terça-feira, 1 de janeiro de 2013

A PURIFICAÇÃO DA ESPOSA



Efésios 5:23-33

Em nossas considerações sobre a declaração que o apóstolo faz concer­nente aos deveres dos maridos para com as suas esposas, estamos dando atenção ao ensino concernente ao Senhor Jesus em Sua relação com a Igreja. Temos visto o Seu interesse por ela, a Sua atitude com respeito a ela; e estamos salientando como esta atitude e este interesse se expressaram na ação, na prática. Temos visto o que o Senhor fez pela Igreja - “a si mesmo se entregou por ela”. Também temos considerado o que Ele ainda está fazendo pela Igreja.  Aquela primeira obra Ele fez uma vez para sempre - entregou-Se por ela. Mas não a deixa ali; continua a fazer algo para a Igreja e pela Igreja.
Também estivemos examinando a palavra “santificar” e seu significado. O Senhor separou a Igreja para Si; somos o Seu “povo peculiar”, um povo Sua esposa. Ele a pôs numa posição especial, à parte, a fim de poder fazer certas coisas por ela.
Desse ponto partimos agora. A palavra subsequente que vamos ver é “purificar”. “Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, palavra.” É por meio da palavra “purificar” que a idéia de purificação — que normalmente chamamos “santificação” - realmente entra em cena.
Aqui devemos ter o cuidado de observar o pleno conteúdo da palavra “purificar”. Há alguns que a limitam unicamente ao ato de sermos lavados da culpa dos nossos pecados. Entretanto, é óbvio que isso não é suficiente, vimos esse aspecto na declaração de que Ele Se entregou pela Igreja e a separou. Aí está implícita a idéia de que somos libertos da culpa do pecado, porém me disponho a contender com os que desejam incluí-la na palavra “purificar”.  Certamente Cristo nos purifica da culpa do nosso pecado; mas esta palavra leva mais longe ainda. Penso que posso provar que não se trata apenas de questão de opinião. O próprio fato de que Paulo acrescenta que a purificação é efetuada “com a lavagem da água, pela palavra” é prova de que é um processo contínuo e em desenvolvimento. A lavagem da culpa do pecado é feita uma vez para sempre. É uma ação única, singular; contudo, aqui a ação é continua “purificando-a com a lavagem da água, pela palavra”. Essa afirmação mostra que não se trata meramente de uma questão de livrar-nos da culpa. Mas então, o verso 27 estabelece o ponto de maneira ainda mais positiva - “Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível”. Estas palavras definem o objetivo final de Cristo - que a Igreja não somente seja liberta da culpa do pecado, porém que seja inteira e completamente liberta do pecado em todos os seus aspectos e formas.
O Novo Testamento nunca pára na culpa; sempre vai adiante, rumo a esta ulterior idéia da purificação do poder do pecado também. Na verdade, quero acrescentar algo mais a isso. Esta purificação não é só da culpa do pecado e do poder do pecado, e sim também da corrupção do pecado. Esse terceiro aspecto é esquecido com muita frequência. Vocês verão que muitas associações em sua “Base de fé” mencionam o poder do pecado, mas omitem a corrupção do pecado. Todavia, de muitas maneiras a coisa mais terrível a respeito da Queda é que ela corrompeu a nossa natureza. O pecado é poderoso dentro de nós em grande medida por causa da nossa natureza corrompida. É isto que o apóstolo descreve de maneira tão impressionante no capítulo 7 de Romanos, verso 18. “Porque eu sei”, diz ele, “que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum.” Pois bem, isso é corrupção; não é poder. Leva ao poder; mas é porque a nossa natureza é corrupta, manchada, suja e tomada impura pela Queda, que o pecado é tão poderoso dentro de nós. Portanto, precisamos ser purificados não somente da culpa e não somente do poder do pecado, mas particularmente desta terrível corrupção do pecado - sua mácula e sua perver­são.
