quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

UMA SÓ CARNE




Efésios 5:25-33

Continuamos considerando a doutrina do relacionamento de Cristo com a Igreja. Mas ela não termina com o que vimos. Temos que ir além; e veremos que a doutrina do apóstolo sobe a alturas ainda maiores. Vocês devem ter imaginado que não poderia haver nada mais elevado que o verso 27, onde nos é dado um vislumbre daquilo que nos espera como noiva de Cristo, como membros da Igreja cristã. Entretanto a doutrina vai mais longe; há ainda uma coisa mais maravilhosa, e quase inacreditável; é a extraordinária doutrina da união mística entre Cristo e a Igreja. O argumento do apóstolo é que não compreendemos verdadeiramente o que significa o casamento enquanto não compreendermos esta doutrina da união de Cristo e a Igreja. Veremos que cada uma destas doutrinas ajuda a iluminar a outra. A união mística entre Cristo e a Igreja nos ajuda a entender a união entre marido e mulher e, por sua vez, a união entre marido e mulher lança boa dose de luz sobre a união mística entre Cristo e a Igreja. Isso é o que há de maravilhoso quanto a toda esta exposição. A analogia e a ilustração humanas ajudam-nos a entender a verdade divina, porém, em última análise, é a compreensão da verdade divina que nos capacita a entender tudo mais; por isso o apóstolo passa de uma para a outra.
Devemos, pois, dirigir-nos a esta elevada doutrina da união entre Cristo e a Igreja. Sem dúvida, somos todos consolados pelo que Paulo diz no verso 32: “Grande é este mistério”. É, de fato, um grande mistério. Portanto, devemos abordá-la com cuidado, e também com espírito de oração. É certo que, sem a unção que somente o Espírito Santo nos pode dar, não seremos capazes de entendê-la, de modo nenhum. Para os não regenerados, para os incrédulos, para o mundo, isto não passa de puro absurdo; e é o que o mundo diz que é. Mesmo para o cristão é um grande mistério. Contudo, graças a Deus, o emprego do termo “mistério” no Novo Testamento nunca traz a idéia de que é uma coisa que não se pode compreender de maneira alguma. “Mistério” significa algo ina­cessível à mente humana desassistida. Não importa quão vigorosa seja essa mente. O maior cérebro do mundo, o maior filósofo, se se trata de um homem não regenerado, não somente é um novato; é menos que um bebê; na verdade está morto, no sentido espiritual. Não tem absolutamente nenhum entendimento de um assunto como este. Esta é uma verdade espiritual, e só se compreende de maneira espiritual. O melhor comentário sobre isto é, mais uma vez, a Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 2, verso 6, até o fim do capítulo. Portanto, não admira que um assunto assim elevado tenha sido frequentemente mal interpretado, e mal interpretado de maneira drástica.
Tomemos, por exemplo, o ensino da igreja católica romana sobre este ponto. Essa igreja traduz por “sacramento” a palavra que a Versão Autorizada verte para “mistério” (e também Almeida). Dizem os católicos romanos (Vulgata): “Grande é este sacramento”, e a partir desta afirmação é que eles elaboram a sua doutrina de que o matrimônio é um dos sete sacramentos. Falam em “sete sacramentos” - não apenas nos dois que os protestantes reconhecem, a saber, o batismo e a ceia do Senhor - e dos sete o matrimônio é um. Sua suposta prova disso é este verso. Sobre tal fundamento, eles apresentam a sua noção de que o matrimônio é sacramento e, portanto, naturalmente, só pode ser efetuado por um sacerdote. Isto é apenas uma ilustração do modo pelo qual eles elevam o sacerdócio e introduzem um elemento mágico no cristianismo. Tudo visa a esse fim. Todavia isso mostra como as Escrituras podem ser pervertidas, usadas falsamente e forçadamente adaptadas aos interesses de uma teoria dominante da qual você parte. Se você começa exaltando a sua igreja e o sacerdócio, você terá que cercá-los por todos os lados, e por todos os meios possíveis - e é o que eles fazem. A “extrema unçãoé, de novo, uma coisa que só pode ser ministrada por um sacerdote, de maneira que é um sacramento; e assim por diante. Todas estas coisas têm por fim reforçar este poder puramente artificial do sacerdote. Estou fazendo esta advertência simplesmente para mostrar como uma afirmação como esta pode ser mal interpretada. O que mostra, finalmente, quão inteira e completamente errada é essa interpretação católica romana, é o que o apóstolo prossegue dizendo precisamente neste verso - “digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja”. Esse é o mistério ao qual se refere. Isto lança alguma luz sobre o casamento humano entre um homem e uma mulher, mas ele está falando “a respeito de Cristo e da Igreja.” Assim, o real mistério é a relação entre Cristo e a Igreja. Daí, os católicos romanos são levados a acreditar que a relação entre Cristo e a Igreja é um sacramento. Mas não dizem isso, pois para eles seria um disparate dizê-lo. Todavia, aí está um dos modos pelos quais este assunto pode ser totalmente mal compreendido.
Rejeitando o conceito romanista, examinemos de novo a frase: “Grande é este mistério”. Paulo quer dizer que se trata de um assunto muito profundo; assunto que requererá todos os recursos dos seus leitores, e que mostra a necessidade daquilo pelo que ele já tinha orado, em benefício destas pessoas, no capítulo lº - que tivessem “iluminados os olhos do entendimento” pelo Espírito Santo. Se não fizermos a abordagem desse modo, ungidos pelo Espírito, seremos confrontados por três grandes perigos. O primeiro é o de não estudar­mos o assunto. É pena, mas esta é a posição de muitos cristãos. “Ah”, dizem eles, “é difícil esta questão”, e, porque é difícil, nem tentam entendê-lo, e passam para a proposição subsequente. Certamente não temos necessidade de ficar com essa atitude. É uma coisa que jamais pode ser defendida, nem deve ser praticada. O simples fato de que há dificuldades nas Escrituras não significa que devemos passar de largo por elas. Elas estão lá para nosso conhecimento e nossa instrução; e por mais difíceis que sejam as questões, devemos fazer o máximo para compreendê-las e apreender o sentido delas. Essa é uma das razões para a existência da Igreja cristã. É por isso que o Senhor “deu uns para apóstolos, e outros para evangelistas, e outros para doutores” (“mestres”); etc. É para instruir-nos nestas coisas; é para nós lutarmos com elas. Não devemos dizer, “Ah, isto é muito difícil”, e precipitar-nos em busca de outra coisa. Você jamais compreenderá o seu próprio casamento, se você é casado, a não ser que procure entender isto. Foi para ajudar-nos a entendê-lo que o apóstolo escreveu isto.
O segundo perigo é tratar deste assunto pondo de lado o mistério ou diminuindo o mistério. Tem havido muitos, comentadores inclusive, que têm agido assim. Eles têm tido tanto receio desta “união mística”, e deste ensino sobre ela, que a reduziram a uma simples questão de semelhança geral, a uma simples unidade de interesses, e assim por diante. No entanto, isso é pôr para fora o “mistério”. Dizem eles: “Isto é apenas uma hipérbole, é uma linguagem altamente dramática empregada pelo apóstolo”. Mas isso é ignorar o fato de que Paulo deliberadamente nos diz que se trata de um “grande mistério”. Não devemos reduzir o “mistério”, não devemos fazer dele uma coisa de somenos. Este é um perigo que nos confronta em muitos pontos da vida cristã, e no ensino cristão. É o perigo que nos confronta com relação às nossas duas ordenanças - o perigo de, em nosso temor de falar demais, falar muito pouco! Devemos evitar esse perigo.
O terceiro perigo é o de querer elaborar isso tudo com muitas minúcias. Decidindo que é nosso dever enfrentar o assunto e tentar entendê-lo e desenvolvê-lo, de tal maneira o desenvolvemos que ele acaba ficando sem mistério nenhum. É óbvio que isso é igualmente errôneo, porque o próprio apóstolo diz: “Grande é este mistério”. Não significa, digo eu, que não compreendemos absolutamente nada dele, e sim que não o compreendemos perfeitamente, que não o compreendemos inteiramente, que ainda há alguma coisa que nos escapa, alguma coisa que nos deixa ofegantes de espanto e admiração.
Tratemos de evitar essas armadilhas particulares ao enfrentarmos este grande mistério. Esta é uma verdade maravilhosa; e aqui subimos àquelas alturas rarefeitas que só se encontram nas Escrituras.
Qual é o ensino do apóstolo a respeito desta relação mística entre Cristo e a Igreja? Podemos começar com uma coisa que já conhecemos bem, porque a encontramos antes, nesta epístola. A primeira coisa que ele nos diz é que a Igreja é o “corpo” de Cristo: “Assim devem os maridos amar a suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos” (verso 28). Depois ele acrescenta, no verso 29: “Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja”. E em seguida, mais par­ticularmente: “Porque somos membros do seu corpo”. Ele já tinha apresentado este ensinamento no final do capítulo primeiro e, depois, no capítulo 4, verso 16. Mas o apóstolo tem o cuidado de fazer-nos lembrar isto porque seu desejo é expor o princípio do caráter íntimo do relacionamento. É a relação existente entre a cabeça e os membros de um corpo. O que ele está interessado em salientar é que o relacionamento entre marido e mulher não é mera relação externa. Há uma relação externa, mas é muito mais que isso. A característica essencial do casamento não é simplesmente que duas pessoas vivem juntas. Esse é apenas o começo; há muita coisa além disso; e há algo mais profundo aqui, uma coisa muito mais maravilhosa. A Igreja, afirma Paulo, é realmente uma parte de Cristo. Como os membros do corpo são uma parte do corpo, do qual a cabeça é a parte principal, assim Cristo é a Cabeça da Igreja. Como Paulo o coloca no fim do capítulo primeiro, “E sujeitou todas as coisa a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. E de novo, no capítulo 4: “Antes, seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo ajusta operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor”. Devemos apegar-nos a esse princípio, pois ele é uma preliminar essencial para a compreensão da doutrina da união mística.
Isso, porém, é apenas introdução. Ele vai adiante e, no verso 30, acrescenta: “Porque somos membros do seu corpo” - e então faz este extraor­dinário acréscimo: “da sua carne e dos seus ossos”. Ele está falando sobre o re­lacionamento da Igreja com o Senhor Jesus Cristo. É aqui que realmente penetramos o mistério. A noção da Igreja como o corpo de Cristo, embora difícil, não é tão difícil como este acréscimo, “da sua carne e dos seus ossos”. Alguns têm procurado evitar totalmente isto assinalando que em certos manus­critos não está presente este acréscimo; mas todas as maiores autoridades concordam que essa frase está presente nos melhores manuscritos. Portanto, não podemos resolver o problema dessa forma. E, na verdade, todo o contexto, e a subsequente citação de Gênesis capítulo 2, torna essencial que a mantenhamos aqui; doutro modo, não haveria razão nem propósito na citação. É evidente que, tanto no contexto como aqui, Paulo está se referindo a Gênesis capítulo 2.
Aqui entramos no âmago deste mistério. Devemos ter em mente que a intenção do apóstolo, seu propósito, continua sendo o mesmo. Se ele ficasse somente com a afirmação de que a Igreja é o corpo de Cristo, haveria o perigo de continuarmos a pensar nisso em termos de uma ligação frouxa. É claro que não devemos pensar assim, porquanto quem sabe alguma coisa sobre o corpo, sabe que ele não consiste de uma frouxa ligação de um certo número de partes. Nunca será demais repetir que o corpo não consiste de alguns dedos afixados nas mãos, e as mãos afixadas nos antebraços, e assim por diante. Não! O essencial quanto a um corpo é que se trata de uma unidade orgânica vital. E é para ressaltar e salvaguardar esse princípio que o apóstolo faz o acréscimo e diz: “Porque somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos”.
A única maneira de solucionar o problema, parece-me, é seguir a pista que nos é dada pelo próprio apóstolo, e retornar à afirmação que ele cita do capítulo 2 do Livro de Gênesis, verso 23: “E disse Adão” - referindo-se à mulher — “Esta é agora osso dos meus ossos, e came da minha carne”. Aqui, de novo, está uma afirmação que tem sido mal interpretada. Há os que dizem que o apóstolo, neste verso 30 do capítulo 5 de Efésios, está se referindo à encarnação, que é apenas um modo indireto de dizer que quando o Senhor Jesus Cristo veio a este mundo, assumiu a natureza humana, assumiu, noutras palavras, nossa carne e nossos ossos. Mas essa interpretação é completamente impossível. O que o apóstolo está dizendo não é que o Senhor Jesus Cristo, a segunda Pessoa da bendita e santa Trindade, assumiu “nossa” carne e “nossos” ossos; o que ele diz é que “nós" assumimos Sua carne e Seus ossos, que nós somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. É o contrário do que foi dito acima, de modo que não é aquela a explicação.
Tem havido, pois, graves incompreensões disto em termos da ordenança da ceia do Senhor. Há os que dizem que quando o apóstolo escreve, somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos, ele está se referindo ao corpo glorificado do nosso Senhor. O corpo que o Senhor Jesus Cristo assumiu foi glorificado, e eles dizem que somos literalmente partes e membros do Seu corpo glorificado. Entretanto, certamente há uma ponderação que elimina isso, de uma vez para sempre, a saber, que o corpo glorificado está no céu. Portanto, isso não pode ser aplicado a nós. Todavia, ainda além disso, como digo, eles levantam toda a questão da Comunhão, isto é, a ceia do Senhor. Os católicos romanos dizem que não há dificuldade quanto a isto. Seu ensino é que, à mesa da Comunhão, o sacerdote realiza um milagre, transforma um pedaço de pão na “carne e nos ossos” do Senhor Jesus Cristo. Essa é a doutrina da transubstanciação. O que está no prato parece pão, mas isso é só o “acidente”, a “substância” sofre mudança. Permanece o elemento puro e simples, mas o que é oferecido aos comungantes é agora, de fato, o corpo de Cristo. De modo que, quando você come, está comendo “sua carne e seus ossos”, e assim se torna parte dEle. Eles extraem esse ensino do capítulo 6 do Evangelho Segundo João, em sua tentativa de buscar-lhe suporte.
Depois a doutrina luterana, a qual não é transubstanciação, e sim o que se chama de “consubstanciação”, vem a ser praticamente a mesma coisa. Eles dizem que o pão não é realmente transformado no corpo de Cristo, mas que o corpo glorificado de Cristo penetra no pão e fica ali com ele. Daí, você tem o pão mais o corpo glorificado de Cristo, e come ambos.
Certamente deve estar patente que isto é meramente insinuar uma coisa que de modo algum é sugerida pelo apóstolo, quer no próprio verso, quer no contexto inteiro. É uma tentativa de explicar o mistério de um modo não coerente com o contexto; e, em última análise, quase acaba com o mistério.
Seguramente, se seguirmos o rumo ditado pelo apóstolo, chegaremos à verdade explicação. Ele está obviamente citando Gênesis 2:23: “E disse Adão: esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne: esta será chamada varoa”. Mas por que seria chamada “varoa”? A resposta dada é: “porquanto do varão foi tomada”. A verdadeira definição de mulher é, pois, alguém que do varão foi tomado. Esse é o verdadeiro sentido da palavra “mulher”. A mulher, por definição, por origem, por nome, é alguém que foi tirado do varão. Contudo, observem de novo o modo pelo qual isso foi feito. “E disse o Senhor Deus: não é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma adjutora que esteja como diante dele” (verso 18). De novo se nos diz, no fim do verso 20: “mas para o homem não se achava adjutora que estivesse como diante dele.” Os animais foram criados, e são magníficos, mas nenhum deles é um ajudador à altura do homem. Há uma diferença essencial entre o homem e o animal. Afinal de contas, o homem é uma criação especial; não evoluiu dos animais. O melhor animal é essencialmente diferente do mais rebaixado tipo de homem; este pertence a uma outra ordem, a uma esfera completamente diferente. O homem é único, foi feita à imagem de Deus. Portanto, embora os animais sejam maravilhosos, não havia um que pudesse fazer companhia ao homem, a companhia de que o homem necessita. Assim, vamos adiante, e lemos: Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu: e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar. E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher”. A mulher foi tirada do homem, foi extraída da sua substância, da “sua carne” e dos “seus ossos”. Deus toma uma parte do homem, e dela faz uma mulher. Que é, então a mulher? Ela é da mesma substância do homem, “da sua carne e dos seus ossos”. Deus efetuou a operação. O homem foi posto num estado de profundo sono, e então a operação foi realizada, a parte foi tomada, e dessa parte foi feita a mulher.
Grande é este mistério: digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja.” Somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. Como? A mulher foi criada no princípio em decorrência de uma operação que Deus fez no homem. Como é que a Igreja veio a existir? Em decorrência de uma operação que Deus fez no segundo homem, em Seu unigénito e bem-amado Filho, no monte do Calvário. Caiu um profundo sono sobre Adão. Um profundo sono caiu sobre o Filho de Deus, Ele entregou o espírito, Ele expirou, e aí, nessa operação, a Igreja foi tomada. Assim como a mulher foi tomada de Adão, a Igreja foi tomada de Cristo. A mulher foi tomada do lado de Adão; a Igreja provém do sangue vertido, do lado ferido do Senhor (Jo 19:34). Essa é a origem dela; e assim ela é “carne da sua carne e osso dos seus ossos”. “Grande é este mistério”.
Vocês deram-se conta disso? Não é por acidente que Cristo é mencionado no Novo Testamento como “o segundo homem” e como “o último Adão” (1 Co 15:45,47). Aqui o apóstolo ensina que esta verdade também se aplica a Ele neste aspecto. Normalmente pensamos em nossa relação com Ele no sentido individual, e isso está certo. Tomemos o ensino concernente à relação do cristão com o Senhor Jesus Cristo como se acha em Romanos, capítulo 5, onde outra vez temos esta mesma comparação entre o primeiro homem e o segundo; fala-nos sobre como estamos todos envolvidos na transgressão de Adão, e como estamos envolvidos na justiça de Cristo. Como aquela relação, assim é esta. Ali a ênfase recai no pessoal. Aqui, recai na Igreja como um todo, na relação comunitária; e esta é a grande e misteriosa verdade que Paulo está ensinando. Assim como é certo dizer da mulher, que ela foi tirada do lado do homem, da sua substância, da “sua carne e seus ossos”, também é certo dizer que a Igreja é tirada de Cristo, e nós somos parte dEle, membros do Seu corpo e dos Seus ossos. Ele é o último Adão, o segundo homem. E como Deus operou no primeiro homem para produzir a sua esposa, sua coadjutora satisfatória, assim Ele operou no segundo homem, para fazer a mesma coisa, de maneira infini­tamente mais gloriosa.
Todavia, vamos avançar mais ainda. Fazemo-lo com temor e tremor; prossigamos, porém. O apóstolo está acentuando que somos parte da própria natureza de Cristo. Note-se que ele emprega a expressão “a si mesmo” no verso 28. “Nunca ninguém aborreceu a sua própria carne”, diz ele no verso 29; “antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja.” E no verso 28: “Antes devem os maridos amar a suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo.” Ainda a mesma idéia! O corpo é uma parte do homem, e portanto, quando ele dá atenção ao seu corpo, está dando atenção a si mesmo. Ele não pode divorciar-se de si mesmo. O que ele faz por seu corpo, está fazendo por si mesmo; e isso porque o seu corpo é parte de si mesmo. Essa é a relação entre Cristo e a Igreja. Não significa que somos divinos. Precisamos ser cuidadosos quanto a isso. Nós, cristãos, não somos deuses, nem somos divinos. Mas o que significa é que o Senhor Jesus Cristo é o autor e o iniciador de uma nova humanidade. Uma humanidade começou em Adão; uma nova humanidade começou no Senhor Jesus Cristo. Partilhamos disso! Somos participantes disso! É por isso que Pedro diz em sua segunda epístola, capítulo primeiro, verso 4, que somos (ou poderemos ficar sendo) “participantes da natureza divina”. Somos participantes desta natureza que o Mediador agora tem, sendo que Ele veio mediante a encarnação e fez tudo que veio fazer. DELE derivamos nossa vida, nosso ser, e somos verdadeiramente partes dEle.
Mas precisamos dar o passo final, e ir aos versos 31 e 32: “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne. Grande é este mistério: digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja”. Aqui, de novo, só poderemos entender o que o apóstolo quer dizer se retomar­mos ao capítulo dois de Gênesis. A passagem acima é uma citação direta de Gênesis 2:24. No entanto, o que ela significa exatamente? Há muitos que ficam assustados neste ponto, e dizem: “Ah, isso é um grande mistério, e devemos ter o cuidado de não forçá-lo demais”. Daí dizem eles que o apóstolo introduziu as palavras, “e serão dois numa carne”, citação de Gênesis 2:24, simplesmente para arrematar a citação que fez. O apóstolo, contudo, não faz esse tipo de coisa; o apóstolo não faz citações, a menos que tenha um objetivo e um propósito. Dizem aquelas pessoas: “Naturalmente é patente que isso não tem nada a ver com o Senhor Jesus Cristo e a Igreja. Aqui, na verdade, Paulo está apenas falando sobre maridos e esposas; não está falando da Igreja neste ponto”. Mas não posso aceitar isso, pois Paulo diz: “Isto” - que acabo de dizer - “é um grande mistério, mas eu estou falando a respeito de Cristo e da igreja.”
Acredito que esta expressão concernente a “uma carne” aplica-se à relação entre Cristo e a Igreja como se aplica à relação entre marido e mulher. Mas, tenhamos cuidado, porque isso é um grande mistério. Não estou tentando nem pretendendo dizer que o entendo plenamente, porém, ao mesmo tempo, não desejo subtrair-me ao mistério. Desejo apegar-me a este ensino concernente a esta relação mística, a esta unidade extraordinária, a esta indivisão de que Paulo está falando. Parece-me que a explicação é como segue: voltem para Gênesis capítulo 2, e isto é o que verão. Adão era originariamente um homem uno, perfeito, completo. E, contudo, havia uma espécie de carência, faltava-lhe uma ajudadora que lhe fosse satisfatória. Assim, o que nos é dito é que Deus fez a operação, e este homem, outrora uno, começa a ser dois - Adão e Eva, homem e mulher. A mulher foi tomada dele, de modo que é uma parte dele; ela não foi criada do pó, como o fora o homem. Ela foi tirada do homem e, assim, é uma parte do homem. Entretanto, a coisa não pára aí - e é nisto que eu vejo despontar este mistério. Num sentido eram agora dois, mas noutro sentido não eram: “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne”. Aí está a essência do mistério. Há um sentido em que eles são dois, e há um sentido em que não são dois. Jamais devemos esquecer esta unidade, esta indivisão, esta idéia de “uma carne”.
Subamos, então, ao pico culminante do mistério. Adão era incompleto sem Eva; e a deficiência, a falta, foi suprida pela criação de Eva. Portanto, há um sentido em que podemos dizer que Eva completa a “plenitude” de Adão, supre o que faltava em Adão. E é exatamente isso que Paulo diz acerca da Igreja em sua relação com Cristo. Afortunadamente para nós, ele já dissera isso no capítulo primeiro, verso 23, onde lemos: Que é o seu corpo- ele está falando da Igreja - “e sobre todas as coisa o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. A Igreja é a “plenitude” de Cristo. É a Igreja, diz ele, que “completa”, por assim dizer, esta plenitude de Cristo. E minha opinião é que aqui, no capítulo 5, ele está apenas repetindo aquela verdade. Como Adão e Eva se tomaram uma carne, e como Eva, por assim dizer, completa a plenitude de Adão, assim a Igreja completa a plenitude de Cristo. Esse é o sentido ligado à palavra “plenitude” em toda parte no Novo Testamento, no que concordam as autoridades linguísticas. Cristo não é a plenitude da Igreja; a Igreja completa a Sua plenitude, “a plenitude daquele que cumpre tudo em todos.
Podemos examinar a questão deste modo: o Senhor Jesus Cristo, como o eterno Filho de Deus, é e sempre foi, desde toda a eternidade, perfeito e completo - “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2:9). Ele é e sempre foi co-igual e co-etemo com o Pai. Toda a plenitude da divindade está em cada uma das três Pessoas. Nada Lhes falta, não há nada que precisa ser completado, não há carência de nada nessa plenitude. Mas, como o Mediador, Cristo não estará completo sem a Igreja. Ora, isto é um mistério, o mais glorioso dos mistérios. Jesus Cristo como Mediador não será plenitude completo, enquanto não foram reunidas todas as almas pelas quais Ele morreu - “a plenitude dos gentios” e “todo o Israel” (Rm 11:12,26). Só então Ele estará completo, só então a plenitude estará completa.
Este é o grande mistério da salvação, e é por isso que precisamos ser tão cuidadosos. Mas a doutrina da salvação sugere isto, que o bendito e eterno Filho de Deus, para salvar-nos, impôs a Si próprio uma limitação. Ao Se revestir da natureza humana, revestiu-Se de uma limitação. Ele continua sendo Deus, eternamente - não há limite nisso, não há diminuição da Sua divindade. É um grande mistério, e não devemos tentar entendê-lo no sentido final. Não pode ser compreendido. Todavia este é o ensino. Ali está Ele, Uno e Imutável! Sim, mas Ele Se fez homem, e Se fez sujeito à ignorância de fraqueza, enquanto esteve neste mundo, enviado “em semelhança da carne do pecado” (Rm 8:3). E como Mediador, digo e repito, Ele não será completo enquanto a Igreja não estiver completa. Ele tem uma esposa, à qual deve unir-se, tornando-se ambos “uma carne”. Quando o Senhor Jesus Cristo voltou para o céu, não deixou para trás o Seu corpo; levou-o conSigo. Essa natureza humana está nEle agora, e sempre estará. Ele continua sendo a segunda Pessoa da bendita e santa Trindade, porém esta natureza humana que eu e vocês temos agora, lá está nEle, e nEle estaremos por toda a eternidade. Ele Se sujeitou a algo. Aventuro-me àquilo que é quase uma especulação, mas o apóstolo cita estas palavras: “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne”. Não forço os pormenores, no entanto isto eu digo - que o Senhor Jesus Cristo deixou as mansões da glória e veio a este mundo terrenal em busca da Sua esposa. Houve um “deixar” em Seu caso, como no caso do homem que deixa seu pai e sua mãe para unir-se à sua esposa. Sim, Cristo deixou as mansões da glória - como no-lo recorda Charles Wesley -

O trono de Seu Pai deixou em cima, tão livre e infinita é Sua graça!

Deixou o céu e as mansões da glória por amor a Sua esposa. Houve um pavoroso momento em que Ele bradou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?Por aquele momento Ele foi separado de Seu Pai. E por quê? Ah, para que pudesse comprar e salvar esta Sua esposa que, agora, em decorrência dessa operação, é uma parte do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos.
Este é, digo eu, o supremo mistério. Não há nada mais maravilhoso, não há nada mais glorioso do que isto. Somos participantes da Sua natureza humana, estamos unidos a Ele, e o estaremos por toda a eternidade. Por isso nos dizem as Escrituras que estaremos acima dos anjos e os “julgaremos”. “Não sabeis vós”, diz Paulo em 1 Coríntios 6, “que os santos hão de julgar o mundo, que havemos de julgar os anjos?” Até os anjos! Por quê? Porque somos elevados acima deles, estamos no Filho, somos parte dEle, estamos unidos a Ele, somos “uma carne” com Ele. A Igreja é a esposa de Cristo, e quando pensamos nesta relação, devemos sempre fixar-nos neste mistério e dar-nos conta de que somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. Sobretudo, porém, demo-nos conta do que Ele fez para que viéssemos a ser dEle. Ele deixou o trono de Seu Pai nas alturas, “humilhou-se a si mesmo”, “esvaziou-se a si mesmo” - é assim que Ele ama a Igreja! “Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela.









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