Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. Hebreus 4:12
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
CONTINUAÇÃO DO ESTUDO DA EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS
CAPÍTULO 6 - O ESTRANHO PROPÓSITO DE DEUS
Por. D. M. Lloid Jones
"Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus." – Efésios 3:10
Estas palavras vêm como parte da declaração que começa no versículo 9 e termina no versículo 11. É parte da explicação dada pelo apóstolo do propósito geral da sua vocação e do seu ministério. Vimos o que isto significa em função do plano de Deus para o mundo, do propósito de Deus para o mundo, plano que Ele está executando seguramente. Mas aqui, em conexão com essa segunda declaração, o apóstolo interpõe esta observação concernente aos principados e potestades. Mediante a mensagem do evangelho, diz ele, e como resultado da sua pregação, a saber, a colheita da Igreja da qual os cristãos efésios são parte integrante, a estonteante e estupenda verdade é que mesmo os principados e potestades nos lugares celestiais estão sendo cientificados. Alguma coisa está acontecendo por meio de todos quantos são membros da Igreja que até aumenta o entendimento destes augustos e poderosos seres. Esta é a matéria que devemos examinar agora.
Devemos dar-nos conta de que quando o apóstolo escreve sobre os principados e potestades nos lugares celestiais, ou nos céus, está se referindo aos anjos, incluindo-se os mais brilhantes e gloriosos deles. Alguns acham que a referência é, antes, aos anjos caídos, isto é, aos demônios. Contudo, me parece que, se aceitarmos esta interpretação, perderemos de vista o real objetivo que o apóstolo tem em mente aqui, e certamente perderemos a emoção e a glória daquilo que ele está dizendo. Sem dúvida, os anjos decaídos, os demônios, são levados a compreender e a ver a sua loucura total, em parte mediante a Igreja; porém o que vemos aqui é uma coisa mais estonteante ainda. Se tomarem esta expressão como se encontra nas Escrituras, verão que invariavelmente se refere aos anjos que sempre estão na presença de Deus; e o apóstolo está afirmando que o que está acontecendo na Igreja é tão estupendo, tão glorioso, que os fulgurantes seres angélicos que passaram toda a sua existência na presença de Deus, mesmo eles, ficam estonteados e maravilhados com o que vêem na Igreja e através dela. Estes anjos, criados por Deus, sempre estão na presença imediata de Deus; mas, de acordo com o apóstolo, o que acontece na Igreja é algo que eles nunca pensaram nem imaginaram. Sobrepuja o conhecimento e a compreensão deles, e até mesmo a sua imaginação. O que nos interessa é que esta informação concernente ao eterno propósito de Deus deveria chegar até eles; e a declaração é que é "pela igreja", por meio de nós. Noutras palavras, é-nos dado aqui um retrato da Igreja em sua dignidade, grandeza e glória que, em certo sentido, realmente parece sobrepujar toda e qualquer coisa que o apóstolo tenha dito a respeito dela. Certamente nada pode ser mais elevado que isto; examinemo-lo, pois, na forma de alguns princípios que demonstrarão esta glória.
A primeira proposição é que o cristianismo, e a salvação em Cristo e por meio de Cristo, é a suprema, a mais elevada e a maior manifes¬tação da sabedoria de Deus. Podemos definir a sabedoria de Deus dizendo que é o atributo pelo qual Ele dispõe os Seus propósitos e os Seus planos, e dispõe os meios que produzem os resultados que Ele determinou. É também sabedoria ao nível humano. Sabedoria é aquela rara faculdade e qualidade que capacita o homem a ver a situação de maneira tal, que ele pode decidir o que fazer e como obter o resultado mais desejável. Há uma enorme diferença entre conhecimento e sabedoria. Muitos têm conhecimento, todavia não têm sabedoria. A sabedoria, num dos seus aspectos, é a capacidade e poder de fazer uso do conhecimento. Um homem pode ser muito instruído, mas, se lhe faltar sabedoria, será de pouco valor na sociedade. Isto se aplica a todas as profissões e, na verdade, a todas as carreiras da vida. Além e acima de um conhecimento dos fatos, o que diferencia o supremo artista, o grande cientista, o grande homem em qualquer profissão, é que ele tem esta qualidade adicional de poder usar e acionar tudo que sabe com o fim de levar ao resultado desejado. Assim a Bíblia nos diz que a sabedoria é um dos atributos do caráter de Deus e do Seu ser. E o que o apóstolo diz aqui é que na Igreja e por meio dela este atributo de Deus está sendo revelado aos principados e potestades nos lugares celestiais de maneira mais grandiosa do que nunca antes.