O pecado penetrou na natureza humana; nossa natureza é vil, retorcida e perversa. Quão vitalmente importante é que compreendamos que essa verdade atinge a nós todos por natureza! Não é que somos neutros por natureza, e que de fora somos tentados. Não! Nós nascemos em pecado, fomos formados em iniquidade. “Em pecado me concebeu minha mãe” - é o ensino das Escrituras (Sl 51:5). O apóstolo já estabelecera isto claramente no início do capítulo 2 de Efésios, onde ele diz, “estando nós ainda mortos em nossas ofensas” (verso 5) - etc., e fala dos “desejos da carne e dos pensamentos”. Essa é outra maneira de descrever esta “lei do pecado que está nos meus membros” (Rm 7:23). Não é apenas um poder, é uma infecção, é de fato, como digo, uma corrupção. É como um rio corrompido em sua fonte, ao contrário de um rio que se corrompe durante o seu curso. É disso que temos que ser purificados antes de podermos ser apresentados pelo Senhor a Si mesmo como “igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível”.
Portanto, a questão para nós é: como se realiza isto? Diz o apóstolo que é feito “com a lavagem da água, pela palavra”. Aqui temos uma frase muitas vezes mal entendida e mal interpretada. Muitos vêem aqui o ensino do que chamam “regeneração batismal” - segundo o qual somos inteiramente libertos e purificados do pecado pelo batismo. Esse erro começou a engatinhar na Igreja nos primeiros séculos; erro perpetuado pelo ensino da igreja católica romana e por outras formas de catolicismo, até aos dias atuais. Não vou tratar a fundo disso porque me parece uma interpretação tão completamente artificial das palavras, impondo-lhes um sentido que, tomadas com naturalidade, e pelo que valem pura e simplesmente, elas nunca teriam sugerido. Naturalmente, essa interpretação foi apresentada com vistas aos interesses do poder da Igreja; e todos os que ainda a ensinam, seja qual for a forma de catolicismo que digam ter, continuam sendo culpados do mesmo erro. O ponto aqui não é alguma ação mágica que se dá no batismo, nem tampouco a fórmula particular utilizada. Alguns têm salientado esta última, dizendo que o que importa é a palavra dita pelo homem que está ministrando o batismo à criança, e que a fórmula fornece o poder eficaz. De novo, isso não passa de sacerdotalismo; nada mais é que um modo de reforçar a autoridade de um sacerdócio.
Que é então o significado desta palavra? Obviamente, há uma referência ao batismo aqui, ao fato e ao ato do batismo. Naturalmente, isso não deve espantar-nos, porque estamos lidando com pessoas que tinham sido pagãs. Ouviram o evangelho, creram nele, e então antes de serem admitidas na Igreja, tiveram que ser batizadas; e, tendo sido batizadas, foram recebidas como membros da Igreja cristã. Por isso o batismo permanecia em suas mentes como uma coisa destinada a representar esta purificação, esta libertação de uma esfera e transferência para outra esfera. E assim vemos o apóstolo Paulo, ao escrever à igreja de Corinto, expressá-lo assim (1 Co 6:9-11): “Não sabeis”, diz ele, “que os injustos não hão de herdar o reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem o bêbados, nem os maldizen­tes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus. E é o que alguns têm sido, mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus.” Aí outra vez a idéia de “lavagem” é empregada. Diz ele: “Vocês eram daquele jeito; agora não estão mais naquela condição; agora são santos na Igreja - foram lavados”. Um dos propósitos do batismo é representar essa mudança.
É muito semelhante o pensamento do apóstolo Pedro, registrado em sua primeira epístola, capítulo 3, verso 20 e seguintes. Ele está falando dos “espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longa­nimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água: que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva, batismo, não do despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo; o qual está à destra de Deus, tendo subido ao céu”. Temos aí, com bastante clareza, a idéia da qual estamos tratando, no exame da proposição que está diante de nós. O batismo é uma figura, e é uma represen­tação, de maneira simbólica, daquilo que o Senhor Jesus Cristo faz por nós neste processo de santificação. O objetivo do batismo é, pois, representar isso e selar isso em nós, em nossas mentes e em nossos corações. Não faz mais que isso. Em si e por si, o batismo não é nada. Meramente sermos batizados não nos muda. Crer que nos muda constitui um falso conceito das ordenanças. A expressão técnica utilizada pelos católicos romanos e por todo o seu ensino é que “os sacramentos” agem e são eficazes. Noutras palavras, que eles, operam por si mesmos, sem nenhuma atividade da parte de quem os recebe. O próprio ato do batismo regenera crianças e adultos.
