Efésios 5:25-33
Continuamos considerando a doutrina do relacionamento de Cristo com a
Igreja. Mas ela não termina com o que vimos. Temos que ir além; e veremos que a
doutrina do apóstolo sobe a alturas ainda maiores. Vocês devem ter imaginado
que não poderia haver nada mais elevado que o verso 27, onde nos é dado um
vislumbre daquilo que nos espera como noiva de Cristo, como membros da Igreja
cristã. Entretanto a doutrina vai mais longe; há ainda uma coisa mais
maravilhosa, e quase inacreditável; é a extraordinária doutrina da união
mística entre Cristo e a Igreja. O argumento do apóstolo é que não
compreendemos verdadeiramente o que significa o casamento enquanto não
compreendermos esta doutrina da união de Cristo e a Igreja. Veremos que cada uma
destas doutrinas ajuda a iluminar a outra. A união mística entre Cristo e a
Igreja nos ajuda a entender a união entre marido e mulher e, por sua vez, a
união entre marido e mulher lança boa dose de luz sobre a união mística entre
Cristo e a Igreja. Isso é o que há de maravilhoso quanto a toda esta exposição.
A analogia e a ilustração humanas ajudam-nos a entender a verdade divina,
porém, em última análise, é a compreensão da verdade divina que nos capacita a
entender tudo mais; por isso o apóstolo passa de uma para a outra.
Devemos, pois, dirigir-nos a esta elevada doutrina da união entre
Cristo e a Igreja. Sem dúvida, somos todos consolados pelo que Paulo diz no
verso 32: “Grande é este mistério”.
É, de fato, um grande mistério. Portanto, devemos abordá-la com cuidado, e
também com espírito de oração. É certo que, sem a unção que
somente o Espírito Santo nos pode dar, não seremos capazes de entendê-la, de
modo nenhum. Para os não regenerados, para os incrédulos, para o mundo, isto
não passa de puro absurdo; e é o que o mundo diz que é. Mesmo para o cristão é
um grande mistério. Contudo, graças a Deus, o emprego do termo “mistério” no Novo Testamento nunca traz
a idéia de que é uma coisa que não se pode compreender de maneira alguma. “Mistério” significa algo inacessível à
mente humana desassistida. Não importa quão vigorosa seja essa mente. O maior
cérebro do mundo, o maior filósofo, se se trata de um homem não regenerado, não
somente é um novato; é menos que um bebê; na verdade está morto, no sentido espiritual.
Não tem absolutamente nenhum entendimento de um assunto como este. Esta é uma
verdade espiritual, e só se compreende de maneira espiritual. O melhor
comentário sobre isto é, mais uma vez, a Primeira Epístola aos Coríntios,
capítulo 2, verso 6, até o fim do capítulo. Portanto, não admira que um assunto
assim elevado tenha sido frequentemente mal interpretado, e mal interpretado de
maneira drástica.
Tomemos, por exemplo, o ensino da igreja católica romana sobre este
ponto. Essa igreja traduz por “sacramento”
a palavra que a Versão Autorizada verte para “mistério” (e também Almeida). Dizem os católicos romanos (Vulgata):
“Grande é este sacramento”, e a
partir desta afirmação é que eles elaboram a sua doutrina de que o matrimônio é
um dos sete sacramentos. Falam em “sete
sacramentos” - não apenas nos dois que os protestantes reconhecem, a saber,
o batismo e a ceia do Senhor - e dos sete o matrimônio é um. Sua suposta prova
disso é este verso. Sobre tal fundamento, eles apresentam a sua noção de que o
matrimônio é sacramento e, portanto, naturalmente, só pode ser efetuado por um
sacerdote. Isto é apenas uma ilustração do modo pelo qual eles elevam o
sacerdócio e introduzem um elemento mágico no cristianismo. Tudo visa a esse fim. Todavia isso
mostra como as Escrituras podem ser pervertidas, usadas falsamente e
forçadamente adaptadas aos interesses de uma teoria dominante da qual você
parte. Se você começa exaltando a sua igreja e o sacerdócio, você terá que
cercá-los por todos os lados, e por todos os meios possíveis - e é o que eles
fazem. A “extrema unção” é, de novo, uma coisa que só pode ser ministrada
por um sacerdote, de maneira que é um sacramento; e assim por diante. Todas
estas coisas têm por fim reforçar este poder puramente artificial do sacerdote.
Estou fazendo esta advertência simplesmente para mostrar como uma afirmação
como esta pode ser mal interpretada. O que mostra, finalmente, quão inteira e
completamente errada é essa interpretação católica romana, é o que o apóstolo
prossegue dizendo precisamente neste verso - “digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja”. Esse é o mistério
ao qual se refere. Isto lança alguma luz sobre o casamento humano entre um
homem e uma mulher, mas ele está falando “a
respeito de Cristo e da Igreja.” Assim, o real mistério é a relação entre
Cristo e a Igreja. Daí, os católicos romanos são levados a acreditar que a
relação entre Cristo e a Igreja é um sacramento. Mas não dizem isso, pois para
eles seria um disparate dizê-lo. Todavia, aí está um dos modos pelos quais este
assunto pode ser totalmente mal compreendido.
Rejeitando o conceito romanista, examinemos de novo a frase: “Grande é este mistério”. Paulo quer
dizer que se trata de um assunto muito profundo; assunto que requererá todos os
recursos dos seus leitores, e que mostra a necessidade daquilo pelo que ele já
tinha orado, em benefício destas pessoas, no capítulo lº - que
tivessem “iluminados os olhos do
entendimento” pelo Espírito Santo. Se não fizermos a abordagem desse modo,
ungidos pelo Espírito, seremos confrontados por três grandes perigos. O
primeiro é o de não estudarmos o assunto. É pena, mas esta é a posição de
muitos cristãos. “Ah”, dizem eles, “é difícil esta questão”, e, porque é
difícil, nem tentam entendê-lo, e passam para a proposição subsequente.
Certamente não temos necessidade de ficar com essa atitude. É uma coisa que
jamais pode ser defendida, nem deve ser praticada. O simples fato de que há
dificuldades nas Escrituras não significa que devemos passar de largo por elas.
Elas estão lá para nosso conhecimento e nossa instrução; e por mais difíceis
que sejam as questões, devemos fazer o máximo para compreendê-las e apreender o
sentido delas. Essa é uma das razões para a existência da Igreja cristã. É por
isso que o Senhor “deu uns para apóstolos, e outros para evangelistas, e
outros para doutores” (“mestres”); etc. É para instruir-nos nestas coisas;
é para nós lutarmos com elas. Não devemos dizer, “Ah, isto é muito difícil”, e precipitar-nos em busca de outra
coisa. Você jamais compreenderá o seu próprio casamento, se você é casado, a
não ser que procure entender isto. Foi para ajudar-nos a entendê-lo que o
apóstolo escreveu isto.
O segundo perigo é tratar deste assunto pondo de lado o mistério ou
diminuindo o mistério. Tem havido muitos, comentadores inclusive, que têm agido
assim. Eles têm tido tanto receio desta “união
mística”, e deste ensino sobre ela, que a reduziram a uma simples questão
de semelhança geral, a uma simples unidade de interesses, e assim por diante.
No entanto, isso é pôr para fora o “mistério”.
Dizem eles: “Isto é apenas uma hipérbole, é uma linguagem altamente dramática empregada pelo apóstolo”. Mas isso é ignorar o fato de que Paulo deliberadamente nos diz que
se trata de um “grande mistério”. Não
devemos reduzir o “mistério”, não
devemos fazer dele uma coisa de somenos. Este é um perigo que
nos confronta em muitos pontos da vida cristã, e no ensino cristão. É o perigo
que nos confronta com relação às nossas duas ordenanças - o perigo de, em nosso
temor de falar demais, falar muito pouco! Devemos evitar esse perigo.
O terceiro perigo é o de querer elaborar isso tudo com muitas
minúcias. Decidindo que é nosso dever enfrentar o assunto e tentar entendê-lo e
desenvolvê-lo, de tal maneira o desenvolvemos que ele acaba ficando sem
mistério nenhum. É óbvio que isso é igualmente errôneo, porque o próprio
apóstolo diz: “Grande é este mistério”.
Não significa, digo eu, que não compreendemos absolutamente nada dele, e sim
que não o compreendemos perfeitamente, que não o compreendemos inteiramente,
que ainda há alguma coisa que nos escapa, alguma coisa que nos deixa ofegantes
de espanto e admiração.
Tratemos de evitar essas armadilhas particulares ao enfrentarmos este
grande mistério. Esta é uma verdade maravilhosa; e aqui subimos àquelas alturas
rarefeitas que só se encontram nas Escrituras.
Qual é o ensino do apóstolo a respeito desta relação mística entre
Cristo e a Igreja? Podemos começar com uma coisa que já conhecemos bem, porque
a encontramos antes, nesta epístola. A primeira coisa que ele nos diz é que a
Igreja é o “corpo” de Cristo: “Assim devem os maridos amar a suas próprias
mulheres, como a seus próprios corpos” (verso 28). Depois ele acrescenta,
no verso 29: “Porque nunca ninguém
aborreceu a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o
Senhor à igreja”. E em seguida, mais particularmente: “Porque somos membros do seu corpo”. Ele
já tinha apresentado este ensinamento no final do capítulo primeiro e, depois,
no capítulo 4, verso 16. Mas o apóstolo tem o cuidado de fazer-nos lembrar isto
porque seu desejo é expor o princípio do caráter íntimo do relacionamento. É a
relação existente entre a cabeça e os membros de um corpo. O que ele está
interessado em salientar é que o relacionamento entre marido e mulher não é mera
relação externa. Há uma relação externa, mas é muito mais que isso. A
característica essencial do casamento não é simplesmente que duas pessoas vivem
juntas. Esse é apenas o começo; há muita coisa além disso; e há algo mais
profundo aqui, uma coisa muito mais maravilhosa. A Igreja, afirma Paulo, é
realmente uma parte de Cristo. Como os membros do corpo são uma parte do corpo,
do qual a cabeça é a parte principal, assim Cristo é a Cabeça da Igreja. Como
Paulo o coloca no fim do capítulo primeiro, “E sujeitou todas as coisa a seus pés, e sobre todas as coisas o
constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos”. E de novo, no capítulo 4: “Antes, seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo naquele que é a
cabeça, Cristo, do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de
todas as juntas, segundo ajusta operação de cada parte, faz o aumento do corpo,
para sua edificação em amor”. Devemos apegar-nos a esse princípio, pois ele
é uma preliminar essencial para a compreensão da doutrina da união mística.
Isso, porém, é apenas introdução. Ele vai adiante e, no verso 30,
acrescenta: “Porque somos membros do seu
corpo” - e então faz este extraordinário acréscimo: “da sua carne e dos seus ossos”. Ele está falando sobre o relacionamento
da Igreja com o Senhor Jesus Cristo. É aqui que realmente penetramos o
mistério. A noção da Igreja como o corpo de Cristo, embora difícil, não é tão
difícil como este acréscimo, “da sua
carne e dos seus ossos”. Alguns têm procurado evitar totalmente isto
assinalando que em certos manuscritos não está presente este acréscimo; mas
todas as maiores autoridades concordam que essa frase está presente nos
melhores manuscritos. Portanto, não podemos resolver o problema dessa forma. E,
na verdade, todo o contexto, e a subsequente citação de Gênesis capítulo 2,
torna essencial que a mantenhamos aqui; doutro modo, não haveria razão nem
propósito na citação. É evidente que, tanto no contexto como aqui, Paulo está
se referindo a Gênesis capítulo 2.
Aqui entramos no âmago deste mistério. Devemos ter em mente que a
intenção do apóstolo, seu propósito, continua sendo o mesmo. Se ele ficasse
somente com a afirmação de que a Igreja é o corpo de Cristo, haveria o perigo
de continuarmos a pensar nisso em termos de uma ligação frouxa. É claro que não
devemos pensar assim, porquanto quem sabe alguma coisa sobre o corpo, sabe que
ele não consiste de uma frouxa ligação de um certo número de partes. Nunca será
demais repetir que o corpo não consiste de alguns dedos afixados nas mãos, e as
mãos afixadas nos antebraços, e assim por diante. Não! O essencial quanto a um
corpo é que se trata de uma unidade orgânica vital. E é para ressaltar e
salvaguardar esse princípio que o apóstolo faz o acréscimo e diz: “Porque somos membros do seu corpo, da sua
carne e dos seus ossos”.
