quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

"AS RIQUEZAS DA GLÓRIA DA SUA HERANÇA NOS SANTOS"

CAPÍTULO 32

"AS RIQUEZAS DA GLÓRIA DA SUA HERANÇA NOS SANTOS"

"Tendo iluminado os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos." - Efésios 1:18

Passamos agora a examinar a segunda metade desta declaração – "e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos". Esta é a segunda das três petições específicas que o apóstolo eleva em favor dos cristãos efésios e, como a primeira, é introduzida pela palavra "quais" (qual). Devemos ter em mente, ao examiná-la, que, como a primeira petição, esta só pode ser entendida pelos que têm "ilumi­nado os olhos do seu entendimento". Ela é igualmente coberta pela oração geral, para que tenham o Espírito de sabedoria e de revela­ção. Sem isso, não seremos capazes de ver estas coisas.
Há duas idéias principais com respeito a esta segunda petição. Alguns sustentam que ela se refere a uma herança pertencente a Deus, à herança de Deus nos santos. A declaração do Velho Testa­mento de que "a porção do Senhor é o seu povo" empresta algum colorido àquela idéia sobre o assunto (Dt 32:9), e há frases no Novo Testamento que significam praticamente a mesma coisa. O apóstolo Pedro, em sua Primeira Epístola, diz aos cristãos:

"Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido" (VA " ... um povo peculiar").

A expressão "povo peculi­ar", como se vê na Versão Autorizada (inglesa), realmente significa "um povo para possessão pessoal de Deus". Por isso há os que dizem que na passagem de Efésios a referência é à soma total do povo de Deus quando for redimido finalmente. Deus está chaman­do do presente mundo mau um povo para Si; Ele o está chamando dentre judeus e gentios. Virá o dia em que a "plenitude dos gentios" terá sido reunida, e igualmente em que "todo o Israel" terá sido salvo. Isso constituirá a totalidade do povo de Deus. Aqueles expositores alegam que, nesta expressão, o apóstolo está olhando para o futuro, para aquele dia, e está orando no sentido de que estes efésios, e todos nós, como cristãos, possamos vir a conhecer a sobreexcelente grandeza da herança de Deus nos santos, em Seu povo. Noutras palavras, a petição é que tenhamos uma pálida con­cepção da magnitude desta gloriosa companhia dos remidos aos quais pertencemos e entre os quais vamos passar a eternidade. Essa é certamente uma explicação possível.
A outra idéia é de que o apóstolo está orando para que os olhos do nosso entendimento sejam iluminados a fim de que venhamos a conhecer o caráter da herança para a qual vamos indo, a herança que Deus está preparando para nós. Esta é a mesma idéia expressa por Paulo na Primeira Epístola aos Coríntios:

"As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam" (2:9).

O apóstolo está orando no sentido de que venhamos a ver mais e mais daquilo que nos aguarda, e que tenhamos mais freqüentes vis­lumbres disso. Ele não quer que estas coisas sejam algo distante e estranho para nós. Seu desejo é que não nos limitemos a olhar as Escrituras e às especificações do documento de posse, mas que pela fé tenhamos vislumbres ocasionais da herança propriamente dita, e, por assim dizer, estejamos com Moisés no alto do Monte Nebo contemplando a terra prometida da nossa herança.
Ambas as explicações são possíveis, e não nos é possível dizer dogmática nem categoricamente que uma está certa e a outra está errada. É questão de preferência pessoal, e, quanto a mim, não hesi­to em adotar a segunda idéia, como fizemos quando expusemos os versículos 11 e 13 aqui de Efésios. Isso porque não me agrada a idéia de que Deus tenha uma herança. Tudo pertence a Deus; o universo inteiro é de Deus. Por isso me parece impróprio empregar a expressão "herança de Deus" neste sentido. Por outro lado, nada pode ser mais apropri­ado do que examinar isso do outro ponto de vista que também se ajusta ao argumento deste capítulo primeiro. Paulo afirma que nós não somente cremos, mas também fomos

"selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa herança, até a reden­ção da possessão adquirida" (VA).

A possessão foi adquirida para nós pelo sangue de Cristo; já somos herdeiros, porém ainda estamos neste mundo. Contudo Deus nos dá o penhor do Espírito, dá-nos uma prelibação, até entrarmos nesta possessão adquirida, até a nossa redenção final. Assim o termo "herança" neste versículo 18 aponta na mesma direção.
Do ponto de vista prático, faz pouca diferença qual das duas explicações adotamos, pois em ambos os casos a oração é para que venhamos a conhecer algo daquele glorioso estado para o qual estamos indo, e para o qual Deus nos está preparando, quando, com todos os remidos, estaremos reunidos em segurança e gozaremos por toda a eternidade os benefícios desta grande salvação.
Tendo assim definido o sentido exato da oração, permitam-me fazer outra pergunta: por que devemos considerar isso? Na verda­de, é certo fazê-lo? A questão surge porque toda esta idéia e ênfase causa desagrado nos dias atuais. Há muitos que dizem: "Isto é típi­co do seu cristianismo. Aqui estamos nós neste conturbado mundo moderno, com tudo o que temos experimentado neste século vinte, com suas duas guerras horríveis, com a discórdia, o tumulto e a incerteza, e a terrível possibilidade doutra guerra mundial, e com todas as possibilidades do uso da energia atômica e, todavia, você nos concita a tomar tempo tentando vislumbrar a eternidade e a vida após a morte. Você deveria estar instando com as pessoas a fazerem o máximo para tentar deter a fabricação de armamentos, e protestar contra a fabricação de armas atômicas. Por que você não dirige apelos aos governos do mundo, e não estimula toda a Igreja Cristã a pôr fim nessas desgraças? O seu ‘castelo no ar’ não é somente inútil; significa que você está abandonando o seu dever. Você está muito longe da vida, está dando as costas às dificuldades. Não seria hora de a Igreja entrar na vida política e tentar construir um mundo melhor?"
Esse é o argumento. O cristianismo, diz ele, é o ópio do povo, uma espécie de "conto para dar ânimo" e fazer as pessoas se senti­rem momentaneamente mais felizes, para levá-las a sentir-se bem, persuadindo-as a voltarem as costas para a realidade e viverem da imaginação e da fantasia nalgum Elísio imaginário. O homem moderno não gosta desta idéia de contemplar o mundo invisível e eterno, desta ênfase ao outro mundo, justamente à realidade a res­peito da qual o apóstolo está orando aqui.
A oposição ao que estou pregando não se restringe ao mundo de fora, ou aos comunistas. Há muitos na igreja que sustentam a mesma idéia. Há alguns hinos que nos dizem que não devemos ser motivados pelo temor do inferno ou pelo desejo de recompensa e de glória; devemos ser altruístas e crer no cristianismo por amor dele próprio. Essa idéia começou a popularizar-se lá pelos fins do século passado, e há muitas expressões dela no presente século. Repete-se constantemente a história de uma anciã de um país do Oriente Médio, que um dia foi vista caminhando e levando dois baldes. Um deles tinha fogo, outro água. Um homem a deteve e lhe perguntou o que fazia com aqueles dois baldes. Ela respondeu que estava levando o fogo para queimar o céu, e a água para inundar o inferno. Isso é considerado excelente. Ainda existem muitos que se opõe à proeminência que damos à pregação da salvação pessoal. Dizem eles que não devemos pensar em nós mesmos e em nossos problemas; devemos estar interessados no estado da sociedade e nas condições sociais. A maldição da posição evangélica, dizem eles, sempre foi que é demasiado pessoal, egocêntrica, estreita e egoísta.
Para responder não precisamos de nada mais que o nosso tex­to. O apóstolo Paulo ora de um modo que refuta diretamente toda essa prosa. Ele ora no sentida de que saibamos "qual seja a esperan­ça da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos". Mas, fora as palavras do apóstolo, não há nada mais fátuo como crítica desta visão do mundo além recomendada nas Escritu­ras, do que o argumento particular que acabei de esboçar. Só a história já por si o prova, sem nenhuma dúvida. Os maiores benfei­tores que este mundo já conheceu, os homens que fizeram o maior bem a este mundo, foram os que mais ênfase deram à importância de se "ver o invisível". Basta ler o capítulo 11 da Epístola aos Hebreus para achar prova disso. Temos ali uma lista, ou digamos uma gale­ria, dos maiores benfeitores que este mundo já conheceu; é por isso que eles sobressaem na história. E todos eles eram pessoas que, como nos é dito, tinham os seus olhos fixos não tanto neste mundo como no vindouro. Não significa que eles ignoravam este mundo. Não eram monges ou anacoretas vivendo em mosteiros ou no deserto; não subscreviam o falso ensino católico-romano sobre o ascetismo que tanto diaboliza essa questão toda. A alternativa para o conceito popular que está sendo advogado hoje não é o monasticismo. Os "heróis da fé" que constam no capítulo 11 de Hebreus tinham seu ponto de partida no mundo invisível, e depois, à luz desse, eles se aplicam ao mundo presente.
Mas essa verdade não se aplica somente aos grandes persona­gens das Escrituras, e sim também a todo o curso da história. Os hospitais, por exemplo, foram iniciados pelos santos. Sempre houve homens que, tendo uma idéia verdadeira do homem e da vida à luz da eternidade, sempre se preocuparam com o sofrimento humano. O homem que forma os seus conceitos com base numa visão deste mundo, geralmente vive para si e pouco se interessa pelo seu próximo. Foram homens espirituais que geralmente intro­duziram as maiores reformas. Hospitais, educação e cultura, leis trabalhistas e coisas semelhantes surgiram graças aos esforços de santos, geralmente pessoas evangélicas que se interessavam em saber quais "as riquezas da glória da herança de Deus nos santos". Isso é verdade a respeito dos santos católico-romanos mais evangé­licos, bem como dos santos protestantes, mas particularmente destes últimos. Ninguém foi mais preocupado com um viver próprio e decente neste mundo do que João Calvino. A história desse homem e de como ele reformou a vida em Genebra inspirou muitos outros que copiaram as suas idéias, e isso tem constituído a grande força motriz da história da democracia.
Vê-se isso na Inglaterra, na história dos puritanos, que lança­ram os alicerces da grandeza deste país. Os puritanos, liderados politicamente pelo grande Oliver Cromwell, eram todos homens que viviam à luz do invisível. Ninguém tinha mais consciência do invi­sível do que Oliver Cromwell, ou ninguém desejava mais que ele ter os olhos do seu entendimento iluminados para poder conhecer a esperança da vocação de Deus e as riquezas desta glória. Ele era um homem que tinha marcante perspectiva do mundo além, mas isso não significa que ele negligenciava este mundo; ele foi um grande reformador, um grande benfeitor da gente comum, e assim foram todos os seus coadjutores.
Se vocês lerem a história dos séculos dezoito e dezenove, encontrarão um modelo semelhante. Mesmo historiadores secula­res admitem que o Despertamento Evangélico do século dezoito sem dúvida salvou a Inglaterra de uma revolução parecida com a Revolução Francesa; e isso porque os líderes daquele avivamento, tendo visto o verdadeiro sentido da vida à luz da eternidade, procu­raram melhorar a vida neste mundo. Noutras palavras, sempre foi dos avivamentos espirituais que os maiores melhoramentos secula­res vieram.
Vindo para mais perto do nosso tempo, é um simples fato da história que os sindicatos vieram a existir em grande parte como resultado das atividades de homens que tinham sido salvos por este evangelho, e que começaram a ver que os trabalhadores não devi­am viver como animais na embriaguez, no vício e na ignorância. Muitas vezes se diz popularmente que o sindicalismo deve mais ao metodismo do que a Marx. As coisas das quais os homens se gabam e falam muito hoje em dia vieram das mentes e das vidas de homens que compreenderam a importância do mundo vindouro e da vida na eternidade. De fato, não hesito em asseverar que é quan­do os homens se esquecem do mundo por vir que as coisas vão mal neste mundo. Soa bastante prático dizer que devemos concentrar­-nos na política e nas questões sociais; entretanto, se o fizermos sem tomar conhecimento do mundo futuro, se não pusermos as nossas atividades no contexto da eternidade, sempre veremos degenerar­-se este mundo.
Durante os recém passados trinta ou quarenta anos, a ênfase tem recaído neste mundo, e a pregação sobre o céu e a glória tem sido impopular. Mas, vejam como este mundo está hoje; veja o que está acontecendo nele e com ele. Quando os homens se esquecem do mundo por vir e se concentram unicamente na presente vida, este mundo se torna uma espécie de inferno em vida, com a confu­são, a ilegalidade, a imoralidade e o vício desenvolvendo-se a pleno vapor. Somente os homens que têm uma visão completa da vida é que realmente sabem viver neste mundo. O único homem que real­mente respeita a vida neste mundo é o que sabe que este mundo é apenas a antecâmara do mundo vindouro. É somente o homem que sabe que é filho de Deus, e que sabe que este mundo pertence a Deus, que realmente se preocupa com a decência neste mundo. Assim, se vocês quiserem ter uma vida plena e gratificante neste mundo, terão que começar compreendendo que a estrada real rumo a tal vida é levar em consideração o mundo para o qual vamos indo, é meditar "nas riquezas da glória da sua herança nos santos".
Foi necessário tomar tempo respondendo aquele argumento fátuo e tolo. Mas, positivamente, por que devemos examinar estas coisas? Por que devo preocupar-me em saber algo sobre "as rique­zas da glória da sua herança nos santos"? Uma resposta suficiente é o conforto que nos traz. É à luz disso que o apóstolo pode desenvol­ver o seu grande argumento na Epístola aos Romanos, capítulo 8. Diz ele:

"Para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em vós há de ser revelada" (versículo 18).

Essa é a conclusão do argumento. Os cristãos de Roma estavam passando por um período duro e difícil, e o apóstolo não tem consolo para oferecer-lhes, senão essas pala­vras. Ele admite que as coisas eram más e penosas. O cristianismo sempre é realista; nunca pretende que não há nada errado, nem defende a idéia de que se deve sorrir e dizer que está tudo bem. Antes, ele diz com o apóstolo, nos versículos 19-23 desse mesmo capítulo 8:

"Nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, tam­bém gememos em nós mesmos".

O cristão não é um simplório que dá um sorriso fátuo e finge que não há nada errado; ele nunca tem problema e vive cantando "e agora sou sempre feliz". Essa é a posi­ção, não do cristianismo, e sim de uma falsa psicologia. Acima de todos os demais homens, o cristão sabe que mundo terrível é este; mas também sabe que está apenas "esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo" (Romanos 8:23). É isso que o capacita a proferir a asseveração do versículo 18. O apóstolo diz a mesma coisa aos coríntios, na Segundo Epístola:

"A nossa leve e momen­tânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente" (4:17).

É o "peso eterno da glória mui excelente" que nos dá o conforto e, portanto, o encorajamento e o estímulo para a luta neste mundo. Haveria algo mais encorajador, mais estimu­lante?
Observem o apóstolo enquanto ele desenvolve o seu argumen­to no capítulo 15 da Primeira Epístola aos Coríntios. Ele argumenta que, se não há ressurreição dentre os mortos, e se esta vida é a única, e a morte é o fim da história, então a única conclusão que se pode tirar é:

"Comamos e bebamos, que amanhã morreremos" (versículo 32).

Se não há outra vida, porque me empenhei em lutar contra "as bestas" de Éfeso? (versículo 32), etc. Não há nada que tanto nos anime para a vida cristã, não há maior estímulo para pros­seguirmos nela, do que saber algo das "riquezas da sua herança nos santos". Quanto mais eu as conhecer, mais encorajado serei a aban­donar o pecado, a mortificar a carne e a preparar-me para aquilo que Deus tem à minha espera. E o maior incentivo à santidade e ao viver santo; não há nada que se lhe compare.

"E qualquer que nele tem essa esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro." (l Jo 3:3).

A falta da verdadeira santi­dade escriturística hoje certamente se deve ao fato de que não pas­samos tempo suficiente meditando na glória que nos espera. Esta contemplação da glória é a estrada real para a santidade.
No entanto há um argumento que define a questão uma vez por todas. É o que nos é dito acerca do nosso bendito Senhor. O autor da Epístola aos Hebreus o expõe assim, no capítulo 12:

"Olhando para Jesus, autor e consumador da fé" (versículo 2).

É o que devemos fazer. Temos que fazer uma corrida. Ela exige que

"deixemos todo o embaraço e o pecado que tão de perto nos rodeia, olhando para Jesus, autor e consumador da fé".

Mas o autor tem o cuidado de acrescentar:

"O qual pelo gozo que lhe estava proposto" - à luz do gozo que Lhe estava proposto, por causa do gozo que Lhe esta­va proposto - "suportou a cruz, desprezando a afronta".

Essa era a verdade concernente ao nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo quando estava neste mundo. Não desprezou fixar os olhos na "recompensa". Desde que Ele estava com os olhos postos no gozo da glória que O aguardava, passou por tudo, até a cruel morte na cruz; isso O ajudou a prosseguir. E no capítulo 17 do Evangelho Segundo João, como já vimos, Ele ora no sentido de que tenha de novo aquela glória que Ele compartia com o Pai antes da fundação do mundo.
Opor-se à petição do apóstolo que deseja que conheçamos estas coisas, não somente é anti-espiritual, mas também é inteira­mente antibíblico. O apóstolo de fato declara isso na forma de mandamento na Epístola aos Colossenses:

"Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra". (3:2).

A comparação é com a agulha da bússola. Devemos colocar os nosso afetos, mantê-los em ordem e resolutamente fixos "nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra".
Livremo-nos, pois, da falsa espiritualidade que se orgulha de que é extraordinariamente pura porque não está interessada nem no céu nem no inferno. Não se interessar pelo céu é ser diferente do Senhor Jesus Cristo; é ser diferente dos apóstolos; é ser diferente dos maiores santos, das melhores pessoas que este mundo conhe­ceu. Quanto tempo vocês passam pensando no céu? Quantas vezes vocês o contemplam? Vocês têm os olhos do seu entendimento iluminados para conhecer estas coisas? Não hesito em asseverar que quanto mais espirituais formos, mais pensaremos no céu. Quanto mais perto estivermos de Cristo, mais meditaremos na glória que Ele preparou para nós. Esta é uma invariável e infalível prova da verdadeira espiritualidade.
Isso me leva ao derradeiro ponto, e eu pergunto: que coisas são estas que devemos conhecer? Somente o Espírito Santo pode torná­-las claras para nós. Muitos de nós temos que concordar com Richard Baxter quando ele diz: "o meu conhecimento daquela vida é peque­no, os olhos da fé são obscuros". Afinal de contas, quão pouco sabemos destas coisas! Muitos ficam em dificuldade nesta questão. Como pastor, freqüentemente me fazem esta pergunta: "Por que não sabemos mais acerca do céu e da vida para onde vamos? Por que não nos é dito mais a respeito?" Dou uma resposta bem simples. É que a glória é tão maravilhosa, tão magnífica, tão perfeita, que a nossa linguagem humana é incapaz de transmitir uma idéia fiel dela. A glória é tal que, se se fizesse uma tentativa para descrevê-la, visto que o pecado rebaixou tanto a cunhagem do nosso linguajar, tería­mos concepções indignas dela. Tentar descrevê-la seria diminuí-la. Por isso, em Sua misericórdia, Deus não nos disse muita coisa a respeito. Concentremo-nos, porém, no que nos foi dito.
O apóstolo fala das "riquezas da glória" - ele amontoa superla­tivo sobre superlativo. Não existe coisa alguma superior à glória, e, todavia, ele fala das riquezas da glória. Isso nos dá uma concepção desta glória transcendental que ultrapassa até o alcance da nossa imaginação. Tudo o que nos pode ser dito é: "as riquezas da sua glória". Por isso, não se preocupem! O céu é infinitamente mais maravilhoso do que eu e vocês podemos imaginar. Está inteira­mente fora do alcance de todas as nossas categorias; mas algumas coisas nos são ditas. A parte central da glória é que estaremos com Ele.

"Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, credes também em mim." ... "Vou preparar-vos lugar. E, se eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também" (João 14:1-3).

Isso é sufi­ciente - estar com Ele! Também é como Paulo vê a morte. Ele já não se preocupava com a morte, porque para ele a morte era "estar com Cristo, e isto é ainda muito melhor" (cf. Filipenses 1:23).
Depois, também, o nosso Senhor, em Sua oração sacerdotal, ora fazendo uma petição muito especial a Seu Pai:

"Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste: porque tu me hás amado antes da criação do mundo" (João 17:24).

Sua maior oração por nós é que O vejamos como Ele é, e em Sua glória. Não há nada superior a isso! Assim João também escreve em sua Primeira Epís­tola:

"Ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos" (l João 3:2).

Quando chegarmos a esta glória, os nosso próprios corpos serão transformados.

"(Cristo) trans­formará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso", o corpo da Sua glorificação (Filipenses 3:21).

Seremos perfeitos e estaremos completos, "sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante". Nós sabemos disso!
Ao apóstolo Paulo, no caminho de Damasco, foi dado um vislumbre desta glória. Não admira, pois, que ele escrevera aos efésios falando das "riquezas da glória", porque ali no caminho de Damasco, ele viu o rosto do Senhor ressurreto; e foi tão resplandecente e glorioso que ele ficou cego. A luz era mais brilhante que o sol ao meio-dia, e foi uma manifestação da glória do Senhor. Paulo nunca se esqueceu disso. Como poderia? Mas ele também nos fala de uma ocasião em sua vida, uns catorze anos antes de ele escrever a respeito, em que ele foi elevado ao terceiro céu, "arrebatado ao paraíso". Enquanto esteve lá, "ouviu palavras inefáveis, de que ao homem não é lícito falar" (2 Coríntios 12:3-4). Foi uma prelibação desta glória, e do céu. Ele nunca esqueceu isso também. Não é surpresa, pois, que ele fale de "um peso eterno de glória mui excelente" .
Depois, no capítulo 21 do livro de Apocalipse, a glória é toda descrita em linguagem simbólica. A cidade celestial era "ouro puro, semelhante a vidro puro" (versículo 18). Não havia templo ali, por­que o próprio Deus lá está. Não havia nem sol, nem lua; não havia estrelas, porque no meio dela o Cordeiro era a luz da cidade. A "face de Jesus Cristo" irradia-se e ilumina tudo. Nós habitaremos lá, em Sua gloriosa presença.
Isso é algo do que Paulo quer dizer quando fala em "tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais quais as riquezas da glória da sua herança nos santos". É para a cidade celestial que eu e vocês vamos indo. O apóstolo Pedro a seu modo o expressa com as palavras:

"Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo, dentre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar, guardada nos céus para vós" (l Pedro 1 :3-4).

Notem o que ele diz: é "incorruptível". Não há nada pecami­noso ali, nada que seja indigno. "Incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar." Não podemos imaginar isso; estamos acostumados com um mundo de pecado, e com a morte e a deca­dência. Que belas flores! Mas, olhem para elas amanhã ou depois. Vocês as lançam ao monturo. Há decadência e corrupção em tudo quanto é deste mundo. Aplica-se o mesmo às nossas estruturas físi­cas. Estamos sujeitos à doença, ao envelhecimento, e assim por diante. Todavia não lá - "incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar"! Não haverá tristeza ali, nem lágrimas, nem pecado, nem separação, nem coisa alguma que nos faça infelizes e nos deprima. "As riquezas da glória da sua herança"!
Mas isso é só para "os santos". "Nada que contamine" entra na cidade santa; fora ficam os cães, os adúlteros, os idólatras, os men­tirosos, e tudo o que é abominável. O que venho tentando descrever é somente para os santos. O Senhor Jesus Cristo fala similarmente em Mateus 25:

"Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo" (versículo 34).

Foi preparado somente para "os santos"; para os que amam os Seus pequeninos, e os visitam na prisão e os alimentam e os vestem, etc. O Reino foi preparado para eles, e para eles somente, antes da fundação do mundo. Paulo declara que lhe fora ordenado chamar pessoas

"das trevas para a luz, e do poder de satanás para Deus, para que recebessem o perdão dos pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim (Cristo)" (Atos 26: 18, cf. VA).

Daí se chega a isto: enquanto estamos nesta vida e neste mundo, um grande processo de separação e de joeiramento está ocorrendo. Deus lança Sua mão e apreende os que deverão ir para esta glória, para esta herança; eles são "chamados santos". Os santos são aqueles que foram separados e postos à parte para Deus pelo Espírito Santo. O resultado é que eles creram no evangelho da salvação em Jesus Cristo, e Este crucificado. Confiam nEle e em Sua obra perfeita, e somente nisso. Todos nós neste momento, ou somos santos, ou somos ímpios. Esta glória da qual estivemos falando é somente para os santos. É para eles; e ninguém nem coisa alguma podem tirá-la deles.

"Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra cria­tura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor" (Romanos 8:38-39).

Se você é santo, se você faz parte do povo de Deus, você está indo para esta glória da qual estive falando, e nada pode impedir que isso aconteça. Você sabe se você é santo? Tem certeza de que faz parte do povo de Deus? Certifique-se disso. Depois, tendo-se certificado, demore-se sobre isto, aplique a isto a sua mente, leia as Escrituras, sonde-as, confie-as à memória, repita-as para si próprio diariamente. Diga a si próprio: "É para isso que eu fui destinado, essa é a herança que foi preparada para mim, é assim que eu vou passar a minha eternidade". Quanto tempo você passa fazendo isso? Oremos rogando para nós o que o apóstolo rogou para os efésios. Oremos a Deus por Seu Espírito para que "ilumine os olhos do nosso entendimento", para que estas coisas se tornem reais para nós, e assim não passaremos o nosso tempo pensando neste mundo e nesta vida passageira, mas, antes, naquilo que certamente virá e que é tão glorioso! "As riquezas da glória da sua herança nos santos".
"Pensai", ponde o vosso afeto, o desejo do vosso coração, no Senhor e nas coisas que Ele preparou para aqueles que O amam. "O dia final de glória vem chegando." Há a nossa espera uma glória que "o olho não viu nem o ouvido ouviu", que nunca penetrou o coração do homem nem na imaginação. Procuremos conhecer estas coisas; contemplemo-las; vivamos à luz delas. E então, como homens que as viram, tenhamos a nossa vida neste mundo viven­do-a em seu nível máximo, falando aos outros deste Deus glorioso e do que Ele faz por todos os que nEle confiam, e ajudando da melhor maneira que pudermos, andemos "fazendo o bem" neste mundo fugaz e limitado pelo tempo, como o nosso bendito Senhor fez quando estava aqui.

Fonte: Livro O SUPREMO PROPÓSITO DE DEUS - Por: D.M Lloyd-Jhones

Nenhum comentário: