sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ESTUDO DA EPÍSTOLA DE PAULO AOS EFÉSIOS


CAPÍTULO 7

Por: D.M Lloyd Jones

OUSADIA, ACESSO, CONFIANÇA


"No qual temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele." – Efésios 3:12

Obviamente esta afirmação liga-se à anterior. "No qual" é uma referência Àquele de quem ele fala no versículo 11, onde Paulo diz: "Segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus nosso Senhor". Ao examinarmos este versículo devemos lembrar-nos de que o grande objetivo que o apóstolo tem em mente quando escreve tudo que encontramos neste capítulo é que estes cristãos efésios não desfaleçam face às tribulações e provações que o próprio apóstolo estava sendo chamado para suportar. Uma das primeiras coisas que sempre nos inclinamos a perguntar em tempos de dificuldade é: por que acontece isto? Tendo-se em conta o fato de que somos o que somos, por que haveria de acontecer-nos isto? Por que deveria ser permitido? Esta é uma tentação que o diabo está sempre pronto a insinuar nas mentes do povo de Deus, e aqui o apóstolo trata disto com vistas a estes efésios.
Nesta declaração particular Paulo leva esta parte da sua mensagem a uma espécie de grande clímax e conclusão. Num sentido podemos dizer que tudo que o apóstolo estivera dizendo não teria sido de nenhum valor para os efésios, se não os levasse inevitavelmente a esta conclu¬são particular. Noutras palavras, o propósito principal de toda a doutrina cristã, do ensino cristão, na verdade a finalidade da própria salvação cristã, é levar-nos àquilo que nos é dito neste versículo. Precisamos lembrar-nos disso porque vivemos dias em que muitos pensam na salvação cristã e nos seus benefícios noutros termos, como alguma bênção particular que desejamos ou alguma necessidade que desejamos ver suprida. Graças a Deus todas estas coisas são verdadei¬ras, e jamais poderemos exagerar nossa gratidão a Deus por elas. Mas além e acima de todas elas, e na verdade antes de todas elas, o grande objetivo para o qual tudo é determinado, é levar-nos à presença de Deus, e habilitar-nos para a adoração e para a oração.
O apóstolo está dizendo aos efésios que eles não precisam desfale¬cer ou ficar angustiados ou sentir-se infelizes por causa dele. Paulo diz que ele próprio não está desfalecendo e que não precisa de compaixão.
Ele está perfeitamente feliz porque está em contato com o Deus eterno, e desfruta acesso à Sua presença. E o seu desejo é que os seus amigos efésios compreendam que a mesma experiência é acessível a eles e lhes é possível. Daí, se forem agredidos, e forem levados a ficar tristes e perplexos, não precisarão gastar nenhum tempo dando atenção a estes acontecimentos, mas deverão ir direto à presença de Deus. Quando agirem assim, todos os seus problemas assumirão novo aspecto; verão propósito mesmo nas tribulações, nos problemas e nas provações, e acabarão louvando a Deus e glorificando o Seu santo nome. Pelas mesmas razões também devemos considerar este versículo particular.
Há aqui um princípio que ignoramos ou esquecemos para nosso prejuízo. Toda a doutrina cristã visa levar, e foi destinada a levar a um bom resultado prático. Não há como exagerar a ênfase sobre isto. A verdade não é apenas algo para a mente e para o intelecto. Naturalmente é primeiro para a mente e para o intelecto, e é absorvido pela mente e pelo intelecto. Todavia será fatal pensar que a verdade ou a doutrina ou a teologia – chame-lhe como quiser – deve ser considerada como um fim em si mesma, como uma coisa da qual alguém tem consciência e da qual pode apropriar-se com a mente, sobre a qual pode discutir e argumentar, e nada mais. Se a doutrina parar nesse ponto, não hesito em asseverar que ela pode ser até uma maldição. A doutrina visa levar-nos a Deus, e a isso foi destinada. Seu propósito é ser prática.