Não há esse ensino nas Escrituras. O batismo, como diz Pedro, é uma “figura”, “uma verdadeira figura”; é uma representação dramática. A mesma coisa se dá com a Ceia do Senhor, naturalmente. Não cremos que o pão se transforma no corpo de Cristo. É uma representação. O nosso Senhor diz, com efeito, “Vejam este pão; quando vierem comê-lo, ele lhes fará lembrar o Meu corpo partido, ele o representará e o figurará para vocês. E igualmente com o vinho; “este cálice é o Novo Testamento”. Essa é a nossa resposta aos católicos romanos que dizem que o vinho vira sangue. Dizem eles que devemos entender literalmente estas palavras. Pois bem, se as tomarmos literalmente, o que o nosso Senhor disse, foi, “Este cálice”; Ele não disse, “Este vinho”, mas disse, “Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue”, provando que é simples­mente representativo e simbólico.
Assim com o batismo. Que é que o batismo representa? Evidentemente representa o sermos lavados da culpa do pecado. Ali estávamos nós, pecadores, em pecado, sob a ira de Deus. Fomos libertos disso por nossa fé no Senhor Jesus Cristo, pelo que Ele fez por nós. O batismo nos lembra essa libertação. Em segundo lugar, lembra-nos o fato de que estamos sendo purificados do poder e da corrupção do pecado. É uma espécie de “lavagem”, uma representação simbólica de um processo de limpeza, de purificação. Inclui essa idéia também. E, em terceiro lugar, representa todo o nosso conceito do ato de sermos batizados em Cristo pelo Espírito Santo. Vocês se lembram de como Paulo, escrevendo aos coríntios (1 Co 10), afirma que os israelitas foram batizados em Moisés pela “nuvem” que estava sobre eles. Eles não foram imersos na nuvem, a nuvem estava sobre eles. E do mesmo modo o batismo representa o fato de que fomos dessa forma batizados em Cristo pelo Espírito Santo. Essa é toda a idéia que Paulo tem em mente aqui - nossa união com Cristo. “Somos membros”, diz ele, “do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos”. Como acontece isso? Acontece porque “somos batizados em Cristo por um Espírito”; o batismo representa isso também. Assim, ei-lo aqui! É uma representação externa e simbólica das três coisas que Paulo ressalta tão proeminentemente nesta seção particular.
É óbvio, então, que o principal objetivo de Paulo aqui é mostrar-nos como Cristo está purificando a Igreja e a está preparando para Si; e que Ele o faz por intermédio do Espírito Santo. Evidentemente não é acidental que, quando o Senhor Jesus estava no Jordão, por ocasião do Seu batismo, o Espírito Santo desceu sobre Ele, na forma e semelhança de pomba. Portanto, no batismo sempre devemos estar pensando nesse aspecto, na vinda do Espírito Santo sobre nós, a fim de que Ele nos batize em Cristo e dê seguimento a esta obra e processo de santificação.
Daí, então, a nossa reflexão sobre a frase em seus termos reais. É uma frase muito difícil, e sempre causou muita discussão - “a lavagem da água”. Mas a expressão realmente importante aqui é, sem dúvida, “pela palavra”. “Purifi­cando-a com a lavagem da água, pela palavra”, ou (se vocês acharem útil mudar a ordem dos termos), “purificando-a pela palavra por meio da lavagem da água”. O que é vital aqui é a expressão “pela palavra”, que deve ser ligada ao termo “purificando-a”. Há uma representação disso no batismo, mas não é nada mais que uma representação. A verdadeira obra de santificação é realizada pela Palavra, ou por meio da Palavra, e o Espírito Santo realiza esta obra em nós por intermédio da Palavra. Esta é uma verdade sumamente importante, que o cristão deve captar e entender. O instrumento utilizado pelo Espírito Santo em nossa purificação é a Palavra.
