoas vivem perplexas e levantando questões. A questão mais comum que o mundo apresenta à Igreja é: que é que o cristianismo tem para dizer sobre a situação mundial? Que é que o cristianismo tem para dizer acerca de todos os problemas que confrontam a humanidade de maneira tão aguda na época atual? O cristianismo oferece alguma esperança? Tem ele alguma luz para dar-nos na situação, na angustiosa situação em que nos encontramos? Estas questões são perfeitamente legítimas e justas; na verdade, devemos incentivar as pessoas a fazê-las mais e mais, pois nestes três versículos temos a inspirada resposta do apóstolo precisamente a estas questões. Nada é mais relevante para a situação da hora presente do que a declaração que temos diante de nós. De fato não há questão que possa ocorrer a qualquer homem, que não seja respondida de maneira completa e final nalgum lugar das Escritu¬ras Sagradas. Assim, que é que o cristianismo tem para dizer a respeito do mundo? Há alguma esperança de paz duradoura? Poderá esta mensagem, de um modo ou de outro, estabelecer a concórdia e a amizade entre as nações e entre os homens, que os homens do mundo inteiro dizem esperar e desejar? Em resposta só temos que mostrar e expor o que o apóstolo diz nestes três versículos. Ao fazê-lo, lembremo¬-nos de que isto não é uma opinião do apóstolo Paulo, mas lhe foi "dado", foi-lhe "revelado". Não é sua filosofia pessoal, no entanto é o que o Senhor Jesus Cristo lhe comunicou. Noutras palavras, vamos considerar a resposta de Deus às questões e problemas que afligem a humanidade no presente.
A primeira coisa que o apóstolo diz é que há muita obscuridade com respeito a todo este assunto. Diz ele: "E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério". A palavra ver (que aparece na Versão Autorizada), devo assinalar, não traduz adequadamente a palavra que o apóstolo empregou e que significa "iluminar", "infundir luz", "der¬ramar luz sobre" (Almeida: "demonstrar"). Uma parte da sua vocação, diz ele, é iluminar as mentes dos homens com relação a este problema - sendo a implicação, como já disse, que há grande escuridão nas mentes dos homens quanto a isso tudo.
Se os homens e as mulheres fossem sinceros, estariam prontos a confessar a sua ignorância. Para vocês estaria claro o que está aconte¬cendo no mundo? A situação atual enquadra-se em sua filosofia e em suas idéias quanto à vida, à história e ao homem? Quando leio periódicos, livros e jornais parece-me haver densas trevas e terrível confusão. Naturalmente há muitas teorias que ainda estão sendo propostas, como sempre o foram, teorias que tentam explicar o curso da história e o que está acontecendo no mundo. Há alguns que dizem - e talvez esta seja a teoria mais popular no momento, porque por trás está o nome do professor Arnold Toynbee - que todo o processo da história é, num sentido, mera questão de ciclos. Um grande poder se levanta, mas o próprio fato de que se levanta significa que ele estimula aqueles que ele tende a manter por baixo e a oprimir, a se levantarem contra ele. Não só isso, mas, visto que chegou a uma posição de supremacia, ele tende a afrouxar os seus esforços, de modo que há uma espécie de semente de decadência em sua grandeza e em sua glória. Assim, como a sua tendência é decair, outros poderes, estimulados pelo declínio daquele, tendem a elevar-se; e vem o tempo em que aquele grande poder é sobrepujado por estes outros poderes. Aquele cai, estes se levantam; porém estes, por sua vez, ao levantar-se, acabam provo¬cando outros a levantar-se contra eles, e assim se repete todo o processo. Essa, diz Toynbee, é a explicação da história - levantamen¬to e queda; não há nenhum progresso real; os homens simplesmente ficam girando e girando em círculos. Se olharmos para a história superficialmente, parecerá haver muita coisa em favor dessa idéia. Muitos grandes impérios, nações e reinos se levantaram, cresceram, tornaram-se poderosos, e depois se enfraqueceram; e o mundo ainda parece ser muito parecido com o que já foi.