Obviamente, os principados e potestades nos lugares celestiais já sabiam muita coisa a respeito da sabedoria de Deus. Permanecendo sempre na presença de Deus, estão na esplêndida condição de poderem observar o que Deus faz e dispõe. Assim eles sempre estiveram cientes da sabedoria de Deus. Eles a tinham visto, por exemplo, na natureza e na criação. Para quem tem olhos para ver, a sabedoria de Deus pode ser vista de maneira maravilhosa nas coisas que são feitas. Apanhem qualquer flor e dissequem-na, e verão que ela foi estruturada e construída segundo um plano e desenho bem definido. De muitas maneiras, a maior característica de todas as obras das mãos de Deus na natureza é a simplicidade essencial do padrão pelo qual Ele sempre opera. Algumas flores parecem altamente complexas, mas se vocês as disse¬carem, verão sempre um padrão muito simples, e verão que o que parece complexo é apenas uma coleção de vários modelos muito simples. Este princípio percorre a natureza toda. A sabedoria essencial é exposta neste modelo simples. Esta é, na verdade, a característica dominante de todo gênio, da maior competência em qualquer departa¬mento. O grande artista sempre dá a impressão de que o que ele está fazendo é muito simples. O homem que em seu trabalho é presunçoso e dá a impressão, de que o que ele está fazendo é realmente difícil, mostra que não é competente.
Isto é verdadeiro em qualquer profissão, em qualquer vocação. O verdadeiro experto, o gênio, sempre reduz a complexidade à simplici¬dade. Pense na diferença entre um grande mestre e um aluno, ou entre um grande profissional e um amador em algum esporte ou na música. Isto se vê de modo supremo, naturalmente, na pregação do nosso bendito Senhor e Salvador. Embora tratasse de verdadeiras profundidades, o Seu padrão essencial foi sempre muito simples. Quantas vezes isso tem sido esquecido na vida, e na própria Igreja Cristã! Muitos parecem ter a insensata ideia de que o que realmente é grande e profundo é o complexo e complicado, aquilo que eles não podem entender. No entanto, a verdade é exatamente o oposto disso. Se a mente não estiver clara e não puder expressar-se com clareza, será sinal de confusão e de falta de capacidade, como se vê à perfeição em todos os domínios da natureza. Os anjos tinham estado observando isto; tinham estado observando a obra das mãos de Deus de acordo com o planejamento que Ele fizera da criação, e a ordenada sequência ano após ano de primavera, verão, outono e inverno. A mesma coisa todo ano! Que simplicidade em tudo isso! Vejam como a flor começa num botão; cresce e se desenvolve, depois começa a florescer e a florir, chegando à maturidade; depois murcha, seca e morre. Sempre o mesmo processo! Vemos aí algo da gloriosa sabedoria de Deus.
