quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

OS PRIVILÉGIOS DA ESPOSA




 
Continuação do estudo sobre o casamento.


Efésios 5:25-33

Estivemos traçando nosso curso através desta grande afirmação, primari­amente destinada à edificação dos maridos, mas que, como vimos, tem uma gloriosa mensagem para todo o povo cristão. Isto porque, ao dirigir sua mensagem ao marido, o apóstolo o faz empregando a comparação com o relacionamento que existe entre Cristo e a Igreja. Essa é a analogia que o marido sempre deverá ter em mente.

Há, porém, mais uma coisa que nos cabe fazer antes da aplicação do ensino aos deveres particulares dos maridos para com as suas esposas. Há implícita naquilo que o apóstolo vem dizendo, mais uma coisa que será de grande importância quando chegarmos à aplicação prática, mas que é de inestimável valor para cada um de nós, cristãos, quando nos damos conta da nossa relação com o Senhor Jesus Cristo, e de que, juntos, somos a esposa de Cristo. Deixem-me explicar isto.

Dado tudo que estivemos considerando, segue-se necessariamente que o marido concede certas coisas a Sua esposa; e agora vamos ver o que o Senhor Jesus Cristo, como Esposo da Igreja, lhe concede. Ao fazê-lo, compreendere­mos melhor o glorioso privilégio de sermos cristãos e membros da Igreja cristã. Demoro-me nesta verdade porque é minha crescente e profunda convicção que o maior problema, a maior dificuldade hoje é que cristãos como nós não se dão conta do privilégio e da dignidade de serem membros da Igreja cristã e do corpo de Cristo. Bem sei, e concordo, que está certo preocupar-nos com as condições do mundo. Não poderemos ser cristãos, se não tivermos essa preocupação; todavia não consigo entender como se pode ser complacente quanto às con­dições da Igreja. Para mim a coisa mais triste e mais séria dos dias atuais é a omissão do povo cristão de considerar o que o Novo Testamento diz acerca de nós mesmos, e o que significa ser membro do corpo de Cristo. Num mundo que dá tanta importância a honras, glórias e posições, não é espantoso darmos tão pouca atenção ao fato de sermos membros da Igreja? Muitos parecem entender isso como sendo eles que conferem à Igreja alguma dignidade, em vez de perceberem que esse é o supremo e o mais glorioso privilégio que se pode ter ou conhecer. Outros acham que ser membro da Igreja é um trabalho e um dever, e ficam mais satisfeitos consigo mesmos se desempenham alguma função. Ora, isso revela uma completa incapacidade de entender o que significa realmente sermos membros do Seu corpo, o qual é a esposa do Senhor Jesus Cristo.

Vejamos, pois, algumas das coisas que Ele nos concede, coisas que dizem respeito a nós como povo cristão e membros da Igreja. Se a Igreja tão somente percebesse estas coisas, deixaria de estar cheia de racionalizações defensivas, deixaria de ser frouxa e desanimada, e de apresentar o infeliz aspecto que apresenta; transbordaria de genuíno gozo, alegria e glória.
Que é que Cristo nos concede? Primeiramente, Sua vida. Já estudamos essa verdade, mas preciso mencioná-la outra vez, neste contexto. Ele nos dá uma parte da Sua própria vida - tornamo-nos partícipes da Sua vida. É o que acontece quando alguém se casa, não é? Ele vivia sua própria vida, porém agora não a vive exclusivamente; sua esposa se torna participante da sua vida. Como é uma parte dele, ela se torna participante da sua vida, das suas atividades e de tudo que lhe diz respeito. A primeira coisa que um homem casado tem que aprender é que, quando se vê confrontado por situações diversas, agora lhe compete fazer algo novo. Antes, o principal problema para ele era: como isto me afeta, qual a minha reação a isto? Entretanto, agora ele não pára aí. Agora ele tem que pensar em como isto afeta sua esposa. Já não leva uma vida isolada, digamos, por sua própria conta; sempre terá que considerar outra pessoa, que é partícipe da sua vida. Certas coisas podem ser-lhe aceitáveis, mas agora há alguém mais que ele tem de levar em consideração.

Eu poderia desenvolver isto; poderia falar baseado em muita experiência pastoral sobre problemas e dificuldades de que já tive de tratar porque os maridos se esquecem justamente deste ponto. Permitam-me dar-lhes uma ilustração disso. Uso-a porque é uma experiência que muitas vezes tive de enfrentar, e a respeito da qual muitas vezes fui mal compreendido. Mas, correndo esse risco, conto-a de novo, com o fim de ilustrar este ponto. Um homem me procura e me diz que se sente chamado para servir nalgum campo missionário estrangeiro. Bem, isso é excelente. No entanto, então eu tenho que lhe fazer uma pergunta - e sempre a faço, se o homem é casado: que diz sua esposa sobre isso? Algumas vezes tenho de lidar com homens que não parecem preocupados com isso, e parecem considerar a matéria como se fosse de decisão puramente pessoal. Todavia não é! O homem não tem direito de isolar-se sobre uma questão como essa, deixando de lado a sua esposa. Uma vez que ambos são uma carne, ele tem de considerar as opiniões da sua esposa. Já estivemos tratando dos deveres das esposas para com os seus maridos. Há muito que dizer sobre esse outro lado também; mas o ponto que estou firmando é que é um cristão bem pobre aquele que diz: “Se me sinto chamado para uma obra particular, não importa o que a minha esposa diga”. Claro que importa! Isso mostra uma compreensão completamente falsa deste ensino.

Vejamos, no entanto, outro aspecto do assunto, e tratemos de aperceber-nos de que somos partícipes da vida do Senhor Jesus Cristo. É um pensamento tremendo, mas temos direito de dizer que estamos sempre em Sua mente; que em toda a Sua perspectiva temos nossa parte e nosso lugar. Estamos “em Cristo”, somos participantes da Sua vida. Escrevendo aos colossenses, o apóstolo utiliza esta extraordinária frase no capítulo 3, verso 4: “Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar”. Ele é “a nossa vida”, o que é outra maneira de dizer que somos participantes da Sua vida. Ora, não há nada que supere isso! De fato, já estivemos examinando isso quando estávamos es­tudando a afirmação de que somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. Agora o estamos examinando de um ângulo ligeiramente diferente; não tanto do ângulo da união mística, e sim da consciência pessoal do Senhor de que Ele está dando Sua vida, partilhando-a, e de que nós somos incluídos nela e nos tornamos parte integrante da Sua vida.

Prossigamos, porém, para mostrar isto em suas várias manifestações. Uma é que Ele nos outorga Seu nome. Tomamos sobre nós o Seu nome porque Ele mesmo no-lo dá. Somos chamados “cristãos”, e essa é a maior verdade concernente a nós. Não somos mais o que éramos; mudamos de nome. Quando a mulher se casa, muda de nome. Quão importante é isso, para ajudar-nos a entender o ensino do grande apóstolo neste capítulo cinco desta Epístola aos Efésios! Quanta coisa ele tem para dizer também acerca deste insensato movimento moderno chamado “feminismo”! Quando uma mulher se casa, renuncia ao seu nome e toma o nome do seu marido. Isso é bíblico, e também é o costume do mundo inteiro. Isso nos ensina sobre a relação entre marido e mulher. Não é o marido que muda de nome, mas a esposa. Há uma notável ilustração disto, de tempos recentes. Refiro-me a ela porque espero que ajude a fixar estas verdades em nossas mentes. A nação toda sabe o que aconteceu no caso da princesa Margaret, como o nome do marido dela é apresentado sempre que ela é mencionada; e isso está certo. Não proceder assim é antibíblico. O nome do marido é que é tomado, não o da mulher. Não importa quem sejam os cônjuges, esta é a posição escriturística.

Contudo, examinemos isso tudo do nosso ponto de vista, como membros da Igreja cristã. Cristo colocou Seu nome em nós. Não se pode fazer maior cumprimento do que esse. Essa é a mais clara expressão deste relacionamento matrimonial. O Novo Testamento nos apresenta isto de muitas maneiras. “Já não há judeu nem gentio, bárbaro nem cita, escravo nem livre” (Gl 3:28 e Cl 3:11). Costumava haver. Aqueles eram os nomes que tínhamos antes. Não mais, porém! Agora somos cristãos, temos um novo nome. Ou tomemos o modo pelo qual este mesmo apóstolo o expressa em sua Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo 5: “Daqui por diante a ninguém conhecemos segundo a carne”. “Eu costumava conhecer as pessoas segundo a carne”, é o que ele diz; “como judeu, eu costumava dizer: “Quem é esse homem? É judeu? Se não é, não passa de um cão”. “Entretanto”, diz ele, “não penso mais segundo essas categorias; agora utilizo novos termos. O que desejo saber é: “Este homem é cristão?” Não me interessa qual era o seu nome antigo; este é o nome em que estou interessado agora - “cristão!” Leva ele o nome de Cristo sobre si? Assim nos damos conta de que o Senhor Jesus Cristo nos dá o Seu nome. A realidade disto é tal, diz ainda o apóstolo, escrevendo aos gálatas, que chega a este ponto: “vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim”. Essa é a idéia. Em certo sentido, Paulo está submerso, desaparecido, todavia ele continua, e diz: “a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim” (2:20). Que esplêndida exposição é essa, desta relação matrimonial! Há um sentido em que toda a vida do cristão está no Esposo e, no entanto, ele não se perdeu inteiramente, ele ainda está lá - “a vida que agora vivo na carne”.

Aí está o grande mistério do relacionamento matrimonial! Mas devemos apegar-nos a este grande fato - que levamos sobre nós o nome do Senhor Jesus Cristo. O que importa, e deve importar, para cada um de nós é que mudamos de nome. Aqui, no terreno da Igreja, os outros nomes absolutamente não impor­tam. Não importa o nome que a pessoa tenha, qual a sua posição ou o seu ofício, qual a sua capacidade, e tudo mais. A única coisa que importa a seu respeito agora, é que ela tem sobre si o nome de Cristo. Somos todos um aí, estamos todos juntos em Cristo. Ele nos tomou para Si - a Igreja é a esposa de Cristo. Eis o que praticamente Ele nos diz: “Esqueça esse velho nome, tome sobre si este Meu nome; você Me pertence”. Encontramos isto no Livro de Apocalipse, capítulo 3, verso 12: “A quem vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus e dele nunca sairá; e escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém, que desce do céu, do meu Deus, e também o meu nome”. É isso!

Teu novo nome escreve em meu coração,
Teu novo e melhor nome de amor.

Está é a coisa espantosa que acontece com todos os que de fato são cristãos, com todos os membros deste corpo, que é a esposa de Cristo. Foi-lhes dado pelo Príncipe da glória e, maravilha das maravilhas é o Seu nome! Não há honra ou glória maior do que esta. Você desaparece num novo nome, e é o nome mais elevado de todos. Lemos que vem o dia em que “ao nome de Jesus” se dobrará “todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra” - e esse é o nome que nos é dado, a nós que fomos constituídos em esposa de Cristo.

Então vemos que disso decorre o fato de que somos participantes da Sua dignidade, da Sua grandiosa e gloriosa posição. O apóstolo já dissera algo equivalente no capítulo 2, onde nos dissera a admirável verdade de que Deus “nos ressuscitou juntamente com ele (com Cristo) e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus”. Essa verdade agora nos abrange. Se somos cristãos, estamos “em Cristo”, o que significa que estamos assentados com Ele “nos lugares celestiais”. Onde quer que o esposo esteja, ali está a esposa também, e a reputação, a dignidade e a posição que pertencem a ele, pertencem a ela. Não tem a menor importância quem ela era; no momento em que ela se torna sua esposa, participa de todas as coisas com ele. E ai daquele que não lhe conceda a posição e a dignidade a que faz jus! Não há maior insulto ao esposo do que recusar a honrar a sua esposa. Esta verdade, diz o Novo Testamento, vale para o cristão. Isto nos é dito repetidamente. Uma declaração disso ocorre no capítulo 17 do Evangelho de João, verso 22, onde o Senhor Jesus diz: “E eu dei-lhes a glória que a mim me deste”. A glória que o Pai Lhe dera, diz Ele, Ele deu a Seu povo. É uma coisa que invariavelmente sucede no casamento: a esposa, sendo uma parte do marido e tendo sobre si o nome do marido, compartilha toda a posição dele. “Dei -lhes a glória que a mim me deste”.

Tomemos, porém, outra colocação do assunto. O Senhor Jesus Cristo disse a respeito de Si mesmo: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8:12). É Sua reivindicação, e não existe reivindicação superior a essa. Sem mim, o mundo fica em trevas, diz Ele. Sou a luz que o mundo pode receber sempre, sendo que tudo mais não passa de tentativas feitas pelos homens para descobrirem alguma luz; e invariavelmente fracassam. Fora de Cristo não há luz. Mas, observem o que Ele diz a nosso respeito: “Vós sois a luz do mundo” (Mt 5:14). Noutras palavras, uma vez que Ele é o que é, e dada a nossa relação com Ele, igualmente viemos a ser a luz do mundo. É-nos muito difícil compreender isso, não é? Somos apenas um pequeno grupo nesta nossa terra pagã, e só a metade destes freqüentando a casa de Deus. Daí, ficamos cheios de desculpas, e nos sentimos um tanto envergonha­dos de nós mesmos. Contudo, a verdade acerca de nós é esta: somos a luz do mundo! Foi o Senhor Jesus Cristo que o disse. Este mundo mau e trevoso não conhece nenhuma luz, não tem nenhuma luz, exceto a luz que eu e vocês estamos disseminando.

No entanto, pensemos na questão quanto ao aspecto da nossa dignidade, da nossa glória - o que Ele é, Ele faz que sejamos. Isso é inevitável por causa da nossa relação. Há muitas outras exposições magníficas disto. Ouçam, de novo, o Senhor dizer, no Livro de Apocalipse, à igreja de Laodicéia, a respeito de toda gente: “Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no meu trono; assim como eu venci, e me assentei com meu Pai no seu trono” (3:21). Posto que a Igreja é a esposa de Cristo, ela vai sentar-se com Ele no Seu trono. “Ela é plebéia”, dirão vocês. Sim, mas não importa; ela se casou com o Príncipe, e compartilha o trono com Ele. Essa é a dignidade, esse é o privilégio que Ele nos confere!

Em seguida, atentem para isto: o apóstolo Paulo, procurando ensinar aos membros da igreja de Corinto algo desta grandeza e desta glória, faz a seguinte colocação, no capítulo 6 da primeira epístola, verso 2: “Não sabeis vós que os santos hão julgar o mundo?” E mais adiante: “Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos?” Isto se refere a mim e a vocês. Vejam esses tristes membros da igreja de Corinto. Que há com vocês?”, pergunta o apóstolo. “Por que estão brigando uns com os outros? Por que vocês se orgulham deste ou daquele homem, e ficam levando uns aos outros às barras do tribunal por suas conten­das? Não percebem que todos vocês, como cristãos, estão em tal relação com Cristo, que irão julgar o mundo, que irão julgar os anjos?” Eis aí a dignidade que nos pertence.

Permitam-me expressá-lo deste modo: pensem no cristão em relação aos anjos. Já se deram conta de que nos está determinado um destino que nos colocará acima dos anjos? Os anjos são seres maravilhosos, “magníficos em poder” (Sl 103:20); mas estamos destinados a uma posição que será superior à dos anjos! O autor da Epístola aos Hebreus faz esta colocação: “Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que falamos. Mas em certo lugar testificou alguém, dizendo: que é o homem, para que dele te lembres? ou o filho do homem, para que o visites? Tu o fizestes um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste, e o constituíste sobre as obras de tuas mãos; todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés(Hb 2:5-8). “Mas”, diz alguém, “não vejo todas as coisas sujeitas ao homem; de que é que você está falando?” “Oh não”, diz o autor daquela epístola, "... ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas; vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte” (verso 9). Estas palavras significam que eu e vocês vamos ocupar aquela posição. Aos olhos de Deus já a ocupamos; não vemos isto, no entanto, já é coisa certa quanto a nós. Estamos acima dos anjos porque somos a esposa de Cristo; e como Ele está acima deles nos lugares celestiais, temos essa dignidade, essa grandeza e essa posição agora mesmo.

Isso nos leva ao ponto subseqüente, ou seja, que participamos não somente da Sua vida, mas também dos Seus privilégios. No momento em que uma mulher desposa um homem, passa a participar dos privilégios dele. Sejam estes quais forem, ela se toma participante deles. O apóstolo está dizendo aqui que isto se aplica à Igreja. Participamos do que? Participamos do amor do Pai. Há um versículo que, de muitas maneiras, é para mim o verso mais espantoso da Bíblia. É o verso 23 do capítulo 17 do Evangelho de João. Diz o Senhor: “para que o mundo conheça que tu me enviastes a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim”. É uma afirmação que significa que Deus o Pai nos ama, na qualidade de povo cristão, como ama a Seu próprio Filho. O que significa que, devido à nossa relação com o Filho, estamos nessa relação com Deus. Pensem num homem, sem filhas, cujo filho homem se casou. Ele agora diz à esposa do seu filho: “Você é minha filha. Nunca antes tive uma filha, mas agora você é minha filha”. E a considera como tal. Ela e seu filho são um; portanto, ele estende a ela o seu amor paterno - “para que o mundo conheça que os tens amado, como me amas”. O privilégio é esse. Opera deste modo - dá-nos acesso ao Pai. Um pai está sempre pronto a receber a esposa do seu filho. Antes ela não tinha acesso a ele; não havia nenhum relacionamento entre ela e o pai; mas no momento em que o filho se casa, ela passa a ter direito de acesso à presença do pai. Como o Pai está pronto a receber seu filho e a dar-lhe privilégios que não concederia aos seus servidores favoritos e mais dignos de confiança, assim agora ele os concede à nora, porque é esposa do seu filho. Povo cristão, será que tiramos proveito destes altos privilégios? Será que nos apercebemos de que temos direito de entrada e acesso à presença do Pai? Apesar de ser Ele o Governador do universo, se vocês tiverem alguma necessidade, lembrem-se de que têm direito de chegar à Sua presença. Por amor a Seu Filho, Ele não os rejeitará. Esposa de Cristo, Ele sempre lhe dará ouvidos, Ele sempre terá tempo para você. Não há maior privilégio do que este. Ele nos ama como ama a Seu Filho, e nos dá este direito de entrada e acesso à Sua santa presença.

Mais ainda, estou simplesmente dando títulos para que reflitam e medi­tem. Devemos dedicar muito do nosso tempo a estes pontos, pensando neles. Quando vocês se ajoelharem para orar, não comecem a falar imediatamente; parem e pensem. Pensem mesmo antes de dobrar os joelhos. Procurem dar-se conta do que estão fazendo; lembrem-se do que são, e porque são o que são; tragam à memória aquilo que lhes diz respeito, e os direitos e privilégios que lhes são dados. Depois, passem a considerar as possessões que o Senhor nos dá. Somos participantes das Suas possessões. O apóstolo Paulo, numa extraor­dinária exposição escrita à igreja de Corinto, diz, como se fosse, o seguinte: “Com que vocês se preocupam? Por que se dividem e têm ciúme e inveja uns dos outros? Que é que há com vocês? Todas as coisas são suas. Tudo! Não importa o que seja, tudo e todos são seus. Por que? Porque vocês são de Cristo, e Cristo é de Deus.” Estudem isso com esmero, no final do capítulo 3.

Torno a inquirir: não estou certo quando digo que a verdadeira tragédia hoje está na falha evidenciada pela Igreja de não compreender a verdade sobre si mesma? Tudo é vosso” - tudo! Em certo sentido, o cosmo é nosso, porque pertencemos a Cristo. O apóstolo Paulo ficava emocionado com este conheci­mento; e a prova do nosso cristianismo, a prova da nossa espiritualidade, é se nos comovemos e vibramos com estas coisas. Pode ser que estejamos passando por períodos difíceis, que estejamos sendo perseguidos, que estejamos sendo desprezados, que estejam rindo de nós porque somos cristãos. Sabem o que devemos dizer a nós mesmos? Devemos dizer: “se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rm 8:17). Pouco importa o que o mundo pense ou diga - “tudo é vosso”; os cristãos são “co-herdeiros de Cristo”.

Mas eu gosto particularmente da maneira como isto é expresso pelo autor da Epístola aos Hebreus, no capítulo 2, verso 5. Já o citei, mas volto a fazê-lo: “Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que falamos”. É uma pena que a Versão Autorizada e a Versão de Almeida façam a tradução dessa maneira negativa. O sentido é: ele não sujeitou o mundo futuro, do qual falamos, aos anjos, mas a nós. Qual é este “mundo futuro” de que ele fala? É este velho mundo em que eu e vocês vivemos atualmente. Sim! No entanto, não como ele é agora. É o mesmo mundo de hoje, mas como será quando Cristo voltar e destruir todos os Seus inimigos, todo o mal, e todo vestígio e todos os restos do mal; quando ocorrer o grande incêndio, a grande purificação, a regeneração, quando surgirem “novos céus e nova terra, em que habita a justiça” (2 Pe 3:13; Mt 19:28). Esse é o “mundo futuro” do qual ele está falando. E esta é uma parte vital da mensagem cristã essencial. Este mundo, no qual estamos neste momento, é apenas um mundo passageiro; este não é o mundo real, o mundo duradouro. O que vemos é o mundo resultante do que o homem fez dele. Vemos o caos que o homem produziu. Naturalmente, o mundo mesmo está muito interessado no visível e no atual; e todo mundo fica se perguntando que será que a última conferência vai realizar - haverá desarmamento, será abolida a guerra, tudo será perfeito por todo o tempo restante? Mas tudo em vão. Este mundo é mau, e o mal e o pecado continuarão a manifestar-se, enquanto não chegar o dia do juízo determinado por Deus. Todavia, há um “mundo futuro”; é a Nova Jerusalém que descerá do céu, este velho mundo restaurado com toda a sua glória, este velho mundo como Deus o fez no princípio, mas ainda mais glorioso. Isso acontecerá na segunda vinda de Cristo. Ele mesmo o habitará, e Sua esposa com Ele. Esse é “o mundo futuro, de que falamos”. Quem irá viver nesse mundo, quem herdará esse mundo? Bem, diz a epístola que não serão os anjos. “Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que falamos”, e sim a nós. Somos nós os herdeiros desta glória vindoura. Amados irmãos, vocês refletiram nisso alguma vez? Lembraram-se disso alguma vez? Pode ser que estejam tendo tempos difíceis, lutando com o mundo, a carne e o diabo; podem estar enfrentando dificuldades e obstáculos. Dêem as costas para isso! Não olhem só para isso! “Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2 Co 4:18). Levantem a cabeça; vocês compartilham a herança de Cristo, as Suas possessões! Vocês O desposaram - ou melhor, Ele os desposou - e coloca todas estas coisas em suas mãos. Vocês são participantes das possessões de Cristo.