Outro grande historiador, o finado sr. H. A. L. Fisher, dizia com toda a honestidade e franqueza que, depois de passar a vida toda estudando a história, chegara à conclusão solene e simples de que não se encontra nenhum propósito na história. Nela, diz ele, parece que não há finali¬dade ou propósito, não há nela objetivo de nenhuma espécie. Muitos concordam de todo o coração com o seu profundo pessimismo quanto à vida e à história. As coisas simplesmente acontecem, e ninguém sabe por que ou por qual razão.
Outro grupo, não tão propalado como outrora, consiste dos otimis¬tas e humanistas, assim chamados. Eram pessoas que falavam aos brados e vociferavam no fim da era vitoriana e no período de Eduardo VII. Um dos sinais mais seguros do entendimento cristão é o que vemos através da loucura total do vitorianismo e do eduardianismo, com o seu otimismo completamente falso. Eles criam que o mundo ia adiantar-se, desenvolver-se e progredir inevitavelmente. Com Tennyson eles ento¬avam cânticos sobre a vinda do "Parlamento do homem" e da "Fede¬ração do mundo". Esperava-se que o século vinte seria maravilhoso, como resultado do conhecimento secular, especialmente do conheci¬mento cientifico, da educação e da cultura. Quanto à Bíblia, eles se apegavam ao ensino ético, moral do Senhor Jesus no Sermão do Monte. Mas, naturalmente, eles eram inteligentes demais, eram demasiado científicos, para acreditarem em milagres e no sobrenatural. Se ensi¬nássemos a todos a "ética de Jesus", todos os homens se abraçariam e seriam amigos uns dos outros, e nunca mais haveria guerra. Não ouvimos falar muito disso agora, e certamente não é de admirar. Havendo nós experimentado os horrores das duas guerras mundiais, e à luz do que está acontecendo no mundo nos dias atuais, há pouca evidência que sugira termos chegado à idade de ouro em que os homens, tendo conseguido a sanidade pela educação, transformam as suas espadas em arados. As evidências apontam para uma conclusão quase oposta. O louco e insulso otimismo dos períodos vitoriano e eduardiano, que se prolongaram até 1914, e que alguns tentaram fazer reviver mesmo depois de 1918, apresentam um aspecto deveras patético hoje.
O fato é, digo eu, que a humanidade está realmente às escuras sobre a situação mundial em geral. A despeito de todo o pensar dos maiores pensadores, e de todas as tentativas de elaboração de um plano ou esquema quanto à história, e de oferecer uma esperança quanto ao futuro, não há nada senão trevas. Na verdade, intelectualmente falando, a presente situação é precisamente aquela que foi descrita repetidamen¬te pelo escritor do livro de Eclesiastes: "Vaidade de vaidades! é tudo vaidade". Ou, como Paulo descreve a situação dos gentios, no capítulo 2 de Efésios: "Sem esperança". Esta é a situação do mundo na hora presente. Densas trevas!
As grandes novas do evangelho, diz Paulo, consistem em que, apesar das trevas, a luz está disponível, porém unicamente no evange¬lho. Ele foi chamado, não somente para pregar "as insondáveis riquezas de Cristo" num sentido pessoal, e sim para fazer que todos os homens pudessem ver. Sua missão era esclarecer, iluminar, lançar luz sobre a situação mundial. Há luz! Esta é a reivindicação da Bíblia em geral e do evangelho em particular. Diz-nos o apóstolo que lhe fora dado este grande e elevado privilégio de manter esta luz perante os gentios, perante todos os homens, para propiciar-lhes entendimento e discernimento do que estava acontecendo e do que ia acontecer no mundo deles. Esta era a reivindicação do próprio Senhor Jesus Cristo. Disse Ele: "Eu sou a luz do mundo", e proferiu as palavras de tal maneira que significam, "Eu, e somente eu, sou a luz do mundo". Vocês jamais obterão esta luz dos seus estadistas, nem dos seus filósofos, nem dos seus sociólogos, nem dos seus humanistas,nem dos seus hedonistas. Não há luz em parte alguma, exceto aqui, no Senhor Jesus Cristo. Ai está por que a Igreja Cristã ocupa nesta hora uma posição tão importan¬te e singular. Ela e a única corporação que tem uma mensagem capaz de oferecer luz às pessoas; ela é chamada para iluminar.