Temos uma perfeita ilustração desta verdade na própria porção que estamos examinando. Ali o apóstolo, como vimos, apresenta-nos algumas das doutrinas mais profundas; porém deixa claro que o faz para levar-nos a uma experiência que nos capacite a dizer: "No qual temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele". Nada é mais notável, com relação ao apóstolo Paulo, nada é mais comovente do que isto – que, embora ele possa voar para os céus, os seus pés estão sempre fixos firmemente na terra. Como a Cotovia, de Wordsworth, ele sempre permanece "fiel aos pontos afins do céu e do lar". Ele nunca é um mero teólogo teórico; nunca um intelectual que gosta de debater termos. Ele foi o maior teólogo, mas o seu objetivo, a sua intenção, o seu propósito é sempre este fim e resultado prático. Noutras palavras, se o seu conhecimento da doutrina não faz de você um grande homem ou mulher de oração, é melhor você examinar-se de novo. Quanto mais conhecimento tiver, mais esse conhecimento deve mostrar-se em sua vida de oração, em seu santo viver, em todos os demais aspectos. É por isso que você nunca vai encontrar doutrina ou teologia isolada, nas Escrituras. Geralmente nós a vemos no início de cada Epístola. Contu¬do, os apóstolos não se detêm aí. "Portanto", dizem eles – sempre a aplicam, levam-nos a ver como toda doutrina deve refletir-se em nossa vida. Demo-nos conta, pois, de que os onze primeiros versículos do capítulo três da Epístola aos Efésios têm a intenção de levar-nos ao versículo 12, com a sua importantíssima declaração.
Devemos, por certo, dar igual ênfase ao outro lado, para termos equilíbrio. A doutrina, repito, visa a ser prática e a levar a grandes riquezas na vida cristã. No entanto, é igualmente importante dizer que as nossas vidas cristãs nunca serão ricas, se não conhecermos e não apreendermos a doutrina. Estas coisas não devem ser separadas uma da outra; são uma só coisa, e indivisível. Uma das principais causas de dificuldade na Igreja está em que temos a tendência de nos dividirmos em segmentos. Alguns só se interessam pelas doutrinas e se consomem nesse interesse. Raramente os vemos orando, nem nos impressionam a santidade e a pureza das suas vidas. Entretanto as suas mentes estão repletas de doutrina. Para um segundo grupo a doutrina não tem nenhum valor. Aqueles outros, dizem estes, só falam e discutem teologia; nós somos gente prática, nada queremos com doutrina. Mas falar assim é estar tão errado como aqueles que vocês estão criticando. Estas duas coisas devem andar juntas; a doutrina não deve ficar separada do elemento prático, nem o elemento prático da doutrina. Devemos aprender a preservar o equilíbrio das Escrituras, e devemos lutar para preservá-lo, "manejando bem a palavra da verdade" (2 Timóteo 2:15). Devemos tomar as coisas como vêm nas Escrituras. Você, meu amigo, não tem direito de dizer: "Sou um homem prático; portanto, não leio os capítulos 1, 2, 3 e parte do capítulo 4 da Epístola aos Efésios; começo a ler no meio do capítulo 4". Se for assim você estará fazendo violência à Palavra de Deus. Contudo, se por outro lado você se detiver no meio do capítulo 4 e não for até o fim da epístola será igualmente culpado.
Pois bem, o real propósito de tudo que o apóstolo estivera lembran¬do a estes efésios – que eles tinham sido gentios, separados e estranhos aos concertos da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo agora, por este glorioso evangelho que ele lhes havia pregado, foram feitos co-herdeiros com os santos, conservos dos judeus como mem¬bros do corpo, e co-participantes das grandes promessas – o real propósito, digo, era que se regozijassem nisso, porque esse fora o meio pelo qual eles vieram a ter "ousadia e acesso com confiança" à presença de Deus. Aquilo com que Paulo desejava que se regozijassem era que agora eles, que outrora estavam longe de Deus, foram aproximados, podem chegar à presença de Deus, e podem orar como os judeus sempre oraram.
Eis aí algo de que nós também precisamos lembrar-nos, pois de muitas maneiras constitui o mais alto pináculo da salvação. De todas as bênçãos da salvação cristã, nenhuma é maior do que esta – que temos acesso a Deus pela oração. Antes de entrarmos em detalhes, notemos a palavra "nós" (implícita na Versão de Almeida) – "No qual nós temos ousadia e acesso". Outrossim, diz o apóstolo, o que vou dizer não se aplica somente aos apóstolos, ou a certas pessoas que se dedicam inteiramente ao cultivo da vida cristã. Aplica-se a todos os cristãos. Esta é a glória disso tudo. Eliminemos do nosso pensamento, uma vez por todas, aquela dicotomia artificial e antibíblica, na verdade pecami¬nosa, que se vê em todas as formas do ensino católico-romano, ensino que divide o povo em dois grupos, os "religiosos" e os "leigos". Não existe essa distinção nas Escrituras. "Nós", afirma Paulo – eu o apóstolo, vocês que anteriormente eram gentios – "Nós", todos juntos, "temos esta ousadia e acesso com confiança".