Os anjos também tinham visto esta sabedoria na história. Estiveram observando as atividades humanas através de toda a história registrada no Velho Testamento, e tinham visto como Deus estivera manobrando as nações. Observaram como Ele pacientemente permitiu a ascensão de algum grande tirano, que "montasse no mundo como um colosso", e fizesse as nações tremerem, aterrorizar-se e alarmar-se. Talvez os anjos tenham começado a indagar o que estaria acontecendo; e depois viram que, num dado momento, Deus Se levantava e dispersava os Seus inimigos, e os fazia desaparecerem como se nunca tivessem existido. Em procedimentos como estes, muitas vezes eles tinham visto a sabedoria de Deus na história. Assim, numa época como esta, é-nos proveitoso que a leiamos, naturalmente com olhos cristãos. Se vocês não lerem a história com olhos cristãos e bíblicos, chegarão à conclusão a que Hegel chegou, de que "A história nos ensina que a história não nos ensina nada". Todavia se vocês examinarem a história com mente bíblica, com olhos cristãos, verão que ela está repleta de instruções porque, por trás de tudo verão a sabedoria de Deus deixando, permitin¬do isto e aquilo, mas sempre mantendo o domínio. O Senhor Deus reina; e sempre está presente como "Eu sou", e em Seu tempo faz várias coisas.
Os anjos estiveram observando isso tudo, admirando-o, e enquanto faziam isso, adoravam a Deus. E muito particularmente eles haviam observado e contemplado a história geral dos judeus. Um dia viram Deus olhando para um homem chamado Abrão. Este vivia num país pagão, no seio de um povo pagão, e não podiam compreender o interesse de Deus por aquele homem. Mas observavam, e O viram chamar Abrão do seu país e levá-lo para uma terra estranha. Abrão não sabia para onde ia, porém foi; e os anjos começaram a ver que Deus estava formando uma nação para Si, criando um povo para Si. Eles observaram o chamamento de Abraão, sua vinda para Canaã, e o nascimento de Ismael e Isaque. Para seu espanto, viram o propósito de Deus sendo levado adiante por meio de Isaque, e não de Ismael, e depois por meio de Jacó, e não de Esaú; e em cada um desses eventos eles viam a sabedoria de Deus. Bem podem ter pensado, a princípio, que Esaú deveria ser o homem escolhido, mas não, o escolhido foi Jacó. Esaú era um homem muito melhor, era caçador e generoso, robusto e saudável, completamente diferente do bajulador Jacó, que passava o tempo em casa, sempre na barra da saia da mãe, um tipo intrigante de homem. Não obstante, foi Jacó que Deus escolheu. Os anjos não podiam entender isso; mas começaram a ver desdobrar-se o propósito de Deus, e que Deus estava dando uma ilustração do fato de que o Seu método consiste em chamar, não os justos, e sim os pecadores ao arrependimento, em tomar os piores e fazer deles os melhores. Desse modo eles tinham visto Deus revelando a Sua grande sabedoria.
Além disso, os anjos tinham visto os filhos de Israel descerem para o Egito e, finalmente, tornarem-se escravos em grande desamparo. Depois, subitamente, viram como Deus feriu Faraó e os seus exércitos no Mar Vermelho e levou de volta os filhos de Israel para Canaã, e observaram toda a história subsequente, incluindo-se o cativeiro na Babilônia. Em tudo isso eles tinham visto uma tremenda manifestação da sabedoria de Deus.
No entanto, diz o apóstolo, não foi por meio disso tudo que os anjos viram realmente a sabedoria de Deus. Antes, foi pelos resultados da mensagem confiada a Paulo, a mensagem do evangelho de Cristo, e principalmente a mensagem acerca da Igreja, que estes principados e potestades nos lugares celestiais puderam ver a multiforme sabedoria de Deus. É aí que as múltiplas facetas, o caráter variegado, a grande variedade de cores da sabedoria de Deus aparecem. Já conheciam a essência dela; mas aí está a plena florescência em sua glória. Noutras palavras, o argumento do apóstolo é que os anjos, estes principados e potestades, foram levados a ver, mediante a Igreja, que a sabedoria de Deus é maior do que imaginavam; que é mais variada, mais variegada; que nela há cores e matizes dos quais nunca tinham tido ciência. Havia nela glórias ocultas das quais eles nada sabiam, apesar de terem vivido sempre na presença de Deus. Empregando a palavra multiforme, o apóstolo nos transmite a ideia de que a luz, o brilho da luz da sabedoria de Deus, subitamente, por assim dizer, irrompera nestas diversas cores do espectro e a exibira em suas partes componentes. Os anjos tinham visto apenas o brancor; agora estão vendo todas as nuanças, todas as variedades da cor - a variegada sabedoria de Deus.