Eis a luz que o apóstolo recebera para dar a todos os homens: "Fazer que todos os homens vejam qual é a comunhão do mistério" (AV). "Comunhão" é uma tradução infeliz; realmente significa "plano" do mistério, ou "administração" do mistério, ou "mordomia" (ou "dispensaçâo", Almeida) do mistério, ou "concretização" do mistério. Este é o plano de Deus para as eras. Paulo repete a afirmação no versículo 11: "Segundo o eterno propósito", o propósito das eras, "que fez em Cristo" - o qual já começara a pôr em execução - "em Cristo Jesus nosso Senhor".
Como uma parte da fé cristã, isto é absolutamente fundamental. Deus tem um plano, um propósito, um grande esquema para a totalida¬de da vida neste mundo, e para o homem. A Bíblia é a grande revelação desse plano e propósito. Há tolos e ignorantes que afirmam que a Bíblia é abstrata, e que eles querem algo prático. Assim, vão em busca do seu jornal ou de algum outro meio de informação. Voltam-se para os historiadores e filósofos. Acaso encontram o que procuram? Se querem algo prático, devem ir à Bíblia. O tema geral deste Livro, a sua grande e única mensagem, é dar aos homens entendimento da vida neste mundo - o que há quanto a ela e o que vai ser dela. Portanto, isto vem a ser um teste muito bom, para ver se somos cristãos de verdade. Porventura conhecemos o plano de Deus para este mundo? Isso faz parte do conhecimento cristão. Os cristãos devem ter uma compreen¬são única da situação do mundo neste momento; se não a têm, são muito pobres, e são cristãos muito ignorantes. Demoramos demais nas bênçãos pessoais, e passamos nosso tempo tomando nosso pulso espiritual e nos mimando espiritualmente. Contudo, se queremos ajudar outros, devemos ir além. Precisamos ter uma compreensão do plano de Deus para o cosmos em geral, se é que desejamos tirar estas densas trevas das mentes das pessoas na hora presente.
A segunda coisa que o apóstolo diz é que este plano estava na mente de Deus antes do início do tempo. Ele escreve: "E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos"- ou "desde o princípio das eras" - "esteve oculto em Deus". Deus o manteve oculto até quando Cristo veio e começou a revelá-lo; até então, através dos séculos e das eras, esteve oculto na mente de Deus. Entretanto estava lá! Esta é a grande verdade que precisamos captar. Graças a Deus por isso! A história não saiu das mãos de Deus. A primeira coisa necessária a ser compreendida é que Deus não depende do fluxo do tempo. Ele não está sujeito às mudanças da política das nações, às mentiras e à desonestidade. Está inteiramente acima disso tudo. Ele habita na eternidade. Ele olha sobranceiramente o tempo e o mundo, mas não lhes está sujeito. Seguramente, o fato mais consolador que se pode descobrir num tempo como este é que o plano de Deus foi projetado perfeito e completo antes de criar-se o mundo, antes de iniciar-se o processo do tempo. Ele subsiste independentemente de tudo quanto acontece; e é indubitavelmente certo. Nada é contingente no que se refere ao plano de Deus. Deus nunca teve que improvisá-lo ou que modificá-lo por causa de algo que alguém mais tenha feito. É plano existente desde antes do início das eras, desde antes de haver sido criado o próprio tempo. É um propósito eterno. Se, à luz dessa verdade, vocês não se sentem firmados na "Rocha dos Séculos", duvido que sejam cristãos. Trata -se da nova mais gloriosa que se pode receber num mundo como este.
Quando desaba tudo ao meu redor,
Ele é minha esperança e meu esteio.
Em Cristo, a Rocha sólida, me firmo;
todo outro solo é areia movediça.
