sábado, 7 de agosto de 2010

ESTUDO SOBRE O LIVRO DE EFÉSIOS

CAPÍTULO 16
“CHEGASTES PERTO”

"Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto." - Efésios 2:13

A GRANDEZA DA SALVAÇÃO CRISTÃ
Evidentemente, estas palavras dão prosseguimento à declaração que começa no versículo onze. Ao mesmo tempo são, por assim dizer, o complemento dessa declaração, que já foi estudada. O apóstolo está expondo aqui a grandeza desta salvação cristã. Ele quer que compreendamos que ela é tão grandiosa que nada menos que o poder de Deus a poderia realizar. Esse é o argumento geral. O poder que nos torna cristãos é precisamente o mesmo poder que tomou Jesus dentre os mortos, mostrou-O na ressurreição gloriosa e depois O elevou às alturas, aos lugares celestiais, onde Ele está assentado à direita do poder de Deus. Esse é o tema. Não devemos ignorar a floresta por causa das árvores. As árvores são gloriosas, mas a floresta é mais, e é melhor. À medida que avançarmos, mantenhamos as duas coisas juntas em nossas mentes.¬
A sobreexcelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que cremos
É sobre "a sobreexcelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que cremos" que o apóstolo está escrevendo, e é o que ele quer que compreendamos. Necessitaremos do auxílio do Espírito Santo para compreendê-lo, porque as nossas mentes são por demais pequenas, fracas e inadequadas. Oramos, pois, como Paulo fez pelos efésios, no sentido de que sejam "iluminados os olhos do nosso entendimento" para que realmente possamos conhecer essa verdade. O apóstolo escreve a sua carta com o fim de ajudar-nos nisso. Duas coisas, diz ele, são essenciais, se queremos entender a grandeza da salvação cristã: a primeira é a percepção da nossa condição sem esse entendimento; e a segunda é a percepção da nossa condição resultante disso. Anteriormente examinamos a nossa condição sem a salvação, nos termos da descrição feita no versículo doze deste capítulo. "Naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos (ou alianças) da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo." Somente quando compreendermos isto em primeiro lugar, é que perceberemos quão maravilhoso é que alguém seja cristão. Afinal de contas, o admirável é – não que muitos não são cristãos; o admirável é que alguém seja cristão. Nada explica isso, a não ser o poder de Deus em Cristo. Somente captamos isso quando nos damos conta do que o homem é por natureza, quando nos damos conta do que ele é em consequência do pecado. Mas devemos ir muito além. Se nos cabe medir este grande poder, não devemos limitar-nos a medir a profundidade da qual fomos levantados e tirados, entretanto também devemos medir a altura à qual fomos elevados e exaltados.
Aí estão os dois polos que representam os extremos nos quais todos os cristãos se acharam: primeiramente, fora de Cristo; depois, em Cristo. É o que o apóstolo está expondo aqui, no versículo treze. Tendo dado o aspecto negativo, passa agora a expor o positivo. Vocês recordam que nos dez primeiros versículos ele estivera fazendo exatamente a mesma coisa, porém de um ângulo diferente. Lá a sua preocupação era com a condição espiritual real e concreta – mortos em ofensas e pecados – e em mostrar como fôramos elevados às alturas. Aqui, como vimos, ele o expõe mormente em função da lei, e em termos do nosso nível e posição aos olhos de Deus e em Sua presença. Mais uma vez assevero que é essencial que compreendamos os dois lados.
Para todos os que têm alguma experiência pastoral, nada é mais claro do que o fato de que, quando os que se sentem infelizes acerca da sua salvação, não têm segurança e não têm alegria em sua vida cristã, a causa geralmente está numa destas duas coisas, ou, com muita frequência, nas duas juntamente. Eles estão nessas condições, ou porque nunca se tornaram verdadeiramente convictos do pecado, porque nunca enxergaram realmente a sua situação de desesperança, ou então porque nunca enxergaram a sua verdadeira posição como cristãos e as alturas às quais foram elevados. Assim, as duas coisas sempre devem ser tomadas juntas. E no Novo Testamento sempre estão juntas – e invariavelmente são tomadas na ordem acima indicada: primeiro o elemento negativo; depois o positivo. Já vimos isso neste capítulo.