Permitam-me salientar de novo que somos partícipes dos interesses de Cristo, dos Seus planos e dos Seus propósitos. “Cooperadores de Deus” (1 Co 3:9). Não pense em sua igreja local, ou nalguma outra igreja, apenas em termos de si próprio e daquilo que você faz. A mesma coisa se aplica à sua denominação ou movimento. Eleve-se a um nível superior e considere os interesses do Senhor. Torno a citar, “Vós sois a luz do mundo”. O Senhor tem um propósito com respeito a este mundo, e eu e você estamos envolvidos nesse propósito e somos participantes dele. O marido conta tudo à sua esposa. Ela conhece todos os seus segredos, todos os seus desejos, toda ambição, toda esperança, todos os projetos que penetram sua mente. Ela e ele são um. Ele lhe diz coisas que não diria a ninguém mais; ela participa de tudo, nada fica para trás, nada se lhe oculta. Essa é a relação de marido e mulher. É igualmente a relação entre Cristo e a Igreja; somos Seus parceiros neste serviço de salvar homens. Vocês sabem desse interesse? Sentem-no, pensam nisso, dão valor ao privilégio de serem participantes do segredo? Sentem alguma porção do fardo, e O estão ajudando? O cristão é para isso, a esposa é para isso - uma ajuda satisfatória - e a Igreja é a esposa de Cristo. Quantas vezes vocês oram pelo bom êxito da pregação do evangelho? Até que ponto vocês estão interessados na mensagem evangelística da Igreja? Vocês pensam nisto, sentem-se parte disto, oram por isto? A esposa digna do título não precisa ser exortada a interessar-se pelas ocupações do marido; ela considera seu maior privilégio ajudar seu marido; interessa-se vitalmente por tudo que ele faz e pelo seu sucesso em tudo. A Igreja é a esposa de Cristo; Ele partilha tudo conosco. Tratemos de nos conscientizar destas coisas e de elevar-nos à dignidade e ao privilégio que lhes são próprios.

Mas, deixem-me mencionar uma coisa que, para mim, é um dos seus mais fascinantes e encantadores aspectos. O Senhor não partilha conosco somente as Suas possessões, os Seus interesses, os Seus planos e os Seus propósitos; também partilha conosco os Seus servos. Você pode ter sido uma Cinderela (Gata Borralheira); a Igreja toda era uma Cinderela, em seus trapos, com sua dura vida de escrava, fazendo todos os trabalhos caseiros em lugar de suas irmãs. Mas Cinderela casou-se com o príncipe; e o que sucede? Em vez de mourejar como escrava daquela maneira, agora ela tem os seus servos. Que servos? Os dele! Uma vez que ela se tornou esposa deste príncipe, todos os servos dele são servos dela e lhe prestam serviço como prestam serviço a ele. Vocês já se deram conta de que esta verdade se aplica a nós? Voltemos mais uma vez à Epístola aos Hebreus, capítulo primeiro. O escritor compara e contrasta o Senhor Jesus Cristo com os anjos e eis como se expressa: “a qual dos anjos disse jamais: assenta-te à minha destra até que ponha a teus inimigos por escabelo de teus pés?” E a seguir: “Não são porventura todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?” (versos 13 e 14).

O sentido é que, devido sermos cristãos, os anjos de Deus nos servem: aí está como a epístola descreve um anjo. Este é um “espírito ministrador”, enviado para nos servir e para ministrar a nosso favor, que somos herdeiros do “mundo futuro” do qual ela está falando. Receio que negligenciamos o ministério dos anjos; não pensamos suficientemente nisso. Entretanto, quer estejamos cientes quer não, há anjos que cuidam de nós; eles estão ao redor de nós. Não os vemos, mas isso não importa. As coisas mais importantes nós não vemos; só enxergamos as coisa visíveis. Contudo, estamos cercados de anjos; são designados para tomar conta de nós e para ministrar a nosso favor - anjos da guarda. Não tenho a pretensão de entender isso tudo; nada sei além daquilo que a Bíblia me diz - no entanto isto eu sei: os servos do Senhor, os anjos, são meus servos. Eles estão ao redor de todos nós, cuidando de nós e manipulando as coisas por nós de um modo que não podemos compreender. E sei mais, que quando morrermos, eles nos levarão para o lugar que nos está destinado. Foi o próprio Senhor Jesus Cristo que ensinou essa verdade na parábola do rico e Lázaro, em Lucas capítulo 16. É-nos dito que o rico morreu e foi sepultado. Mas o que aconteceu com Lázaro? Ele “foi levado pelos anjos para o seio de Abraão”. Porventura, damo-nos conta de que os anjos de Deus ministram a nosso favor porque somos a esposa do Filho? Desde sua origem eles têm ministrado para Ele e nEle têm esperado; e devido à nossa nova relação, agora são nossos servos, ministrando para nós. Queira Deus dar-nos a graça de perceber que estamos rodeados de tais ministérios e ministrações, e de tais ministros! Nada pode fazer-nos dano definitivamente; aí estão eles, enviados pelo Senhor para velar por nós.

Lembrem-se, porém, de que também somos participantes dos Seus problemas, dificuldades e sofrimentos. Ele disse: “Se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós” (Jo 15:20). Também falou de ódio. Partilha mos algo dos Seus problemas? Estamos cientes disto? “Meus filhinhos”, diz Paulo aos gálatas, “por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós” (4:19). Ele sentia alguma coisa dessas dores. Todavia, de modo ainda mais notável ele diz, em Colossenses 1:24: “Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja”. O apóstolo Paulo estava tão consciente desta relação com o Senhor Jesus Cristo, que dizia que estava cumprindo em seu corpo o que restava dos sofrimentos de Cristo. A esposa digna deste título sofre sempre o que o seu marido sofre; sofre em seu coração quando o vê sofrer; ela o partilha com ele, suporta-o com ele. Assim o apóstolo Paulo completou em seu próprio corpo algo do que restava dos sofrimentos de Cristo à medida que Este leva a efeito o Seu propósito no mundo, a agonia do Filho de Deus, que continuará até chegar o “dia da coroação”. A Igreja é a esposa de Cristo. Será que nós, como partes e porções do corpo, temos alguma experiência desta agonia, deste sofrimento, dos sofrimentos da Cabeça?

Finalmente, participaremos de toda a glória das Suas prospectivas. Torno a referir-me ao “mundo futuro”. “Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com ele em glória” (Cl 3:4). “Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” - quando Ele vier em sua glória. Se todos nós tivermos morrido, viremos com Ele; se estivermos vivos, seremos transformados e arrebatados para encontrar-nos com Ele nos ares. Estaremos na glória eterna com o Filho de Deus (1 Co 15:51-52 e 1 Ts 4:17). Esta é Sua oração especial ao Pai: “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste”. “Eu dei-lhes a glória que a mim me deste.” Participaremos dela com Ele por toda a eternidade. Haverá alguma coisa comparável a isto, a sermos membros do corpo de Cristo, a sermos como partes da Igreja, a esposa de Cristo?

Que vergonha, por nossa fraqueza, nosso desalento, nossas queixas, nossa letargia, nossa quase-inveja do mundo e da sua vida pretensamente maravi­lhosa, da sua pretensa alegria e do seu pretenso gozo. É um mundo agonizante; é um mundo mau; está sob condenação; vai desaparecer. O mundo já “está passando”. Mas eu e você temos esta glória vindoura que podemos divisar, a glória que compartiremos com o Senhor Jesus Cristo naquele grande dia. A glória daquele “mundo futuro” é indescritível; e nele viveremos e reinaremos com o Senhor.

Havendo tomado a Igreja como Sua esposa, Ele lhe outorga isso tudo. Suas prospectivas são nossas, Sua glória é nossa, tudo é nosso. “Os mansos herdarão a terra” (Sl 37:11; Mt 5:5). Reinaremos com Ele sobre o universo todo; julgaremos os anjos. Eu e vocês! Assim é o cristão! Assim é a Igreja cristã, na qualidade de esposa de Cristo!



UMA SÓ CARNE




Efésios 5:25-33

Continuamos considerando a doutrina do relacionamento de Cristo com a Igreja. Mas ela não termina com o que vimos. Temos que ir além; e veremos que a doutrina do apóstolo sobe a alturas ainda maiores. Vocês devem ter imaginado que não poderia haver nada mais elevado que o verso 27, onde nos é dado um vislumbre daquilo que nos espera como noiva de Cristo, como membros da Igreja cristã. Entretanto a doutrina vai mais longe; há ainda uma coisa mais maravilhosa, e quase inacreditável; é a extraordinária doutrina da união mística entre Cristo e a Igreja. O argumento do apóstolo é que não compreendemos verdadeiramente o que significa o casamento enquanto não compreendermos esta doutrina da união de Cristo e a Igreja. Veremos que cada uma destas doutrinas ajuda a iluminar a outra. A união mística entre Cristo e a Igreja nos ajuda a entender a união entre marido e mulher e, por sua vez, a união entre marido e mulher lança boa dose de luz sobre a união mística entre Cristo e a Igreja. Isso é o que há de maravilhoso quanto a toda esta exposição. A analogia e a ilustração humanas ajudam-nos a entender a verdade divina, porém, em última análise, é a compreensão da verdade divina que nos capacita a entender tudo mais; por isso o apóstolo passa de uma para a outra.
Devemos, pois, dirigir-nos a esta elevada doutrina da união entre Cristo e a Igreja. Sem dúvida, somos todos consolados pelo que Paulo diz no verso 32: “Grande é este mistério”. É, de fato, um grande mistério. Portanto, devemos abordá-la com cuidado, e também com espírito de oração. É certo que, sem a unção que somente o Espírito Santo nos pode dar, não seremos capazes de entendê-la, de modo nenhum. Para os não regenerados, para os incrédulos, para o mundo, isto não passa de puro absurdo; e é o que o mundo diz que é. Mesmo para o cristão é um grande mistério. Contudo, graças a Deus, o emprego do termo “mistério” no Novo Testamento nunca traz a idéia de que é uma coisa que não se pode compreender de maneira alguma. “Mistério” significa algo ina­cessível à mente humana desassistida. Não importa quão vigorosa seja essa mente. O maior cérebro do mundo, o maior filósofo, se se trata de um homem não regenerado, não somente é um novato; é menos que um bebê; na verdade está morto, no sentido espiritual. Não tem absolutamente nenhum entendimento de um assunto como este. Esta é uma verdade espiritual, e só se compreende de maneira espiritual. O melhor comentário sobre isto é, mais uma vez, a Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 2, verso 6, até o fim do capítulo. Portanto, não admira que um assunto assim elevado tenha sido frequentemente mal interpretado, e mal interpretado de maneira drástica.
Tomemos, por exemplo, o ensino da igreja católica romana sobre este ponto. Essa igreja traduz por “sacramento” a palavra que a Versão Autorizada verte para “mistério” (e também Almeida). Dizem os católicos romanos (Vulgata): “Grande é este sacramento”, e a partir desta afirmação é que eles elaboram a sua doutrina de que o matrimônio é um dos sete sacramentos. Falam em “sete sacramentos” - não apenas nos dois que os protestantes reconhecem, a saber, o batismo e a ceia do Senhor - e dos sete o matrimônio é um. Sua suposta prova disso é este verso. Sobre tal fundamento, eles apresentam a sua noção de que o matrimônio é sacramento e, portanto, naturalmente, só pode ser efetuado por um sacerdote. Isto é apenas uma ilustração do modo pelo qual eles elevam o sacerdócio e introduzem um elemento mágico no cristianismo. Tudo visa a esse fim. Todavia isso mostra como as Escrituras podem ser pervertidas, usadas falsamente e forçadamente adaptadas aos interesses de uma teoria dominante da qual você parte. Se você começa exaltando a sua igreja e o sacerdócio, você terá que cercá-los por todos os lados, e por todos os meios possíveis - e é o que eles fazem. A “extrema unçãoé, de novo, uma coisa que só pode ser ministrada por um sacerdote, de maneira que é um sacramento; e assim por diante. Todas estas coisas têm por fim reforçar este poder puramente artificial do sacerdote. Estou fazendo esta advertência simplesmente para mostrar como uma afirmação como esta pode ser mal interpretada. O que mostra, finalmente, quão inteira e completamente errada é essa interpretação católica romana, é o que o apóstolo prossegue dizendo precisamente neste verso - “digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja”. Esse é o mistério ao qual se refere. Isto lança alguma luz sobre o casamento humano entre um homem e uma mulher, mas ele está falando “a respeito de Cristo e da Igreja.” Assim, o real mistério é a relação entre Cristo e a Igreja. Daí, os católicos romanos são levados a acreditar que a relação entre Cristo e a Igreja é um sacramento. Mas não dizem isso, pois para eles seria um disparate dizê-lo. Todavia, aí está um dos modos pelos quais este assunto pode ser totalmente mal compreendido.
Rejeitando o conceito romanista, examinemos de novo a frase: “Grande é este mistério”. Paulo quer dizer que se trata de um assunto muito profundo; assunto que requererá todos os recursos dos seus leitores, e que mostra a necessidade daquilo pelo que ele já tinha orado, em benefício destas pessoas, no capítulo lº - que tivessem “iluminados os olhos do entendimento” pelo Espírito Santo. Se não fizermos a abordagem desse modo, ungidos pelo Espírito, seremos confrontados por três grandes perigos. O primeiro é o de não estudar­mos o assunto. É pena, mas esta é a posição de muitos cristãos. “Ah”, dizem eles, “é difícil esta questão”, e, porque é difícil, nem tentam entendê-lo, e passam para a proposição subsequente. Certamente não temos necessidade de ficar com essa atitude. É uma coisa que jamais pode ser defendida, nem deve ser praticada. O simples fato de que há dificuldades nas Escrituras não significa que devemos passar de largo por elas. Elas estão lá para nosso conhecimento e nossa instrução; e por mais difíceis que sejam as questões, devemos fazer o máximo para compreendê-las e apreender o sentido delas. Essa é uma das razões para a existência da Igreja cristã. É por isso que o Senhor “deu uns para apóstolos, e outros para evangelistas, e outros para doutores” (“mestres”); etc. É para instruir-nos nestas coisas; é para nós lutarmos com elas. Não devemos dizer, “Ah, isto é muito difícil”, e precipitar-nos em busca de outra coisa. Você jamais compreenderá o seu próprio casamento, se você é casado, a não ser que procure entender isto. Foi para ajudar-nos a entendê-lo que o apóstolo escreveu isto.
O segundo perigo é tratar deste assunto pondo de lado o mistério ou diminuindo o mistério. Tem havido muitos, comentadores inclusive, que têm agido assim. Eles têm tido tanto receio desta “união mística”, e deste ensino sobre ela, que a reduziram a uma simples questão de semelhança geral, a uma simples unidade de interesses, e assim por diante. No entanto, isso é pôr para fora o “mistério”. Dizem eles: “Isto é apenas uma hipérbole, é uma linguagem altamente dramática empregada pelo apóstolo”. Mas isso é ignorar o fato de que Paulo deliberadamente nos diz que se trata de um “grande mistério”. Não devemos reduzir o “mistério”, não devemos fazer dele uma coisa de somenos. Este é um perigo que nos confronta em muitos pontos da vida cristã, e no ensino cristão. É o perigo que nos confronta com relação às nossas duas ordenanças - o perigo de, em nosso temor de falar demais, falar muito pouco! Devemos evitar esse perigo.
O terceiro perigo é o de querer elaborar isso tudo com muitas minúcias. Decidindo que é nosso dever enfrentar o assunto e tentar entendê-lo e desenvolvê-lo, de tal maneira o desenvolvemos que ele acaba ficando sem mistério nenhum. É óbvio que isso é igualmente errôneo, porque o próprio apóstolo diz: “Grande é este mistério”. Não significa, digo eu, que não compreendemos absolutamente nada dele, e sim que não o compreendemos perfeitamente, que não o compreendemos inteiramente, que ainda há alguma coisa que nos escapa, alguma coisa que nos deixa ofegantes de espanto e admiração.
Tratemos de evitar essas armadilhas particulares ao enfrentarmos este grande mistério. Esta é uma verdade maravilhosa; e aqui subimos àquelas alturas rarefeitas que só se encontram nas Escrituras.
Qual é o ensino do apóstolo a respeito desta relação mística entre Cristo e a Igreja? Podemos começar com uma coisa que já conhecemos bem, porque a encontramos antes, nesta epístola. A primeira coisa que ele nos diz é que a Igreja é o “corpo” de Cristo: “Assim devem os maridos amar a suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos” (verso 28). Depois ele acrescenta, no verso 29: “Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja”. E em seguida, mais par­ticularmente: “Porque somos membros do seu corpo”. Ele já tinha apresentado este ensinamento no final do capítulo primeiro e, depois, no capítulo 4, verso 16. Mas o apóstolo tem o cuidado de fazer-nos lembrar isto porque seu desejo é expor o princípio do caráter íntimo do relacionamento. É a relação existente entre a cabeça e os membros de um corpo. O que ele está interessado em salientar é que o relacionamento entre marido e mulher não é mera relação externa. Há uma relação externa, mas é muito mais que isso. A característica essencial do casamento não é simplesmente que duas pessoas vivem juntas. Esse é apenas o começo; há muita coisa além disso; e há algo mais profundo aqui, uma coisa muito mais maravilhosa. A Igreja, afirma Paulo, é realmente uma parte de Cristo. Como os membros do corpo são uma parte do corpo, do qual a cabeça é a parte principal, assim Cristo é a Cabeça da Igreja. Como Paulo o coloca no fim do capítulo primeiro, “E sujeitou todas as coisa a seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. E de novo, no capítulo 4: “Antes, seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo ajusta operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor”. Devemos apegar-nos a esse princípio, pois ele é uma preliminar essencial para a compreensão da doutrina da união mística.
Isso, porém, é apenas introdução. Ele vai adiante e, no verso 30, acrescenta: “Porque somos membros do seu corpo” - e então faz este extraor­dinário acréscimo: “da sua carne e dos seus ossos”. Ele está falando sobre o re­lacionamento da Igreja com o Senhor Jesus Cristo. É aqui que realmente penetramos o mistério. A noção da Igreja como o corpo de Cristo, embora difícil, não é tão difícil como este acréscimo, “da sua carne e dos seus ossos”. Alguns têm procurado evitar totalmente isto assinalando que em certos manus­critos não está presente este acréscimo; mas todas as maiores autoridades concordam que essa frase está presente nos melhores manuscritos. Portanto, não podemos resolver o problema dessa forma. E, na verdade, todo o contexto, e a subsequente citação de Gênesis capítulo 2, torna essencial que a mantenhamos aqui; doutro modo, não haveria razão nem propósito na citação. É evidente que, tanto no contexto como aqui, Paulo está se referindo a Gênesis capítulo 2.
Aqui entramos no âmago deste mistério. Devemos ter em mente que a intenção do apóstolo, seu propósito, continua sendo o mesmo. Se ele ficasse somente com a afirmação de que a Igreja é o corpo de Cristo, haveria o perigo de continuarmos a pensar nisso em termos de uma ligação frouxa. É claro que não devemos pensar assim, porquanto quem sabe alguma coisa sobre o corpo, sabe que ele não consiste de uma frouxa ligação de um certo número de partes. Nunca será demais repetir que o corpo não consiste de alguns dedos afixados nas mãos, e as mãos afixadas nos antebraços, e assim por diante. Não! O essencial quanto a um corpo é que se trata de uma unidade orgânica vital. E é para ressaltar e salvaguardar esse princípio que o apóstolo faz o acréscimo e diz: “Porque somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos”.
A única maneira de solucionar o problema, parece-me, é seguir a pista que nos é dada pelo próprio apóstolo, e retornar à afirmação que ele cita do capítulo 2 do Livro de Gênesis, verso 23: “E disse Adão” - referindo-se à mulher — “Esta é agora osso dos meus ossos, e came da minha carne”. Aqui, de novo, está uma afirmação que tem sido mal interpretada. Há os que dizem que o apóstolo, neste verso 30 do capítulo 5 de Efésios, está se referindo à encarnação, que é apenas um modo indireto de dizer que quando o Senhor Jesus Cristo veio a este mundo, assumiu a natureza humana, assumiu, noutras palavras, nossa carne e nossos ossos. Mas essa interpretação é completamente impossível. O que o apóstolo está dizendo não é que o Senhor Jesus Cristo, a segunda Pessoa da bendita e santa Trindade, assumiu “nossa” carne e “nossos” ossos; o que ele diz é que “nós" assumimos Sua carne e Seus ossos, que nós somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. É o contrário do que foi dito acima, de modo que não é aquela a explicação.
Tem havido, pois, graves incompreensões disto em termos da ordenança da ceia do Senhor. Há os que dizem que quando o apóstolo escreve, somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos, ele está se referindo ao corpo glorificado do nosso Senhor. O corpo que o Senhor Jesus Cristo assumiu foi glorificado, e eles dizem que somos literalmente partes e membros do Seu corpo glorificado. Entretanto, certamente há uma ponderação que elimina isso, de uma vez para sempre, a saber, que o corpo glorificado está no céu. Portanto, isso não pode ser aplicado a nós. Todavia, ainda além disso, como digo, eles levantam toda a questão da Comunhão, isto é, a ceia do Senhor. Os católicos romanos dizem que não há dificuldade quanto a isto. Seu ensino é que, à mesa da Comunhão, o sacerdote realiza um milagre, transforma um pedaço de pão na “carne e nos ossos” do Senhor Jesus Cristo. Essa é a doutrina da transubstanciação. O que está no prato parece pão, mas isso é só o “acidente”, a “substância” sofre mudança. Permanece o elemento puro e simples, mas o que é oferecido aos comungantes é agora, de fato, o corpo de Cristo. De modo que, quando você come, está comendo “sua carne e seus ossos”, e assim se torna parte dEle. Eles extraem esse ensino do capítulo 6 do Evangelho Segundo João, em sua tentativa de buscar-lhe suporte.
Depois a doutrina luterana, a qual não é transubstanciação, e sim o que se chama de “consubstanciação”, vem a ser praticamente a mesma coisa. Eles dizem que o pão não é realmente transformado no corpo de Cristo, mas que o corpo glorificado de Cristo penetra no pão e fica ali com ele. Daí, você tem o pão mais o corpo glorificado de Cristo, e come ambos.
Certamente deve estar patente que isto é meramente insinuar uma coisa que de modo algum é sugerida pelo apóstolo, quer no próprio verso, quer no contexto inteiro. É uma tentativa de explicar o mistério de um modo não coerente com o contexto; e, em última análise, quase acaba com o mistério.
Seguramente, se seguirmos o rumo ditado pelo apóstolo, chegaremos à verdade explicação. Ele está obviamente citando Gênesis 2:23: “E disse Adão: esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne: esta será chamada varoa”. Mas por que seria chamada “varoa”? A resposta dada é: “porquanto do varão foi tomada”. A verdadeira definição de mulher é, pois, alguém que do varão foi tomado. Esse é o verdadeiro sentido da palavra “mulher”. A mulher, por definição, por origem, por nome, é alguém que foi tirado do varão. Contudo, observem de novo o modo pelo qual isso foi feito. “E disse o Senhor Deus: não é bom que o homem esteja só: far-lhe-ei uma adjutora que esteja como diante dele” (verso 18). De novo se nos diz, no fim do verso 20: “mas para o homem não se achava adjutora que estivesse como diante dele.” Os animais foram criados, e são magníficos, mas nenhum deles é um ajudador à altura do homem. Há uma diferença essencial entre o homem e o animal. Afinal de contas, o homem é uma criação especial; não evoluiu dos animais. O melhor animal é essencialmente diferente do mais rebaixado tipo de homem; este pertence a uma outra ordem, a uma esfera completamente diferente. O homem é único, foi feita à imagem de Deus. Portanto, embora os animais sejam maravilhosos, não havia um que pudesse fazer companhia ao homem, a companhia de que o homem necessita. Assim, vamos adiante, e lemos: Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu: e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar. E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher”. A mulher foi tirada do homem, foi extraída da sua substância, da “sua carne” e dos “seus ossos”. Deus toma uma parte do homem, e dela faz uma mulher. Que é, então a mulher? Ela é da mesma substância do homem, “da sua carne e dos seus ossos”. Deus efetuou a operação. O homem foi posto num estado de profundo sono, e então a operação foi realizada, a parte foi tomada, e dessa parte foi feita a mulher.
Grande é este mistério: digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja.” Somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. Como? A mulher foi criada no princípio em decorrência de uma operação que Deus fez no homem. Como é que a Igreja veio a existir? Em decorrência de uma operação que Deus fez no segundo homem, em Seu unigénito e bem-amado Filho, no monte do Calvário. Caiu um profundo sono sobre Adão. Um profundo sono caiu sobre o Filho de Deus, Ele entregou o espírito, Ele expirou, e aí, nessa operação, a Igreja foi tomada. Assim como a mulher foi tomada de Adão, a Igreja foi tomada de Cristo. A mulher foi tomada do lado de Adão; a Igreja provém do sangue vertido, do lado ferido do Senhor (Jo 19:34). Essa é a origem dela; e assim ela é “carne da sua carne e osso dos seus ossos”. “Grande é este mistério”.
Vocês deram-se conta disso? Não é por acidente que Cristo é mencionado no Novo Testamento como “o segundo homem” e como “o último Adão” (1 Co 15:45,47). Aqui o apóstolo ensina que esta verdade também se aplica a Ele neste aspecto. Normalmente pensamos em nossa relação com Ele no sentido individual, e isso está certo. Tomemos o ensino concernente à relação do cristão com o Senhor Jesus Cristo como se acha em Romanos, capítulo 5, onde outra vez temos esta mesma comparação entre o primeiro homem e o segundo; fala-nos sobre como estamos todos envolvidos na transgressão de Adão, e como estamos envolvidos na justiça de Cristo. Como aquela relação, assim é esta. Ali a ênfase recai no pessoal. Aqui, recai na Igreja como um todo, na relação comunitária; e esta é a grande e misteriosa verdade que Paulo está ensinando. Assim como é certo dizer da mulher, que ela foi tirada do lado do homem, da sua substância, da “sua carne e seus ossos”, também é certo dizer que a Igreja é tirada de Cristo, e nós somos parte dEle, membros do Seu corpo e dos Seus ossos. Ele é o último Adão, o segundo homem. E como Deus operou no primeiro homem para produzir a sua esposa, sua coadjutora satisfatória, assim Ele operou no segundo homem, para fazer a mesma coisa, de maneira infini­tamente mais gloriosa.
Todavia, vamos avançar mais ainda. Fazemo-lo com temor e tremor; prossigamos, porém. O apóstolo está acentuando que somos parte da própria natureza de Cristo. Note-se que ele emprega a expressão “a si mesmo” no verso 28. “Nunca ninguém aborreceu a sua própria carne”, diz ele no verso 29; “antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja.” E no verso 28: “Antes devem os maridos amar a suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo.” Ainda a mesma idéia! O corpo é uma parte do homem, e portanto, quando ele dá atenção ao seu corpo, está dando atenção a si mesmo. Ele não pode divorciar-se de si mesmo. O que ele faz por seu corpo, está fazendo por si mesmo; e isso porque o seu corpo é parte de si mesmo. Essa é a relação entre Cristo e a Igreja. Não significa que somos divinos. Precisamos ser cuidadosos quanto a isso. Nós, cristãos, não somos deuses, nem somos divinos. Mas o que significa é que o Senhor Jesus Cristo é o autor e o iniciador de uma nova humanidade. Uma humanidade começou em Adão; uma nova humanidade começou no Senhor Jesus Cristo. Partilhamos disso! Somos participantes disso! É por isso que Pedro diz em sua segunda epístola, capítulo primeiro, verso 4, que somos (ou poderemos ficar sendo) “participantes da natureza divina”. Somos participantes desta natureza que o Mediador agora tem, sendo que Ele veio mediante a encarnação e fez tudo que veio fazer. DELE derivamos nossa vida, nosso ser, e somos verdadeiramente partes dEle.
Mas precisamos dar o passo final, e ir aos versos 31 e 32: “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne. Grande é este mistério: digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja”. Aqui, de novo, só poderemos entender o que o apóstolo quer dizer se retomar­mos ao capítulo dois de Gênesis. A passagem acima é uma citação direta de Gênesis 2:24. No entanto, o que ela significa exatamente? Há muitos que ficam assustados neste ponto, e dizem: “Ah, isso é um grande mistério, e devemos ter o cuidado de não forçá-lo demais”. Daí dizem eles que o apóstolo introduziu as palavras, “e serão dois numa carne”, citação de Gênesis 2:24, simplesmente para arrematar a citação que fez. O apóstolo, contudo, não faz esse tipo de coisa; o apóstolo não faz citações, a menos que tenha um objetivo e um propósito. Dizem aquelas pessoas: “Naturalmente é patente que isso não tem nada a ver com o Senhor Jesus Cristo e a Igreja. Aqui, na verdade, Paulo está apenas falando sobre maridos e esposas; não está falando da Igreja neste ponto”. Mas não posso aceitar isso, pois Paulo diz: “Isto” - que acabo de dizer - “é um grande mistério, mas eu estou falando a respeito de Cristo e da igreja.”
Acredito que esta expressão concernente a “uma carne” aplica-se à relação entre Cristo e a Igreja como se aplica à relação entre marido e mulher. Mas, tenhamos cuidado, porque isso é um grande mistério. Não estou tentando nem pretendendo dizer que o entendo plenamente, porém, ao mesmo tempo, não desejo subtrair-me ao mistério. Desejo apegar-me a este ensino concernente a esta relação mística, a esta unidade extraordinária, a esta indivisão de que Paulo está falando. Parece-me que a explicação é como segue: voltem para Gênesis capítulo 2, e isto é o que verão. Adão era originariamente um homem uno, perfeito, completo. E, contudo, havia uma espécie de carência, faltava-lhe uma ajudadora que lhe fosse satisfatória. Assim, o que nos é dito é que Deus fez a operação, e este homem, outrora uno, começa a ser dois - Adão e Eva, homem e mulher. A mulher foi tomada dele, de modo que é uma parte dele; ela não foi criada do pó, como o fora o homem. Ela foi tirada do homem e, assim, é uma parte do homem. Entretanto, a coisa não pára aí - e é nisto que eu vejo despontar este mistério. Num sentido eram agora dois, mas noutro sentido não eram: “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne”. Aí está a essência do mistério. Há um sentido em que eles são dois, e há um sentido em que não são dois. Jamais devemos esquecer esta unidade, esta indivisão, esta idéia de “uma carne”.
Subamos, então, ao pico culminante do mistério. Adão era incompleto sem Eva; e a deficiência, a falta, foi suprida pela criação de Eva. Portanto, há um sentido em que podemos dizer que Eva completa a “plenitude” de Adão, supre o que faltava em Adão. E é exatamente isso que Paulo diz acerca da Igreja em sua relação com Cristo. Afortunadamente para nós, ele já dissera isso no capítulo primeiro, verso 23, onde lemos: Que é o seu corpo- ele está falando da Igreja - “e sobre todas as coisa o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. A Igreja é a “plenitude” de Cristo. É a Igreja, diz ele, que “completa”, por assim dizer, esta plenitude de Cristo. E minha opinião é que aqui, no capítulo 5, ele está apenas repetindo aquela verdade. Como Adão e Eva se tomaram uma carne, e como Eva, por assim dizer, completa a plenitude de Adão, assim a Igreja completa a plenitude de Cristo. Esse é o sentido ligado à palavra “plenitude” em toda parte no Novo Testamento, no que concordam as autoridades linguísticas. Cristo não é a plenitude da Igreja; a Igreja completa a Sua plenitude, “a plenitude daquele que cumpre tudo em todos.
Podemos examinar a questão deste modo: o Senhor Jesus Cristo, como o eterno Filho de Deus, é e sempre foi, desde toda a eternidade, perfeito e completo - “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2:9). Ele é e sempre foi co-igual e co-etemo com o Pai. Toda a plenitude da divindade está em cada uma das três Pessoas. Nada Lhes falta, não há nada que precisa ser completado, não há carência de nada nessa plenitude. Mas, como o Mediador, Cristo não estará completo sem a Igreja. Ora, isto é um mistério, o mais glorioso dos mistérios. Jesus Cristo como Mediador não será plenitude completo, enquanto não foram reunidas todas as almas pelas quais Ele morreu - “a plenitude dos gentios” e “todo o Israel” (Rm 11:12,26). Só então Ele estará completo, só então a plenitude estará completa.
Este é o grande mistério da salvação, e é por isso que precisamos ser tão cuidadosos. Mas a doutrina da salvação sugere isto, que o bendito e eterno Filho de Deus, para salvar-nos, impôs a Si próprio uma limitação. Ao Se revestir da natureza humana, revestiu-Se de uma limitação. Ele continua sendo Deus, eternamente - não há limite nisso, não há diminuição da Sua divindade. É um grande mistério, e não devemos tentar entendê-lo no sentido final. Não pode ser compreendido. Todavia este é o ensino. Ali está Ele, Uno e Imutável! Sim, mas Ele Se fez homem, e Se fez sujeito à ignorância de fraqueza, enquanto esteve neste mundo, enviado “em semelhança da carne do pecado” (Rm 8:3). E como Mediador, digo e repito, Ele não será completo enquanto a Igreja não estiver completa. Ele tem uma esposa, à qual deve unir-se, tornando-se ambos “uma carne”. Quando o Senhor Jesus Cristo voltou para o céu, não deixou para trás o Seu corpo; levou-o conSigo. Essa natureza humana está nEle agora, e sempre estará. Ele continua sendo a segunda Pessoa da bendita e santa Trindade, porém esta natureza humana que eu e vocês temos agora, lá está nEle, e nEle estaremos por toda a eternidade. Ele Se sujeitou a algo. Aventuro-me àquilo que é quase uma especulação, mas o apóstolo cita estas palavras: “Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa carne”. Não forço os pormenores, no entanto isto eu digo - que o Senhor Jesus Cristo deixou as mansões da glória e veio a este mundo terrenal em busca da Sua esposa. Houve um “deixar” em Seu caso, como no caso do homem que deixa seu pai e sua mãe para unir-se à sua esposa. Sim, Cristo deixou as mansões da glória - como no-lo recorda Charles Wesley -

