terça-feira, 13 de setembro de 2011

A VOCAÇÃO CELESTIAL



"Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz."

Efésios 4:1

"PORTANTO OU, POIS”

Estas palavras introduzem não somente um novo capítulo, mas também uma nova e importante divisão desta Epístola aos Efésios. Semelhante à maioria das Epístolas do Novo Testamento, esta pode ser dividida em duas partes; e aqui temos o começo da sua segunda metade. Para nossa conveniência, a Epístola foi dividida em seis capítulos, e o seu ensino pode ser dividido em duas partes de três capítulos cada.

A primeira seção, que consiste dos três primeiros capítulos, foi inteiramente doutrinária. O apóstolo esteve desdobrando e demons­trando, à sua maravilhosa maneira, as grandes doutrinas essenciais da fé cristã, tudo aquilo que é central e vital para a compreensão do meio de salvação.

Pois bem, havendo feito isso, o apóstolo agora parte para a aplicação prática da sua doutrina; vai mostrar como a doutrina se relaciona com a vida e também com o modo de viver diário. Assim, estamos num ponto sumamente importante desta Epístola, um ponto que marca uma divisão muito real.

Ao empregar a palavra "pois" ou “portanto”, o apóstolo mostra claramente a conexão entre a fé e a prática. Ele firmara a doutrina; agora é preciso que ela seja aplicada. Aqui, então, no capítulo 4, o apóstolo começa a fazer um grande apelo aos crentes efésios para que ponham em ação as coisas que lhes estivera ensinando.

Num volume anterior estivemos tratando daquela estupenda seção do final do capítulo 3, onde, tendo sido fortalecidos com poder pela fé, estivemos procurando compreender com todos os santos "qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que fôssemos cheios de toda a plenitude de Deus". E examinamos a energia, a força e o poder de Deus que está em ação em nossos corações e "é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos".

Contudo, agora estamos prestes a considerar como essa riqueza de experiência se relaciona com a nossa vida diária e com o nosso modo de viver. Vocês prefeririam que a nossa exposição da Epístola terminasse no fim do capítulo 3?

Fico pensan­do se vocês gostariam de sentir-se como Pedro no Monte da Transfi­guração. Pedro, Tiago e João estavam com o nosso Senhor no monte; e o nosso Senhor transfigurou-Se diante deles. Eles viram isso, e a glória e maravilha disso, e viram Moisés e Elias, e ouviram a voz do céu. Disse Pedro: "Senhor, façamos aqui três tabernáculos, um para ti, um para Moisés, e um para Elias". Com efeito, Pedro disse: "Fiquemos aqui; é tão maravilhoso! Não podemos permanecer aqui, no topo da montanha?" (Mateus .17:4). É esse o sentimento de vocês? Mas render-se a isso - “Ficar aqui” - seria gravemente errado, seria uma coisa da qual este grande apóstolo nos adverte. O meio pelo qual o faz é esta palavra, esta palavra sumamente vital e essencial - "pois". Não temos direito de parar no fim do capítulo 3. Como o nosso Senhor não acedeu à proposta concernente aos três tabernáculos no alto do monte da Transfiguração, assim o apóstolo, reitero, convida-nos a segui-lo quando nos, leva à aplicação prática da grande doutrina que esteve desvendando diante de nós. O meio de que Paulo se utiliza para fazê-lo é a palavra "pois”. "Pois" é uma palavra que, de maneira muito prática, diz-nos como ler as Escrituras.

A segunda questão é até mais importante, a saber, que esta palavra pois é uma conjunção que nos leva adiante, e nos indica a vida que devemos viver a luz das doutrinas que já consideramos. Vocês verão - e isto é um princípio geral - que em todas as Epístolas num ponto correspondente a este, vocês têm geralmente esta palavra “pois". Elas começam invariavelmente com as doutrinas fundamentais. Depois havendo feito isso, elas dizem: "Portanto" - à luz disso, por causa disso, segue-se.

Em terceiro lugar, a palavra portanto lembra-nos que a vida que nos compete viver é uma vida que sempre resulta da aplicação da doutrina. Esta é uma questão que precisa ser acentuada. “Portanto” não somente me diz que eu tenho que me engajar na vida e no viver prático; diz-me também que o caráter e a natureza da vida que devo viver são determinados pela doutrina, e resultam da aplicação da doutrina.

A Vocação Celestial

Tendo visto como um verdadeiro entendimento da doutrina e da experiência cristãs leva ao desejo de viver uma vida santa, passamos agora a considerar o caráter da vida que devemos viver. O caráter geral da vida é que ela deve ser “digna da vocação com que fostes chamados”.

Se tão somente soubéssemos o que significam estas palavras, a maioria dos nossos problemas seria resolvida imediatamente. Outra e melhor tradução o expressa assim: “que andeis como é digno do chamamento com que fostes chamados”. Há um sentido em que “vocação” significa “chamamento”.

O apóstolo começa logo a dizer-nos o que a doutrina é. É a “vocação”, o “chamamento” com que fostes chamados. Devemos ser dignos ou condizentes com a vocação com fomos chamados. A doutrina que ela comunica é que devemos viver essa espécie de vida pela razão de que somos “os chamados”. Esse é um dos termos característicos com os quais o Novo Testamento descreve os cristãos. Os cristãos são “os chamados de Jesus Cristo”. A Igreja nada mais é senão a reunião dos “chamados”, os chamados “para fora” (ekklesia). Os cristãos são os chamados para fora do mundo. Veja 1 Pedro 2:9:

“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz;”

O ensino do apóstolo é que a principal razão pela qual devemos viver uma vida de pureza e santificação é que somos “os chamados”, isto é, os que são separados de todos os outros foram transportados para uma nova posição.

É importante observar o ponto em que entra o chamamento, nesta questão da salvação. Devemos entender que o “chamamento” vem antes da justificação. Veja Romanos 8:28-30:

Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou.

Predestinação, chamamento, justificação e, finalmente, glorificação! Significa que a salvação é resultado da poderosa ação do Espírito de Deus na alma, ação pela qual Ele introduz um novo princípio de vida e de ação, o qual nos capacita a crer. Somos chamados para “crer”. O nosso Senhor Jesus Cristo expressa isso claramente no Evangelho de João 6:44:

“Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia.”

Há no “chamamento” poder que o traz; sem este ele não pode vir. Sejam dignos, diz ele, da vocação, do chamamento pelo qual vocês foram chamados. Temos que viver como quem compreende que fomos chamados por Deus para esta “vocação celestial”. Fomos chamados para esta “maravilhosa e elevada” vocação, e as nossas vidas devem combinar com a vocação e estar em conformidade com ela.

Relembremos o que o apóstolo já nos ensinou no capítulo 1:18, desta epístola:

“iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento...”

Também devemos ter o cuidado de lembrar que esta é uma oração que Paulo faz em favor de cristãos. Ele está orando aqui por aqueles que já estão em "Cristo Jesus", que são co-herdeiros com os santos, e que já foram selados com o Espírito Santo. Nunca estaremos numa situação em que não teremos mais essa necessidade. Enquanto estivermos aqui, e cercados de fraquezas, e num mundo pecaminoso, tendo na ver­dade um princípio do pecado que ainda resta em nós, necessitare­mos desta operação iluminadora do Espírito Santo. Jamais poderemos ter feriado espiritual. Nunca poderemos viver de uma reserva que tenhamos acumulado.

Se não nos dermos conta da nossa dependência do Espíri­to Santo, a Palavra não nos falará; Se lermos a Palavra de Deus sem orar pedindo iluminação, provavelmente colheremos bem pouco dela; Jamais devemos apartar-nos da consciência desta dependên­cia do poder e da iluminação do Espírito. Não há nada que seja tão trágico quanto o tipo de cristão que dá a impressão de que "já chegou". Isso geralmente resulta de se pensar na vida cristã unicamente em termos da experiência do perdão, da santificação, etc. Isso faz a pessoa pensar que já "chegou", que terminou, que já tem tudo! Dizem-nos as Escrituras: "esquecendo-nos das coisas que atrás ficam" (Fp 3:13), prosseguimos avante como fez Paulo, sempre desejosos de aprender mais e conhecer mais. O constante desejo das nossas vidas deve ser que "cresçamos na gra­ça e no conhecimento do Senhor" (2 Pe 3:18). Porventura oramos dia após dia a Deus, ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, rogando que ilumine os olhos do nosso entendimento? Essa deve ser a nossa oração constante e diária. Sempre devemos prefa­ciar a nossa leitura da Palavra, orando pela nossa iluminação.

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