Portanto, examinando isto em termos práticos, consideramos a maneira pela qual nos aproximamos de Deus em oração. Podemos muito bem introduzir isto com a seguinte pergunta: como você ora? Qual é o caráter da sua vida de oração? Como se sente quando se põe de joelhos em oração a Deus? Que acontece? Você gosta? É livre? É certa? É segura? Que espécie de oração é a que você faz? Segundo o apóstolo, a nossa aproximação deve ser caracterizada por "ousadia". "Acesso com confiança" é uma verdadeira oração cristã. Os termos merecem consideração à parte.
Ousadia significa destemor, isenção de toda apreensão, e de toda duvida quanto a podermos ser rejeitados. Significa liberdade de todos os aspectos do mal que tendam a impossibilitar a oração verdadeira. Ousadia obviamente significa ausência de inibição ou medo, em toda e qualquer forma. Quando pensamos num homem ousado, pensamos em alguém que segue diretamente para frente, que não tem medo de nada. Embora enfrentando um poderoso inimigo, o ousado avança de peito estufado, com confiança e com segurança. Não sofre inibições, não é hesitante, nem duvidoso, nem inseguro. A ousadia é o exato oposto de tudo quanto indica fraqueza.
O segundo termo é acesso. Pode-se traduzir por "entrada", "ingres¬so". Um homem afirma que conseguiu ingresso para um clube exclu¬sivo; muitos não têm permissão para entrar ali, mas ele achou um meio de penetrar, de entrar. Isto implica o privilégio do ingresso, da admis¬são. O uso que Paulo faz do termo significa, então, que há uma relação entre nós e Deus pela qual sabemos que somos aceitáveis a Ele e temos a segurança de que Ele tem disposição favorável a nós. Esta é a essência do termo "acesso". Sabemos que Deus está pronto a olhar-nos favora¬velmente e que Ele está à nossa espera para receber-nos. Por isso não hesitamos na soleira da porta, por assim dizer; temos direito de entrada, temos acesso, temos ingresso. Este é um termo bastante forte, já empregado pelo apóstolo no versículo 18 do capítulo dois.
Depois o apóstolo acrescenta outra palavra – confiança. Ele mostra-se tão interessado em firmar este ponto que diz a mesma coisa de três maneiras diferentes, por assim dizer. Alguns pedantes chama¬riam a isso verbosidade ou tautologia; o apóstolo o faz para ênfase. E naturalmente o faz porque sabe como somos lentos para aprender estas coisas. Conhece os nossos insucessos na oração, pelo que continua dando ênfase a isso e continua a repeti-lo uma e outra vez. A confiança está sempre no fim de um processo. Quando alguém tem confiança, significa que esteve praticando alguma coisa tão diligentemente que agora está seguro quanto àquilo.
Pense, por exemplo, em como aprender a andar de bicicleta. No primeiro momento em que a mão daquele que o está ensinando o largou, você ficou hesitante, inseguro e apavorado. Mas logo você chega ao ponto em que, tendo andado sozinho bom número de vezes, conseguiu ter confiança, e está pronto para ir sozinho pelas ruas e pelas praças, e para subir e descer morros. Você desenvolveu confiança. É sempre resultado de um processo. O orador pode ficar nervoso quando começa a falar, porém depois de proferir algumas frases, perde o nervosismo e ganha confiança. Esse é o termo empregado pelo após¬tolo, e significa que podemos ir à presença de Deus com confiança, graças a um processo pelo qual passamos; é resultado de alguma coisa que aconteceu.
Em todo o Novo Testamento aprendemos que a confiança é um elemento essencial da oração verdadeira: ousadia, acesso, confiança! Um notável exemplo deste ensino encontra-se no capítulo 10 da Epístola aos Hebreus: "Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário ... cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé ..." (versículos 19-22).