O trono de Seu Pai deixou em cima, tão livre e infinita é Sua graça!

Deixou o céu e as mansões da glória por amor a Sua esposa. Houve um pavoroso momento em que Ele bradou: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?Por aquele momento Ele foi separado de Seu Pai. E por quê? Ah, para que pudesse comprar e salvar esta Sua esposa que, agora, em decorrência dessa operação, é uma parte do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos.
Este é, digo eu, o supremo mistério. Não há nada mais maravilhoso, não há nada mais glorioso do que isto. Somos participantes da Sua natureza humana, estamos unidos a Ele, e o estaremos por toda a eternidade. Por isso nos dizem as Escrituras que estaremos acima dos anjos e os “julgaremos”. “Não sabeis vós”, diz Paulo em 1 Coríntios 6, “que os santos hão de julgar o mundo, que havemos de julgar os anjos?” Até os anjos! Por quê? Porque somos elevados acima deles, estamos no Filho, somos parte dEle, estamos unidos a Ele, somos “uma carne” com Ele. A Igreja é a esposa de Cristo, e quando pensamos nesta relação, devemos sempre fixar-nos neste mistério e dar-nos conta de que somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos. Sobretudo, porém, demo-nos conta do que Ele fez para que viéssemos a ser dEle. Ele deixou o trono de Seu Pai nas alturas, “humilhou-se a si mesmo”, “esvaziou-se a si mesmo” - é assim que Ele ama a Igreja! “Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela.