Experimentando as Profundezas de Jesus Cristo
Através da Oração
Madame Guyon
CAPÍTULO 22: O ESTADO CONSTANTE
Começaremos este capítulo
com esta simples afirmativa: suas experiências espirituais caem em duas categorias;
as externas (superficiais) e as que têm lugar internamente, profundamente, em
seu ser. Há atividades e atos que você formula, alguns superficiais, outros
profundos.
Suas atividades externas são
aquelas que podem ser vistas do exterior. Têm a ver, mais ou menos, com as
coisas físicas. Isso você precisa perceber: não há real bondade nelas, nenhum
crescimento espiritual e muito pouca experiência de Cristo!
Naturalmente, há uma
exceção: se suas ações externas são um resultado (um subproduto) de algo que
tomou lugar profundo dentro de você, então tais ações externas,
verdadeiramente, recebem valor espiritual e possuem mesmo verdadeira bondade.
Mas as atividades externas somente têm o valor espiritual que recebem de sua
fonte.
Nosso caminho, portanto, é
claro. Precisamos dar nossa inteira atenção àquelas atividades que têm lugar no
profundo do nosso ser, no nosso ser mais íntimo. Tais são as atividades do
Espírito. O Espírito está no interior, não no exterior. Você se volta para o
interior, para o espírito e, assim fazendo, afasta-se das atividades e
distrações exteriores.
A atividade interior começa
por simplesmente voltar-se interiormente para Jesus Cristo, pois é aí que Ele
está: dentro de seu espírito. Você deve voltar-se continuamente para Deus, no
seu interior. Dê-Lhe toda sua atenção; derrame toda a energia de seu ser
unicamente sobre Ele.
"Reúna todo o mover de seu coração
na santidade de Deus" (Apocrypha).
Davi expressou isso muito
bem, quando disse: "Em ti, força minha, esperarei" (SI 59.9). Como isso
é feito? Ao voltar-se sinceramente para Deus, que sempre está no seu interior.
Isaías disse: "Volte ao seu coração" (Is 46.8) – uma possível tradução do original; nota do
tradutor. Cada um de nós, pelo pecado, se afastou de seu próprio coração, e
é somente o coração que Deus deseja.
"Dá-me, filho meu, o teu coração, e
os teus olhos se agradem dos meus caminhos" (Pv 23.26).
Que significa dar todo seu
coração para Deus? Dar todo seu coração para Deus é ter toda a energia de sua
alma sempre centralizada Nele. É desta maneira que somos "conformados"
à Sua vontade. Se você é novato nesta viagem, seu espírito ainda não está
forte. Sua alma facilmente se volta para o exterior, para as coisas físicas; é
fácil para você ficar distraído, separando-se do Senhor, seu centro. A
distância que o separa Dele dependerá de quanto você se permite ser levado a exterioridades.
Da mesma forma, os meios que você usa para voltar-se a Deus dependerão de
quanto você se afastou Dele.
Se foi apenas um leve
afastamento, será necessário apenas um pequeno retorno.
Tão logo você perceba seu
afastamento do Senhor, deve, deliberadamente, voltar sua atenção para dentro,
para o Deus vivo. Torne a entrar em seu espírito, retorne ao lugar a que você
deveras pertence: a Ele. Quanto mais completa é esta meia-volta, tanto mais
completo seu retorno ao Senhor. Esteja seguro de que aí você permanecerá – em
Deus – por todo o tempo em que sua atenção esteja centralizada no Senhor Jesus
Cristo. E o que o manterá aí? A poderosa influência desse simples e
despretensioso voltar do seu coração a Deus.
Repita este procedimento
para com o Senhor, sempre que se distrair. Esteja convicto de que isso
eventualmente se tornará uma experiência para você. Mas que fará você enquanto
isso? Simplesmente conserve-se retornando para Ele a cada vez que se achar
extraviado. Quando algo é repetido mais e mais, isso se torna um hábito. Isso
também é verdade em relação à sua alma. Depois de muito praticar, sua alma
forma o hábito de se voltar interiormente para Deus.
Em outras palavras, quanto
mais você progride em Cristo, mais continuamente habitará com Ele, sem que
tenha de se afastar e se reaproximar repetidamente. Esse movimento se tornará
cada vez menos exterior. Chegará o momento em que será imperceptível na
superfície, e menos consciente; a ação se dará no profundo de seu ser.
O que começara como algo bem
esporádico – algo que era consciente, uma ação deliberada – agora se torna algo
habitual e contínuo, ininterrupto. Dentro de você terá lugar um permanecer
contínuo profundo.