Depois diz o apóstolo que esta verdade esteve oculta. Chama-lhe mistério, e vimos que um mistério é uma coisa que existe, porém ainda não foi revelado plenamente, e que a mente humana jamais o pode alcançar por seu próprio esforço. Todavia Deus o revelou, diz o apóstolo. Há uma diferença entre a situação no passado e o que se dá agora. Tinha estado oculto através dos séculos, mas "... agora", diz ele, "pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus será conhecida dos principados e potestades nos céus". É-nos dada a idéia de que aqueles fulgentes espíritos angelicais foram levados a perquirir; sabiam que Deus estava para realizar alguma coisa, no entanto não sabiam o quê. Precisavam ser iluminados pela Igreja, diz Paulo, pelo que acontece comigo e com vocês. Contudo, mesmo sem ter sido revelado ainda, o plano e propósito de Deus lá estava, e estava sendo executado por Deus paulatinamente e com segurança. Vê-se isto em toda a história do Velho Testamento, através do qual ele passa como um fio de ouro, bastando que vocês tenham olhos para vê-lo. Muitas vezes parece que as coisas vão mal, porém o propósito de Deus continua a avançar persistentemente; embora oculto, continua existindo. Através dos séculos sempre existiu um propósito eterno de Deus, seguro e certo.
Isso nos leva à indagação crucial: qual é este plano que Deus determinou antes da fundação do mundo, que Ele manteve oculto dos homens e dos anjos, que, não obstante, continua existindo e em processo de execução? A resposta é dada na frase final do versículo 9: "E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou". Por que é que Paulo, ao falar do nome de Deus, acrescenta, "que tudo criou"? Aí eu encontro a chave para a resposta a esta pergunta. O apóstolo nos relembra o fato de que, afinal de contas, este mundo é de Deus. Não é do homem; é dAquele "que tudo criou". Se já houve tempo em que o homem necessitava ouvir a verdade sobre a criação, é agora. Temos nos tomando tão inteligentes... Dividimos o átomo! Como somos prodigi¬osos, como somos maravilhosos! Acreditamos que fizemos tudo e que somos responsáveis por todas as coisas. Não passamos de guias cegos em nossa ignorância! Este mundo é de Deus - "Ele criou todas as coisas". Se vocês desejam tentar compreender o que está acontecendo no mundo hoje, este é o ponto donde deve partir. Este mundo não foi trazido à existência pelo homem, e sim por Deus. Ele o fez, e o fez perfeito. Nunca foi projetado para ser o que é agora; o que vemos é apenas uma caricatura dele. Este mundo não é como Deus o fez. Fundamentalmente é, mas o pecado e o mal trouxeram o mundo para a sua presente condição. O pecado introduziu nele os conflitos, o derramamento de sangue, o despeito, a malícia, a inveja, o ódio e todas as demais coisas vis e abomináveis. O que vem descrito com tanta perfeição nos primeiros capítulos de Gênesis é a causa do nosso problema. Deus fez o mundo, olhou para ele e viu "que era muito bom" (Gênesis 1:31). Era perfeito, era um paraíso.
Uma parte da mensagem do evangelho visa levar os homens a terem isto em mente com clareza. Este mundo é de Deus, a Ele pertence. O homem fez dele o que ele é porque, em sua loucura, deu ouvidos à ten¬tação de Satanás. No entanto - o e aí está a glória da mensagem - o plano de Deus é redimi-lo e restabelecer-lhe a perfeição. O apóstolo já dissera isso tudo no versículo dez do capítulo primeiro desta Epístola: Deus propusera "tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra”. Tudo será reunido em Cristo. Essa é a mensagem do evangelho para este nosso mundo dominado pela guerra, dilacerado, em conflito e perplexo. E o plano divino de reunir tudo, diz-nos Paulo, é para ser levado a efeito no Senhor Jesus Cristo e por meio dEle: "segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor".
Permitam-me asseverá-lo muito dogmaticamente: fora do Senhor Jesus Cristo não há nenhuma esperança para este mundo; Vocês encontraram alguma? Tomo a dizer: examinem os seus jornais, os seus livros de história, filosofia, poesia, ciência; façam o giro completo; onde existe algum vestígio de esperança? Não há nenhum. Mas Deus determinou restaurar todas as coisas em Cristo Jesus, nosso Senhor. Ele é o único caminho.
Ao passarmos a tecer considerações sobre como Deus realiza os Seus propósitos em Cristo Jesus, é essencial começar com certas negativas em vista da popularidade de falsos conceitos. Começamos dizendo que não se faz a obra simplesmente pregando o ensino ético de Jesus Cristo. De todos os ensinamentos fátuos e estultos de hoje, nenhum é mais errôneo do que aquele que afirma que tudo que precisamos fazer é tomar o ensino cristão e aplicá-lo à situação moderna. Alguns dizem que simplesmente temos que ensinar a ética de Cristo às pessoas, e elas a aplicarão. Dizem eles que os homens poderão ter paz no presente neste mundo se tão-somente aceitarem o ensino de Cristo e seguirem o Seu exemplo. Deliberada e solenemente afirmo que essa pretensão envolve uma das mais completas negações imagináveis da mensagem cristã. Como solução do problema do mundo, é comple¬tamente impossível. E por ser impossível é que Cristo veio e morreu na cruz. O Senhor Jesus Cristo veio a este mundo porque todos os homens e todo o seu planejamento falharam por completo.
Se o único requisito fosse que os homens fossem conclamados e estimulados a seguir o ensino e o exemplo de Cristo, então a lei que Deus tinha dado aos filhos de Israel por meio de Moisés teria resolvido o problema e acertado tudo. Se os homens praticassem os Dez Manda¬mentos e a lei moral, todos os problemas seriam solucionados. Jamais haveria outra guerra, jamais outra dificuldade. Contudo, os filhos de Israel fracassaram e não os cumpriram. Nem um só individuo cumpriu plenamente a lei. Escrevendo aos romanos, o próprio apóstolo acentua isso: "o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne... (8:3). A lei é perfeita, porém o homem tem que cumpri-la; e aí está a dificuldade. O homem não deseja cumprir a lei e não tem poder para cumpri-la. Portanto, pergunto, se o homem não pode guardar os Dez Mandamentos, como poderá guardar o Sermão do Monte? Se o homem não consegue nivelar-se aos seus próprios padrões, como poderá seguir o padrão do Senhor Jesus Cristo? Afirmar outra coisa é puro absurdo; é negar o evangelho. Quem pregar a fé cristã como se fosse apenas essa espécie de comportamento, estará negando a Cristo. Não poderia haver maior negação do evangelho. E pura heresia.
Então, como Deus realiza o Seu propósito em Cristo Jesus, nosso Senhor? A resposta já do dada no capítulo dois desta Epístola. Não é apenas que Cristo nos diz o que devemos fazer. O grande propósito de Deus é realizado por meio do que Cristo fez por nós. A salvação é atividade de Deus, não é nossa - nem sua nem minha. "Somos feitura sua, criados em Cristo Jesus." É o que Deus fez e faz em Cristo que ainda leva a efeito o grande propósito divino.
A primeira coisa de que todos nós necessitamos é sermos reconcilia¬dos com Deus. Não poderemos ser abençoados por Deus enquanto for¬mos Seus inimigos. Deus não nos abençoará, se não estivermos em cor¬re ta relação com Ele, se não estivermos reconciliados com Ele. Como o homem pode ser reconciliado com Deus? Há somente uma resposta: é mediante Jesus Cristo, e Este crucificado. "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados." "Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5:19-21). Esse é o primeiro fato. A inimizade terá que ser retirada de nós; temos que ser reconciliados com Deus, e Deus realiza isso em Cristo. Ele pôs os nossos pecados sobre Cristo, castigou-os nEle e, portanto, Ele olha para nós e nos perdoa. Ele faz de nós Seus filhos, Ele nos adota em Sua família.
Isso nos leva à estupenda declaração feita pelo apóstolo precisa¬mente neste versículo: "Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus". Quer dizer que Deus finalmente restabelecerá a paz, a unidade e a concórdia no mundo mediante Cristo e por intermédio da Igreja. Deus, que no princípio criou o mundo e o fez perfeito, que segundo a Sua inescrutável vontade tolerou e permitiu que o pecado e o mal entrassem por meio do diabo, determinou restabelecer à perfeição o universo inteiro - porque é Seu mundo. Planejou fazê-lo por meio de uma nova criação. Uma parte dessa nova criação é a Igreja. Isso constitui uma parte vital da mensagem bíblica. A situação do homem em pecado é tal, que nada menos do que uma nova criação poderá resolvê-la. A humanidade jamais poderá ser levado de volta à perfeição mediante as diversas aplicações externas. É necessário haver um novo princípio, uma nova criação. E o que Deus está fazendo em Cristo é trazer à existência esta nova criação, esta nova humanidade, este novo corpo, este "homem novo" em Cristo, que inclui o judeu e o gentio; noutras palavras, a Igreja. Todas as divisões são abolidas, uma nova realidade é trazida à existência. Não é que os judeus e os gentios são fixados frouxamente uns nos outros, porém ambos são criados de novo e, com isso, são amoldados num só corpo, do qual todos eles se tornam membros.
Esta é a parte principal da grande mensagem do cristianismo. Desde quando o Senhor Jesus Cristo esteve neste mundo, esta nova humani¬dade está sendo formada. Guerras e períodos de paz têm-se alternado; tem havido tempos de derramamento de sangue e tempos de concórdia. Nada senão isto encontramos nos livros da história secular. Entretanto, vemos mais do que a simples exibição externa - vemos Deus, em cada geração, atraindo do mundo um povo para Si, criando pessoas de novo em Cristo Jesus, acrescentando-as à Igreja. Vemos um novo corpo, uma nova humanidade, congregando-se, propagando-se, aumentando, progredindo e desenvolvendo-se - algo absolutamente novo! Vemos uma nova raça de seres humanos, Cristo o primogênito, e todos nós nascidos dEle. Vemos Deus juntando-os, preparando-os e a nós para o dia da manifestação. É um processo progressivo. Vocês o vêem agora? Está em avanço neste momento. E o grande propósito de Deus, e será cumprido, até completar-se o Seu plano. E quando este se completar, Ele enviará de novo o Seu Filho a este mundo, cavalgando as nuvens do céu, como "Rei dos reis e Senhor dos senhores". Voltará para juízo e destruíra todos os Seus inimigos - Satanás e todas as suas hostes, e todos os que o seguiram, rejeitando a Cristo; na verdade, todo o mal, todas as iniqüidades e todo o pecado, em todos os seus tipos e formas, serão lançados no lago de fogo e de perdição. O universo será lavado e purificado.
Vem o dia, descrito pelo próprio Senhor como a hora da "regenera¬ção, quando o Filho do homem se assentará no trono da sua glória" (Mateus 19:28). Ocorrerá uma regeneração de todo o cosmos; até o mundo físico será perfeito. Haverá "novos céus e nova terra, em que habita a justiça" (2 Pedro 3: 13). "E o lobo morará com o cordeiro... o leão comerá palha como o boi" e "um menino pequeno os guiará" (Isaías 11 :6-7). Perfeição absoluta! Ela vem! É o fim definitivo do propósito de Deus. Há um mundo novo à nossa espera.
Um só Deus, uma lei, um elemento,
e um divinal evento, alto e remoto,
rumo ao qual a criação está em movimento.
É isso que foi revelado a Paulo; é o que ele anseia que todos os homens vejam; essa é a luz que brilha nas trevas hoje.
Devido isso ser plano de Deus, tem cumprimento absolutamente certo e seguro, pois Ele ainda é o Criador e este ainda é o Seu mundo. Ele ainda é o Deus que disse, "Haja luz" e "houve luz". Faça o homem o que quiser, faça o máximo que puder para frustrar este plano, nada o poderá impedir. Deus é Aquele que criou todas as coisas pela palavra do Seu poder e, apesar do inferno, Ele levará avante o Seu propósito. No Velho Testamento vemos como, a despeito de tudo que aconteceu contrariamente, Deus continuou com o Seu plano. Cristo veio; o rei Herodes tentou matá-la, os Seus inimigos tentaram estorvá-la e impedi-la; contudo, o plano prosseguiu. Crucificaram-na; mas Ele ressuscitou. Faça o mundo o que puder, solte-se o inferno - o propósito de Deus jamais poderá ser frustrado, porque Ele é o criador.
Deixem-me, porém, acrescentar isto: esta revelação do plano de Deus dá-nos apenas uns poucos pormenores de incidentes e aconteci¬mentos particulares. Muitos daqueles que o mundo considera grandes e de vital importância não são nem sequer mencionados - os cáiseres, os Hitler, os Stalin, e muitos outros. Ela não nos dá esses pormenores. É a importância que o homem se arroga que o leva a buscar essas coisas. Tudo quanto nos é dito repousa sobre o grande e eterno propósito. A Bíblia não trata de trivialidades, com meros incidentes do tempo. As nações podem levantar-se e cair, todavia o plano de Deus prossegue, firme e sem interrupção.
Além disso, o plano não pode ser modificado para adaptar-se aos caprichos e fantasias, aos gostos e aversões de qualquer indivíduo ou nação. Na verdade devemos estar preparados para algumas estranhas surpresas quanto a este plano. Às vezes poderemos pensar que tudo vai mal. As igrejas poderão estar vazias, e as pessoas perguntarão: onde está esse seu propalado plano de Deus? A resposta é que as igrejas estiveram vazias muitas vezes antes; porém na plenitude do Seu tempo, Deus envia um avivamento, e se for da Sua vontade, enviará outro.
No entanto, acima de tudo, afirmo e repito que o plano de Deus é sempre em termos do Senhor Jesus Cristo. Cristo é tanto o centro como a circunferência, Ele é tudo, tudo se cumpre nEle. Também se cumpre por meio da Igreja. Não há benefícios para ninguém, exceto para os que estão na Igreja. Se vocês não são cristãos, não têm direito de buscar a Deus para receber benefícios e bênçãos. Todas as Suas bênçãos vêm por meio de Cristo e por meio da Igreja aos que pertencem ao corpo. Tudo mais é incidental. Esta mensagem não oferece nenhuma esperan¬ça de paz na terra e entre as nações, enquanto Cristo não voltar para a Sua vitória final. Isso é uma parte essencial do evangelho. Na Bíblia não há vestígio de esperança de paz entre os homens e as nações neste mundo, enquanto Cristo não voltar e finalmente destruir o pecado e o mal. Enquanto houver pecado, luxúria e paixão no coração humano, haverá conflito e guerra. Não há nenhuma promessa que contrarie isso. Mas Cristo voltará, apesar de tudo; Ele derrotará os Seus inimigos, Ele extinguirá o pecado do universo. Então, e somente então, deixará de haver guerra, e a tristeza e o pranto desaparecerão. Depois a paz reinará universalmente e para todo o sempre.
Meu amigo, você se sente tentado a dizer que está decepcionado com esta mensagem, que a acha muito depressiva, que pensava que poderia ouvir falar de alguma esperança imediata para o mundo, e que perdeu o interesse pelo cristianismo? Se é assim, tenho duas coisas para dizer-lhe. A primeira é que, patentemente, você não é cristão, pois nenhum cristão fala dessa maneira. O cristão não está apenas interes¬sado em bem-estar e consolo pessoal. O cristão é alguém interessado na glória de Deus e na grandeza do Seu santo nome. Esse bem-estar que você procura é oferecido pelas seitas e pelas várias falsificações da mensagem cristã. Em segundo lugar, digo a quem quer que pensa que esta pregação é irrelevante e não ajuda os homens nas situações presentes, que esta é a única mensagem que lhes diz a verdade sobre a situação presente. É a única que explica por que o mundo é como é. Você acha que isto é irrelevante para você? Se acha, e se continuar com essa forma de pensar e com essa opinião até ir para o seu túmulo, virá o dia em que, de repente, descobrirá que não existia nenhuma outra coisa que fosse mais relevante. Você faz parte do propósito e plano de Deus. Deus "julgará o mundo com justiça", e como cidadão deste mundo você será julgado com justiça. Este é o propósito eterno que Deus estabeleceu antes da fundação do mundo. Ele certamente está sendo levado a efeito, e será levado a cabo. Todos os que pertencem ao diabo e às suas hostes, todos os que rejeitam este evangelho por não oferecer um pouco de bem-estar ou consolação temporária, todos os que rejeitam o Senhor ver-se-ão rejeitados naquele grande dia, e não ficarão na companhia dos que estarão se aquecendo ao fulgor da glória de Deus, e que estarão reinando com Cristo como "reis e sacerdotes de Deus" por toda a eternidade. Graças a Deus pela luz do evangelho nesta hora tenebrosa, luz que mostra que, a despeito de tudo que vemos no mundo, Deus ainda está no trono. Seu propósito certa e seguramente está sendo realizado; e está sendo realizado também em nós e por meio de nós, que somos verdadeiramente membros da Igreja, verdadeira¬mente membros do corpo de Cristo.
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