Agora devemos dirigir a atenção ao segundo princípio e considerar o que é que possibilita este meio de entrada à presença de Deus. Como poderei ter esta ousadia e este acesso com confiança? Só se pode dar uma resposta e, em vista da sua importância, Paulo no-la diz duas vezes neste versículo: "No qual temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé nele". No qual! Ele! Fé nEle significa fé da qual Ele é o objeto. Poder-se-ia declarar deste modo: "No qual temos ousadia e acesso com confiança por meio da nossa fé nEle (no Senhor Jesus Cristo)". Evidentemente esta verdade é básica, é fundamental. E, contudo, quão evidente é que pessoas que falam sobre a oração muitas vezes a omitem completamente! Uma das mensagens centrais do Novo Testamento é que não há a mínima possibilidade de oração, ou de entrada à presença de Deus, exceto em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, por Ele e mediante Ele. Ele mesmo disse: "Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim" (João 14:6). Escrevendo a Timóteo, Paulo diz: "Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem" (1 Timóteo 2:5). Cristo é o único caminho; não há outro. E nós, será que sempre vamos a Deus em Cristo, pela fé nEle e por meio dEle? Há sempre muito interesse pela oração quando o mundo está com problemas. Quando se esgotam os expedi¬entes, as pessoas recorrem à oração e a Deus. Entretanto, de acordo com as Escrituras – e eu não conto com outro conhecimento que não este – não há entrada à presença de Deus, a não ser no Senhor Jesus Cristo e por meio dEle. Se houvesse outros meios pelos quais entrar, Ele nunca precisaria vir a este mundo. Ele veio e fez tudo que era necessário fazer "para levar-nos a Deus".
Exponhamos isto de maneira prática. Se compreendemos quem e o que Deus é, como poderemos sequer pensar em ir a Ele por algum outro meio? Pensem nas descrições que Ele fez de Si próprio como, por exemplo, aos filhos de Israel na antiguidade, descrições da Sua santi¬dade, da Sua eternidade, da Sua majestade, do Seu poder. Quando estava neste mundo, o Filho de Deus dirigiu-Se a Ele em oração dizendo-Lhe, "Pai santo" (João 17:11). "Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas", diz o apóstolo João (1 João 1:5). "O nosso Deus é um fogo consumidor", diz a Epístola aos Hebreus (12:29). Receio que muitas vezes não paramos para pensar em Deus antes de nos dirigirmos a Ele em oração. Na verdade às vezes somos incentivados por certos tipos de ensino a pensar que uma indulgente familiaridade com Deus é por excelência a marca da espiritualidade. Contudo, não se vê isso nas Escrituras.
Examinem todas as instruções que Deus deu aos filhos de Israel no Velho Testamento sobre como Ele deve ser cultuado. Por que tiveram que construir um tabernáculo, e depois um templo? Por que essas estruturas eram divididas em vários compartimentos e seções? Por que o compartimento interior mais adentrado era chamado "O Santo dos Santos", no qual ninguém tinha permissão para entrar, exceto o sumo sacerdote, e só uma vez por ano? Por que Deus instituiu todo o cerimonial, incluindo numerosos sacrifícios – ofertas queimadas, ofertas pelo pecado, ofertas pela transgressão, e outras? Qual o signi¬ficado disso tudo? Quem deu as instruções foi Deus, não os homens. Não foram imaginadas pelas mentes dos homens. Deus chamou Moisés e o fez subir a uma montanha, e lhe ensinou como Ele devia ser cultuado, dizendo: "Olha, faze tudo conforme o modelo que no monte se te mostrou" (Hebreus 8:5). Há apenas uma explicação disso tudo: Deus estava ensinando o Seu povo sobre a Sua santidade, a Sua eternidade e a Sua majestade, e Ele lhes ensinou que esse era o único modo pelo qual eles poderiam chegar à Sua presença. Só poderiam fazê-lo quando Lhe trouxessem os sacrifícios e as ofertas; e ainda há aqueles que ensinam que podemos lançar-nos descuidosos à presença de Deus, e nunca se menciona o nome de Cristo! E tudo muito simples, dizem eles; não há necessidade de preocupar-nos com teologia, eles falam; orar é muito simples, é tão simples como respirar.
Esse ensino é uma negação de todo o Velho Testamento. E é uma negação do Novo Testamento, com o seu ensino sobre a absoluta necessidade que temos do Senhor Jesus Cristo e da Sua obra expiatória. Certamente tal ensino não é nada senão psicologia, uma forma de auto¬-hipnotismo que persuade as pessoas de que estão falando com Deus. O fato de que isto as faz sentir-se melhor ou satisfeitas não é resposta. Com frequência a psicologia faz a pessoa sentir-se melhor. Uma pessoa pode persuadir-se de muitas coisas. As seitas prosperam com base nesse fato. A única autoridade que temos sobre esta questão são as próprias Escrituras. Como posso aproximar-me de Deus? "Quem dentre nós habitará com o fogo consumidor?", é a pergunta feita por um dos profetas do Velho Testamento (Isaías 33:14). Toda vez que algum deles recebia uma visão de Deus, embora pálida, vemo-lo cair a tremer, rosto em terra, por causa da santidade e da majestade de Deus.
Então, de novo, que direi à minha consciência? Quando vou à presença de Deus, minha consciência me lembra os meus pecados, a minha indignidade, o mal que tenho praticado e no qual tenho pensado? Como posso apresentar-me a Deus com a consciência transparente e com a certeza de que Deus me perdoará? Depois, além e acima dessa consideração, como terei possibilidade de manter comunhão e companheirismo com Deus? Sei o que é ficar nervoso na presença de grandes homens e mulheres; sei o que é sentir-me verme, e menos que verme, quando na presença de um santo. À luz disso, como posso manter conversação com Deus? Sinto-me vil, sórdido e indigno; como posso fazê-lo? Eis as perguntas: como posso ter certeza que Deus tem boa disposição para comigo? Como posso ir ali com ousadia? Como posso estar seguro de que tenho ingresso, acesso, de que serei aceito? Como posso ter confiança? Há só uma resposta – "pela fé nele".
O único modo de ir à presença de Deus com segurança é saber que o Filho de Deus levou os meus pecados, a culpa e a punição destes em Seu próprio corpo no madeiro. Somente quando sei que Deus levou embora o meu pecado e a minha culpa, que Ele me revestiu da justiça do Seu Filho e que quando me ponho diante dEle, Ele não vê os meus trapos sujos, e sim a perfeita roupagem da justiça produzida por Jesus Cristo para mim – somente então poderei ir a Deus com ousadia. Quem preparou essa roupagem foi o Filho de Deus, e me foi dada por Ele; assim eu sei que sou aceito. Não há outro caminho. Como diz o capítulo 10 de Hebreus: "É impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire os pecados" (versículo 4). Cobria o pecado pelo período aprazado, mas não podia limpar realmente a consciência. E, contudo, há os que ensinam que você não tem necessidade de fazer nenhuma oferta – nem do sangue de touros e bodes, nem das cinzas de uma novilha, nem do Filho de Deus e do Seu sangue derramado ¬simplesmente você vai a Deus como você é!
Sem Cristo não podemos orar verdadeiramente. Como de novo diz o autor da Epístola aos Hebreus: "Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão. Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança (ousadia: AV) ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno" (4:14-16).
Sabemos o que aconteceria com o tipo de gente que pensa que pode entrar no Palácio de Buckingham e aparecer diante da rainha na hora que quiser; seria logo abordado e posto para fora, e talvez lançado na prisão, como merecia. E ainda há pessoas que imaginam que justamen¬te como estão, sem nenhuma meditação ou mediação, podem compa¬recer na presença de Deus! Há só Um que pode introduzir você, há só Um que pode rubricar o seu cartão de visita. É o Filho de Deus, e Ele escreveu Seu nome com o Seu próprio sangue. Graças a Deus, não importa quem ou o que você é, nem as profundezas do pecado em que se afundou, nem em que lamaçal tenha passado a sua vida, andando e rastejando no pecado. Se você tem esse cartão com a assinatura feita com sangue, as portas do céu estão abertas para você, e pode entrar com "ousadia", você tem "acesso com confiança" pela fé nEle!

Para sermos mais práticos ainda, consideremos outra questão. Se esta é a única maneira pela qual eu posso ter esta ousadia e acesso com confiança, que devo fazer para tornar isto uma realidade para mim mesmo e na minha experiência pessoal? O ensino que estivemos considerando terá que ser aplicado; ele não se aplica sozinho. É possível aos cristãos crerem em tudo que eu estou dizendo e, todavia, jamais saberem realmente o que é orar com "ousadia" e "ter acesso com confiança". Isto é porque nunca aplicaram o que sabem. Realmente nunca tomaram posse pela fé da verdade vital, e nunca a utilizaram da maneira certa; pois há certas coisas que precisamos fazer se queremos ter esta ousadia e acesso com confiança.
A primeira é que precisamos compreender que não devemos apoiar¬-nos em nossos sentimentos, caprichos ou disposições de ânimo. Isto é básico. Quando você se ajoelha para orar, porventura não acha que às vezes fica subitamente insensível e sua mente fica vagando por longes plagas? Não lhe parece estar orando, você está cheio de duvidas e incertezas, os seus pecados retornam a você, e você acha quase impossível orar? Se der ouvidos a esses caprichos e pensamentos, nunca orará. A primeira coisa que temos que fazer é dar o devido tratamento a estes caprichos, sentimentos, disposições de ânimo e condições internas. Temos que dar-nos conta de que eles não provêm só do corpo, mas também do diabo, cujo supremo objetivo é impedir¬-nos esta comunhão com Deus. Devemos considerá-los todos como enviados por ele. São os "dardos inflamados" que o diabo lança em você, e principalmente quando está de joelhos, em oração. Reconheça a fonte e origens deles, reconheça que são do diabo e, tomando pé com firmeza, rejeite-os. Você tem que fazer isso. A oração é trabalho duro, e tarefa. Você não deve "relaxar", como ensinam as seitas, mas, antes, deve revigorar-se e disciplinar-se. Deve aprender a agonizar em oração.
Depois, tendo tratado assim os seus sentimentos, caprichos e disposições de ânimo, deve começar a pregar para si mesmo. Mais que nunca estou convencido de que o problema com muitos cristãos é que eles não pregam para si mesmos. Todo dia devemos passar algum tempo pregando para nós mesmos, mormente quando estivermos de joelhos, em oração. Como pregar a si mesmo quero dizer que, quando você estiver de joelhos, e todos estes pensamentos, dúvidas e incertezas se acumularem sobre você, os seus pecados se levantarem contra você e você achar que não tem direito de orar e que é quase um canalha quando o faz – digo eu –, você primeiro deve compreender de onde eles vêm, e depois começar a lembrar-se das verdades centrais da fé cristã. Você deve lembrar-se da grande doutrina que estivemos considerando juntos. Você dirá: "Naturalmente sou um pecador; quando o diabo me disse que eu era pecador, tinha toda a razão, Ele disse isso para me desanimar; mas vou usar isto para me ajudar. Naturalmente que sou pecador! Deus é santo e eu sou vil, e nem chego a compreender como sou Vil. Muito bem; então, como poderei orar? Como poderei ir à presença de Deus? A resposta é que Deus mesmo abriu o caminho para mim; Ele o providenciou, Ele enviou Seu Filho unigênito a este mundo para levar sobre Si os meus pecados, para morrer por mim. Cristo cumpriu a lei por mim e me vestiu com a Sua roupagem de perfeita justiça. Vestido com ela, posso ir à presença de Deus". Havendo-se convencido disso, você obtém confiança e começa a orar.
Desse modo você terá que, solene e especificamente, lembrar-se do que é e do que tem feito, como também de que o Deus a quem está se dirigindo é o Deus que Se revelou. Terá que ver a absoluta necessidade que temos de Cristo, e de saber que Ele realmente lhe dá cobertura em todos os aspectos. Assim, vestido com a justiça de Cristo, e tendo Cristo com você, você vai à presença de Deus. João, em sua primeira Epístola, afirma isso da seguinte maneira: "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo, para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça". Isso ele diz no contexto de "o sangue de Jesus Cristo que nos purifica de todo o pecado" (1:7-9). Ele prossegue, dizendo: "Se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo. E ele é a propiciação pelos nossos pecados" (2:1-2). É isso que você dirá a si próprio. Não espere até melhorar o seu estado de ânimo; e não vá simplesmente falando a despeito da sua disposição ou do seu estado de ânimo. Você terá que dizer a si próprio: "Apesar de eu ser um pecador, e apesar de eu não sentir nada, creio no Senhor Jesus Cristo. Sei que nunca me farei apto para ir à presença de Deus; mas creio neste registro feito nas Escrituras. Portanto, o que quer que eu sinta ou deixe de sentir, eu creio que Cristo, o Filho de Deus, morreu por mim e pelos meus pecados; e que, portanto, tenho tanto direito de ir à presença de Deus como o tem o maior santo".
E depois, imediatamente você dará graças a Deus por tudo isso ¬"pela oração e súplicas, com ação de graças", diz este apóstolo, quando ensinava os filipenses a orar (4:6). Esqueça por ora todas as suas necessidades e desejos, até mesmo aquela coisa particular que o levou a orar. Antes disso, apenas agradeça a Deus o Seu amor, agradeça-Lhe a Sua misericórdia e compaixão, dê-Lhe graças por enviar o Seu Filho a um mundo como este; dê-Lhe graças por ir à cruz e morrer por você; dê-Lhe graças por enviar o Espírito Santo. Derrame o seu coração em louvor e ação de graças. Logo você achará liberdade; seu coração se comoverá e, pela primeira vez em sua vida, você saberá o que é "ousadia e acesso com confiança". Então ore, rogando a Deus que derrame o Seu Santo Espírito amplamente em seu coração, de modo que venha a experimentar a autenticação de todas estas coisas. Preci¬samos ir à presença de Deus empregando as palavras que o conde Zinzendorf escreveu, e que João Wesley traduziu:

Jesus Cristo, o Teu sangue e a Tua justiça
minha elegância são, gloriosas vestes;
entre os mundos em chamas, com tal traje
alçarei a cabeça, jubiloso.

Ousado me erguerei no grande dia;
pois quem irá fazer pesar meu fardo?
Mediante as vestes já fui absolvido
do pecado e temor, da culpa e opróbrio.

Se fizermos o que estou tentando dizer, e depois formos com ousadia à presença de Deus, sabe o que vai acontecer? (Não é surpre¬endente que o apóstolo tenha trazido estes efésios a este ponto prático.) O que acontecerá é o que o apóstolo Tiago diz no capítulo quatro da sua epístola: "Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós" (versículo 8). Essa é a maior coisa que se pode ouvir nesta vida. Vá à presença de Deus com ousadia e acesso com confiança, pela fé em Jesus Cristo, e você se encontrará com Deus. Você se dará conta da Sua presença; terá suporte não só de uma percepção da Sua glória e da Sua consolação, da Sua força e do Seu poder, mas também de uma percepção do Seu amor, da Sua bondade e da Sua compaixão. Você saberá que é filho dEle e que Ele é seu Pai. Você saberá, e será capaz de dizer que "todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus". Você ficará persuadido de que "nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor!" Você poderá dizê-lo nos termos deste outro hino:

No amor celestial permanecendo,
não temerei mudança;
firme, segura e certa é tal confiança,
pois nada aqui vai mudar:
Pode a tormenta ao meu redor rugir,
meu coração desmoronar;
porém, ao meu redor está meu Deus,
poderei fraquejar?

"Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós."

Nenhum comentário: