terça-feira, 29 de setembro de 2015

Experimentando as Profundezas de Jesus Cristo Através da Oração - Capítulo 22



Experimentando as Profundezas de Jesus Cristo

Através da Oração

                                   Madame Guyon

 CAPÍTULO 22: O ESTADO CONSTANTE

Começaremos este capítulo com esta simples afirmativa: suas experiências espirituais caem em duas categorias; as externas (superficiais) e as que têm lugar internamente, profundamente, em seu ser. Há atividades e atos que você formula, alguns superficiais, outros profundos.
Suas atividades externas são aquelas que podem ser vistas do exterior. Têm a ver, mais ou menos, com as coisas físicas. Isso você precisa perceber: não há real bondade nelas, nenhum crescimento espiritual e muito pouca experiência de Cristo!
Naturalmente, há uma exceção: se suas ações externas são um resultado (um subproduto) de algo que tomou lugar profun­do dentro de você, então tais ações externas, verdadeiramente, recebem valor espiritual e possuem mesmo verdadeira bondade. Mas as atividades externas somente têm o valor espiritual que recebem de sua fonte.
Nosso caminho, portanto, é claro. Precisamos dar nossa inteira atenção àquelas atividades que têm lugar no profundo do nosso ser, no nosso ser mais íntimo. Tais são as atividades do Espírito. O Espírito está no interior, não no exterior. Você se volta para o interior, para o espírito e, assim fazendo, afasta-se das atividades e distrações exteriores.
A atividade interior começa por simplesmente voltar-se interiormente para Jesus Cristo, pois é aí que Ele está: dentro de seu espírito. Você deve voltar-se continuamente para Deus, no seu interior. Dê-Lhe toda sua atenção; derrame toda a energia de seu ser unicamente sobre Ele.
"Reúna todo o mover de seu coração na santidade de Deus" (Apocrypha).
Davi expressou isso muito bem, quando disse: "Em ti, força minha, esperarei" (SI 59.9). Como isso é feito? Ao voltar­-se sinceramente para Deus, que sempre está no seu interior. Isaías disse: "Volte ao seu coração" (Is 46.8) – uma possível tradução do original; nota do tradutor. Cada um de nós, pelo pecado, se afastou de seu próprio coração, e é somente o coração que Deus deseja.
"Dá-me, filho meu, o teu coração, e os teus olhos se agradem dos meus caminhos" (Pv 23.26).
Que significa dar todo seu coração para Deus? Dar todo seu coração para Deus é ter toda a energia de sua alma sempre centralizada Nele. É desta maneira que somos "conformados" à Sua vontade. Se você é novato nesta viagem, seu espírito ainda não está forte. Sua alma facilmente se volta para o ex­terior, para as coisas físicas; é fácil para você ficar distraído, separando-se do Senhor, seu centro. A distância que o separa Dele dependerá de quanto você se permite ser levado a ex­terioridades. Da mesma forma, os meios que você usa para voltar-se a Deus dependerão de quanto você se afastou Dele.
Se foi apenas um leve afastamento, será necessário apenas um pequeno retorno.
Tão logo você perceba seu afastamento do Senhor, deve, deliberadamente, voltar sua atenção para dentro, para o Deus vivo. Torne a entrar em seu espírito, retorne ao lugar a que você deveras pertence: a Ele. Quanto mais completa é esta meia-volta, tanto mais completo seu retorno ao Senhor. Esteja seguro de que aí você permanecerá – em Deus – por todo o tempo em que sua atenção esteja centralizada no Senhor Jesus Cristo. E o que o manterá aí? A poderosa influência desse simples e despretensioso voltar do seu coração a Deus.
Repita este procedimento para com o Senhor, sempre que se distrair. Esteja convicto de que isso eventualmente se tornará uma experiência para você. Mas que fará você enquanto isso? Simplesmente conserve-se retornando para Ele a cada vez que se achar extraviado. Quando algo é repetido mais e mais, isso se torna um hábito. Isso também é verdade em relação à sua alma. Depois de muito praticar, sua alma forma o hábito de se voltar interiormente para Deus.
Em outras palavras, quanto mais você progride em Cristo, mais continuamente habitará com Ele, sem que tenha de se afastar e se reaproximar repetidamente. Esse movimento se tornará cada vez menos exterior. Chegará o momento em que será imperceptível na superfície, e menos consciente; a ação se dará no profundo de seu ser.
O que começara como algo bem esporádico – algo que era consciente, uma ação deliberada – agora se torna algo habitual e contínuo, ininterrupto. Dentro de você terá lugar um permanecer contínuo profundo.
[Para alguns cristãos, este habitar com Deus chega vagarosamente, passo a passo. O avanço só é calculado quando visto por um extenso período de tempo. Para outros cristãos, há um habitar contínuo desde o começo. Não importa qual seja o padrão que Deus lhe decretou. Simplesmente conserve-se voltado interiormente para Deus.]

Que significa este contínuo habitar interior? Estar conti­nuamente voltado para dentro significa que, tendo-se voltado interiormente para Deus – por um ato direto – você permaneceu na Sua presença. Não necessita mais continuar a voltar-se para Cristo; você já habita com Ele, nas câmaras interiores de seu espírito. O único momento em que você necessita fazer retorno novamente é quando sua habitação Nele é interrompida por alguma coisa.
Neste ponto de sua vida espiritual, você não deveria pre­ocupar-se em tentar voltar-se ao Senhor por qualquer meio exterior. Sempre achará difícil realizar um ato deliberado, ex­terior, de retorno a Ele, uma vez que já tenha começado essa habitação interior.
Você percebe: já se voltou interiormente para o Senhor; qualquer atividade exterior somente afastará você da união com Ele.
Realizar o ato interior de voltar-se para Ele, esse é o alvo! Quando isso foi alcançado em você, expressar-se-á como um contínuo permanecer em seu espírito e uma contínua troca de amor entre você e o Senhor. Quando esse alvo é alcançado, não há mais necessidade de procurá-lo por meio de atos ex­ternos. Pode esquecer o ato exterior de tentar amar o Senhor e de ser amado por Ele. Ao contrário, continue apenas como está. Apenas permaneça perto de Deus por este contínuo permanecer interior.
Neste estado de contínuo voltar-se a Deus, você permane­cerá no amor de Deus, e o homem que habita no amor habita em Deus (1 Jo 4.16). Você descansa. Mas que significa isso? Você descansa no contínuo ato interior de permanecer.
Agora, neste estado de descanso, sua alma está ativa ou passiva? Está ativa! Você não está em estado passivo, mesmo ao descansar. Mas que atividade poderia haver no descanso? Você está descansando no ato de permanecer em Seu amor. Pode isto ser atividade? Sim! Dentro de seu espírito há um ato em avanço. É um doce mergulho na Divindade.
A atração interior – o puxão magnético – se torna mais e mais poderosa. Sua alma, morando em amor, é dirigida por esta poderosa atração e mergulha, continuamente, de modo mais profundo nesse amor. Você percebe, então, que essa atividade interior se tornou muito maior do que era quando sua alma se iniciava no voltar-se para dentro. Sob a poderosa atração de Deus, chamando-a para Ele, a atividade interior aumentou! A diferença está em que, no início, a atividade era mais exterior, agora ela será voltada para dentro; tornou-se profunda, interior, escondida e exteriormente imperceptível.
Ao cristão que está totalmente rendido a Deus (isto é, ao cristão em que esta atividade está tendo lugar continuamente), não há nem mesmo uma consciência de todas estas coisas! Não pode sentir essa atividade porque tudo é um volver direto, in­terno, para Deus. Nada é exterior ou superficial. Esta é a razão pela qual alguns cristãos que chegaram a este estado disseram que eles nada fazem, que não há atividade ou mudança dentro deles.
Inconscientemente, estão enganados sobre seu próprio estado interior; de fato; estão mais ativos do que em qualquer tempo anterior; e estão, de contínuo, voltando-se para Deus (agem a cada vez que se voltam para dentro e retornam a Deus).
O melhor registro a ser feito desta experiência é dizer que não sentiram qualquer distinta atividade, não que não tiveram qualquer atividade interior.
Oh, é verdade que não estavam agindo (ou voltando-se) por si mesmos. Entretanto, são atraídos e estão seguindo o curso desta atração. É o amor que os afunda.
Se você caísse no mar, e o mar fosse infinito, você cairia de uma profundeza para outra, por toda a eternidade. É assim que acontece com o cristão que está naquele lugar de perma­nência contínua. Não é consciente nem mesmo de sua descida e, contudo, está afundando em inconcebível velocidade nas maiores profundezas interiores de Deus.
Chegamos agora ao ponto em que podemos retirar algu­mas conclusões a respeito do assunto deste capítulo.