O apóstolo sempre parte do aspecto negativo ¬¬
O apóstolo sempre parte do negativo. Vocês recordam como, quando ele estava a caminho de Jerusalém e estava se despedindo dos presbíteros desta mesma igreja de Éfeso numa grande e lírica ocasião ele não tivera tempo de ir a Éfeso, pelo que pedira aos presbíteros que viessem encontrar-se com ele. Encontraram-se em Mileto, e, num dos mais comoventes trechos da literatura que conheço, o apóstolo fala, dizendo efetivamente: gostaria de lembrar-lhes como, quando estava com vocês, não cessei, noite e dia, de dar-lhes com lágrimas o meu testemunho do evangelho e de pregá-lo. E o que ele pregava? "O arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo" (Atos 20:21, VA e ARA). Vocês nunca verão o apóstolo dizer que, primeiro as pessoas vêm a Cristo e depois se arrependem. Impossível¬ vê-lo fazer isso, porque ele sempre pregava primeiro o arrependimento. E é o que ele está fazendo aqui: aí está o que vocês eram, aí está o que vocês são. E somente quando captarmos o negativo e o positivo é que verdadeiramente apreciaremos esta grande salvação e nos regozijaremos nela como devemos.¬
Permitam-me fazer uma pergunta simples e óbvia neste ponto. Compreendemos a grandeza da nossa salvação? Ou deixem que eu faça uma pergunta mais sensível e delicada. Você se regozija em sua salvação? Neste momento você se ufana mais de ser cristão do que de qualquer outra coisa em sua vida? Não hesito em dizer que, se não nos ufanamos disso e não nos gloriamos mais nisso do que em qualquer outra coisa, então, para dizer o mínimo, o nosso entendimento do que é ser cristão é gravemente defeituoso. Quando um homem vê isso de verdade, só tem uma coisa para dizer, e é o que o apóstolo diz: "Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo" (Gálatas 6:14). Se verdadeiramente o enxergamos, veremos que é tudo. Não há nada que se lhe compare. Portanto, esse é um teste muito bom para vermos se realmente entendemos estas coisas ou não. Percebemos o nosso privilégio? Percebemos a glória da nossa posição neste momento, como cristãos? Ajudemo-nos uns aos outros a chegarmos a esse lugar.¬
VEJAMOS AGORA O ASPECTO POSITIVO
Temos considerado o negativo; vejamos agora o positivo. Aqui está ele numa frase – também aqui o apóstolo segue o seu método invariável. Primeiro ele declara o seu tema geral numa só sentença; depois ele o parte e o toma fragmento por fragmento. É o que ele faz no restante do capítulo. Neste versículo treze mais uma vez nos vemos face a face com um dos mais gloriosos sumários que o apóstolo faz, da fé cristã em geral. Está tudo aí nesse único versículo. Às vezes sinto que se eu pudesse dizer isto como deveria e como o Espírito Santo pode habilitar-nos a dizê-lo, não haveria necessidade de dizer mais nada. Ei-Io:
"Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto". (Ef 2:13)
Isso é o evangelho completo. Mas vamos sondá-lo; aí está a essência própria da mensagem cristã. No momento o tomarei como um todo e o examinarei de maneira geral; depois, querendo Deus, seguiremos o apóstolo à medida que ele mesmo o vai partindo em suas diversas partes componentes. A divisão do assunto é inevitável. Há três coisas aqui. A primeira é o contraste entre o que éramos e o que somos; a segunda é o que somos; e a terceira é como nos tornamos o que somos.¬
1) Primeiramente, o contraste entre o que éramos e o que somos.
O apóstolo o expressa em sua maneira usual – mas! Primeiro mostra o quadro sombrio, dá-nos o negativo, e nos força a tomar plena consciência dele. Depois de fazer isso, diz, "Mas"! Vocês se lembram do outro notável exemplo disso que tivemos no versículo quatro. Depois de nos fazer aquele pavoroso relato a nosso respeito, como estávamos mortos em ofensas e pecados, de repente ele diz, "Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou... ". Aqui de novo ele o faz. Estes "mas", estes benditos "mas", nunca serão repetidos com mais frequência do que deveria. O evangelho todo entra aqui. "Mas agora"! - vocês veem a diferença. Tudo está na palavra "mas". Contudo, ele acrescenta estes outros termos: "agora", "antes". A palavra "mas" mostra contraste; "agora" contrasta-se com "depois", "anteriormente", "tempos passados", "às vezes". Estas são grandes palavras do apóstolo, os seus contrastes. E qual seria o efeito dessas palavras? Você pode dizer se é cristão ou não apenas respondendo esta pergunta: você acha, às vezes, que a maior palavra que há em toda a língua da humanidade é a palavra mas? Se não pensa assim, o seu entendimento sobre o cristianismo é muito defeituoso. Lá estava você! Mas – e imediatamente você levanta a cabeça e se põe a cantar; abriu-se uma janela, brilhou uma luz, desapareceu a escuridão. "Mas agora"! Que nos diz essa expressão? É o "mas" da esperança, o "mas" do alívio, o "mas" que afirma que há um fim para o desespero, para as trevas, para a tristeza, que nem tudo está perdido, que Deus ainda está conosco. Levantamos as nossas cabeças. "O povo que andava em trevas viu uma grande luz." "Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo" (Isaías 9:2; 2 Coríntios 4:6). É o que temos aqui, noutra linguagem.¬¬¬
a) A agudeza do contraste
Quero acentuar especialmente que estas palavras assinalam de maneira surpreendente a agudeza do contraste, a afirmação de como é completa a separação, da categoria absoluta da diferença. Isto é ressaltado em toda parte no Novo Testamento. A diferença entre o cristão e o não cristão é uma diferença absoluta, um contraste completo. É claro, é definido, é distinto. Jamais deveria haver qualquer dificuldade em falar se somos cristãos ou não. O contraste entre o cristão e o não cristão é tão extremo e tão definido como isto: "agora" – "depois"; o "mas"; a diferença completa; a mudança extraordinária. Não há nuanças de diferença entre ser "não cristão" e ser "cristão". Não é você vir do preto ao branco através de vários matizes de cinza, e não poder dizer onde você está – o preto começando a ser afetado por um pouco de branco, e depois um pouco mais, e um pouco mais, e por fim você diz: ah, isto é branco! Não é nada disso. Isso é totalmente falso; isso é um completo contraste com o que o apóstolo está ensinando aqui. É preto ou branco, diz ele, e não há estágios intermediários quase imperceptíveis. Não é como aquelas sutis mudanças de cor do espectro, onde não se pode dizer em que dado ponto termina uma cor e começa outra. Absolutamente não. Este contraste é claro e definido.¬
b) Uma verdade válida para todos
Muitos estão em dificuldades quanto à sua posição como cristãos porque nunca entenderam o ensino das Escrituras sobre este assunto. O contraste entre o não cristão e o cristão é verdade válida para todos. Digo isso porque posso imaginar alguém dizendo: ah, espere um minuto, naturalmente posso entender o contraste em sua forma extrema como ali o apóstolo o coloca, porquanto, afinal de contas, ele estava escrevendo acerca daqueles efésios que nem sequer criam em Deus, que eram pagãos, em pleno mundo, vivendo a vida típica de um pagão – e, naturalmente, quando um pagão desses passa a ser cristão, o contraste, obviamente, é extremo e espantoso. E os que assim pensam prosseguem dizendo que ainda é o mesmo nos dias atuais. Alguns que se tornaram cristãos tinham sido ébrios, maridos espancadores e quase assassinos – não podiam ter sido mais ímpios. Claro, quando alguém assim se torna cristão tem-se este assustador contraste, e você está justificado em ressaltar o seu "mas", e em dizer "agora" e "depois", "tempos passados", "anteriormente", e assim por diante. Todavia, dizem. eles, certamente isso não se aplica aos que foram criados de boa e respeitável maneira, num país cristão, pessoas que eram enviadas à Escola Dominical quando crianças e eram levadas aos cultos pelos seus pais, e que nunca praticaram nenhuma dessas coisas violentas, torpes e extremas. Por certo essas pessoas apenas "cresceram" no cristianismo e nelas a mudança é quase imperceptível. Certamente, argumentam eles, você não dá ênfase a este contraste extremo no caso dessas pessoas – pode-se aplicar-se aos pagãos e aos de fora, não porém, por certo, a alguém que foi belamente criado num país cristão. A minha réplica é que é tão extremo o contraste no caso daqueles como no outro; que a diferença entre não cristão e cristão é sempre igualmente grande.¬¬¬
c) O que decide se somos ou não cristãos não é nem o que fazemos nem o que somos: é a nossa relação com Deus
O que decide se somos ou não cristãos não é nem o que fazemos nem o que somos: é a nossa relação com Deus. "Chegastes perto", "fostes aproximados" (VA e ARA), diz Paulo. Ele não diz "progredistes", ou "melhorastes", ou "agora estais vivendo uma vida melhor". Não, o que faz de você um cristão é que "Vós, que antes estáveis longe, fostes aproximados"; estais perto de Deus, ao passo que anteriormente estáveis longe de Deus. Assim, deve-se traçar a distinção e a diferença, não em termos da nossa moralidade ou da nossa conduta ou do nosso comportamento, e sim, em termos de nossa relação com Deus.
Permitam-me apresentar-lhes uma ilustração para mostrar o que quero dizer. É questão de relação, digo eu, não primariamente de condição moral da pessoa – o que vem depois. Vejam o ponto deste modo. Considerem o estado civil. Pense num homem que se casou ontem. Vocês podem dizer dele o seguinte, não podem? – "Até ontem ele era solteiro, agora é casado". Pois bem, quando vocês estão pensando na relação especial que se estabelece com o casamento, estará inteiramente fora de foco e será um completo desperdício de fôlego indicar as diversas coisas que verdadeiramente o descreviam. Vocês podem dizer-me que ele bebia demais ou que vivia jogando. Nas não estou interessado nesse ponto; quero saber se o homem era casado ou não. Se você está pensando no estado civil e na vida matrimonial, é pura irrelevância falar-me da vida moral do homem ou da sua conduta ou do seu comportamento. A questão vital é que ele não era casado, porém agora é. Todas aquelas outras coisas nesse ponto e nesse contexto são irrelevantes.
Ora, é exatamente a mesma coisa em toda esta questão de ser cristão. Não estou realmente interessado em saber se você vivia nas sarjetas da vida ou nas vivendas mais respeitáveis. As únicas perguntas que faço são: você está perto de Deus? Você conhece a Deus? Você entrou nos "santos dos santos", "no lugar santíssimo"? Essa é a questão; as outras são irrelevantes. Quanto à respeitabilidade, à bondade, à moralidade e à ética, você pode ser um exemplo de todas as virtudes e, todavia, não conhecer a Deus. Fazendo-se o julgamento por meio desse teste de relações pessoais, segundo as Escrituras não há diferença entre o mais vil e torpe pecador, de um lado, e o mais respeitável pecador, do outro. "Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus." "Não há um justo, nem um sequer." Todos eles estão fora da porta, não têm entrada na sala de audiências, na presença do Monarca, a porta se lhes fecha e ficam fora. Mas você dirá: ah, eles são diferentes; vejam a roupa que usam, não se vestem igual! Digo que não me interessa. A única pergunta que faço é: eles estão fora da porta, ou dentro?¬
Invariavelmente, o problema nesta questão é que, em vez de a considerarem em termos desta relação pessoal com Deus, as pessoas insistem em considerá-las em termos de bondade e comportamento. Lembro-me de alguém que me disse uma vez (e uso a ilustração porque penso que aplica muito bem o ponto): sabe, às vezes quase chego a desejar ter tido uma vida suja, violenta e extremamente pecaminosa. Por quê?, perguntei. Bem, respondeu ela, para que eu pudesse experimentar esta grande mudança que tais pessoas experimentam quando se convertem. Vocês veem a falácia e o entendimento errôneo? Essa pessoa estava vendo a questão inteiramente em termos de conduta e comportamento, negativamente. Se ela a tivesse visto somente em termos de conhecer a Deus e de regozijar-se nEle, teria visto que não havia diferença entre ela e o mais torpe e vil pecador. O teste é positivo. Este "mas", "agora" – "anteriormente", "tempos passados", este contraste extremo! Jamais devemos dar-lhe demasiada ênfase.¬¬
2) O que somos como cristãos
Movamo-nos para o segundo princípio, que é considerar o que somos como cristãos. Servirá para salientar ainda mais o contraste, enquanto temos em mente a mensagem do versículo doze. Paulo coloca isso com estas palavras maravilhosas: “fostes aproximados”! “Fostes aproximados" é, naturalmente, o contraste com "separados", "estranhos", "sem Deus", "fora de Cristo", não vivendo nesta vívida relação com Cristo. Mas agora, "fostes aproximados"! Essa é toda a verdade acerca do cristão. Obviamente o apóstolo tinha em mente uma ilustração. Ele estava pensando no templo. O templo de Jerusalém era dividido em diferentes lugares ou pátios. O mais importante era o “lugar santíssimo", o santuário mais secreto, onde a presença de Deus se revelava na glória da Shekinah* sobre o assento da misericórdia**. E no "lugar santíssimo", a real presença de Deus, somente um homem tinha permissão de entrar. Era o sumo sacerdote, e só entrava uma vez por ano. Havia então os átrios ou pátios. O pátio mais distante do santuário era chamado "Pátio dos Gentios". Eram os que ficavam mais longe de Deus! Nem entrar no "Pátio do Povo" lhes era permitido, o "Pátio dos Judeus". Aos judeus comuns não era permitido entrar no lugar destinado aos sacerdotes, e nem estes podiam entrar onde o sumo sacerdote entrava. Entretanto no lugar mais distante estavam os gentios, os forasteiros. Mais para o fim deste capítulo o apóstolo vai desenvolver¬ este ponto mais minuciosamente. Mas aqui já se vê, nessa forma particular. O que ele diz é que os que estavam mais longe foram introduzidos, foram aproximados, de maneira sumamente admirável tiveram entrada, por assim dizer, no lugar santíssimo. Esta é a verdade referente a todos quantos são cristãos, e é a esta verdade que devemos dar ênfase. O não cristão está sem Deus, sem Cristo; não tem acesso, não tem conhecimento, não tem entrada.
a) O cristão pode entrar na presença de Deus
Qual é a verdade quanto ao cristão? A primeira verdade referente ao cristão é, não que ele teve alguma experiência, mas sim, que ele foi aproximado, tem esta entrada, este acesso, e pode entrar na presença de Deus. E, naturalmente, pode fazê-lo na companhia de todos os outros que estão fazendo a mesma coisa. Assim é que Paulo dá seguimento a este outro contraste. Antes, os judeus eram um povo separado. Eles podiam achegar-se a Deus com as suas ofertas queimadas e os seus sacrifícios, por intermédio do seu sacerdócio. Os gentios não podiam. No entanto agora os gentios podem, não somente entrar à presença de Deus, mas também podem fazê-lo com os judeus que se tornaram cristãos – todos eles entram juntos. O apóstolo tornará a dizer isso mais adiante, com as seguintes palavras: "Por Ele (Cristo) ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito".
Mas agora estou interessado numa visão geral disto. É a coisa mais maravilhosa da vida. Vejam-na assim: vocês se lembram do que aconteceu quando Adão e Eva pecaram no jardim do Éden, no Paraíso? Foram expulsos do jardim, e lá no extremo oriental do jardim, junto à porta, Deus pôs "a espada flamejante, e querubins". Para quê? Para proibir a reentrada do homem e da mulher no Paraíso, no jardim do Éden. Esse é o efeito da Queda e do pecado. O homem é mantido fora da presença de Deus. "Sem Cristo"! "Sem Deus no mundo"! E "sem esperança"! E não pode voltar por causa da espada flamejante e dos querubins. "Mas agora, em Cristo Jesus", a porta está aberta, e o homem, a despeito da Queda e do pecado e da vergonha, e de toda a verdade sobre ele, pode voltar a entrar, tem acesso à presença de Deus. Foi reconciliado com Deus, foi restabelecido no favor de Deus, a inimizade foi removida, a ira de Deus contra ele foi apaziguada e satisfeita. Houve uma substituição – uma expiação;*** eles foram postos juntos de novo; o homem foi aproximado, foi introduzido na sala de audiências, foi apresentado ao Rei da glória.
b) ¬Fomos introduzidos na aliança
Ou podemos dizê-lo desta maneira: no versículo anterior Paulo estivera dizendo que todos os não cristãos são estranhos às alianças da promessa. Ele se referia à grande e única aliança que Deus repetiu em diversas ocasiões com ênfases ligeiramente diferentes. Deus empenhou-Se, Deus compactuou com o homem, Deus disse: "Farei isto; farei uma nova aliança". O que Paulo está dizendo nesta passagem é que os gentios, embora estivessem tão longe, foram introduzidos na aliança e agora estão começando a gozar as plenas bênçãos da nova aliança de Deus com o homem, em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle. Que bênçãos são essas? Há uma perfeita descrição da nova aliança no capítulo oito da Epístola aos Hebreus (versículos 10-12). É citação de Jeremias, capítulo 31: "Este é o concerto que depois daqueles dias farei com a casa de Israel, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu entendimento, e em seu coração as escreverei: e eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo; e não ensinará cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: conhece o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior. Porque serei misericordioso para com suas iniquidades, e de seus pecados e de suas prevaricações não me lembrarei mais". Essa é a Nova Aliança. Quando o homem não é cristão, é estranho a essa aliança. Que é ser cristão? É isto – ser aproximado, ser introduzido na aliança, poder ouvir: "Tudo isso aplica-se a você".¬
c) Agora nós conhecemos a Deus ¬
Repassemos o significado disso tudo. Significa que nós conhecemos a Deus! Isso é cristianismo, conhecer a Deus! Você pode ser religioso, saber certas coisas a respeito de Deus, crer em certas coisas acerca de Deus, estar interessado em Deus, ler livros sobre Deus e ouvir preleções e argumentos acerca de Deus. Todavia, pode não ser cristão. Ser cristão é conhecer a Deus. Diz a Nova Aliança: "Não ensinará cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: conhece o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior" – tanto o menor como o maior. Conhecer a Deus! "Eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo." É isso que significa tornar-se cristão. Antes vocês não eram povo, estavam separados da comunidade de Israel (do povo de Deus), e eram estranhos às alianças, estavam sem Deus no mundo; mas agora vocês foram aproximados, estão com o povo de Deus, conhecem a Deus.¬
d) Chegamos com confiança ao trono da graça
Que mais? Agora, porque conhecemos a Deus, chegamos com confiança ao trono da graça. Este é, de novo, o argumento da Epístola aos Hebreus (4:16), onde lemos: "Cheguemos pois com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno". Você foi aproximado, chegou perto! Quando você se ajoelha para orar, ora com confiança, com ousadia? Sabe que está indo ao trono da graça? E você sabe que receberá misericórdia? E que obterá graça em sua ajuda? Essa é a posição do homem que foi aproximado: ele está perto, está na sala de audiências. Ouçam o que diz o autor da Epístola aos Hebreus, no versículo dezenove do capítulo dez: "Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é pela sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa". É isso que significa ser cristão. "Antes" – "mas agora fostes aproximados"! "Entrar no santuário" ("no lugar santíssimo")! Você está lá, tem ido lá, sabe o caminho? O cristão é alguém que pode entrar na presença de Deus, pode entrar no "lugar santíssimo"; não há nada que o detenha.
e) Chegamo-nos à Sua presença em inteira certeza de fé
Que mais? Chegamo-nos à Sua presença em inteira certeza de fé. Que terrível coisa é estarmos de joelhos, encher-nos de dúvidas e incertezas, e dizermos: não sei bem se tenho direito ou não – posso fazer petições a Deus? – não tenho direito, sou pecador, fiz isto, fiz aquilo. Isso não é orar. Orar é entrar no "lugar santíssimo", na plena segurança da fé, conhecendo a Deus e sabendo qual é a Sua relação com você e qual a Sua atitude para com você "pelo sangue de Jesus".
Vejam a verdade também no prólogo do Evangelho Segundo João. Diz ele que "a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (a autoridade) de serem feitos filhos de Deus". Entendemos bem isso? – que o cristão é alguém que não somente tem acesso à presença de Deus, mas que O conhece como Seu Pai? Cristo lhe deu autoridade para ser filho de Deus. Foi adotado. E embora esteja indo à presença do Deus eterno e santo, vai com a confiança de filho. Tem autoridade, a autoridade do Senhor Jesus Cristo, para dizer que é filho, e não há porteiro que possa proibi-lo, não há inimigo que possa fazê-lo recuar. Ele tem o seu certificado de nascimento nas mãos e diz: vou ver meu Pai. "Aproximados"! Ele sabe que é filho de Deus não somente por ter nas mãos o certificado – o certificado é a Palavra de Deus, as Escrituras; tem outra forma de certeza também. "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai", afirma Paulo em Romanos (8:15). Essa é a posição do cristão. Ele não ora a um Deus distante, nem está preocupado com formas, aparências e beleza de¬ linguagem. Ele vai como um filho a seu Pai. "Aba, Pai"! Conhece a Deus como seu Pai, tem espírito filial, todo o seu coração busca a Deus, e ele sabe que o coração de Deus está aberto para ele. Isto é cristianismo verdadeiro. Será surpreendente que o apóstolo dê ênfase ao contraste entre o que estas pessoas eram e o que são agora?
f) Sabemos que Deus nos ama
E, naturalmente, visto que o cristão sabe que Deus é seu Pai e que é filho de Deus ele sabe que Deus o ama. Ele sabe que "até mesmo os cabelos da sua cabeça estão todos contados" (Mateus 10:30). Ele sabe que Deus tem interesse pessoal por ele, que nada lhe pode suceder independentemente de Deus; que, embora sendo Deus tão grande e eterno em Sua majestade, em Seu poder, em Sua glória e em Sua energia, Ele é um Pai interessado em cada um dos Seus filhos, sabe tudo a nosso respeito e se preocupa com o nosso bem-estar. O cristão sabe que ali, à direita de Deus, está Aquele que veio do céu à terra e se identificou conosco, tomou o Seu lugar ao nosso lado, tomou sobre Si o nosso pecado e morreu pelos nossos pecados. Assim, o cristão vai à presença de Deus sabendo essas coisas. É o que significa "fostes aproximados".
No capítulo quatro da Epístola de Tiago, versículo oito, há esta declaração extraordinária: "Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós". Mas como posso chegar-me a Deus se não sei o caminho? Como posso chegar-me a Deus se não sei que estou na aliança, que não sou mais estranho, que não estou mais separado, que não estou mais fora e longe? A única maneira pela qual podemos chegar-nos a Deus é a que o apóstolo coloca no fim deste glorioso versículo, cuja consideração completa devemos deixar para mais tarde. Há somente um caminho pelo qual chegar-nos a Deus, há somente um caminho pelo qual entrar no "lugar santíssimo": "pelo sangue de Jesus". "Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue" – o sangue! – "de Cristo chegastes perto." O sangue do cordeiro na verga e nos batentes das portas das casas dos israelitas no Egito salvou-os e os poupou; e o único sinal procurado em todos os que querem aproximar-se de Deus e chegar-se a Ele é a marca deixada pelo sangue do Filho de Deus. Essa marca está em você? Se está, você tem livre entrada (e ninguém pode impedí-lo) no "lugar santíssimo", na própria presença de Deus. Você está ali? Foi para lá? Você ora com confiança e certeza? Você conhece a Deus? Você está gozando comunhão com Ele?¬¬
Ser habilitado a "chegar perto de Deus" é experimentar todas as bênçãos da Nova Aliança em Jesus Cristo.

Por: D.M. Lloyd Jones

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