Este é o ensinamento essencial do Novo Testamento sobre a santidade e a santificação; é algo feito em nós pelo Espírito Santo com o uso da Palavra. E vamos acentuar que isso é um processo. É uma purificação progressiva, ate ficarmos livres de toda mancha, ou ruga, ou coisa semelhante; fazendo-nos irrepreensíveis, seremos inteiramente santos. Há pessoas que ensinam que o que acontece com o cristão é que ele é um homem salvo, porém que permanece em seu pecado. Na medida em que ele “permaneça em Cristo”, será mantido sem pecar, mas não há mudança quanto à corrupção do pecado. Isso só se resolve quando ele morre. No entanto, é evidente que, de acordo com o ensino apostólico em foco, isso está completamente errado. Lemos aqui sobre um processo de purificação; ele prossegue. Conforme o homem avança na vida cristã, deverá haver cada vez menos corrupção do pecado nele; deverá tornar-se progressivamente santificado à medida que este processo prossiga. Ele não é apenas capacitado a resistir ao poder do pecado; ele está sendo purificado da corrupção do pecado; ele está sendo progressivamente levado a um estado no qual será finalmente aperfeiçoado. E isto é feito por meio da Palavra. “Pela palavra.”
         O grande princípio a que devemos apegar-nos é que as operações do Espírito Santo em nós são geralmente na Palavra e pela Palavra. Por isso é sempre perigoso separar da Palavra o Espírito Santo. Muitos têm feito isto, e tem havido graves abusos. Na verdade, o virtual abandono da fé cristã pelos chamados Quacres deve-se exatamente a isto; eles dão tanta ênfase à “luz interior”, que ignoram a Palavra. Tendem a dizer que a Palavra não tem importância; o que importa é esta luz interior. E chegaram a uma posição em que ficam mais ou menos desligados das doutrinas do Novo Testamento, sendo que o Senhor Jesus Cristo é pouco necessário ao seu sistema. E há outros que a tal ponto deram ênfase ao Espírito Santo, que O separaram da Palavra. Não querem aprender, não querem receber instrução; vivem no terreno dos sentimentos, da disposição e das experiências, e se metem em êxtases que muitas vezes não somente os levam ao “naufrágio da fé”, mas também a imoralidade grosseira, a excessos e a fracassos. A Palavra e o Espírito Santo geralmente andam juntos. A Palavra foi dada pelo Espírito, e Ele usa a Sua Palavra. Ela é o instrumento que Ele utiliza. Não estou negando que o Espírito possa falar-nos diretamente; mas estou dizendo que isso é a exceção. E vou além; digo que qualquer coisa que possamos pensar que é obra do Espírito em nós deve sempre ser provada pela Palavra. O Espírito Santo nunca fará nada que entre em contradição com a Sua Palavra. Assim, somos exortados a “provar os espíritos”, a “examinar os espíritos”, a “testar os espíritos”. Nem todos os espírito são de Deus; portanto, você precisa submeter à prova todo espírito particular. O que nos fornece tal prova? A Palavra. Portanto, esta obra é realizada pelo Espírito, mas é realizada pela Palavra e por meio da Palavra.
Permitam-me demonstrar este ponto, porque é de vital importância. Para mostrar como quase toda a obra que o Espírito realiza no crente é feita por meio da Palavra, comecemos com a nossa regeneração. Tiago o expressa desta maneira: “Pelo que, rejeitando toda a imundícia e superfluidade de malícia, recebei com mansidão a palavra em vós enxertada, a qual pode salvar as vossas almas”. A Palavra! Outra vez Tiago faz esta colocação: “Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas” (Tg 1:21,18). Pedro ensina a mesma coisa: “Sendo de novo gerados”, diz ele, “não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre” (1 Pe 1:23). A regeneração é obra do Espírito Santo, mas Ele a realiza pela Palavra - “sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus”. É a Palavra, e esta empregada pelo Espírito, que nos dá vida nova. Veja-se ainda Paulo, na Primeira Epístola aos Tessalonicenses, capítulo 2, verso 13: “Pelo que também damos sem cessar graças a Deus, pois, havendo recebido de nós a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade), como palavra de Deus, a qual também opera (eficazmente) em vós, os que crestes”. Esta Palavra está operando eficazmente em nós, que cremos. Ela nos introduziu na vida eterna; ela continua a operar eficazmente em nós. “Operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar” (Fp 2:12-13). Como Deus faz isso? Por meio da Palavra.
  Permitam-me dar mais exemplos desta mesmíssima coisa. O Senhor Jesus mesmo ensinou isto clara e objetivamente. No capítulo oito do Evangelho de João vocês encontrarão um relato de como o Senhor estava pregando um dia, e nos é dito que, quando ouviram as Suas palavras, muitos creram nEle. Depois lemos o seguinte (verso 31 e 32): “Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nEle: Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Vocês notam que eles têm que permanecer na Sua Palavra e, se o fizerem, a verdade os libertará. Ou, ouçam-no de novo em João 15, verso 3: “Vós já estais limpos”, diz Ele, “pela palavra que vos tenho falado”. É a Palavra que limpa. E ainda há dois exemplos disto no capítulo dezessete do Evangelho de João. O primeiro está no verso 17: Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade”. Ele está deixando os Seus discípulos no mundo, e o inimigo está atacando. Diz Ele: “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres (os limpes, os guardes) do mal”. “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” E depois observamos a tremenda declaração de Jesus, e que diz: “E por eles me santifico a mim mesmo”. Ele está falando agora em colocar-Se à parte para a morte na cruz. Por que fará isso? “Para que também eles sejam santificados na verdade.” Este é, pois, o grande princípio que vemos ensinado por toda parte no Novo Testamento. Cristo está purificando a Igreja mediante a obra do Espírito Santo que Ele enviou, e que utiliza a Palavra ao realizar a obra.
Contudo, isso nos deixa com esta questão vital: qual é esta Palavra que o Espírito Santo usa? Devemos ser santificados por meio desta Palavra. Em que consiste a Palavra da santificação? Qual é o ensino que leva à nossa progressiva santificação e libertação do poder e da corrupção do pecado? Eis aqui, de novo, um ponto vital em toda esta questão da doutrina da santificação; porque existe o real perigo de estreitarmos esta mensagem concernente à santificação, e de reduzi-la a um ensino ou fórmula especial quanto à santificação. Todos conhecemos bem esse ensino. Há os que dizem que a santificação é “muito simples”. Eles pretendem ter uma mensagem especial sobre a santificação e a santidade que, segundo eles, é “muito simples”. Realmente esta se resume nisto: “Confie e obedeça” “Solte-se e deixe com Deus”. Dizem eles que esse é o ensino das Escrituras concernente à santificação. Daí vocês verão que, com muita freqüência, para não dizer geralmente, eles apresentam o seu ensino em termos de algumas histórias do Velho Testamento, com relação às quais eles podem deixar sua imaginação correr solta. A única coisa que lhes interessa é apresentar esta fórmula, esta fórmula simples, dizem eles, acerca da santificação. “E muito simples, você pára de pelejar e lutar, e apenas “confia e obedece”; “você a recebe pela fé”, acredita que a tem, e segue adiante.” Dizem eles que não há nada mais que dizer ou fazer.
Entretanto, será que isso corresponde fielmente à Palavra? Será essa “a palavra” que leva à nossa santificação? Porventura alguma passagem das Escrituras apresenta a santificação apenas como uma “fórmula” que você imagina e depois ignora mais ou menos todas as epístolas do Novo Testamento e seu ensino, e encontra ilustrações deste processo simples em várias narrativas do Velho Testamento? Certamente isso é mutilar o ensino escriturístico. Qual é a Palavra que nos ensina a santificação, e que nos santifica? Naturalmente, a resposta é que é a Bíblia toda, toda a verdade que se encontra na Bíblia, ou em qualquer destas epístolas do Novo Testamento. Por que o apóstolo Paulo escreveu esta carta aos efésios? Escreveu-a para que a santificação deles progredisse. Eles tinham crido na verdade, como ele os leva a lembrar no capítulo primeiro. Mas ele quer que eles cresçam na graça, quer que se desenvolvam, quer que se livrem do pecado - da culpa, do poder e da corrupção do pecado. Quer que vejam que o objetivo é que sejam perfeitos e santos, inteiramente sem culpa e sem mancha; e ele escreve a fim de que eles sejam trazidos a esse ponto. É preciso que passem por este processo. Toda esta epístola fala sobre a santificação. Esta é “a palavra”. Não é uma pequena fórmula “muito simples” que você tão somente aplica, e então “a” tem. Absolutamente não! Você tem que aprofundar-se em tudo que o defronta nesta epístola. Noutras palavras, a Palavra pela qual somos santificados é o conjunto total do ensino bíblico. Consiste, em particular, de todas as grande doutrinas ensinadas através das páginas da Bíblia inteira; e é somente quando compreendemos isto que vemos como aquela outra idéia que estreita e reduz o ensino da santificação e da santidade a apenas uma pequena fórmula é ignorar, em última análise, a maior parte da Bíblia.
Em que consiste esta Palavra pela qual o Espírito Santo nos santifica? Primeiro e acima de tudo é a Palavra acerca de Deus. Quando se ensina a santificação não se começa pelo homem. Todavia é como se faz comumente, não é? Dizem: há alguma falha em sua vida? Você é infeliz? Tropeçou nalguma coisa? Está em situação desconfortável? Sua vida é um fracasso? Eles começam por aí. “Escute”, dizem eles, “você pode ficar livre dessas aflições. Tudo que precisa fazer é entregar esses problemas; basta entregá-los ao Senhor, e Ele o livrará deles. Ele os tirará de você e, depois, tudo que lhe restará fazer é permanecer no Senhor, e Ele o manterá bem. Não é isso típico de muito ensino sobre santificação e santidade? Começa com o homem e seu problema - “Como posso ser mais feliz?”, “Segredo Cristão de uma Vida Feliz”, etc. Mas não é assim que a Bíblia ensina a santificação.
Como, então, a Bíblia ensina a santificação? Começa-se olhando para a face de Deus! Não se começa com o homem; começa-se com Deus. Não há maneira mais profunda de ensinar a santificação e a santidade do que simples­mente ensinar as doutrinas concernentes ao ser, à natureza e ao caráter de Deus! Você não começa consigo próprio e com os seus problemas e necessidades; começa com Deus. Não começa com os seus desejos, começa com o Todo- Poderoso - “santo, santo, santo, Senhor Deus Todo-Poderoso”! Haverá alguma coisa que favoreça a santificação e a santidade tanto como isso? A Bíblia está repleta deste ensino. Recordemos aquela grandiosa exposição acerca da voca­ção do profeta Isaías, registrada no capítulo 6: “No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o templo. Os serafins estavam acima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o seu rosto, e com duas cobria os seus pés e com duas voava. Eles clamavam uns para os outros, dizendo: santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos: toda a terra está cheia da sua glória. E os umbrais das portas se moveram com a voz do que clamava, e a casa se encheu de fumo. Então disse eu: ai de mim, que vou perecendo! Porque eu sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios: e os meus olhos viram o rei, o Senhor dos Exércitos”. Esse é o modo pelo qual a Bíblia ensina a santidade e a santificação!
Por que somos como somos? Por que há tantas falhas em nossas vidas, e tanto pecado? A resposta acha-se aqui; simplesmente não conhecemos a Deus! “Pai justo”, disse o Senhor Jesus, “o mundo não te conheceu; mas eu te conheci.” “Oh”, disse Ele, “se eles tão somente te conhecessem, não viveriam como vivem, mas não te conhecem”! Eles falam de Deus, e argumentam, mas não O conhecem. “Pai justo, o mundo não te conheceu.” Mesmo conosco, que somos cristãos, o problema é que não conhecemos a Deus. Esqueçam das suas fórmulas, esqueçam-se de si próprios e daquilo que os está mantendo na fossa.  Não é esse o seu problema. A sua natureza é corrupta, e se vocês se livrarem desse problema particular, terão alguma outra coisa contra o que lutar. O verdadeiro problema é que não conhecemos a Deus. Os homens que buscavam a Deus e buscavam Sua face é que foram mais santos. O de que necessitamos primordialmente não é de alguma experiência, é deste conhecimento de Deus, dos atributos de Deus - Sua glória, Sua inefabilidade, Sua santidade, Sua onipotência, Sua eternidade, Sua onisciência, Sua onipresença. Se eu e você simplesmente tivéssemos a percepção de que onde quer que estivermos, e o que quer que fizermos, Deus nos estará vendo, isso transformaria as nossas vidas! Portanto, a Bíblia, esta Palavra a respeito da qual o nosso Senhor está falando, é a Palavra acerca de Deus, o “Pai justo”.