O segundo princípio é que a Igreja é o meio pelo qual a sabedoria se toma manifesta. A Igreja é uma espécie de prisma posto no caminho da luz para repartir o resplendor nas cores do espectro. Que concepção da Igreja Cristã! Sem esta os anjos podiam ver a luz, podiam ver a sabedoria em geral, mas não a admirável variedade. É através da Igreja, como um meio, que os anjos têm recebido esta nova concepção da transcendente glória da sabedoria de Deus. O que, pois, temos que captar e compreender é que a Igreja Cristã, à qual eu e você pertence¬mos é o fenômeno mais espantoso que o mundo já viu. A Igreja Cristã é mais maravilhosa do que qualquer coisa visível na natureza. Todos estamos interessados nas maravilhas da natureza; estamos dispostos a viajar quilômetros e quilômetros para vê-las. Vamos à Suíça para ver as grandes montanhas; viajamos para a América para ver o "Grand Canyon", Maravilhoso! Magnífico! Emocionante! - dizemos. A afirmação do apóstolo é que todas estas coisas empalidecem e se reduzem a uma insignificância, quando postas ao lado da Igreja Cristã, quando postas lado a lado com aqueles de nós que somos cristãos, que nos juntamos em congregações. Como membros do corpo de Cristo somos o mais maravilhoso fenômeno do universo, a coisa mais admirável que Deus fez.
Vocês não podem explicar as grandes montanhas nem os grandes fenômenos sem Deus. Não podem explicar a mais singela flor sem Ele. Lembro-me de ter ouvido a história de um homem que morava aqui em Londres e foi passar um feriado no campo, no início de setembro. Sucedeu que pôde ver uma grande lavoura de trigo maduro, pronto para a colheita. Lá estava, em todo o seu dourado esplendor, com uma brisa amena a andejar sobre ela. Quando a estava contemplando, disse a única coisa que qualquer pessoa deveria dizer ao ter visão semelhante: "Oh Deus, como foi bem feita"! Ele viu a sabedoria e a maravilha da obra das mãos de Deus. Todavia, é a Igreja, este corpo ao qual pertencemos, este corpo do qual somos partes, que é a suprema e mais alta manifes¬tação das obras das mãos de Deus.
Devemos tirar duas importantes conclusões deste ponto. Que terrí¬vel erro dos que a si mesmos chamam dispensacionalistas, dizerem que a Igreja Cristã foi apenas um dêutero-pensamento na mente de Deus, que realmente Ele nunca tivera essa intenção na eternidade, que o Senhor Jesus Cristo veio à terra para pregar o evangelho do reino aos judeus, e que foi porque eles não O receberam que Deus introduziu a Igreja como uma ideia ulterior. A maior coisa do universo, a maior manifestação da sabedoria de Deus, uma ideia ulterior! Assim é que negamos as Escrituras com as nossas teorias. Longe de ser um dêutero¬-pensamento, uma ideia ulterior, a Igreja é o brilho mais esplendente da sabedoria de Deus. É igualmente errôneo dizer que a Igreja é apenas temporária, e que virá o tempo em que ela será retirada e o evangelho do reino voltará a ser pregado aos judeus! Não existe nada acima da Igreja. Ela é a manifestação mais elevada e suprema da sabedoria de Deus; e olhar adiante, à espera de alguma coisa além da Igreja, é negar não somente este versículo, mas também é negar muitos outros versículos das Escrituras. A Igreja é a expressão final da sabedoria de Deus, a realidade que, acima de todas as demais, capacita até os anjos a compreenderem a sabedoria de Deus.
Para explicar o terceiro princípio devo expor como Deus mostra e manifesta a Sua variegada sabedoria na Igreja, por meio da Igreja e na salvação. Procuremos meditar nisto, pois este será o tema dos nossos louvores por toda a eternidade. Sobre isso diz o apóstolo Pedro, no capítulo primeiro da sua primeira Epístola: "para as quais coisas os anjos desejam bem atentar" (versículo 12). Refere-se à salvação e à Igreja Cristã. Diz uma melhor tradução que os anjos de Deus "se abaixam para vê-las por dentro". Este é o sentido real da palavra empregada por Pedro. Na glória os anjos estão olhando do céu para baixo, estão se abaixando para olhar para mim e para vocês, para olhar para a Igreja Cristã - esta manifestação da multicolorida sabedoria de Deus. Eles nunca viram nada parecido, embora tenham passado a sua eternidade na presença de Deus. Nós devemos estar olhando para ela agora com todo o nosso ser, pois daqui por diante estaremos olhando para ela por toda a eternidade, e nunca cessaremos de estar surpresos e maravilhados diante dela.
Que vemos? Pensem por um momento na maneira maravilhosa pela qual Deus resolveu o problema criado pelo pecado. Aqui é que vemos a sabedoria de Deus. O que o apóstolo está dizendo aqui refere-se, em certo sentido - e o digo com reverência - ao maior problema que Deus enfrentou. Por isso a salvação é a maior manifestação da sabedo¬ria de Deus. Para Deus não foi difícil criar a luz e o Sol; tudo que Ele disse foi: "Haja luz" e "houve luz". Vejam as grandes montanhas; não são nada para Deus! As nações são como "a gota dum balde" e como "o pó miúdo das balanças" (Isaías 40:15). Mandar uma peste, ocasionar um terremoto, não é nada para Deus. Tais coisas não são nenhum problema para Ele. Aqui está o problema - o homem em pecado! Digo com reverência, aí estava o maior problema que Deus já enfrentou e enfrentará; não há nada que o sobrepuje! Portanto, requer-se a maior sabedoria para solucionar este problema. Quem quer que pense que a salvação do homem foi uma questão simples para Deus, está simples¬mente proclamando que não conhece nem o Velho Testamento nem o Novo. Se você, amigo, imagina que o perdão é coisa simples para Deus, e que uma vez que Deus é amor Ele só tem que dizer, "Muito bem, eu o perdoo", bem que você poderia queimar a sua Bíblia. O perdão dos pecados, atrevo-me a dizer, pesou até na sabedoria de Deus. De qualquer forma, creio que estou certo quando digo que os anjos não conseguiram ver nenhuma solução para este problema. Por isso fica¬ram surpresos quando viram o que Deus fez acerca disto. Eles sabiam que alguns dos seus companheiros tinham cometido pecado, tinham sido expulsos do céu e reservados por Deus em cadeias no inferno, como Pedro nos diz no capítulo dois da sua segunda epístola. Depois assistiram também à queda de Adão e Eva. Mas não podiam imaginar o que Deus poderia fazer quanto a isso. Não viam como solucionar o problema. O problema da salvação da alma, da salvação de uma alma individual, o perdão dos pecados, é o problema mais profundo que já surgiu e poderá surgir em todo o universo, e isto para o próprio Deus.
A essência do problema está no fato de que Deus não é somente amor, e sim também justo, reto e santo. Deus é o "Pai das luzes, em quem não hã mudança nem sombra de variação" (Tiago 1:17), e não pode negar-Se a Si mesmo. Eternamente Ele é sempre o mesmo; em Sua perfeição jamais há alguma sombra de contradição. Daí o problema levantado pelo pecado. Se Deus deve perdoar o pecado, deve fazê-lo de modo que não somente manifeste o Seu amor, como igualmente manifeste a Sua justiça, a Sua retidão, a Sua santidade, a Sua verdade, a Sua glória eterna e a Sua imutabilidade. Será possível? O amor de Deus não terá que, inevitavelmente, entrar em conflito com a Sua justiça? Poderá a Sua misericórdia ser levada a compatibilizar-se com a Sua retidão? Esse é o problema; e a glória central do evangelho é que ele é a revelação do modo como a sabedoria eterna de Deus resolveu este problema.
No capítulo três da Epístola aos Romanos vemos tudo isto exposto perfeitamente e da maneira mais gloriosa por este mesmo apóstolo. O problema é: como Deus pode ser "justo e justificador daquele que tem fé em Jesus"? Como Deus pode justificar o perdão dos pecados dos filhos de Israel sob o Velho Testamento? Deus outorgou a lei; ao exercer o perdão, não estaria pondo de lado a lei? Não, afirma Paulo; Ele está estabelecendo a lei! No método de salvação que Deus planejou, Ele não a está anulando; está estabelecendo a lei. Como poderia Deus, a um só tempo, cumprir a lei e perdoar o pecador? Deus encontrou o caminho: conciliou o Seu amor, a Sua justiça, a Sua misericórdia e a Sua compaixão. Estes formam uma unidade e devem ser vistos reful¬gindo juntos. O salmista que escreveu o Salmo 85 (versículo 10) teve uma antevisão disto. Não podia compreendê-lo, mas disse: "A miseri¬córdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram".
Ó Deus, quão amável Tua sabedoria
Quando pecado e opróbrio só havia,
veio um segundo Adão para o combate
e para o mais completo resgate.
Vocês são capazes de ver que nada, senão a eterna sabedoria de Deus poderia habilitá-lO a fazer isto e continuar sendo Deus, inalterado e fulgindo em todas as direções com a mesma glória e a mesma perfeição? Não conheço nada que seja mais comovente do que meditar nesse mistério. Privaremos a Deus de Sua glória se imaginarmos que o perdão e a salvação são simples e fáceis. Eles constituíam um problema na mente do Eterno. Eles frustraram os anjos. Só Deus podia resolver o problema.
Esse era o problema visto de modo geral, mas agora vamos examiná¬-lo pormenorizadamente. A fim de solucionar o problema, Deus enviou o Seu próprio Filho ao mundo. Como redimir a humanidade decaída? Disse Deus: "Enviarei meu Filho ao mundo de pecado e vergonha. Ele assumirá a humanidade e a elevará." Quem poderia ter pensado em tal coisa? Os anjos nunca imaginaram que a segunda pessoa da Trindade bendita e santa, que é substância da substância eterna, o Filho unigênito, gerado do coração do Pai, iria humilhar-Se e nascer como um bebê em Belém e viver como um homem. E quando viram isto, ficaram maravilhados. Viram aí a sabedoria de Deus a manifestar-se em facetas e ângulos que nunca tinham penetrado suas mentes. Depois ficaram observando o Filho vivendo como homem entre os homens, "nascido sob a lei", e dando perfeita obediência a ela. Podemos imaginar os seus pensamentos e os seus sentimentos quando O viam - a Ele, o esplendor e refulgência da glória do Pai - trabalhando como carpin¬teiro na oficina do seu pai em Nazaré?
Vejam ainda outro aspecto desta admirável sabedoria de Deus. O Pai não enviou Seu Filho para nascer num palácio, e sim numa manjedoura. Ah, a sabedoria de Deus! Quem jamais poderia ter esperado tal coisa? Mas podemos ver o propósito brilhando através disso tudo. Se Ele não Se submetesse à pobreza, à necessidade e a condições inferiores, não poderia soerguer os de condição mais baixa. Nós, com a nossa sabedoria, teríamos agido de maneira a mais espetacular, não teríamos? Contudo, Deus age desta maneira essenci¬almente simples, por meio de um bebê e de tudo quanto se Lhe seguiu.
Ainda mais, quando os anjos O viram na cruz devem ter ficado perplexos com o que estava acontecendo. Parecia a hora da vitória do inferno, do diabo e do mundo, no que este tem de pior. Não foi assim, porém. O que estava acontecendo ali, Paulo o diz em sua Epístola aos Colossenses, capítulo 2, era que, na cruz, e por Sua morte ali, o Senhor estava expondo todos os poderes contrários a Ele "à vergonha pública, e deles triunfando em si mesmo". Deus os estivera usando, na inteligên¬cia deles, para fazer cumprirem-se os Seus grandes e gloriosos propó¬sitos; pois na cruz Deus estava fazendo de Seu Filho Aquele que leva o nosso pecado. Estava pondo os nossos pecados sobre Ele, dando-lhes o tratamento devido. Deus os estava punindo; portanto, Deus continua sendo justo e reto porque o pecado é punido e a lei é cumprida. O nosso Senhor cumpriu perfeitamente a lei, e no madeiro sofreu por nós a penalidade por ela imposta. A lei foi honrada em todas as suas peculiaridades, e Cristo a estava estabelecendo. Mas ao mesmo tempo Deus estava abrindo um caminho para o perdão dos nossos pecados. Essa é a sabedoria de Deus.
Assim podemos prosseguir, desenvolvendo o ponto em todas as minúcias e, ao fazê-lo, compreenderemos cada vez mais o que o apóstolo tinha em mente quando, escrevendo a sua Primeira Epistola a Timóteo, disse: "E sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Aquele que se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido acima na glória" (3:16). Estivemos expondo o significado da frase "visto dos anjos". Eles estavam observando isso tudo, e se maravilhavam. Entretanto deram-se conta de que esta é a sabedoria de Deus, que eles julgavam conhecer.
O resultado de tudo isso é que temos o direito de dizer que a Igreja remida é a suprema e final manifestação da sabedoria de Deus. Vimos como Ele conciliou os Seus atributos; porém, ao mesmo tempo e de maneira extraordinária, Ele efetuou o que particularmente está na mente do apóstolo nesta altura, a saber, Ele reuniu o judeu e o gentio. Isto é espantoso! O judeu e o gentio pareciam desesperadamente irreconciliáveis. Eram inteiramente diferentes, e inimigos tradicionais, com todas as suas tradições em antagonismo. Os anjos tinham visto o mundo dividido em judeus e gentios, e tinham meditado no problema aparentemente insolúvel. Eles observaram as fúteis tentativas feitas pelos maiores filósofos de resolvê-lo quando escreviam, e ainda escrevem, sobre as suas utopias. Parecia não haver solução. Mas agora eles vêem a solução concretizando-se na Igreja. O judeu e o gentio são reunidos na Igreja, não em tréguas temporárias, não mediante a colocação de uma espécie de tropa entre eles para impedi-los de aproximar-se e matar-se uns aos outros; não pelo uso de alguma ação policial. Não; eles foram feitos um, foram feitos co-membros de um só corpo.
No entanto, vemos a sabedoria de Deus mais claramente ainda na maneira pela qual Ele o fez. Ele não apenas tomou os dois como eram e os juntou de algum modo. Primeiro Ele tomou o judeu e o humilhou ate o pó. Depois tomou o gentio e fez a mesma coisa com ele. Fez ver a ambos que eles são pecadores, que não há "nenhum justo, nem um sequer". O judeu, vendo-se como ele é aos olhos de Deus, não tem nada do que se orgulhar; nem o gentio. Vemos ambas as partes lambendo o pó e vendo o seu inenarrável desespero e desamparo, e ao mesmo tempo vendo que são idênticas, que não há diferença nenhuma entre elas. Depois, tendo-os abatido a ambos, Deus os levanta, mas não simplesmente como eram; faz de um e do outro novos homens. O judeu já não é um judeu como tal, e o gentio não é mais gentio; cada qual é um novo homem em Cristo Jesus. Segundo a carne ainda são judeu e gentio, porém isso é esquecido em Cristo. Como novos homens, novas criaturas, eles são idênticos, são ambos membros do mesmo corpo, entrelaçados como juntas de um mesmo corpo. Esta é a sabedoria de Deus!
Tornem a pensar na variedade de maneiras pelas quais Deus faz todas estas coisas, maneiras pelas quais Ele nos trata a todos individu¬almente. Um Saulo de Tarso tem que ser lançado ao solo na estrada de Damasco, e o Senhor ressurreto lhe aparece. O coração de Lídia é aberto serenamente. Um terremoto é utilizado para salvar o carcereiro de Filipos. Não têm fim as variações nas experiências pessoais, e cada uma delas oferece mais um vislumbre da sabedoria de Deus, que apresenta tantas facetas. Ele conhece a cada um de nós individualmen¬te, e sabe qual o tratamento exato de que necessitamos.
Depois considerem o acerto do tempo, o modo como Deus marca o tempo para todas estas coisas. Vejam o Velho Testamento. Ali vemos o povo de Deus clamando e perguntando: "Até quando, Senhor? Por que não vens, por que não envias o Messias?" Mas Deus O enviou na "plenitude dos tempos". Foi depois de ter dado aos filhos de Israel tempo suficiente para verem que a lei, a mera posse da lei, não podia salvá-los. Eles acreditavam que ela podia fazê-lo; assim, Ele lhes deu tempo suficiente para se convencerem completamente de que não podia. Ao mesmo tempo Deus deu aos filósofos gregos tempo sufici¬ente para verem que a filosofia deles também não podia salvar o mundo. Se Deus enviasse Cristo antes de acontecerem estas duas coisas, muitos poderiam continuar pensando que se a filosofia simplesmente tivesse tido mais demorada oportunidade, teria tido sucesso. Assim Deus permitiu que Sócrates, Platão, Aristóteles e todos os demais viessem, ensinassem, estabelecessem as suas escolas e conquistassem os seus seguidores - tudo para não chegarem a coisa nenhuma. Então, havendo provado fora de toda dúvida que nada poderia solucionar o problema do homem em pecado, Ele o fez a Seu modo. Dessa maneira fulge a Sua gloriosa sabedoria.
E quando acompanhamos a subsequente história da Igreja, encon¬tramos evidências da mesma sabedoria eterna. Quantas vezes os homens pensaram que a Igreja tinha declinado e chegado ao fim! Quantas vezes riram dela, ridicularizaram-na e quase a sepultaram! Mas quando estavam prestes a colocá-la no túmulo e a fazer as orações funerais, eis repentina ressurreição, repentino avivamento! E assim Deus confunde os Seus inimigos e põe à mostra a Sua sabedoria. Assim podemos dizer a Deus com o salmista que "a cólera do homem redundará em teu louvor" (Salmo 76:10). Vocês percebem que pela presente manifestação da ira do homem no século vinte Deus está manifestando a Sua sabedoria? O fim de toda esta confusão moderna, como o de todos os acontecimentos similares do passado, virá a ser que "a cólera do homem redundará em louvor de Deus". "Os seus propó¬sitos depressa amadurecerão." O homem jamais os pode deter ou frustrar. O que Deus planejou, é mais que certo que realizará.
Eis a pergunta que nos vem: estamos nós manifestando esta sabe¬doria de Deus? É por meio da Igreja que Deus a mostra. Ela está sendo vista em nós? Somos refletores, em nossa pequenez, deste esplendente brilho da sabedoria eterna? Vocês estão nalgum lugar do espectro? A luz está sendo refletida por meio de vocês? Deus nos perdoe, se estamos falhando. A maneira do cristão brilhar consiste em meditar nestas coisas, contemplá-las, compreender a verdade sobre si mesmo como parte da Igreja. Depois, continue meditando nisso, e dedique-se ao Senhor diariamente. Aí a luz brilhará por meio dele numa das suas variegadas cores, e os anjos ficarão maravilhados com o que irão ver nele. Foi o nosso bendito Senhor que disse que "há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende" (Lucas 15:10).
É tudo mistério! O imortal morre!
Quem pode sondar Seu estranho desígnio?
Em vão o primeiro serafim tenta
ir às profundezas do amor divino!
Tudo é misericórdia, a terra O adore;
e as mentes dos anjos não mais inquiram.
(Charles Wesley)
(Charles Wesley)
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