terça-feira, 26 de junho de 2012

A ascensão do Espírito


Capítulo X

O apóstolo Paulo com certeza via como a plena colheita do Espírito a redenção do corpo dos santos e a sua manifestação como filhos de Deus, e com eles a redenção de toda a criação do presente cativeiro, redenção da qual a igreja só possui agora as primícias, ou seja, os primeiros grãos maduros, dos quais se pode fazer um feixe e apresentar no templo como uma oferta movida diante do Senhor. “O Espírito da promessa, que é o penhor da nossa herança”, disse o mesmo apóstolo — o penhor, assim como as primícias, é só uma parte daquilo que será ainda obtido... contudo é o suficiente para garantir que o todo, na plenitude dos tempos, igualmente será nosso. — Edward Irving.

“Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos o céus.” Assim escreve o apóstolo a respeito do Paráclito que agora está com o Pai, “Jesus Cristo, o Justo” (Ef 4.9). E o que é verdade a respeito dEle, também é verdade a respeito do “outro Paráclito”, o Espírito Santo, que foi enviado para habitar conosco durante esta era. Quando Ele tiver completado a Sua missão terrena, retornará ao céu no corpo que Ele criou para Si mesmo — o “novo homem”, a igreja regenerada, reunida tanto de entre os judeus como dos gentios durante esta dispensação. Pois o que é o arrebatamento dos santos predito pelo apóstolo, ao som da trombeta e após a ressurreição dos remidos que já morreram, “nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares” (1 Ts 4.17)? É o Cristo terreno elevando-se para encontrar o Cristo celestial; a igreja eleita, unida no Espírito e chamada o cristos (1 Co 12.12) recolhida para unir-se em glória com “Cristo... o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo” (Ef 5.23). No concílio em Jerusalém isso foi proclamado como a obra especial do Espírito nesta dispensação “a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome”. Não foi por acaso que os primeiros crentes receberam o nome de cristãos, nem era um nome usado como zombaria. Pelo contrário, “Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos” (At 11.26), e isso por orientação divina. Esse foi o nome preordenado para eles, “o bom Nome pelo qual sois chamados” (Tg 2.7 – Tradução Brasileira). Quando, então, a formação dessa assembléia estiver completa, e o povo para o seu nome estiver completo, eles serão trasladados para se tornarem um com Ele em glória, assim como eram um com Ele no nome, o Cabeça recebendo o corpo, “como também Cristo o faz com a igreja” (Ef 5.29). E essa transformação da igreja será efetuada pelo Espírito Santo, que nela habita. “Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita” (Rm 8.11). Não é por meio de ações externas sobre o corpo de Cristo que o Espírito Santo efetuará a glorificação, mas por meio da vivificação interior. Em resumo, o Consolador, que no dia de Pentecostes desceu para criar um corpo de carne, retornará na Parousia ao céu nesse mesmo corpo, depois de tê-lo moldado como corpo de Cristo, para poder ser apresentado a Ele “sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.27). Será que se pretende dizer que o Consolador deixará o mundo por ocasião da vinda de Cristo, para não mais retornar? De forma nenhuma. O que está sendo afirmado precisa de uma clara explicação.
Um autor muito entendido na doutrina do Espírito faz a seguinte observação, tão evidente mas tão verdadeira, que a colocamos em itálico: “Assim como Cristo, no final, entregará o Seu reino ao Pai (1 Co 15.24-28), assim o Espírito Santo entregará o Seu ministério ao Filho, quando este vier em glória com todos os Seus santos anjos”[1]. Igreja e reino não significam a mesma coisa, se com reino queremos indicar o governo visível de Cristo na terra. Num outro sentido eles significam a mesma coisa. Assim como é o Rei, assim é o reino. O Rei está presente agora no mundo, apenas de forma invisível e por meio do Espírito Santo; assim também o reino está agora presente de forma invisível e espiritual no coração dos crentes. O Rei virá outra vez visivelmente e em glória; assim também o reino virá de forma visível e gloriosa. Em outras palavras, agora o reino já está aqui em mistério; então ele estará aqui de forma manifesta. Agora o reino espiritual é administrado pelo Espírito Santo, e isso desde o dia de Pentecostes até a Parousia. Na Parousia – o aparecimento do Filho do Homem em glória – quando Ele assumir o Seu grande poder para reinar (Ap 11.17), quando voltar Aquele que foi para um país distante tomar posse de um reino, e assumir o governo (Lc 19.15), então o invisível dará lugar ao visível; o reino envolto em mistério emergirá como reino manifesto, e o ministério do Espírito Santo se submeterá ao de Cristo.
Aqui propriamente encerramos nossa apresentação, uma vez que o ministério terreno do Espírito Santo se encerra com o retorno de Jesus Cristo em glória. Mas existe um “mundo vindouro” (Hb 6.5), subseqüente a este “mundo perverso” (Gl 1.4), e talvez devamos dar uma rápida olhada ali, por causa da luz que isso pode lançar sobre a presente dispensação.
Qual é o significado da expressão as primícias do Espírito, que diversas vezes aparece no Novo Testamento? As primícias não passam de um punhado, comparadas com a colheita toda; e é isso o que temos com respeito ao dom do “Espírito da promessa, a saber, o Espírito Santo, que é penhor da nossa herança para a redenção da possessão adquirida por Deus” (Ef 1.13,14 – Tradução Brasileira). A colheita, para a qual todas as primícias apontam, será no aparecimento do Senhor. Cristo, por meio da ressurreição de entre os mortos, tornou-Se “as primícias dos que dormem” (1 Co 15.20). A colheita toda será feita, é claro, na vinda de Cristo, quando “os que são de Cristo, na sua vinda” serão ressuscitados (1 Co 15.23). Assim também com o Espírito Santo. Todos nós temos o Espírito, mas não temos tudo do Espírito. Como membro da Divindade, Ele está inteiramente aqui; mas com respeito ao Seu ministério, temos apenas uma parte, o penhor da Sua bênção completa. Para tornar isso claro, repare que a obra do Espírito Santo, durante toda esta dispensação, é de eleição. Ele junta de entre os judeus e gentios o corpo de Cristo, a ecclesia, os chamados para fora. Essa é a Sua obra peculiar na era do Evangelho. Em resumo, a presente época é a era da eleição, e não do ajuntamento universal.
Mas isso é tudo que podemos esperar? Deixemos que a Palavra de Deus responda. Paulo, ao considerar a esperança de Israel, diz que “no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”; e um pouco adiante ele declara, relativamente à vinda do Libertador, que “todo o Israel será salvo” (Rm 11.5,26). Aqui está uma eleição que separa, e depois uma universal inclusão; ou seja, como o apóstolo resume tudo neste mesmo capítulo: “se forem santas as primícias da massa, igualmente o será a sua totalidade”. Por outro lado, Tiago, falando pelo Espírito Santo a respeito dos gentios, diz que “Deus, primeiramente, visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome”, e “Cumpridas estas coisas, voltarei” “Para que os demais homens busquem o Senhor, e também todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome” (At 15.14,17). Aqui, novamente, encontramos primeiro uma eleição que separa e então uma completa inclusão.
Quando examinamos outros textos bíblicos, parece claro que é o Espírito Santo o divino agente de ambas as redenções, a parcial e a completa. Se nos voltarmos à grande profecia de Joel: “derramarei o meu Espírito sobre toda a carne”, e depois à referência de Pedro a ela, como registrado em Atos, vem-nos a pergunta: Essa profecia foi plenamente cumprida no dia de Pentecostes? É evidente que não. Pedro, com inspirada precisão, diz: “o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel”, sem afirmar que com isso a profecia de Joel se cumpria totalmente. Voltando à profecia, percebemos que ela inclui em sua extensão “o grande e terrível dia do SENHOR”, e que Deus removerá “o cativeiro de Judá e de Jerusalém” (Jl 2.1, 3.1 – RC), eventos que evidentemente ainda estão por acontecer. Se outra vez examinarmos a eloqüente profecia da conversão de Israel, observaremos que o fato de eles contemplarem aquele a quem traspassaram, e lamentarem por ele, decorre da seguinte profecia: “E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o espírito da graça e de súplicas” (Zc 12.10). Assim também na descrição das desolações de Jerusalém durante a presente era, o profeta representa esse juízo como espinheiros e abrolhos e palácios desertos e fuga do povo, continuamente “até que se derrame sobre nós o Espírito lá do alto” (Is 32.15).
Verdadeiramente me parece que as Escrituras ensinam sempre que, depois que se completar a presente obra eletiva do Espírito, virá um tempo de bênção universal, quando o Espírito será literalmente “derramado sobre toda a carne”; quando “vier o que é perfeito”, “o que é em parte será aniquilado”.
Dessa forma, na doutrina do Espírito há uma constante referência à consumação final. Paulo diz: “o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção” (Ef 4.30). E novamente: “também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23).
Tudo que o Consolador já nos concedeu, ou pode nos conceder agora, é apenas o primeiro feixe da grande colheita da redenção que nos aguarda por ocasião do retorno do Senhor. “... recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15); mas a adoção mesma nós ainda estamos aguardando. Já somos filhos de Deus pelo nascimento do alto, mas aguardamos juntamente com toda a criação “a revelação dos filhos de Deus”(Rm 8.19).
Juntamente com a terna exortação para sermos pacientes até a vinda do Senhor, Tiago acrescenta, no quinto capítulo da sua carta, esta sugestiva ilustração: “Eis que o lavrador aguarda com paciência o precioso fruto da terra, até receber as primeiras e as últimas chuvas”. Assim como na agricultura uma dessas chuvas se refere ao tempo da semeadura e a outra ao tempo da colheita, assim na redenção a primeira chuva ocorreu no dia de Pentecostes, e a última virá na Parousia. Uma caiu sobre o mundo quando os primeiros semeadores saíram pelo mundo para semear; a outra acompanhará a ceifa, que é “a consumação do século” e fecundará a terra para a bênção final do século vindouro, trazendo arrependimento a Israel e a remissão dos pecados, “a fim de que, da presença do Senhor, venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já vos foi designado, Jesus, ao qual é necessário que o céu receba até aos tempos da restauração de todas as coisas” (At 3.19-21).





[1] “Through the Eternal Spirit” (Pelo Espírito eterno), Elder Cumming, D.D., pág. 185.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

A convicção do Espírito



Capítulo IX

“Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16.8).

Algumas pessoas, baseadas nessas palavras, chegaram a uma conclusão ampla demais: dizem que, a partir do dia de Pentecostes, o Espírito foi derramado de forma universal em todo o mundo, tocando os corações em todos os lugares, entre cristãos e pagãos, entre os evangelizados e os não evangelizados igualmente, despertando neles uma consciência de pecado. Mas não são palavras de nosso Senhor nesse mesmo discurso, com respeito ao Consolador: “o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não no vê, nem o conhece” (Jo 14.17)? Devemos associar com estas palavras a limitação imposta por Jesus com respeito ao dom do Paráclito: “se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei”. Os discípulos de Cristo é que se tornariam os recipientes e os distribuidores do Espírito Santo, e a Sua igreja seria mediadora entre o Espírito e o mundo. “Quando ele vier (a vós outros), convencerá o mundo”. E para completar a explicação, podemos ligar essa promessa à Grande Comissão:
 “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura”, e concluir que quando o Senhor envia os Seus mensageiros ao mundo, o Espírito da verdade vai com eles, dando testemunho da verdade que eles anunciam, convencendo do pecado que eles reprovam, e revelando a justiça que eles proclamam. Não temos clareza suficiente para dizer que a convicção do Espírito aqui prometido vai além dos lugares evangelizados pela igreja, embora tenhamos todas as razões para crer que ela invariavelmente acompanha a fiel pregação da palavra.
Ser-nos-á útil, então, para uma clara concepção a respeito do assunto, considerarmos o Espírito da verdade como enviado para a Igreja, testificando de Cristo, e trazendo convicção ao mundo.
Assim como é tripla a obra de Cristoprofeta, sacerdote e rei, assim é tripla a convicção produzida pelo Espírito em relação a essa obra de Cristo: (Jo 16.8-11).

“Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo: do pecado, porque não crêem em mim; da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais; do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado

A convicção do Espírito está relacionada ao testemunho que Cristo deu aos homens nos dias da Sua carne; e diz respeito à obra de intercessão à direita de Deus que Ele agora executa; e também diz respeito ao julgamento que Cristo executará quando vier outra vez para ser nosso juiz.
Ele “convencerá o mundo do pecado”. Por que é preciso que o Espírito Santo opere essa convicção, já que cada ser humano carrega consigo uma consciência, que tão fielmente o lembra dos seus pecados? Explicamos: A consciência dá testemunho da lei; o Espírito dá testemunho da graça. A consciência opera convicção relacionada à lei; o Espírito opera convicção do evangelho. A primeira gera uma convicção que produz desespero; o segundo, uma convicção que gera esperança.

“... do pecado, porque não crêem em mim, descreve o fundamento da convicção operada pelo Espírito Santo. A vinda de Cristo ao mundo tornou possível um pecado até aquele momento desconhecido: “Se eu não viera, nem lhes houvera falado, pecado não teriam; mas, agora, não têm desculpa do seu pecado” (Jo 15.22). Parece que o mal precisava da presença do Deus encarnado para manifestar-se plenamente. Daí entendemos o profundo significado da profecia de Simeão: “Eis que este menino está destinado tanto para ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição ..., para que se manifestem os pensamentos de muitos corações” (Lc 2.34,35). Todos os mais odiosos pecados da natureza humana se manifestaram na traição e nas provações e na paixão de nosso Senhor. Naquela “hora e poder das trevas” parece que esses pecados de fato não foram reconhecidos como tal. Mas ao chegar o dia de Pentecostes, com a impressionante luz reveladora do Espírito da verdade, houve grande contrição em Jerusalém — uma contrição cujo aguilhão encontramos na declaração de Pedro: “Jesus, o Nazareno, ... vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos”. Não foi aquela profunda convicção, que seguiu o dom do Espírito, quando três mil foram conduzidos ao arrependimento num só dia, uma convicção de pecado porque eles não tinham crido em Cristo?
Quando nos repreende, o Espírito Santo apresenta o outro lado do mesmo fato, chamando-nos ao arrependimento, não por termos participado da crucificação de Cristo, mas por termos recusado participar do Cristo crucificado; não por sermos culpados de levá-lO à morte, mas por termo-nos recusado a crer nEle que foi “entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação”. Sempre que por meio da pregação se faz conhecido o fato de que Cristo morreu pelos pecados do mundo, essa culpa se torna possível. O pecado de não crer em Cristo é, por isso, agora, o grande pecado, porque ele sintetiza todos os outros pecados. Ele sofreu por nós as penalidades da lei; de forma que a nossa obrigação, que anteriormente era para com a lei, agora é transferida para ele. Recusar crer nEle, por isso, é repudiar as ordenanças da lei que Ele cumpriu e é repudiar a dívida de infinito amor que, pelo Seu sacrifício, temos para com Ele. No entanto, o Espírito da verdade traz a convicção desse pecado contra o Senhor, não para condenar o mundo, mas para que o mundo, por meio dele, possa ser salvo. Em resumo, como alguém já disse muito bem: Agora, quando pregamos o Evangelho, não promovemos “o assunto do pecado, mas promovemos o Filho”. “Uma vez que Cristo satisfez plenamente a Deus com respeito ao pecado, a questão agora entre Deus e o seu coração é: Você está plenamente satisfeito com Cristo, como a única porção da sua alma? Cristo liquidou todas as outras dívidas para a glória de Deus”. Ao lidar com os judeus culpados, foi o fato histórico que o Espírito Santo argumentou para levá-los à convicção: “Mas vós negastes o Santo e o Justo e ... matastes o Príncipe da vida” (At 3.14,15 – RC). Quando trata conosco, os gentios, Ele usa o fato teológico ou evangélico: “Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus” (1 Pe 3.18), e vocês estão condenados por não terem crido nEle e por não O terem confessado como Salvador e Senhor. No final, é o mesmo pecado, mas visto de lados opostos, por assim dizer. No primeiro caso, é a culpa de desprezar e rejeitar o Filho de Deus; no outro, é a culpa de não crer nAquele que foi desprezado e rejeitado pelos homens. Contudo, se clamarmos humildemente ao Espírito, Ele nos conduzirá desse primeiro estágio de revelação ao segundo. A respeito da convicção do Espírito é também verdade o que Andrew Fuller afirmou a respeito das doutrinas teológicas: “Elas estão intimamente unidas como elos de uma corrente, de forma que o entendimento de uma implica em alcançar com certeza o entendimento da outra”.

“... da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais.” Cristo aperfeiçoaria a justiça em nosso favor somente quando Se assentasse nos lugares celestiais. Assim como Ele foi “entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação”, assim Ele tinha de ser entronizado para nossa segurança. É preciso ver Jesus em pé à direita de Deus, para saber que fomos “aceitos no Amado”. Como é belo o clímax da profecia de Isaías a respeito da paixão de Cristo, onde, ao lado da promessa de que “levou sobre si o pecado de muitos”, temos a profecia de que “o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos”! Mas é preciso ser demonstrado que Ele é justo, a fim de que Ele possa justificar; e foi esse o propósito da Sua exaltação. “Ela foi a prova de que Aquele a quem o mundo condenou, Deus justificou – que a pedra que os construtores rejeitaram, Deus a fez pedra de esquina – que Aquele a quem o mundo negou e cravou numa vergonhosa cruz no meio de dois ladrões, Deus aceitou e colocou no Seu próprio trono.”
As palavras “e não me vereis mais”, que tanto confundem os comentaristas, nos parecem ser a verdadeira chave para entender a passagem toda. Por todo o tempo em que o Sumo Sacerdote estava além do véu, sem ser visto pela congregação, ninguém estava certo quanto à sua própria aceitação diante de Deus. Daí a impaciente ansiedade com que aguardavam a saída dele, com a garantia de que Deus tinha aceitado a propiciação oferecida em seu favor. Cristo, nosso grande Sumo Sacerdote, entrou no Santo dos Santos com o Seu próprio sangue. Até que Ele volte na Sua segunda vinda, como poderíamos estar certos de que o Seu sacrifício por nós foi aceito diante de Deus? Não haveria como, a não ser que Ele enviasse alguém que nos fizesse conhecer esse fato. E é precisamente isso que Ele fez ao enviar o Espírito Santo. “Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas” (Hb 1.3). Ali Ele permanecerá por todo o tempo do grande dia da expiação, que se estende da ascensão até a Sua segunda vinda. Mas para que a Sua igreja tenha imediata segurança quanto à aceitação diante do Pai, por meio do Seu servo justo, Ele envia o Paráclito para atestar o fato; e a presença do Espírito na igreja é prova evidente de que Jesus está no trono; assim como Pedro disse no dia de Pentecostes: “Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis” (At 2.33).
Agora as palavras de Jesus nos parecem claras. Pelo fato de Ele ter subido até o Pai, para não mais ser visto até a Sua segunda vinda, o Espírito nesse meio tempo desceu para atestar a Sua presença e aprovação com o Pai, como o perfeitamente Justo. Como isso fica evidente na defesa de Pedro diante do Sinédrio: “O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro. Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados. Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que lhe obedecem” (At 5.30-32). Por que esse duplo testemunho? A razão é óbvia. Os discípulos podiam dar testemunho da crucificação e da ressurreição de Cristo, mas não podiam dar testemunho da Sua entronização. Esse evento estava além do alcance da visão humana; e por isso o Espírito Santo, que conhecia o fato ocorrido nos céus, precisou ser enviado para testemunhar juntamente com os apóstolos, para que assim o todo da verdade da redenção recebesse plena confirmação. Dessa forma se cumpriu literalmente a promessa que Jesus fez em Seu último discurso: “Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim; e vós também testemunhareis, porque estais comigo desde o princípio” (Jo 15.26,27).
Como já dissemos, não é apenas a entronização de Cristo, a prova da aprovação do Pai, que precisa ser certificada; mas também a aceitação da Sua obra sacrifical como pleno e satisfatório fundamento da nossa reconciliação com o Pai. E o Espírito procedente de Deus é o único capaz de nos dar essa certeza. Por essa razão, na Epístola aos Hebreus, depois da repetida declaração da exaltação do nosso Senhor à direita de Deus, se acrescenta: “Porque, com uma única oferta, aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados. E disto nos dá testemunho também o Espírito Santo” (Hb 10.14,15). Em resumo, Aquele que conhecemos na cruz como “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, agora precisamos conhecer, no trono, como Senhor, Justiça Nossa”. Mas embora os anjos e os santos glorificados no céu vejam Jesus, outrora crucificado, mas agora “feito Senhor e Cristo”, nós não O vemos. Por isso está escrito que “ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo” (1 Co 12.3). Assim também nos é dito que “Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 Jo 2.1); mas só podemos conhecer Cristo dessa forma por meio do “outro Paráclito” enviado da parte do Pai. Temos a promessa de que “quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido” (Jo 16.13). Depois de ouvir no céu as declarações de que Cristo é digno, e contemplar Aquele que por um pouco foi feito menor do que os anjos para provar a morte, agora “coroado de glória e de honra”, o Espírito Santo transmite o que vê e ouve à igreja que está na terra. Dessa forma, assim como Cristo, na Sua vida terrena, por meio da Sua brilhante e evidente santidade, “foi justificado em espírito”; assim nós, reconhecendo que Ele está na glória em nosso favor, e foi feito “justiça de Deus” por nós, somos também “justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1 Co 6.11).
Assim, embora não seja visto pela igreja durante todo o tempo em que exerce Seu ministério de Sumo Sacerdote, nosso Senhor enviou à igreja Um cuja função é dar testemunho de tudo o que Ele é e de tudo o que está fazendo enquanto se encontra no céu, a fim de termos “ousadia e acesso com confiança, mediante a fé nele” e que assim possamos nos achegar com ousadia ao trono da graça. “... querendo com isto dar a entender o Espírito Santo” — o que não podia ser feito sob a antiga aliança — “que o caminho do Santo Lugar” (Hb 9.8) já se manifestou.
E, contudo – estranho paradoxo – nesse mesmo discurso em que Cristo diz aos Seus discípulos que eles não mais O veriam, Ele diz: “Ainda por um pouco, e o mundo não me verá mais; vós, porém, me vereis; porque eu vivo, vós também vivereis” (Jo 14.19), palavras que se referem ao tempo em que Cristo permanecerá além do véu. Mas agora é por meio da visão interior, que o mundo não possui, que eles O verão. E eles O verão pelo mundo, visto que Cristo disse: “o mundo não pode receber (ao Espírito Santo), porque não o vê, nem o conhece”. E contudo o Espírito seria enviado “para convencer o mundo” “do pecado, da justiça e do juízo”. Como explicaremos isso? Quando o sol desaparece no horizonte à noite, o mundo, nosso hemisfério, não mais o vê; contudo a lua o vê, e durante toda a noite capta a sua luz e a lança sobre nós. Assim o mundo não vê a Cristo nas graciosas provisões de redenção que Ele mantém para nós no céu, mas por meio da iluminação do Consolador, a igreja O vê; como está escrito: “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito” (1 Co 2.9,10). E a igreja, ao ver essas coisas, comunica ao mundo aquilo que ela vê. Cristo é tudo e em todos; e o Espírito O recebe e O reflete para o mundo por meio do Seu povo.
“... do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado. Cremos que aqui temos um maior avanço na revelação do evangelho, e não uma menção da doutrina do juízo futuro, como ensinam algumas pessoas. Reafirmamos nossa convicção de que em todo este discurso o Espírito Santo nos é revelado como uma boa nova da Graça, e não como um delegado da Lei. Ouça novamente o apóstolo Pedro apontando Àquele que ressuscitou de entre os mortos e Se assentou nas alturas. Ele diz: “por meio dele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés” (At 13.39). Justificação, no sentido evangélico, é outro nome para uma antecipação do julgamento e o fim da condenação. Quando Cristo foi entronizado, encerrou-se toda e qualquer questão a respeito do pecado, e toda e qualquer reivindicação da lei transgredida foi satisfeita. E embora não haja nenhum rebaixamento nas exigências do decálogo, contudo pelo fato de Cristo ser “o fim da lei ..., para justiça de todo aquele que crê”, agora a graça reina “pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor”. É um estranho paradoxo apresentado em Isaías: “pelas suas pisaduras fomos sarados”, como se nos fosse dito que os golpes do pecado obtiveram a remissão dos pecados. E foi isso que aconteceu. Se o Espírito Santo nos apresenta as feridas do Cristo moribundo para nos condenar, Ele imediatamente nos apresenta as feridas do Cristo exaltado para nos confortar. O Seu corpo glorificado é o certificado dado pela morte quanto ao perdão da dívida, a quitação plena e rasa, assegurando-nos que todos os castigos merecidos pela transgressão foram sofridos, e que o pecador foi absolvido.
Por isso, parece claro o significado dessa última consideração: “... do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado.” Relembre as palavras de Jesus quando se viu face a face com a cruz: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso” (Jo 12.31). Finalmente, “o acusador dos irmãos” não tem mais voz e é expulso da corte real. A morte de Cristo é a morte da morte, e também do autor da morte. “... para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida” (Hb 2.14,15). Se é misteriosa a relação de Satanás com nosso julgamento e condenação, temos entretanto clareza (por esta passagem bíblica e por outras) quanto ao fato de que Cristo, pela Sua cruz, nos libertou do seu domínio. Temos de crer que Jesus disse literalmente a verdade quando afirmou: “Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo 5.24). Na cruz, Cristo julgou o pecado e libertou aqueles que creem nEle; e no céu Ele os defende contra toda tentativa de sentença por causa da transgressão da lei. “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1). É dessa forma que a tripla convicção conduz o pecador aos três estágios da obra redentora de Cristo, passando do juízo e da condenação para a eterna aceitação diante do Pai.
Numa impressionante antítese a isso tudo, temos uma ocasião no livro de Atos em que se vê a tripla convicção da consciência, quando Paulo esteve diante de Félix: “Dissertando ... acerca da justiça, do domínio próprio e do Juízo vindouro” (At 24.25). Aqui foi posto às claras o pecado de uma vida depravada quando o apóstolo falou sobre a castidade; foram demonstradas as exigências da justiça; e foi apresentada a certeza do juízo vindouro; e o único efeito produzido foi que “ficou Félix amedrontado”. É isso o que sempre acontece sob a convicção da consciência — há remorso, mas não há paz. Temos também outro instrutivo contraste nas Escrituras, entre o testemunho do Espírito e o testemunho da consciência. “O próprio Espírito testifica (summarturei) com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16). Essa é a segurança da filiação, com toda a persuasão interior de liberdade da condenação que ela transmite da parte de Deus. Por outro lado, existe a convicção dos pagãos, que possuem apenas a lei escrita em seus corações: “testemunhando-lhes (summarturoushs) também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se, no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens” (Rm 2.15,16). A consciência pode “acusar”, e o quanto isso é verdade em todo o mundo os missionários cristãos podem atestar com freqüência; e a consciência pode “defender”, que é o método proposto por pensamentos de culpa; mas a consciência não consegue justificar. É somente o Espírito da verdade, que o Pai enviou a este mundo, que pode fazer isso. Podemos contrastar a obra dessas duas testemunhas da seguinte forma:

·                       A consciência convence - O Consolador convence.
·                       Do pecado cometido - Do pecado cometido.
·                       Da justiça impossível de alcançar - Da justiça imputada.
·                       Do juízo realizado - Do juízo iminente.

Felizmente essas duas testemunhas podem ser harmonizadas, como de fato o foram pela expiação que reconciliou o homem consigo mesmo, tanto quanto o reconciliou com Deus. É muito significativo que na Epístola aos Hebreus, quando somos convidados a nos aproximar de Deus, que a condição para isso seja “tendo o coração purificado de má consciência”. Assim como o sumo sacerdote levava o sangue para dentro do Santo dos Santos, na antiga dispensação, assim o Espírito introduz o sangue de Cristo no santuário interior do nosso espírito na mais excelente economia da nova dispensação, para que possamos purificar “a nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo” (Hb 9.14). Bendito o homem que dessa forma se reconcilia consigo mesmo e com Deus, de forma que pode dizer: “Digo a verdade em Cristo, não minto, testemunhando comigo, no Espírito Santo, a minha própria consciência” (Rm 9.1). A consciência do crente habitando no Espírito, assim como a sua vida está “oculta com Cristo em Deus”, tendo ambos a mesma mente e produzindo o mesmo testemunho — esse é o propósito da redenção e essa é a vitória do sangue da expiação.







A inspiração do Espírito


Capítulo VIII – parte 2

A “inerrância das Escrituras”

Quanto à “inerrância das Escrituras”, como se diz, preferimos desconsiderar argumentos menores, dando ênfase à grande razão que nos faz sustentar esse ponto de vista, ou seja: Se é Deus o Espírito Santo quem fala nas Escrituras, então a Bíblia é a palavra de Deus e, como Deus, ela é infalível. Recentemente, um brilhante escritor nos desafiou a mostrar-lhe onde a Bíblia mesma se chama de “a palavra de Deus”[1]. O mais simples estudioso do assunto pode facilmente, com o auxílio de uma concordância, indicar as passagens que fazem isso. Mas nós nos baseamos no fato de que ela não somente é chamada o logos “tou yeou”, “a Palavra de Deus”, mas também é chamada “ta logia tou yeou”, “os oráculos de Deus”. Esses nomes das Escrituras são muito significativos. Não temos necessidade de perguntar aos pagãos a respeito do sentido que eles percebem nas ordens recebidas dos seus deuses; deixemos que o emprego das Escrituras transmitam o seu próprio pensamento: “Qual é, pois, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus”[2] (Rm 3.1,2).
Essa expressão abrangente é muito útil à nossa fé. Quando os críticos estão atacando cada detalhe dos livros do Antigo Testamento, o Espírito Santo os autentica diante de nós em sua totalidade. Assim como Abigail orou pela vida de Davi, que fosse “atada no feixe dos que vivem com o SENHOR”, assim aqui um dos apóstolos nos dá os livros da Lei e dos Profetas e dos Salmos atados no feixe da autoridade da inspiração divina. Estevão, de forma semelhante, fala da sua própria nação como quem “recebeu oráculos de vida” (At 7.38 — Tradução Brasileira), e Pedro diz: “Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus” (1 Pe 4.11). E não somente isso; os mesmos apóstolos que se submeteram à autoridade do Antigo Testamento como aos oráculos de Deus, eles mesmos alegavam escrever como os oráculos de Deus no Novo Testamento. Paulo diz: “Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor (oráculo de Deus) o que vos escrevo” (1 Co 14.37). João, por sua vez, escreve: “aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve” (1 Jo 4.6). Essas afirmações são grandes demais para serem expressas com referência a escritos falíveis. Se admitirmos as suas premissas, os judeus estavam certos em acusar Jesus de blasfêmia, por dizer-Se igual a Deus. Se Cristo não é Deus, Ele não é nem mesmo um homem bom. E se as Escrituras não são infalíveis, elas são piores do que qualquer texto falível; pois, sendo mera literatura, fazem de si mesmas a palavra de Deus.
E o que diremos se alguém alegar que existem contradições irreconciliáveis neste livro que a si mesmo chama de oráculos de Deus? Duas coisas precisam ser ditas: Primeiro, é de esperar que, se usarmos o “método científico”, esse tipo de contradições deve aparecer e constantemente aumentar. A Bíblia é uma planta sensível, que se fecha ao simples toque da investigação crítica. No mesmo parágrafo em que reivindica que as suas palavras são as palavras do Espírito Santo, ela repudia o método científico como inútil para entender essas palavras: “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram” — e insiste que o método espiritual é o único adequado — “Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito” (1 Co 2.9,10). A Bíblia não só não produz rosas para o crítico, mas ela produz os espinhos e abrolhos da desesperançada contradição. “Intellige ut credos verbum meum”, “entendam a minha palavra, para que vocês possam crer nela”; dizia Agostinho aos racionalistas dos seus dias, “sed crede ut intelligas verbum Dei”, “creiam na palavra de Deus, para que vocês possam entendê-la.” A fé possui a chave não só de todos os credos, mas também de todas as contradições. Aquele que começa e avança sob a convicção de que a Bíblia é a infalível palavra de Deus, verá as discrepâncias transformando-se constantemente em harmonias, à medida que avança em seus estudos. E esse comentário nos conduz à segunda reflexão: as contradições do homem podem na realidade ser as harmonias de Deus. Um ouvinte inculto, ao escutar uma composição musical de um dos grandes mestres, poderá detectar discordâncias repetidas na melodia; e na realidade aquilo que é chamado “acidentes” na música são discordâncias, mas discordâncias inseridas de propósito para salientar a harmonia. Dessa forma, à medida que as ditas discrepâncias das Escrituras, uma após a outra, depois de cuidadosamente identificadas e assimiladas pelo ouvido, vão se harmonizando, chegam ao nosso ouvido com especial ênfase e alegre harmonia as palavras do salmista, que fala pelo Espírito Santo: “A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o Testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices”! Aos críticos parece haver um sério erro na afirmação de Estevão, de que Jacó foi enterrado em Siquém (At 7.16) em vez de dizer que foi enterrado no campo de Maquila fronteiro a Manre, como está registrado em Gênesis 50.13, da mesma forma que se pensou que Lucas, em seu Evangelho, tivesse cometido um erro inexplicável quando se referiu a Quirino (Lc 2.1,2). Mas da mesma forma que essa última contradição se desfez, confirmando assim a veracidade das Escrituras quando se fez a investigação necessária, assim também haverá de acontecer com a primeira. E assim também com as alegadas discrepâncias existentes entre o registro num lugar de que o rei Salomão possuía quatro mil estábulos de cavalos, e em outro registro, quarenta mil. Também a declaração de que o rei Josias começou a reinar aos oito anos de idade, e em outro, aos dezoito. E daí? E se admitirmos livremente que não podemos harmonizar essas declarações? Isso não prova que elas não podem ser harmonizadas. A história das contradições que já foram harmonizadas com certeza já provou que “a estultícia de Deus é mais sábia que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte que os homens”. Assim também as dissonâncias de Deus são mais harmônicas do que os homens.
Ao concluirmos este capítulo, devemos dizer que a maior prova da infalibilidade das Escrituras é a prova prática: nós já experimentamos que elas são infalíveis. Assim como a moeda do país sempre foi suficiente para comprar o equivalente ao valor nela estampado, assim as profecias e as promessas das Escrituras Sagradas produziram o seu valor de face aos que se esforçaram para prová-las. Se nem sempre o fizeram, é provável que tenha sido por não estarem ainda maduras. Com certeza, há multidões de cristãos que já provaram de tal forma a veracidade das Escrituras, que estão prontos a confiar nelas sem reservas em tudo que prometem com referência ao mundo invisível e quanto à vida futura. “Crê para que possas conhecer, então, é a admoestação que tanto as Escrituras quanto a história reforçam. Adolph Monod, um extraordinário santo, em suas palavras de despedida, afirmou:
Quando eu entrar no mundo invisível, não espero encontrar as coisas diferentes daquilo que a palavra de Deus as apresenta para mim aqui. A voz que espero então ouvir será a mesma que ouço agora na terra, e pretendo dizer: ‘Isto é de fato o que Deus me disse; e quão grato estou porque não esperei ver para só então crer’.”

“As palavras de Cristo”
(extra)
“As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida” (João 6:63).

Ele desejava ensinar aos discípulos duas coisas. Primeiro, que palavras são sementes vivas com poder para germinar, para brotar, assegurando sua própria vitalidade, revelando sua própria natureza, e provando seu poder naqueles que as recebem e as guardam em seus corações. Ele não queria que eles fossem desencorajados se não compreendessem tudo de uma vez. Suas palavras são espírito e vida; elas não eram destinadas apenas para entendimento, mas para a própria vida. Vindas no poder do Espírito, mais altas e profundas que todo pensamento, elas penetrariam a própria raiz de nossa vida. Elas têm em si mesmas a vida divina operando com uma energia divina a verdade que elas expressam, conduzindo aqueles que a recebem à experiência delas. Segundo, como uma conseqüência disto, Suas palavras requerem uma natureza espiritual para recebê-las. Sementes precisam de um solo congênere: deve haver vida no solo tanto quanto na semente. Não só na mente ou nos sentimentos ou até mesmo na vontade apenas, mas a Palavra deve ser conduzida através desses meios para dentro da vida. O centro desta vida é nossa natureza espiritual, com a consciência como sua voz; lá a autoridade da Palavra deve ser reconhecida. Mas mesmo isso não é suficiente: a consciência habita no homem como um cativo entre poderes que ela não pode controlar. É o Espírito que vem de Deus, o Espírito que traz vida, e através da Palavra assimila a verdade e o poder em nós. Ela nos salvará do erro. Ela nos preservará de esperar desfrutar dos ensinamentos do Espírito sem a Palavra ou nos tornarmos mestres no ensino da Palavra sem o Espírito.
O Espírito Santo tem incorporado através dos tempos os pensamentos de Deus na Palavra escrita, e vive agora, por esse propósito, em nossos corações – revelar o poder e o significado dessa Palavra.

Q    Se você deseja ser cheio do Espírito, seja cheio da Palavra.
Q    Se você deseja ter a vida divina do Espírito dentro de você se fortificando em cada parte da sua natureza, permita que a palavra de Cristo habite em você ricamente.
Q    Se você deseja que o Espírito cumpra seu ofício de trazer à mente no exato momento e aplicar com precisão divina à sua necessidade aquilo que Jesus disse, permita que as palavras de Cristo residam em você.
Q    Se você deseja que o Espírito lhe revele a vontade de Deus em cada circunstância da vida, decidindo o que você deve fazer em meio a comandos e princípios conflitantes com precisão inerrante, sugerindo a Sua vontade conforme a sua necessidade, tenha a Palavra vivendo em você, pronta para que Ele a use.
Q    Se você deseja ter a Palavra eterna como sua luz, permita que a Palavra escrita seja transcrita em seu coração pelo Espírito Santo.

“As palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida”.

Tome-as e faça delas um tesouro: é através delas que o Espírito manifesta Seu poder vivificante. Não pense nem por um momento que a Palavra pode desabrochar vida em você, a menos que o Espírito dentro de você a aceite e aproprie-se dela na vida interior. Muitos pensam que se soubessem exatamente o que Ela significa, a conseqüência natural seria a bênção que a Palavra pretendia trazer. Não é o caso. A Palavra é uma semente. Em toda semente há uma parte na qual a vida está escondida. Pode-se ter a mais perfeita semente em substância, mas a menos que ela seja exposta em um solo adequado à ação do sol e umidade, pode nunca chegar à vida.
Esta é uma das sérias lições que a história dos Judeus no tempo de Cristo nos ensina. Eles eram extraordinariamente zelosos, assim acreditavam, pela Palavra de Deus e pela honra e mesmo assim veio a ser que todo o seu zelo era por sua interpretação humana da Palavra de Deus. Jesus lhes disse: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (João 5:39-40). Eles de fato criam nas Escrituras para levá-los à vida eterna, e ainda assim nunca viram que essas palavras testificavam a Cristo e por isso não foram a Ele. Eles estudaram e aceitaram as Escrituras na luz e poder de sua razão e entendimento humanos ao invés de na luz e poder do Espírito de Deus como sua vida.
A fraqueza na vida de tantos crentes que lêem e conhecem consideravelmente as Escrituras é porque não sabem que é o Espírito que vivifica, e que a carne – entendimento humano, mesmo que inteligente, mesmo que determinado – para nada serve. Eles pensam que têm nas Escrituras a vida eterna. Mas conhecem pouco do Cristo vivo no poder do Espírito como sua verdadeira vida.

“A eterna Palavra e o eterno Espírito são inseparáveis. Assim como a palavra criadora e o Espírito criador (Gênesis 1:2-3; Salmo 33:6)”.

“A Palavra e o Espírito trabalham juntos na redenção (João 1:1-3,14)”.

“Na Palavra escrita: “as palavras que eu vos tenho dito são espírito”. Assim, a palavra pregada pelos apóstolos foi no poder do Espírito (I Tessalonicenses 1:5). Conforme lemos e meditamos na Palavra de Deus, devemos depender do Espírito Santo para interpretá-la para os nossos corações.”

Ezequiel 33:31
E eles vêm a ti, como o povo costumava vir, e se assentam diante de ti, como Meu povo, e ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra;
Eles chegam diante de você como costumavam vir à minha presença no templo. Eles se assentam e ouvem o que você diz, mas não colocam uma palavra em prática.
 e 32
E eis que tu és para eles como uma canção de amores, canção de quem tem voz suave, e que bem tange; porque ouvem as tuas palavras, mas não as põem por obra.

Você não passa de um divertimento para eles, como um cantor que canta belas canções de amor, ou como um músico que toca bem o seu instrumento. Ouvem o que você fala, mas não põem uma palavra em prática.

“que o Senhor tenha misericórdia de nós”


[1] Dr. R. F. Horton, em “Verbum Dei” (Palavra de Deus).
[2] Quando o apóstolo chama o Antigo Testamento de “oráculos de Deus”, claramente reconhece que os livros que o compõem são divinamente inspirados. A igreja dos judeus recebeu o encargo de guardar esses oráculos até a chegada de Cristo. Agora, as Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos estão sob a tutela da igreja cristã. — Dr. Philip Schaff.