Isso é o ensino do Novo Testamento concernente à santidade. Começa-se com esta primeira doutrina, que é central, abrangente e determinante. Vê-se não somente em Isaías; Ezequiel mostra a mesma coisa. Ele teve esta visão de Deus, sentiu-se com a mesma impureza e foi ao chão. Jó, como sabemos, estivera falando muito sobre Deus, e criticando; porém, enfim ele vê, e diz: “agora te vêem os meus olhos”. Agora ele diz: “A minha mão ponho na minha boca”, e, me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (40:4 e 42:5-6). Acaso vocês têm ouvido muitos ensinamentos sobre o ser e o caráter de Deus em suas reuniões de edificação espiritual? Quantas vezes vocês ouviram sermões sobre a nature­za, o ser e os atributos de Deus? Tudo isso é tomado como coisa aceita tacitamente. Começamos conosco mesmos e com nossos problemas, e quere­mos saber como podemos livrar-nos dos problemas ou receber alguma bênção especial. A abordagem é errônea. A Palavra - “a tua palavra” - é a coisa essencial. E ela é intrinsicamente uma Palavra acerca de Deus, uma revelação do ser e do caráter de Deus. “Com a lavagem da água, pela palavra.”
A mesma Palavra também nos revela o nosso estado pecaminoso. Ela nos diz como era o homem originariamente. Não há melhor maneira de pregar a santificação do que pregar sobre Adão, como este era antes da Queda. Assim é que o homem estava destinado a ser. Quantas vezes vocês ouviram sermões sobre Adão em reuniões sobre santificação e santidade? Ou sermões sobre a Queda - a queda do homem e suas terríveis consequências? Santificação? Leiam a Epístola aos Romanos, capítulo 5, versos 12 a 21 sobre o fato de estarmos em Adão e envolvidos em seu pecado. Aí está a raiz do problema; e devemos entendê-lo bem. A Palavra nos ensina acerca disso tudo. Esse é o ensino do Novo Testamento acerca da santificação - esta elevada doutrina presenta nestas epístolas, em vez de histórias sobre algumas personalidades do Velho Tes­tamento, que podemos usar como ilustrações em prol da nossa teoria! A santificação se baseia na exposição da verdade concernente à aversão de Deus pelo pecado e ao castigo com que Deus ameaça todo pecado. Que vem em seguida? Os Dez Mandamentos! Eles comprovam o fato do pecado, pontuam-no, focalizam-no, fazem-nos compreender o pecado - de sorte que eles fazem parte deste ensino. Não nos detemos nas “dez palavras”, mas elas entram em ação, para convencer-nos da nossa necessidade. A Lei foi “um aio, para nos conduzir a Cristo” (um preceptor, um mestre, para nos levar a Cristo) uma revelação da santidade de Deus. Por isso os chamados “pais” (da Igreja) costumavam pintar os Dez Mandamentos nas paredes das suas igrejas. A Lei não é meio de salvação, mas é um meio de mostrar-nos a nossa necessidade dela, e a continuada necessidade de sermos purificados. Depois, o misericordioso propósito redentor de Deus, a aliança da redenção anterior à fundação do mundo, o Pai, o Filho e o Espírito Santo planejando juntos a libertação do homem. Paulo já nos falara a respeito disso no início desta epístola: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” - eis como se começa a pregar a santificação - “o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor.” É isso! E depois, tudo sobre a pessoa e a obra do próprio Senhor Jesus Cristo, tudo que Ele fez e tudo que suportou. Na verdade, não há melhor maneira de pregar sobre a santificação do que pregar sobre a cruz, pois, se eu olhar para a cruz e a “contemplar”, chegarei a esta conclusão:

“Amor tão admirável, tão divino, exige minha alma, minha vida, todo o meu ser”.

“Mas, ah”, dizem “agora estamos preocupados com a nossa santidade; concluímos a parte inicial da salvação, concluímos o que se refere ao perdão dos pecados. Não se prega a cruz numa conferência sobre santidade. Claro que não! Agora estamos interessados em fórmulas pró santificação. Não se prega a cruz aqui!” No entanto, haverá alguma coisa tão bem planejada para fomentar a santidade e a santificação como a cruz?

“Quando a cruz assombrosa contemplei, na qual morreu o Príncipe da glória, meus lucros eu tomei por perda e escória, e desprezo sobre meu orgulho lancei”.

Somos o que somos porque nunca vimos o pleno significado da cruz. Essa é a causa do nosso fracasso e da nossa fraqueza. Nunca chegamos a compreen­der o amor de Cristo por nós. Oh, se tão somente enxergássemos de fato o sentido da cruz! Se tão somente tivéssemos a experiência do conde Zinzendorf, que olhando aquele quadro da cruz, clamou –

“Tu fizeste isto por mim, que posso fazer por Ti? Tenho uma só paixão, é Cristo, e somente Cristo”.

Esta é a Palavra - todas as grandes doutrinas, incluindo-se também o Espírito Santo, Sua pessoa, Sua obra, Seu poder. Depois o que? Batizar-nos em Cristo, nossa união com Cristo! Depois esta doutrina da Igreja. Esta é a Palavra que promove a santificação. E devemos ir com todas estas doutrinas até à doutrina da Segunda Vinda. Aqui está, no verso 27: “para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.” Quando foi a última vez que vocês ouviram um sermão sobre a Segunda Vinda numa reunião sobre a santidade? “Mas”, dizem ,“isso é um erro. Para isso vamos a uma reunião que trate do Segundo Advento, não a uma reunião sobre santidade e santificação!” E assim se vê como nos desviamos das Escrituras. Introduzimos vários departamentos especiais na vida da Igreja. Santificação? “Você não precisa da cruz aqui, não precisa do Segundo Advento aqui; só precisa desta coisa “muito simples”!” Somente quando compreendo o propósito do Senhor para mim no glorioso dia por vir, quando Ele apresentará a Si mesmo a Igreja como uma Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, é que a minha santificação é fortalecida. É esse ensino que me concita à santificação.
Eis como o apóstolo João diz a mesma coisa: “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos”. E depois: “E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro” (1 Jo 3:2-3). A doutrina da Segunda Vinda leva à santificação, à purificação. A Palavra sobre a qual o apóstolo está falando aqui, é a completa Palavra das Escrituras - toda a doutrina, toda a redenção, do começo ao fim, a Bíblia inteira. “Com a lavagem da água, pela palavra.”
Tendo apresentado esta gloriosa doutrina, termino com uma palavra de exortação. Uma vez que tudo isso é verdade, que espécie de pessoas deveríamos ser? Uma vez que tudo isso é verdade, como Paulo o explica, vocês não podem ser como eram; devem separar-se do mal. Prossigam com a sua santificação. Purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus”; Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os corações” (2 Co 7:1; Tg 4:8). Estas são as exortações das Escrituras. Todavia, muitos se levantam e fogem das grandes doutrinas.
Assim, vemos aqui o processo de santificação executado pelo Senhor Jesus Cristo mediante a instrumentalidade do Espírito Santo que Ele enviou, é realizado pela Palavra, nela e por intermédio dela. Santifica-os na verdade: a tua palavra é a verdade.” E não importa em que circunstâncias você a vê, ela o humilhará, e o guiará em sua santificação. Acima de tudo, no entanto, comece com Deus: “Bem-aventurados os limpos de coração; porque eles verão a Deus” (Mt 5:8). Temos tempo para desperdiçar ou poupar? O de que necessitamos não é de livrar-nos daquele pequeno problema em nossas vidas; é estarmos prontos para a glória. É quando fitamos a face de Deus que percebemos a necessidade de santificação, e nos é exposto o meio pelo qual pode ser realizada a nossa santificação, e é função do Espírito fazê-lo. Ele nos conduz à Palavra, Ele nos abre a Palavra, Ele a implanta em nossa mente, em nosso coração, em nossa vontade, Ele nos revela o Senhor, e assim a nossa santificação, a nossa purificação prossegue dia após dia, semana após semana, ano após ano. E como ainda veremos, Ele prosseguirá com isto até completar-se a obra, e seremos santos e irrepreensíveis em Sua santa presença. Esta é a obra que o Senhor continua realizando em Seu povo, a Igreja.

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