A única maneira de solucionar o problema, parece-me, é seguir a pista
que nos é dada pelo próprio apóstolo, e retornar à afirmação que ele cita do
capítulo 2 do Livro de Gênesis, verso 23: “E
disse Adão” - referindo-se à
mulher — “Esta é agora osso dos meus
ossos, e came da minha carne”. Aqui, de novo, está uma afirmação que tem
sido mal interpretada. Há os que dizem que o apóstolo, neste verso 30 do
capítulo 5 de Efésios, está se referindo à encarnação, que é apenas um modo
indireto de dizer que quando o Senhor Jesus Cristo veio a este mundo, assumiu a
natureza humana, assumiu, noutras palavras, nossa carne e nossos ossos. Mas
essa interpretação é completamente impossível. O que o apóstolo está dizendo
não é que o Senhor Jesus Cristo, a segunda Pessoa da bendita e santa Trindade,
assumiu “nossa” carne e “nossos” ossos; o que ele diz é que “nós" assumimos Sua carne e Seus
ossos, que nós somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. É o
contrário do que foi dito acima, de modo que não é aquela a explicação.
Tem havido, pois, graves incompreensões disto em termos da ordenança
da ceia do Senhor. Há os que dizem que quando o apóstolo escreve, somos membros
do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos, ele está se referindo ao corpo
glorificado do nosso Senhor. O corpo que o Senhor Jesus Cristo assumiu foi
glorificado, e eles dizem que somos literalmente partes e membros do Seu corpo
glorificado. Entretanto, certamente há uma ponderação que elimina isso, de uma
vez para sempre, a saber, que o corpo glorificado está no céu. Portanto, isso
não pode ser aplicado a nós. Todavia, ainda além disso, como digo, eles
levantam toda a questão da Comunhão, isto é, a ceia do Senhor. Os católicos romanos
dizem que não há dificuldade quanto a isto. Seu ensino é que, à mesa da
Comunhão, o sacerdote realiza um milagre, transforma um pedaço de pão na “carne e nos ossos” do Senhor Jesus
Cristo. Essa é a doutrina da transubstanciação. O que está no prato parece pão,
mas isso é só o “acidente”, a “substância” sofre mudança. Permanece o
elemento puro e simples, mas o que é oferecido aos comungantes é agora, de
fato, o corpo de Cristo. De modo que, quando você come, está comendo “sua carne e seus ossos”, e assim se torna
parte dEle. Eles extraem esse ensino do capítulo 6 do Evangelho Segundo João,
em sua tentativa de buscar-lhe suporte.
Depois a doutrina luterana, a qual não é transubstanciação, e sim o
que se chama de “consubstanciação”,
vem a ser praticamente a mesma coisa. Eles dizem que o pão não é realmente
transformado no corpo de Cristo, mas que o corpo glorificado de Cristo penetra
no pão e fica ali com ele. Daí, você tem o pão mais o corpo glorificado de
Cristo, e come ambos.
Certamente deve estar patente que isto é meramente insinuar uma coisa
que de modo algum é sugerida pelo apóstolo, quer no próprio verso, quer no
contexto inteiro. É uma tentativa de explicar o mistério de um modo não
coerente com o contexto; e, em última análise, quase acaba com o mistério.
Seguramente, se seguirmos o rumo ditado pelo apóstolo, chegaremos à
verdade explicação. Ele está obviamente citando Gênesis 2:23: “E disse Adão: esta é agora osso dos meus
ossos, e carne da minha carne: esta será chamada varoa”. Mas por que seria
chamada “varoa”? A resposta dada é: “porquanto do varão foi tomada”. A
verdadeira definição de mulher é, pois, alguém que do varão foi tomado. Esse é
o verdadeiro sentido da palavra “mulher”.
A mulher, por definição, por origem, por nome, é alguém que foi tirado do
varão. Contudo, observem de novo o modo pelo qual isso foi feito. “E disse o Senhor Deus: não é bom que o homem
esteja só: far-lhe-ei uma adjutora que esteja como diante dele” (verso 18).
De novo se nos diz, no fim do verso 20: “mas
para o homem não se achava adjutora que estivesse como diante dele.” Os
animais foram criados, e são magníficos, mas nenhum deles é um ajudador à
altura do homem. Há uma diferença essencial entre o homem e o animal. Afinal de
contas, o homem é uma criação especial; não evoluiu dos animais. O melhor
animal é essencialmente diferente do mais rebaixado tipo de homem; este
pertence a uma outra ordem, a uma esfera completamente diferente. O homem é
único, foi feita à imagem de Deus. Portanto, embora os animais sejam maravilhosos,
não havia um que pudesse fazer companhia ao homem, a companhia de que o homem
necessita. Assim, vamos adiante, e lemos: “Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este
adormeceu: e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar. E da
costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher”. A mulher foi
tirada do homem, foi extraída da sua substância, da “sua carne” e dos “seus ossos”.
Deus toma uma parte do homem, e dela faz uma mulher. Que é, então a mulher? Ela
é da mesma substância do homem, “da sua
carne e dos seus ossos”. Deus efetuou a operação. O homem foi posto num
estado de profundo sono, e então a operação foi realizada, a parte foi tomada,
e dessa parte foi feita a mulher.
“Grande é este mistério: digo-o,
porém, a respeito de Cristo e da igreja.” Somos membros do Seu corpo, da
Sua carne e dos Seus ossos. Como? A mulher foi criada no princípio em
decorrência de uma operação que Deus fez no homem. Como é que a Igreja veio a
existir? Em decorrência de uma operação que Deus fez no segundo homem, em Seu unigénito e bem-amado Filho, no monte do Calvário. Caiu um profundo sono sobre
Adão. Um profundo sono caiu sobre o Filho de Deus, Ele entregou o espírito, Ele
expirou, e aí, nessa operação, a Igreja foi tomada. Assim como a mulher foi
tomada de Adão, a Igreja foi tomada de Cristo. A mulher foi tomada do lado de
Adão; a Igreja provém do sangue vertido, do lado ferido do Senhor (Jo 19:34).
Essa é a origem dela; e assim ela é “carne
da sua carne e osso dos seus ossos”. “Grande
é este mistério”.
Vocês deram-se conta disso? Não é por acidente que Cristo é mencionado
no Novo Testamento como “o segundo homem”
e como “o último Adão” (1 Co 15:45,47). Aqui o apóstolo ensina que esta verdade
também se aplica a Ele neste aspecto. Normalmente pensamos em nossa relação com
Ele no sentido individual, e isso está certo. Tomemos o ensino concernente à
relação do cristão com o Senhor Jesus Cristo como se acha em Romanos, capítulo
5, onde outra vez temos esta mesma comparação entre o primeiro homem e o
segundo; fala-nos sobre como estamos todos envolvidos na transgressão de Adão,
e como estamos envolvidos na justiça de Cristo. Como aquela relação, assim é
esta. Ali a ênfase recai no pessoal. Aqui, recai na Igreja como um todo, na
relação comunitária; e esta é a grande e misteriosa verdade que Paulo está
ensinando. Assim como é certo dizer da mulher, que ela foi tirada do lado do
homem, da sua substância, da “sua carne e
seus ossos”, também é certo dizer que a Igreja é tirada de Cristo, e nós
somos parte dEle, membros do Seu corpo e dos Seus ossos. Ele é o último Adão, o
segundo homem. E como Deus operou no primeiro homem para produzir a sua esposa,
sua coadjutora satisfatória, assim Ele operou no segundo homem, para fazer a mesma
coisa, de maneira infinitamente mais gloriosa.
Todavia, vamos avançar mais ainda. Fazemo-lo com temor e tremor;
prossigamos, porém. O apóstolo está acentuando que somos parte da própria
natureza de Cristo. Note-se que ele emprega a expressão “a si mesmo” no verso 28. “Nunca
ninguém aborreceu a sua própria carne”, diz ele no verso 29; “antes a alimenta e sustenta, como também o
Senhor à igreja.” E no verso 28: “Antes
devem os maridos amar a suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos.
Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo.” Ainda a mesma idéia! O corpo é
uma parte do homem, e portanto, quando ele dá atenção ao seu corpo, está dando
atenção a si mesmo. Ele não pode divorciar-se de si mesmo. O que ele faz por
seu corpo, está fazendo por si mesmo; e isso porque o seu corpo é parte de si
mesmo. Essa é a relação entre Cristo e a Igreja. Não significa que somos
divinos. Precisamos ser cuidadosos quanto a isso. Nós, cristãos, não somos
deuses, nem somos divinos. Mas o que significa é que o Senhor Jesus Cristo é o
autor e o iniciador de uma nova humanidade. Uma humanidade começou em Adão; uma nova
humanidade começou no Senhor JCristo. Partilhamos ! Somos
participantes disso! É por isso que Pedro diz em sua segunda epístola, capítulo
primeiro, verso 4, que somos (ou poderemos ficar sendo) “participantes da natureza divina”. Somos participantes desta
natureza que o Mediador agora tem, sendo que Ele veio mediante a encarnação e
fez tudo que veio fazer. DELE derivamos nossa vida, nosso ser, e somos
verdadeiramente partes dEle.
Mas precisamos dar o passo final, e ir aos versos 31 e 32: “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe,
e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne. Grande é este mistério:
digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja”. Aqui, de novo, só
poderemos entender o que o apóstolo quer dizer se retomarmos ao capítulo dois
de Gênesis. A passagem acima é uma citação direta de Gênesis 2:24. No entanto,
o que ela significa exatamente? Há muitos que ficam assustados neste ponto, e
dizem: “Ah, isso é um grande mistério, e
devemos ter o cuidado de não forçá-lo demais”. Daí dizem eles que o
apóstolo introduziu as palavras, “e serão
dois numa carne”, citação de Gênesis 2:24, simplesmente para arrematar a
citação que fez. O apóstolo, contudo, não faz esse tipo de coisa; o apóstolo
não faz citações, a menos que tenha um objetivo e um propósito. Dizem aquelas
pessoas: “Naturalmente é patente que isso
não tem nada a ver com o Senhor Jesus Cristo e a Igreja. Aqui, na verdade,
Paulo está apenas falando sobre maridos e esposas; não está falando da Igreja
neste ponto”. Mas não posso aceitar isso, pois Paulo diz: “Isto” - que acabo de dizer - “é um grande mistério, mas eu estou falando a
respeito de Cristo e da igreja.”
Acredito que esta expressão concernente a “uma carne” aplica-se à relação entre Cristo e a Igreja como se
aplica à relação entre marido e mulher. Mas, tenhamos cuidado, porque isso é um
grande mistério. Não estou tentando nem pretendendo dizer que o entendo
plenamente, porém, ao mesmo tempo, não desejo subtrair-me ao mistério. Desejo
apegar-me a este ensino concernente a esta relação mística, a esta unidade
extraordinária, a esta indivisão de que Paulo está falando. Parece-me que a
explicação é como segue: voltem para Gênesis capítulo 2, e isto é o que verão.
Adão era originariamente um homem uno, perfeito, completo. E, contudo, havia uma espécie de
carência, faltava-lhe uma ajudadora que lhe fosse satisfatória. Assim, o que
nos é dito é que Deus fez a operação, e este homem, outrora uno, começa a ser
dois - Adão e Eva, homem e mulher. A mulher foi tomada dele, de modo que é uma
parte dele; ela não foi criada do pó, como o fora o homem. Ela foi tirada do
homem e, assim, é uma parte do homem. Entretanto, a coisa não pára aí - e é
nisto que eu vejo despontar este mistério. Num sentido eram agora dois, mas
noutro sentido não eram: “Por isso
deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa
carne”. Aí está a essência do mistério. Há um sentido em que eles são dois,
e há um sentido em que não são dois. Jamais devemos esquecer esta unidade, esta
indivisão, esta idéia de “uma carne”.
Subamos, então, ao pico culminante do mistério. Adão era incompleto
sem Eva; e a deficiência, a falta, foi suprida pela criação de Eva. Portanto,
há um sentido em que podemos dizer que Eva completa a “plenitude” de Adão, supre o que faltava em Adão. E é exatamente
isso que Paulo diz acerca da Igreja em sua relação com Cristo. Afortunadamente
para nós, ele já dissera isso no capítulo primeiro, verso 23, onde lemos: “Que é o seu -
ele está falando da Igreja - “e sobre
todas as coisa o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a
plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. A Igreja é a “plenitude” de Cristo. É a Igreja, diz
ele, que “completa”, por assim dizer,
esta plenitude de Cristo. E minha opinião é que aqui, no capítulo 5, ele está
apenas repetindo aquela verdade. Como Adão e Eva se tomaram uma carne, e como
Eva, por assim dizer, completa a plenitude de Adão, assim a Igreja completa a plenitude
de Cristo. Esse é o sentido ligado à palavra “plenitude” em toda parte no Novo Testamento, no que concordam as
autoridades linguísticas. Cristo não é a plenitude da Igreja; a Igreja completa
a Sua plenitude, “a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos.”
Podemos examinar a questão deste modo: o Senhor Jesus Cristo, como o
eterno Filho de Deus, é e sempre foi, desde toda a eternidade, perfeito e
completo - “nele habita corporalmente
toda a plenitude da divindade” (Cl 2:9). Ele é e sempre foi co-igual e
co-etemo com o Pai. Toda a plenitude da divindade está em cada uma das três
Pessoas. Nada Lhes falta, não há nada que precisa ser completado, não há
carência de nada nessa plenitude. Mas, como o Mediador, Cristo não estará
completo sem a Igreja. Ora, isto é um mistério, o mais glorioso dos mistérios.
Jesus Cristo como Mediador não será plenitude completo, enquanto não foram
reunidas todas as almas pelas quais Ele morreu - “a plenitude dos gentios” e “todo
o Israel” (Rm 11:12,26). Só então Ele estará completo, só então a plenitude
estará completa.
Este é o grande mistério da salvação, e é por isso que precisamos ser
tão cuidadosos. Mas a doutrina da salvação sugere isto, que o bendito e eterno
Filho de Deus, para salvar-nos, impôs a Si próprio uma limitação. Ao Se
revestir da natureza humana, revestiu-Se de uma limitação. Ele continua sendo
Deus, eternamente - não há limite nisso, não há diminuição da Sua divindade. É
um grande mistério, e não devemos tentar entendê-lo no sentido final. Não pode
ser compreendido. Todavia este é o ensino. Ali está Ele, Uno e Imutável! Sim,
mas Ele Se fez homem, e Se fez sujeito à ignorância de fraqueza, enquanto
esteve neste mundo, enviado “em
semelhança da carne do pecado” (Rm 8:3). E como Mediador, digo e repito,
Ele não será completo enquanto a Igreja não estiver completa. Ele tem uma
esposa, à qual deve unir-se, tornando-se ambos “uma carne”. Quando o Senhor
Jesus Cristo voltou para o céu, não deixou para trás o Seu corpo; levou-o
conSigo. Essa natureza humana está nEle agora, e sempre estará. Ele continua
sendo a segunda Pessoa da bendita e santa Trindade, porém esta natureza humana
que eu e vocês temos agora, lá está nEle, e nEle estaremos por toda a
eternidade. Ele Se sujeitou a algo. Aventuro-me àquilo que é quase uma
especulação, mas o apóstolo cita estas palavras: “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e
serão dois numa carne”. Não forço os pormenores, no entanto isto eu digo -
que o Senhor Jesus Cristo deixou as mansões da glória e veio a este mundo terrenal em busca da Sua esposa. Houve um “deixar”
em Seu caso, como no caso do homem que deixa seu pai e sua mãe para unir-se à
sua esposa. Sim, Cristo deixou as mansões da glória
O trono de Seu Pai deixou em cima, tão livre e
infinita é Sua graça!
Deixou o céu e as mansões da glória por amor a Sua esposa. Houve um
pavoroso momento em que Ele bradou: “Deus
meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Por aquele momento Ele foi separado de Seu Pai. E por quê? Ah, para
que pudesse comprar e salvar esta Sua esposa que, agora, em decorrência dessa
operação, é uma parte do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos.
Este
é, digo eu, o supremo mistério. Não há nada mais maravilhoso, não há nada mais
glorioso do que isto. Somos participantes da Sua natureza humana, estamos
unidos a Ele, e o estaremos por toda a eternidade. Por isso nos dizem as
Escrituras que estaremos acima dos anjos e os “julgaremos”. “Não sabeis vós”, diz Paulo em 1 Coríntios 6, “que os santos hão de julgar o mundo, que
havemos de julgar os anjos?” Até os anjos! Por quê?
Porque somos elevados acima deles, estamos no Filho, somos parte dEle, estamos
unidos a Ele, somos “uma carne” com
Ele. A Igreja é a esposa de Cristo, e quando pensamos nesta relação, devemos
sempre fixar-nos neste mistério e dar-nos conta de que somos membros do Seu
corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. Sobretudo, porém, demo-nos conta do
que Ele fez para que viéssemos a ser dEle. Ele deixou o trono de Seu Pai nas
alturas, “humilhou-se a si mesmo”, “esvaziou-se a si mesmo” - é assim que
Ele ama a Igreja! “Vós, maridos, amai
vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por
ela.”
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