Capítulo VIII – parte 2
A “inerrância
das Escrituras”
Quanto
à “inerrância das Escrituras”, como se diz, preferimos desconsiderar
argumentos menores, dando ênfase à grande razão que nos faz sustentar esse
ponto de vista, ou seja: Se é Deus o Espírito Santo quem fala nas
Escrituras, então a Bíblia é a palavra de Deus e, como Deus, ela é infalível.
Recentemente, um brilhante escritor nos desafiou a mostrar-lhe onde a Bíblia
mesma se chama de “a palavra de Deus”[1].
O mais simples estudioso do assunto pode facilmente, com o auxílio de uma
concordância, indicar as passagens que fazem isso. Mas nós nos baseamos no fato
de que ela não somente é chamada o logos “tou yeou”, “a Palavra de
Deus”, mas também é chamada “ta logia tou yeou”, “os oráculos de Deus”.
Esses nomes das Escrituras são muito significativos. Não temos necessidade de
perguntar aos pagãos a respeito do sentido que eles percebem nas ordens
recebidas dos seus deuses; deixemos que o emprego das Escrituras transmitam o
seu próprio pensamento: “Qual é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade
da circuncisão? Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus
foram confiados os oráculos de Deus”[2]
(Rm 3.1,2).
Essa
expressão abrangente é muito útil à nossa fé. Quando os críticos estão atacando
cada detalhe dos livros do Antigo Testamento, o Espírito Santo os autentica
diante de nós em sua totalidade. Assim como Abigail orou pela vida de Davi, que
fosse “atada no feixe dos que vivem com o SENHOR”, assim aqui um dos apóstolos
nos dá os livros da Lei e dos Profetas e dos Salmos atados no feixe da
autoridade da inspiração divina. Estevão, de forma semelhante, fala da sua
própria nação como quem “recebeu oráculos
de vida” (At 7.38 — Tradução Brasileira), e Pedro diz: “Se alguém fala,
fale de acordo com os oráculos de Deus”
(1 Pe 4.11). E não somente isso; os mesmos apóstolos que se submeteram à
autoridade do Antigo Testamento como aos oráculos de Deus, eles mesmos alegavam
escrever como os oráculos de Deus no Novo Testamento. Paulo diz: “Se alguém se
considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor (oráculo de Deus) o que vos escrevo” (1 Co
14.37). João, por sua vez, escreve: “aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele
que não é da parte de Deus não nos ouve” (1 Jo 4.6). Essas afirmações são
grandes demais para serem expressas com referência a escritos falíveis. Se
admitirmos as suas premissas, os judeus estavam certos em acusar Jesus de
blasfêmia, por dizer-Se igual a Deus. Se Cristo não é Deus, Ele não é nem mesmo
um homem bom. E se as Escrituras não são infalíveis, elas são piores do que
qualquer texto falível; pois, sendo mera literatura, fazem de si mesmas a
palavra de Deus.
E
o que diremos se alguém alegar que existem contradições irreconciliáveis neste
livro que a si mesmo chama de oráculos de Deus? Duas coisas precisam ser ditas:
Primeiro, é de esperar que, se usarmos o “método científico”, esse tipo
de contradições deve aparecer e constantemente aumentar. A Bíblia é uma planta sensível, que se fecha ao simples toque da
investigação crítica. No mesmo parágrafo em que reivindica que as suas
palavras são as palavras do Espírito Santo, ela repudia o método científico
como inútil para entender essas palavras: “Nem olhos viram, nem ouvidos
ouviram” — e insiste que o método espiritual é o único adequado — “Mas Deus
no-lo revelou pelo Espírito” (1 Co 2.9,10). A Bíblia não só não produz rosas
para o crítico, mas ela produz os espinhos e abrolhos da desesperançada
contradição. “Intellige ut credos verbum meum”, “entendam a minha palavra, para que vocês possam crer nela”; dizia
Agostinho aos racionalistas dos seus dias, “sed crede ut intelligas verbum
Dei”, “creiam na palavra de Deus, para
que vocês possam entendê-la.” A fé possui a chave não só de todos os
credos, mas também de todas as contradições. Aquele que começa e avança sob
a convicção de que a Bíblia é a infalível palavra de Deus, verá as
discrepâncias transformando-se constantemente em harmonias, à medida que avança
em seus estudos. E esse comentário nos conduz à segunda reflexão: as
contradições do homem podem na realidade ser as harmonias de Deus. Um ouvinte
inculto, ao escutar uma composição musical de um dos grandes mestres, poderá
detectar discordâncias repetidas na melodia; e na realidade aquilo que é
chamado “acidentes” na música são discordâncias, mas discordâncias inseridas de
propósito para salientar a harmonia. Dessa forma, à medida que as ditas
discrepâncias das Escrituras, uma após a outra, depois de cuidadosamente
identificadas e assimiladas pelo ouvido, vão se harmonizando, chegam ao nosso
ouvido com especial ênfase e alegre harmonia as palavras do salmista, que fala
pelo Espírito Santo: “A lei do SENHOR
é perfeita e restaura a alma; o
Testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices”! Aos críticos
parece haver um sério erro na afirmação de Estevão, de que Jacó foi enterrado
em Siquém (At 7.16) em vez de dizer que foi enterrado no campo de Maquila
fronteiro a Manre, como está registrado em Gênesis 50.13, da mesma forma que se
pensou que Lucas, em seu Evangelho, tivesse cometido um erro inexplicável
quando se referiu a Quirino (Lc 2.1,2). Mas da mesma forma que essa última
contradição se desfez, confirmando assim a veracidade das Escrituras quando se
fez a investigação necessária, assim também haverá de acontecer com a primeira.
E assim também com as alegadas discrepâncias existentes entre o registro num
lugar de que o rei Salomão possuía quatro mil estábulos de cavalos, e em outro
registro, quarenta mil. Também a declaração de que o rei Josias começou a
reinar aos oito anos de idade, e em outro, aos dezoito. E daí? E se admitirmos livremente que não podemos harmonizar
essas declarações? Isso não prova que elas não podem ser harmonizadas. A
história das contradições que já foram harmonizadas com certeza já provou que
“a estultícia de Deus é mais sábia que os homens, e a fraqueza de Deus é mais
forte que os homens”. Assim também as dissonâncias de Deus são mais harmônicas
do que os homens.
Ao
concluirmos este capítulo, devemos dizer que a maior prova da infalibilidade
das Escrituras é a prova prática: nós
já experimentamos que elas são infalíveis. Assim como a moeda do
país sempre foi suficiente para comprar o equivalente ao valor nela estampado,
assim as profecias e as promessas das Escrituras Sagradas produziram o seu
valor de face aos que se esforçaram para prová-las. Se nem sempre o
fizeram, é provável que tenha sido por não estarem ainda maduras. Com certeza,
há multidões de cristãos que já provaram de tal forma a veracidade das
Escrituras, que estão prontos a confiar nelas sem reservas em tudo que prometem
com referência ao mundo invisível e quanto à vida futura. “Crê para que possas conhecer”, então, é a admoestação que
tanto as Escrituras quanto a história reforçam. Adolph Monod, um extraordinário
santo, em suas palavras de despedida, afirmou:
“Quando
eu entrar no mundo invisível, não espero encontrar as coisas diferentes daquilo
que a palavra de Deus as apresenta para mim aqui. A voz que espero então
ouvir será a mesma que
ouço agora na terra,
e pretendo dizer: ‘Isto é de fato o que Deus me disse; e quão grato estou porque não esperei ver para só então crer’.”
“As palavras de
Cristo”
(extra)
“As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida” (João 6:63).
Ele desejava ensinar aos discípulos duas coisas. Primeiro, que palavras
são sementes vivas com poder para germinar, para brotar, assegurando sua
própria vitalidade, revelando sua própria natureza, e provando seu poder
naqueles que as recebem e as guardam em seus corações. Ele não queria que eles
fossem desencorajados se não compreendessem tudo de uma vez. Suas palavras são
espírito e vida; elas não eram destinadas apenas para entendimento, mas para a
própria vida. Vindas no poder do Espírito, mais altas e profundas que todo pensamento,
elas penetrariam a própria raiz de nossa vida. Elas têm em si mesmas a vida
divina operando com uma energia divina a verdade que elas expressam, conduzindo
aqueles que a recebem à experiência delas. Segundo, como uma conseqüência
disto, Suas palavras requerem uma natureza espiritual para recebê-las. Sementes
precisam de um solo congênere: deve haver vida no solo tanto quanto na semente.
Não só na mente ou nos sentimentos ou até mesmo na vontade apenas, mas a
Palavra deve ser conduzida através desses meios para dentro da vida. O centro
desta vida é nossa natureza espiritual, com a consciência como sua voz; lá a
autoridade da Palavra deve ser reconhecida. Mas mesmo isso não é suficiente: a
consciência habita no homem como um cativo entre poderes que ela não pode
controlar. É o Espírito que vem de Deus, o Espírito que traz vida, e através da
Palavra assimila a verdade e o poder em nós. Ela nos salvará do erro. Ela nos
preservará de esperar desfrutar dos ensinamentos do Espírito sem a Palavra ou
nos tornarmos mestres no ensino da Palavra sem o Espírito.
O Espírito Santo tem incorporado através dos tempos os pensamentos de
Deus na Palavra escrita, e vive agora, por esse propósito, em nossos corações –
revelar o poder e o significado dessa Palavra.
Q
Se você deseja ser cheio do Espírito, seja cheio da
Palavra.
Q
Se você deseja ter a vida divina do Espírito dentro
de você se fortificando em cada parte da sua natureza, permita que a palavra de
Cristo habite em você ricamente.
Q
Se você deseja que o Espírito cumpra seu ofício de
trazer à mente no exato momento e aplicar com precisão divina à sua necessidade
aquilo que Jesus disse, permita que as palavras de Cristo residam em você.
Q
Se você deseja que o Espírito lhe revele a vontade
de Deus em cada circunstância da vida, decidindo o que você deve fazer em meio
a comandos e princípios conflitantes com precisão inerrante, sugerindo a Sua
vontade conforme a sua necessidade, tenha a Palavra vivendo em você, pronta
para que Ele a use.
Q
Se você deseja ter a Palavra eterna como sua luz,
permita que a Palavra escrita seja transcrita em seu coração pelo Espírito
Santo.
“As palavras que eu vos tenho
dito são espírito e são vida”.
Tome-as e faça delas um tesouro: é através delas que o Espírito
manifesta Seu poder vivificante. Não pense nem por um momento que a Palavra
pode desabrochar vida em você, a menos que o Espírito dentro de você a aceite e
aproprie-se dela na vida interior. Muitos pensam que se soubessem exatamente o
que Ela significa, a conseqüência natural seria a bênção que a Palavra
pretendia trazer. Não é o caso. A Palavra é uma semente. Em toda semente há uma
parte na qual a vida está escondida. Pode-se ter a mais perfeita semente em
substância, mas a menos que ela seja exposta em um solo adequado à ação do sol
e umidade, pode nunca chegar à vida.
Esta é uma das sérias lições que a história dos Judeus no tempo de
Cristo nos ensina. Eles eram extraordinariamente zelosos, assim
acreditavam, pela Palavra de Deus e pela honra e mesmo assim veio
a ser que todo o seu zelo era por sua interpretação humana da Palavra
de Deus. Jesus lhes disse: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter
nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não
quereis vir a mim para terdes vida” (João 5:39-40). Eles de fato criam nas
Escrituras para levá-los à vida eterna, e ainda assim nunca viram que essas
palavras testificavam a Cristo e por isso não foram a Ele. Eles estudaram e
aceitaram as Escrituras na luz e poder de sua razão e entendimento humanos ao
invés de na luz e poder do Espírito de Deus como sua vida.
A fraqueza na vida de tantos crentes que lêem e conhecem
consideravelmente as Escrituras é porque não sabem que é o Espírito que
vivifica, e que a carne – entendimento humano, mesmo que inteligente, mesmo que
determinado – para nada serve. Eles pensam que têm nas Escrituras a vida
eterna. Mas conhecem pouco do Cristo vivo no poder do Espírito como sua
verdadeira vida.
“A eterna Palavra e o eterno Espírito são inseparáveis. Assim como a
palavra criadora e o Espírito criador (Gênesis 1:2-3; Salmo 33:6)”.
“A Palavra e o Espírito trabalham juntos na redenção (João 1:1-3,14)”.
“Na Palavra escrita: “as palavras que eu vos tenho dito são espírito”.
Assim, a palavra pregada pelos apóstolos foi no poder do Espírito (I Tessalonicenses
1:5). Conforme lemos e meditamos na Palavra de Deus, devemos depender do
Espírito Santo para interpretá-la para os nossos corações.”
Ezequiel
33:31
“E eles
vêm a ti, como o povo costumava vir, e se assentam diante de ti, como Meu povo,
e ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra;”
“Eles chegam diante de você
como costumavam vir à minha presença no templo. Eles se assentam e ouvem o que
você diz, mas não colocam uma palavra em prática”.
e 32
“E eis que tu és para eles como uma canção de
amores, canção de quem tem voz suave, e que bem tange; porque ouvem as tuas
palavras, mas não as põem por obra”.
“Você
não passa de um divertimento para eles, como um cantor que canta belas canções
de amor, ou como um músico que toca bem o seu instrumento. Ouvem o que você
fala, mas não põem uma palavra em prática”.
“que
o Senhor tenha misericórdia de nós”
[2] Quando o apóstolo chama o Antigo Testamento de “oráculos de Deus”,
claramente reconhece que os livros que o compõem são divinamente inspirados. A
igreja dos judeus recebeu o encargo de guardar esses oráculos até a chegada de
Cristo. Agora, as Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos estão sob a tutela
da igreja cristã. — Dr. Philip Schaff.
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