[Para alguns cristãos, este habitar com Deus chega
vagarosamente, passo a passo. O avanço só é calculado quando visto por um
extenso período de tempo. Para outros cristãos, há um habitar contínuo desde o
começo. Não importa qual seja o padrão que Deus lhe decretou. Simplesmente
conserve-se voltado interiormente para Deus.]
Que significa este contínuo
habitar interior? Estar continuamente voltado para dentro significa que,
tendo-se voltado interiormente para Deus – por um ato direto – você permaneceu
na Sua presença. Não necessita mais continuar a voltar-se para Cristo; você já
habita com Ele, nas câmaras interiores de seu espírito. O único momento em que
você necessita fazer retorno novamente é quando sua habitação Nele é
interrompida por alguma coisa.
Neste ponto de sua vida espiritual,
você não deveria preocupar-se em tentar voltar-se ao Senhor por qualquer meio
exterior. Sempre achará difícil realizar um ato deliberado, exterior, de
retorno a Ele, uma vez que já tenha começado essa habitação interior.
Você percebe: já se voltou
interiormente para o Senhor; qualquer atividade exterior somente afastará você
da união com Ele.
Realizar o ato interior de
voltar-se para Ele, esse é o alvo! Quando isso foi alcançado em você,
expressar-se-á como um contínuo permanecer em seu espírito e uma contínua troca
de amor entre você e o Senhor. Quando esse alvo é alcançado, não há mais
necessidade de procurá-lo por meio de atos externos. Pode esquecer o ato
exterior de tentar amar o Senhor e de ser amado por Ele. Ao contrário, continue
apenas como está. Apenas permaneça perto de Deus por este contínuo permanecer
interior.
Neste estado de contínuo
voltar-se a Deus, você permanecerá no amor de Deus, e o homem que habita no
amor habita em Deus (1 Jo 4.16). Você descansa. Mas que significa isso? Você
descansa no contínuo ato interior de permanecer.
Agora, neste estado de
descanso, sua alma está ativa ou passiva? Está ativa! Você não está em estado
passivo, mesmo ao descansar. Mas que atividade poderia haver no descanso? Você
está descansando no ato de permanecer em Seu amor. Pode isto ser atividade?
Sim! Dentro de seu espírito há um ato em avanço. É um doce mergulho na
Divindade.
A atração interior – o puxão
magnético – se torna mais e mais poderosa. Sua alma, morando em amor, é
dirigida por esta poderosa atração e mergulha, continuamente, de modo mais
profundo nesse amor. Você percebe, então, que essa atividade interior se tornou
muito maior do que era quando sua alma se iniciava no voltar-se para dentro.
Sob a poderosa atração de Deus, chamando-a para Ele, a atividade interior
aumentou! A diferença está em que, no início, a atividade era mais exterior, agora
ela será voltada para dentro; tornou-se profunda, interior, escondida e
exteriormente imperceptível.
Ao cristão que está
totalmente rendido a Deus (isto é, ao cristão em que esta atividade está tendo
lugar continuamente), não há nem mesmo uma consciência de todas estas coisas!
Não pode sentir essa atividade porque tudo é um volver direto, interno, para
Deus. Nada é exterior ou superficial. Esta é a razão pela qual alguns cristãos
que chegaram a este estado disseram que eles nada fazem, que não há atividade
ou mudança dentro deles.
Inconscientemente, estão
enganados sobre seu próprio estado interior; de fato; estão mais ativos do que em
qualquer tempo anterior; e estão, de contínuo, voltando-se para Deus (agem a
cada vez que se voltam para dentro e retornam a Deus).
O melhor registro a ser
feito desta experiência é dizer que não sentiram qualquer distinta atividade,
não que não tiveram qualquer atividade interior.
Oh, é verdade que não
estavam agindo (ou voltando-se) por si mesmos. Entretanto, são atraídos e estão
seguindo o curso desta atração. É o amor que os afunda.
Se você caísse no mar, e o
mar fosse infinito, você cairia de uma profundeza para outra, por toda a
eternidade. É assim que acontece com o cristão que está naquele lugar de permanência
contínua. Não é consciente nem mesmo de sua descida e, contudo, está afundando
em inconcebível velocidade nas maiores profundezas interiores de Deus.
Chegamos agora ao ponto em
que podemos retirar algumas conclusões a respeito do assunto deste capítulo.
Primeiro, não digamos que
não realizamos o ato de voltarmos para Deus. Nós o fizemos. Cada um de nós
volta-se para dentro. O caminho pelo qual o fazemos – isso é um assunto
diferente. O modo como nos voltamos interiormente não é o mesmo para todos. E
aqui, não obstante, está o erro do cristão novo. Cada pessoa que deseja
voltar-se para Deus, para permanecer com Ele, naturalmente espera sentir a
presença do Senhor e deseja experimentá-Lo externamente. Isso não pode ser
sempre assim. A experiência exterior é para o iniciante! Há outras
experiências; estas são muito mais profundas e interiores. Tais experiências
mais profundas são atingidas pelos cristãos que progrediram na experiência
espiritual um pouco mais.
É o sentimento exterior da
presença do Senhor algo a ser desdenhado? Seguramente que não! É verdade que os
atos exteriores são toques muito fracos no Senhor; mais ainda, são de pouco
valor. Se você parar neles, privar-se-á das experiências mais profundas para
cristãos mais maduros. Mas – e você deve estar bem esclarecido sobre isto – tentar
um andar profundo, interior, sem, primeiramente, experimentar o voltar externo
a Cristo e conhecer aquele sentido externo de Sua presença é um grande erro num
cristão novo – em você!
O escritor de Eclesiastes
disse que "tudo tem o seu tempo" (Ec 3.1). Isto é especialmente
verdadeiro a respeito de sua alma. Cada estado de transformação que a alma atravessa
tem um começo, uma progressão e uma
consumação. Parar no começo de qualquer desses estágios é tolice. Você
precisa passar por um período de aprendizado, depois por um tempo de avanço. No
início você se afadiga diligentemente, mas, ao final, recolherá os frutos de
seu trabalho!
Deixe-me ilustrar isso.
Quando os marinheiros saem do porto com um navio, a saída não é fácil até que o
ponham mar adentro. Precisam usar todo seu esforço para tirá-lo do porto. Mas
uma vez que esteja no mar, o navio se move, facilmente, em qualquer direção que
os marujos queiram. [A autora, vivendo no
século XVII, escreve experiências dos marinheiros de então – nota do tradutor].
A mesma coisa acontece com
você quando começa a voltar-se para Deus, interiormente. Você é como esse
navio. Primeiro você está muito amarrado pelo pecado e pelo eu. Somente por
bastante e repetido esforço você começa a voltar-se para dentro. Mas, com o
correr do tempo, as cordas que o amarram serão afrouxadas!
Volte-se para dentro!
Faça-o, a despeito de cada falha e de todas as distrações que o puxam para
fora. Se você permanecer fiel e forte neste processo contínuo, gradualmente,
você se "empurrará” do porto do eu. Deixando-o para trás, avançara para o
interior, para uma permanência interior com Deus, pois esse é o seu destino!
Que acontece quando o navio deixa o porto? Move-se mais e mais para o mar alto,
e, quanto mais se afasta do porto, mais fácil se move. Chega o momento em que
suas velas podem ser usadas. Os remos não ajudam mais e são postos de lado!
Agora o seu curso é veloz! E que faz o piloto? Contenta-se em abrir as velas e
em segurar o timão. Tudo que faz agora é conservar o rápido movimento do barco
em seu curso, suavemente. “Abrir as velas” é você deixar-se estar diante de Deus
em simples oração. É ser movido pelo Seu Espírito.
"Segurar o timão"
é guardar seu coração de toda a distração, para manter o verdadeiro curso. É
chamar o coração de volta, suavemente. Você o guia firmemente pelo mover do
Espírito de Deus.
Agora, ao começar a movimentar-se para Deus Ele gradualmente
obterá a posse de seu coração. Ganha-o da mesma maneira – pouco a pouco – para
que a suave brisa enfune as velas e mova o navio adiante.
Quando os ventos são
favoráveis, o piloto descansa em seu trabalho. Descansa e deixa o navio ser
movido pelo vento. Oh, que avanço faz, sem se tornar um pouco só cansado!
Progride mais em uma hora sem esforço do que o fez antes, quando exercia todas
as suas forças. Se os remos agora fossem usados, apenas atrasariam o navio e causariam
fadiga. Os remos agora são inúteis e desnecessários.
Você acaba de ver uma
descrição de seu próprio percurso interior. Se Deus é Quem o move, você irá
mais longe em curto tempo do que todo seu repetido esforço próprio jamais
poderia fazê-lo.
Querido leitor, tente este
caminho! Oportunamente você concluirá ser ele o mais fácil do mundo.
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