Capítulo X
O apóstolo Paulo com certeza via como
a plena colheita do Espírito a redenção do corpo dos santos e a sua
manifestação como filhos de Deus, e com eles a redenção de toda a criação do
presente cativeiro, redenção da qual a igreja só possui agora as primícias, ou
seja, os primeiros grãos maduros, dos quais se pode fazer um feixe e apresentar
no templo como uma oferta movida diante do Senhor. “O Espírito da promessa, que
é o penhor da nossa herança”, disse o mesmo apóstolo — o penhor, assim como as
primícias, é só uma parte daquilo que será ainda obtido... contudo é o
suficiente para garantir que o todo, na plenitude dos tempos, igualmente será
nosso. — Edward Irving.
“Aquele
que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos o céus.” Assim escreve o
apóstolo a respeito do Paráclito que agora está com o Pai, “Jesus Cristo, o Justo” (Ef 4.9). E o que
é verdade a respeito dEle, também é verdade a respeito do “outro Paráclito”, o Espírito Santo, que foi enviado para habitar
conosco durante esta era. Quando Ele tiver completado a Sua missão terrena,
retornará ao céu no corpo que Ele criou para Si mesmo — o “novo homem”, a igreja regenerada, reunida tanto de entre os judeus
como dos gentios durante esta dispensação. Pois o que é o arrebatamento dos
santos predito pelo apóstolo, ao som da trombeta e após a ressurreição dos
remidos que já morreram, “nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados
juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares” (1 Ts
4.17)? É o Cristo terreno elevando-se para encontrar o Cristo celestial; a
igreja eleita, unida no Espírito e chamada o cristos (1 Co 12.12) recolhida
para unir-se em glória com “Cristo... o cabeça da igreja, sendo este mesmo o
salvador do corpo” (Ef 5.23). No concílio em Jerusalém isso foi proclamado como
a obra especial do Espírito nesta dispensação “a fim de constituir dentre eles
um povo para o seu nome”. Não foi por
acaso que os primeiros crentes receberam o nome de cristãos, nem era um nome
usado como zombaria. Pelo contrário, “Em Antioquia, foram os discípulos, pela
primeira vez, chamados cristãos” (At
11.26), e isso por orientação divina. Esse foi o nome preordenado para eles, “o
bom Nome pelo qual sois chamados” (Tg 2.7 – Tradução Brasileira). Quando, então,
a formação dessa assembléia estiver completa, e o povo para o seu nome estiver
completo, eles serão trasladados para se tornarem um com Ele em glória, assim
como eram um com Ele no nome, o Cabeça recebendo o corpo, “como também Cristo o faz com a igreja” (Ef 5.29). E essa
transformação da igreja será efetuada pelo Espírito Santo, que nela habita. “Se habita em vós o Espírito daquele que
ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus
dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu
Espírito, que em vós habita” (Rm 8.11). Não é por meio de ações externas
sobre o corpo de Cristo que o Espírito Santo efetuará a glorificação, mas por
meio da vivificação interior. Em resumo, o Consolador, que no dia de Pentecostes
desceu para criar um corpo de carne, retornará na Parousia ao céu nesse mesmo
corpo, depois de tê-lo moldado como corpo de Cristo, para poder ser apresentado
a Ele “sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito”
(Ef 5.27). Será que se pretende dizer que o Consolador deixará o mundo por
ocasião da vinda de Cristo, para não mais retornar? De forma nenhuma. O que
está sendo afirmado precisa de uma clara explicação.
Um
autor muito entendido na doutrina do Espírito faz a seguinte observação, tão
evidente mas tão verdadeira, que a colocamos em itálico: “Assim como Cristo, no final, entregará o Seu reino ao Pai (1 Co
15.24-28), assim o Espírito Santo entregará o Seu ministério ao Filho, quando
este vier em glória com todos os Seus santos anjos”[1].
Igreja e reino não significam a mesma coisa, se com reino queremos indicar o
governo visível de Cristo na terra. Num outro sentido eles significam a mesma
coisa. Assim como é o Rei, assim é o reino. O Rei está presente agora no mundo,
apenas de forma invisível e por meio do Espírito Santo; assim também o reino
está agora presente de forma invisível e espiritual no coração dos crentes. O
Rei virá outra vez visivelmente e em glória; assim também o reino virá de forma
visível e gloriosa. Em outras palavras, agora o reino já está aqui em mistério;
então ele estará aqui de forma manifesta. Agora o reino espiritual é
administrado pelo Espírito Santo, e isso desde o dia de Pentecostes até a Parousia. Na Parousia – o aparecimento do Filho do Homem em glória – quando Ele
assumir o Seu grande poder para reinar (Ap 11.17), quando voltar Aquele que foi
para um país distante tomar posse de um reino, e assumir o governo (Lc 19.15),
então o invisível dará lugar ao visível; o reino envolto em mistério emergirá
como reino manifesto, e o ministério do Espírito Santo se submeterá ao de
Cristo.
Aqui
propriamente encerramos nossa apresentação, uma vez que o ministério terreno do
Espírito Santo se encerra com o retorno de Jesus Cristo em glória. Mas existe um
“mundo vindouro” (Hb 6.5), subseqüente a este “mundo perverso” (Gl 1.4), e
talvez devamos dar uma rápida olhada ali, por causa da luz que isso pode lançar
sobre a presente dispensação.
Qual
é o significado da expressão as primícias
do Espírito, que diversas vezes aparece no Novo Testamento? As primícias
não passam de um punhado, comparadas com a colheita toda; e é isso o que temos
com respeito ao dom do “Espírito da promessa, a saber, o Espírito Santo, que é penhor da nossa herança para a
redenção da possessão adquirida por Deus” (Ef 1.13,14 – Tradução
Brasileira). A colheita, para a qual todas as primícias apontam, será no
aparecimento do Senhor. Cristo, por meio da ressurreição de entre os mortos,
tornou-Se “as primícias dos que dormem”
(1 Co 15.20). A colheita toda será feita, é claro, na vinda de Cristo, quando
“os que são de Cristo, na sua vinda” serão ressuscitados (1 Co 15.23). Assim
também com o Espírito Santo. Todos nós temos o Espírito, mas não temos tudo do Espírito. Como membro da Divindade, Ele está
inteiramente aqui; mas com respeito ao Seu ministério, temos apenas uma parte,
o penhor da Sua bênção completa. Para tornar isso claro, repare que a obra do
Espírito Santo, durante toda esta dispensação, é de eleição. Ele junta de entre
os judeus e gentios o corpo de Cristo, a ecclesia,
os chamados para fora. Essa é a Sua obra peculiar na era do Evangelho. Em
resumo, a presente época é a era da eleição, e não do ajuntamento universal.
Mas
isso é tudo que podemos esperar? Deixemos que a Palavra de Deus responda.
Paulo, ao considerar a esperança de Israel, diz que “no tempo de hoje,
sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”; e um pouco adiante ele
declara, relativamente à vinda do Libertador, que “todo o Israel será salvo”
(Rm 11.5,26). Aqui está uma eleição que separa, e depois uma universal
inclusão; ou seja, como o apóstolo resume tudo neste mesmo capítulo: “se forem santas as primícias da massa,
igualmente o será a sua totalidade”. Por outro lado, Tiago, falando pelo
Espírito Santo a respeito dos gentios, diz que “Deus, primeiramente, visitou os
gentios, a fim de constituir dentre eles
um povo para o seu nome”, e “Cumpridas estas coisas, voltarei” “Para que os
demais homens busquem o Senhor, e também
todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome” (At
15.14,17). Aqui, novamente, encontramos primeiro uma eleição que separa e então
uma completa inclusão.
Quando
examinamos outros textos bíblicos, parece claro que é o Espírito Santo o divino
agente de ambas as redenções, a parcial e a completa. Se nos voltarmos à grande
profecia de Joel: “derramarei o meu
Espírito sobre toda a carne”, e depois à referência de Pedro a ela, como
registrado em Atos, vem-nos a pergunta: Essa profecia foi plenamente cumprida
no dia de Pentecostes? É evidente que não. Pedro, com inspirada precisão, diz: “o que ocorre é o que foi dito por
intermédio do profeta Joel”, sem afirmar que com isso a profecia de Joel se
cumpria totalmente. Voltando à profecia, percebemos que ela inclui em sua
extensão “o grande e terrível dia do SENHOR”, e que Deus removerá “o cativeiro
de Judá e de Jerusalém” (Jl 2.1, 3.1 – RC), eventos que evidentemente ainda
estão por acontecer. Se outra vez examinarmos a eloqüente profecia da conversão
de Israel, observaremos que o fato de eles contemplarem aquele a quem
traspassaram, e lamentarem por ele, decorre da seguinte profecia: “E sobre a
casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o espírito da graça
e de súplicas” (Zc 12.10). Assim também na descrição das desolações de Jerusalém
durante a presente era, o profeta representa esse juízo como espinheiros e
abrolhos e palácios desertos e fuga do povo, continuamente “até que se derrame sobre nós o Espírito lá do alto” (Is 32.15).
Verdadeiramente
me parece que as Escrituras ensinam sempre que, depois que se completar a
presente obra eletiva do Espírito, virá um tempo de bênção universal, quando o
Espírito será literalmente “derramado sobre toda a carne”; quando “vier o que é
perfeito”, “o que é em parte será aniquilado”.
Dessa
forma, na doutrina do Espírito há uma constante referência à consumação final.
Paulo diz: “o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção” (Ef 4.30). E novamente: “também nós, que
temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando
a adoção de filhos, a redenção do nosso
corpo” (Rm 8.23).
Tudo
que o Consolador já nos concedeu, ou pode nos conceder agora, é apenas o
primeiro feixe da grande colheita da redenção que nos aguarda por ocasião do
retorno do Senhor. “... recebestes o
espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15); mas a
adoção mesma nós ainda estamos aguardando. Já somos filhos de Deus pelo
nascimento do alto, mas aguardamos juntamente com toda a criação “a revelação dos filhos de Deus”(Rm 8.19).
Juntamente
com a terna exortação para sermos pacientes até a vinda do Senhor, Tiago
acrescenta, no quinto capítulo da sua carta, esta sugestiva ilustração: “Eis
que o lavrador aguarda com paciência o precioso fruto da terra, até receber as
primeiras e as últimas chuvas”. Assim como na agricultura uma dessas chuvas se
refere ao tempo da semeadura e a outra ao tempo da colheita, assim na redenção
a primeira chuva ocorreu no dia de Pentecostes, e a última virá na Parousia.
Uma caiu sobre o mundo quando os primeiros semeadores saíram pelo mundo para
semear; a outra acompanhará a ceifa, que é “a consumação do século” e fecundará
a terra para a bênção final do século vindouro, trazendo arrependimento a
Israel e a remissão dos pecados, “a fim de que, da presença do Senhor, venham
tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já vos foi designado,
Jesus, ao qual é necessário que o céu receba até aos tempos da restauração de
todas as coisas” (At 3.19-21).