Primeiro, não digamos que não realizamos o ato de voltar­mos para Deus. Nós o fizemos. Cada um de nós volta-se para dentro. O caminho pelo qual o fazemos – isso é um assunto diferente. O modo como nos voltamos interiormente não é o mesmo para todos. E aqui, não obstante, está o erro do cristão novo. Cada pessoa que deseja voltar-se para Deus, para per­manecer com Ele, naturalmente espera sentir a presença do Senhor e deseja experimentá-Lo externamente. Isso não pode ser sempre assim. A experiência exterior é para o iniciante! Há outras experiências; estas são muito mais profundas e interiores. Tais experiências mais profundas são atingidas pelos cristãos que progrediram na experiência espiritual um pouco mais.
É o sentimento exterior da presença do Senhor algo a ser desdenhado? Seguramente que não! É verdade que os atos exteriores são toques muito fracos no Senhor; mais ainda, são de pouco valor. Se você parar neles, privar-se-á das experiências mais profundas para cristãos mais maduros. Mas – e você deve estar bem esclarecido sobre isto – tentar um andar profundo, interior, sem, primeiramente, experimentar o voltar externo a Cristo e conhecer aquele sentido externo de Sua presença é um grande erro num cristão novo – em você!
O escritor de Eclesiastes disse que "tudo tem o seu tempo" (Ec 3.1). Isto é especialmente verdadeiro a respeito de sua alma. Cada estado de transformação que a alma atravessa tem um começo, uma progressão e uma consumação. Parar no começo de qualquer desses estágios é tolice. Você precisa passar por um período de aprendizado, depois por um tempo de avanço. No início você se afadiga diligentemente, mas, ao final, recolherá os frutos de seu trabalho!
Deixe-me ilustrar isso. Quando os marinheiros saem do porto com um navio, a saída não é fácil até que o ponham mar adentro. Precisam usar todo seu esforço para tirá-lo do porto. Mas uma vez que esteja no mar, o navio se move, facilmente, em qualquer direção que os marujos queiram. [A autora, vivendo no século XVII, escreve experiências dos marinheiros de então – nota do tradutor].
A mesma coisa acontece com você quando começa a voltar-se para Deus, interiormente. Você é como esse navio. Primeiro você está muito amarrado pelo pecado e pelo eu. Somente por bastante e repetido esforço você começa a voltar-­se para dentro. Mas, com o correr do tempo, as cordas que o amarram serão afrouxadas!
Volte-se para dentro! Faça-o, a despeito de cada falha e de todas as distrações que o puxam para fora. Se você permanecer fiel e forte neste processo contínuo, gradualmente, você se "empurrará” do porto do eu. Deixando-o para trás, avançara para o interior, para uma permanência interior com Deus, pois esse é o seu destino! Que acontece quando o navio deixa o porto? Move-se mais e mais para o mar alto, e, quanto mais se afasta do porto, mais fácil se move. Chega o momento em que suas velas podem ser usadas. Os remos não ajudam mais e são postos de lado! Agora o seu curso é veloz! E que faz o piloto? Con­tenta-se em abrir as velas e em segurar o timão. Tudo que faz agora é conservar o rápido movimento do barco em seu curso, suavemente. “Abrir as velas” é você deixar-se estar diante de Deus em simples oração. É ser movido pelo Seu Espírito.
"Segurar o timão" é guardar seu coração de toda a dis­tração, para manter o verdadeiro curso. É chamar o coração de volta, suavemente. Você o guia firmemente pelo mover do Espírito de Deus.

Agora, ao começar a movimentar-se para Deus Ele gra­dualmente obterá a posse de seu coração. Ganha-o da mesma maneira – pouco a pouco – para que a suave brisa enfune as velas e mova o navio adiante.
Quando os ventos são favoráveis, o piloto descansa em seu trabalho. Descansa e deixa o navio ser movido pelo vento. Oh, que avanço faz, sem se tornar um pouco só cansado! Progride mais em uma hora sem esforço do que o fez antes, quando exercia todas as suas forças. Se os remos agora fossem usados, apenas atrasariam o navio e causariam fadiga. Os remos agora são inúteis e desnecessários.
Você acaba de ver uma descrição de seu próprio percurso interior. Se Deus é Quem o move, você irá mais longe em curto tempo do que todo seu repetido esforço próprio jamais poderia fazê-lo.
Querido leitor, tente este caminho! Oportunamente você concluirá ser ele o mais fácil do mundo.

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