terça-feira, 29 de setembro de 2015

Experimentando as Profundezas de Jesus Cristo Através da Oração - Capítulo 23




Madame Guyon

Capítulo 23: Aos Obreiros Cristãos
Ao chegarmos perto do fim deste pequeno livro, gos­taria de dirigir-me, numa palavra de exortação, aos obreiros cristãos que estão encarregados de novos convertidos.
Consideremos a presente situação. Ao nosso derredor, muitos cristãos estão procurando converter os perdidos a Jesus Cristo. Qual a melhor maneira de fazê-lo? E, uma vez que se tenham convertido, qual a melhor maneira de ajudá-los para que alcancem plena perfeição em Cristo?
O modo de alcançar os perdidos é pelo coração. Se um novo convertido for introduzido à verdadeira oração e à verda­deira experiência interior com Cristo, tão logo seja convertido, você verá um incontável número de convertidos tornando-se verdadeiros discípulos.
Por outro lado, pode-se ver que a maneira usada para tra­tar com eles, isto é, lidando com os assuntos externos de suas vidas, traz pouco fruto. Sobrecarregando os novos convertidos com incontáveis regras e toda sorte de padrões, não os aju­damos a crescerem em Cristo. Eis aqui o que deve ser feito: o novo cristão deve ser conduzido a Deus! Como? Aprendendo a voltar-se interiormente para Jesus Cristo e dando ao Senhor todo seu coração.
Se você é um dos encarregados de novos convertidos, guie-os a um real conhecimento interior de Cristo Jesus. Oh, que diferença haveria nas vidas desses novos cristãos! Considere os resultados! Veríamos o simples agricultor, gastando os seus dias na bênção da presença de Deus, enquanto ara seu campo. O pastor, enquanto vigia seus rebanhos, teria o mesmo despren­dido amor pelo Senhor que marcou os cristãos primitivos. O operário, enquanto a trabalhar com seu homem exterior, seria removido com fortalecimento em seu homem interior.
Veríamos cada uma dessas pessoas a retirar de sua vida cada tipo de pecado; todos se tornariam homens e mulheres espirituais, com seus corações postos no conhecimento e na experiência de Jesus Cristo.
Para o novo convertido – de fato, para todos nós – o co­ração é de todo importante, se quisermos avançar em Cristo. Uma vez que o coração seja conquistado por Deus, tudo o mais se acertará, oportunamente. Esta é a razão pela qual Ele requer o coração sobre tudo o mais.
Querido leitor, é ganhando seu coração, e não por outro meio qualquer, que seus pecados podem ser abandonados. Se o coração puder ser ganho, Jesus Cristo reinará em paz, e toda a Igreja será renovada.
De fato, estamos discutindo a própria coisa que fez com que a Igreja Primitiva perdesse sua vida e sua beleza. Foi a perda de uma relação profunda, interior, espiritual, com Cristo. Contrariamente, a Igreja poderia ser restaurada logo se essa relação interior fosse recuperada!
Isso não é tudo! Exatamente agora, líderes cristãos estão muito preocupados, com medo de que o povo do Senhor venha a cair em algum erro doutrinário. Oh, mas quando os cristãos creem em Jesus Cristo e se aproximam Dele, não há o menor perigo de que tal coisa venha a acontecer!
Você pode estar certo de que se um cristão afastar-se do Senhor, pode discutir doutrina e envolver-se em argumentos durante o dia todo, mas nada disso o ajudará! Discussões sem fim apenas trazem mais confusão. O que cada crente necessita é de alguém que o dirija para a simples fé em Cristo Jesus e a voltar-se intimamente para Ele. Se qualquer crente assim o fizer, logo será levado à comunhão com Deus.
Que tremendo dano os novos cristãos – de fato, a maio­ria dos cristãos – sofrem por causa da perda de uma relação espiritual, interior, com Jesus Cristo.
Vocês que estão em autoridade sobre crentes novos, um dia darão contas a Deus por aqueles que lhes foram confiados pelo Senhor. Terão que dar contas do fato de não terem descoberto para vocês mesmos este tesouro oculto – esta relação interior com Cristo – e também serão avaliados por não terem dado esse tesouro àqueles que estão sob seu encargo. Naquele dia, vocês não serão desculpados, por dizerem que este caminhar com o Senhor é muito perigoso, ou que as pessoas simples, sem instrução, são incapazes de entender as coisas espirituais. A Escritura simplesmente não valida tais excusas.
E a respeito de perigos deste andar, há algum? Que perigo pode haver no único verdadeiro caminho: em Cristo Jesus? Que perigo há em dar-se completamente ao Senhor Jesus e em fixar toda sua atenção continuamente Nele? Pode advir qualquer ameaça pelo fato de você colocar toda sua confiança em Sua graça e em amá-Lo puramente com todo o amor e paixão de que seu coração for capaz de derramar?
Quanto aos simples e não instruídos, não é verdade que sejam incapazes desta relação interior com Cristo. O contrário é que é verdadeiro. São estes, de fato, os mais dispostos a isso. O Senhor ama os que andam de modo simples (Pv 12.22). Sua humildade, sua natural confiança em Deus, e sua obediência, tornam mais fácil o voltarem-se para dentro e seguirem o Es­pírito do Senhor. Para isso, estão mais qualificados do que a maioria! Veja: esses crentes simples não estão acostumados a análises, não têm o hábito de discutir pontos de debate de todas as coisas, estão prontos a abandonar suas próprias opiniões.
Sim, falta-lhes uma parcela considerável de instrução e de treino religioso; portanto, estão mais livres e prontos a seguirem a direção do Espírito. Outras pessoas – mais dotadas, melhor educadas e treinadas em teologia – são frequentemente limi­tadas e mesmo cegas por sua riqueza espiritual! Tais pessoas seguidamente oferecem grande resistência à unção interior e à liderança do Espírito do Senhor. O salmista nos diz:
"A revelação das tuas palavras esclarece, e dá entendimento aos simples" (Sl 119.130).
Mais ainda, temos recebido a segurança de que o Senhor ama dar-Se àqueles que Dele necessitam:
"O Senhor vela pelos simples; achava-me prostrado e ele me sal­vou" (Sl 116.6).
Se você é alguém que tem novos crentes sob seu cuidado, seja cuidadoso para não impedir estas "crianças" de irem a Jesus Cristo. Lembre-se de que Ele disse aos Seus primeiros discípulos: "Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque deles é o reino dos céus" (Mt 19.14). (Foi dos discípulos a tentativa de impedir as crianças de irem a Jesus Cristo, a qual provocou esta afirmação Sua.)
Tem sido o hábito do homem, através dos tempos, curar pessoas, aplicando algum remédio ao corpo exterior, quando, de fato, o mal está profundamente enraizado. Por que tantos convertidos permanecem basicamente os mesmos, a despeito de tanto esforço? É porque os que estão sobre eles lidam apenas com assuntos exteriores de suas vidas. Há um caminho melhor: vá direto ao seu coração!
Estabelecendo regras e tentando mudar o comportamento exterior, não produziremos uma obra que permaneça na vida de um cristão.
Qual a resposta, então? Dê ao novo convertido a chave de seu espírito, para entrar nas partes mais profundas de seu ser! Dê-lhe este segredo primeiro, e você descobrirá que sua vida exterior será mudada natural e facilmente.
A realização de tudo isso é muito fácil. Como? Simples­mente ensine os crentes a procurarem Deus dentro de seu próprio coração. Mostre aos novos crentes que eles podem fixar sua mente em Cristo Jesus e que podem se voltar para Ele, sempre que se distraírem ou se dispersarem. Mais ainda, mostre-lhes que tudo deveriam fazer e suportar com simplici­dade, para agradar a Deus. Que diferença isso fará! O novo convertido será levado a Jesus Cristo; descobrirá que o Senhor Jesus é a fonte de toda a graça, e verá que Nele está tudo que é necessário à vida e à piedade.
A você, despenseiro das almas dos homens, exorto-o a guiar os jovens em Cristo desta maneira. Por quê? Porque esta maneira é Jesus Cristo. Não eu, mas é o próprio Cristo quem insiste com você, pelo Seu sangue que foi derramado por esses crentes.
"Falai ao coração de Jerusalém" (Is 40.2).
Pregadores de Sua Palavra! Despenseiros de Sua graça! Ministros de Sua Vida! Vocês precisam estabelecer o Seu reino. A fim de o fazerem, tornem-No o Soberano sobre o coração.
Enfatizarei novamente: o coração é a chave. Somente o coração se pode opor à Sua soberania. Mas, por outro lado, ganhando-se o coração, a soberania do Senhor na vida do crente é confessada e altamente honrada.
''Ao Senhor dos Exércitos, a ele santificai; seja ele o vosso temor; seja ele o vosso assombro" (Is 8.13).
Ensine esta simples experiência, esta oração do coração. Não ensine métodos; não ensine algum meio soberbo, elevado, de orar. Ensine a oração do Espírito de Deus, não a da invenção humana.
Tomem nota! Vocês que ensinam os crentes a orar em formas elaboradas e repetições sem sentido! Vocês realmente criam o maior problema que os novos cristãos têm. Os filhos têm sido afastados pelos melhores pais. O crente novo tem se tornado demasiado consciente de seu estilo de oração, preo­cupado demais em como orar. Mais ainda, tem aprendido uma linguagem muito refinada e demasiado elevada.
O caminho simples para Deus tem sido escondido. Você é um novo cristão? Vá, então, pobre criança, ao seu amoroso Pai. Fale-Lhe honestamente em suas próprias palavras. Não importa quão rudes e simples elas sejam, não o serão para Ele!
Poderá parecer que suas palavras são obscuras e confusas. Poderá acontecer que, às vezes, você esteja tão cheio de amor e tão atemorizado na Sua presença, que você não saiba como falar. Está tudo certo! Seu Pai fica muito mais feliz com estas palavras, palavras que Ele vê que se derramam do coração cheio de amor, do que poderia ficar por palavras de efeito elaborado que são secas e sem vida.
As emoções simples, não disfarçadas, de amor, expressam infinitamente mais para Ele do que as palavras de qualquer linguagem.
Por alguma razão, os homens tentam amar a Deus por formas e regras. Você pode perceber que foi por essas mesmas formas e regras que você tem perdido tanto daquele amor.
Como é necessário ensinar a arte de amar! A linguagem do amor é estranha e artificial ao homem que não ama. Oh, mas é perfeitamente natural a quem ama. E como O amará você?
É assombroso e delicioso perceber que os mais simples dos cristãos são os que mais frequentemente e mais rapidamente progridem em uma relação interior com Jesus Cristo! Por quê? Porque o Espírito de Deus simplesmente não precisa de nossas decorações!
Os mais simples podem conhecê-Lo e do modo mais profundo, sem qualquer ajuda de rituais, fórmulas ou instruções teológicas! Quando isso Lhe agrada, Ele transforma operários em profetas! Não, Ele não retira o homem do templo interior da oração. Ao contrário! Ele abre largamente as portas para que todos entrem nele!
"Quem é simples, volte-se para aqui. Aos faltos de senso diz: Vinde, comei do meu pão, e bebei do vinho que misturei" (Pv 9.4-5).
O Senhor Jesus agradeceu ao Pai por ter ocultado "estas coisas aos sábios e entendidos" e as ter revelado "aos peque­ninos" (Mt 11.25).

Experimentando as Profundezas de Jesus Cristo Através da Oração - Capítulo 22



Experimentando as Profundezas de Jesus Cristo

Através da Oração

                                   Madame Guyon

 CAPÍTULO 22: O ESTADO CONSTANTE

Começaremos este capítulo com esta simples afirmativa: suas experiências espirituais caem em duas categorias; as externas (superficiais) e as que têm lugar internamente, profundamente, em seu ser. Há atividades e atos que você formula, alguns superficiais, outros profundos.
Suas atividades externas são aquelas que podem ser vistas do exterior. Têm a ver, mais ou menos, com as coisas físicas. Isso você precisa perceber: não há real bondade nelas, nenhum crescimento espiritual e muito pouca experiência de Cristo!
Naturalmente, há uma exceção: se suas ações externas são um resultado (um subproduto) de algo que tomou lugar profun­do dentro de você, então tais ações externas, verdadeiramente, recebem valor espiritual e possuem mesmo verdadeira bondade. Mas as atividades externas somente têm o valor espiritual que recebem de sua fonte.
Nosso caminho, portanto, é claro. Precisamos dar nossa inteira atenção àquelas atividades que têm lugar no profundo do nosso ser, no nosso ser mais íntimo. Tais são as atividades do Espírito. O Espírito está no interior, não no exterior. Você se volta para o interior, para o espírito e, assim fazendo, afasta-se das atividades e distrações exteriores.
A atividade interior começa por simplesmente voltar-se interiormente para Jesus Cristo, pois é aí que Ele está: dentro de seu espírito. Você deve voltar-se continuamente para Deus, no seu interior. Dê-Lhe toda sua atenção; derrame toda a energia de seu ser unicamente sobre Ele.
"Reúna todo o mover de seu coração na santidade de Deus" (Apocrypha).
Davi expressou isso muito bem, quando disse: "Em ti, força minha, esperarei" (SI 59.9). Como isso é feito? Ao voltar­-se sinceramente para Deus, que sempre está no seu interior. Isaías disse: "Volte ao seu coração" (Is 46.8) – uma possível tradução do original; nota do tradutor. Cada um de nós, pelo pecado, se afastou de seu próprio coração, e é somente o coração que Deus deseja.
"Dá-me, filho meu, o teu coração, e os teus olhos se agradem dos meus caminhos" (Pv 23.26).
Que significa dar todo seu coração para Deus? Dar todo seu coração para Deus é ter toda a energia de sua alma sempre centralizada Nele. É desta maneira que somos "conformados" à Sua vontade. Se você é novato nesta viagem, seu espírito ainda não está forte. Sua alma facilmente se volta para o ex­terior, para as coisas físicas; é fácil para você ficar distraído, separando-se do Senhor, seu centro. A distância que o separa Dele dependerá de quanto você se permite ser levado a ex­terioridades. Da mesma forma, os meios que você usa para voltar-se a Deus dependerão de quanto você se afastou Dele.
Se foi apenas um leve afastamento, será necessário apenas um pequeno retorno.
Tão logo você perceba seu afastamento do Senhor, deve, deliberadamente, voltar sua atenção para dentro, para o Deus vivo. Torne a entrar em seu espírito, retorne ao lugar a que você deveras pertence: a Ele. Quanto mais completa é esta meia-volta, tanto mais completo seu retorno ao Senhor. Esteja seguro de que aí você permanecerá – em Deus – por todo o tempo em que sua atenção esteja centralizada no Senhor Jesus Cristo. E o que o manterá aí? A poderosa influência desse simples e despretensioso voltar do seu coração a Deus.
Repita este procedimento para com o Senhor, sempre que se distrair. Esteja convicto de que isso eventualmente se tornará uma experiência para você. Mas que fará você enquanto isso? Simplesmente conserve-se retornando para Ele a cada vez que se achar extraviado. Quando algo é repetido mais e mais, isso se torna um hábito. Isso também é verdade em relação à sua alma. Depois de muito praticar, sua alma forma o hábito de se voltar interiormente para Deus.
Em outras palavras, quanto mais você progride em Cristo, mais continuamente habitará com Ele, sem que tenha de se afastar e se reaproximar repetidamente. Esse movimento se tornará cada vez menos exterior. Chegará o momento em que será imperceptível na superfície, e menos consciente; a ação se dará no profundo de seu ser.
O que começara como algo bem esporádico – algo que era consciente, uma ação deliberada – agora se torna algo habitual e contínuo, ininterrupto. Dentro de você terá lugar um permanecer contínuo profundo.
[Para alguns cristãos, este habitar com Deus chega vagarosamente, passo a passo. O avanço só é calculado quando visto por um extenso período de tempo. Para outros cristãos, há um habitar contínuo desde o começo. Não importa qual seja o padrão que Deus lhe decretou. Simplesmente conserve-se voltado interiormente para Deus.]

Que significa este contínuo habitar interior? Estar conti­nuamente voltado para dentro significa que, tendo-se voltado interiormente para Deus – por um ato direto – você permaneceu na Sua presença. Não necessita mais continuar a voltar-se para Cristo; você já habita com Ele, nas câmaras interiores de seu espírito. O único momento em que você necessita fazer retorno novamente é quando sua habitação Nele é interrompida por alguma coisa.
Neste ponto de sua vida espiritual, você não deveria pre­ocupar-se em tentar voltar-se ao Senhor por qualquer meio exterior. Sempre achará difícil realizar um ato deliberado, ex­terior, de retorno a Ele, uma vez que já tenha começado essa habitação interior.
Você percebe: já se voltou interiormente para o Senhor; qualquer atividade exterior somente afastará você da união com Ele.
Realizar o ato interior de voltar-se para Ele, esse é o alvo! Quando isso foi alcançado em você, expressar-se-á como um contínuo permanecer em seu espírito e uma contínua troca de amor entre você e o Senhor. Quando esse alvo é alcançado, não há mais necessidade de procurá-lo por meio de atos ex­ternos. Pode esquecer o ato exterior de tentar amar o Senhor e de ser amado por Ele. Ao contrário, continue apenas como está. Apenas permaneça perto de Deus por este contínuo permanecer interior.
Neste estado de contínuo voltar-se a Deus, você permane­cerá no amor de Deus, e o homem que habita no amor habita em Deus (1 Jo 4.16). Você descansa. Mas que significa isso? Você descansa no contínuo ato interior de permanecer.
Agora, neste estado de descanso, sua alma está ativa ou passiva? Está ativa! Você não está em estado passivo, mesmo ao descansar. Mas que atividade poderia haver no descanso? Você está descansando no ato de permanecer em Seu amor. Pode isto ser atividade? Sim! Dentro de seu espírito há um ato em avanço. É um doce mergulho na Divindade.
A atração interior – o puxão magnético – se torna mais e mais poderosa. Sua alma, morando em amor, é dirigida por esta poderosa atração e mergulha, continuamente, de modo mais profundo nesse amor. Você percebe, então, que essa atividade interior se tornou muito maior do que era quando sua alma se iniciava no voltar-se para dentro. Sob a poderosa atração de Deus, chamando-a para Ele, a atividade interior aumentou! A diferença está em que, no início, a atividade era mais exterior, agora ela será voltada para dentro; tornou-se profunda, interior, escondida e exteriormente imperceptível.
Ao cristão que está totalmente rendido a Deus (isto é, ao cristão em que esta atividade está tendo lugar continuamente), não há nem mesmo uma consciência de todas estas coisas! Não pode sentir essa atividade porque tudo é um volver direto, in­terno, para Deus. Nada é exterior ou superficial. Esta é a razão pela qual alguns cristãos que chegaram a este estado disseram que eles nada fazem, que não há atividade ou mudança dentro deles.
Inconscientemente, estão enganados sobre seu próprio estado interior; de fato; estão mais ativos do que em qualquer tempo anterior; e estão, de contínuo, voltando-se para Deus (agem a cada vez que se voltam para dentro e retornam a Deus).
O melhor registro a ser feito desta experiência é dizer que não sentiram qualquer distinta atividade, não que não tiveram qualquer atividade interior.
Oh, é verdade que não estavam agindo (ou voltando-se) por si mesmos. Entretanto, são atraídos e estão seguindo o curso desta atração. É o amor que os afunda.
Se você caísse no mar, e o mar fosse infinito, você cairia de uma profundeza para outra, por toda a eternidade. É assim que acontece com o cristão que está naquele lugar de perma­nência contínua. Não é consciente nem mesmo de sua descida e, contudo, está afundando em inconcebível velocidade nas maiores profundezas interiores de Deus.
Chegamos agora ao ponto em que podemos retirar algu­mas conclusões a respeito do assunto deste capítulo.
Primeiro, não digamos que não realizamos o ato de voltar­mos para Deus. Nós o fizemos. Cada um de nós volta-se para dentro. O caminho pelo qual o fazemos – isso é um assunto diferente. O modo como nos voltamos interiormente não é o mesmo para todos. E aqui, não obstante, está o erro do cristão novo. Cada pessoa que deseja voltar-se para Deus, para per­manecer com Ele, naturalmente espera sentir a presença do Senhor e deseja experimentá-Lo externamente. Isso não pode ser sempre assim. A experiência exterior é para o iniciante! Há outras experiências; estas são muito mais profundas e interiores. Tais experiências mais profundas são atingidas pelos cristãos que progrediram na experiência espiritual um pouco mais.
É o sentimento exterior da presença do Senhor algo a ser desdenhado? Seguramente que não! É verdade que os atos exteriores são toques muito fracos no Senhor; mais ainda, são de pouco valor. Se você parar neles, privar-se-á das experiências mais profundas para cristãos mais maduros. Mas – e você deve estar bem esclarecido sobre isto – tentar um andar profundo, interior, sem, primeiramente, experimentar o voltar externo a Cristo e conhecer aquele sentido externo de Sua presença é um grande erro num cristão novo – em você!
O escritor de Eclesiastes disse que "tudo tem o seu tempo" (Ec 3.1). Isto é especialmente verdadeiro a respeito de sua alma. Cada estado de transformação que a alma atravessa tem um começo, uma progressão e uma consumação. Parar no começo de qualquer desses estágios é tolice. Você precisa passar por um período de aprendizado, depois por um tempo de avanço. No início você se afadiga diligentemente, mas, ao final, recolherá os frutos de seu trabalho!
Deixe-me ilustrar isso. Quando os marinheiros saem do porto com um navio, a saída não é fácil até que o ponham mar adentro. Precisam usar todo seu esforço para tirá-lo do porto. Mas uma vez que esteja no mar, o navio se move, facilmente, em qualquer direção que os marujos queiram. [A autora, vivendo no século XVII, escreve experiências dos marinheiros de então – nota do tradutor].
A mesma coisa acontece com você quando começa a voltar-se para Deus, interiormente. Você é como esse navio. Primeiro você está muito amarrado pelo pecado e pelo eu. Somente por bastante e repetido esforço você começa a voltar-­se para dentro. Mas, com o correr do tempo, as cordas que o amarram serão afrouxadas!
Volte-se para dentro! Faça-o, a despeito de cada falha e de todas as distrações que o puxam para fora. Se você permanecer fiel e forte neste processo contínuo, gradualmente, você se "empurrará” do porto do eu. Deixando-o para trás, avançara para o interior, para uma permanência interior com Deus, pois esse é o seu destino! Que acontece quando o navio deixa o porto? Move-se mais e mais para o mar alto, e, quanto mais se afasta do porto, mais fácil se move. Chega o momento em que suas velas podem ser usadas. Os remos não ajudam mais e são postos de lado! Agora o seu curso é veloz! E que faz o piloto? Con­tenta-se em abrir as velas e em segurar o timão. Tudo que faz agora é conservar o rápido movimento do barco em seu curso, suavemente. “Abrir as velas” é você deixar-se estar diante de Deus em simples oração. É ser movido pelo Seu Espírito.
"Segurar o timão" é guardar seu coração de toda a dis­tração, para manter o verdadeiro curso. É chamar o coração de volta, suavemente. Você o guia firmemente pelo mover do Espírito de Deus.

Agora, ao começar a movimentar-se para Deus Ele gra­dualmente obterá a posse de seu coração. Ganha-o da mesma maneira – pouco a pouco – para que a suave brisa enfune as velas e mova o navio adiante.
Quando os ventos são favoráveis, o piloto descansa em seu trabalho. Descansa e deixa o navio ser movido pelo vento. Oh, que avanço faz, sem se tornar um pouco só cansado! Progride mais em uma hora sem esforço do que o fez antes, quando exercia todas as suas forças. Se os remos agora fossem usados, apenas atrasariam o navio e causariam fadiga. Os remos agora são inúteis e desnecessários.
Você acaba de ver uma descrição de seu próprio percurso interior. Se Deus é Quem o move, você irá mais longe em curto tempo do que todo seu repetido esforço próprio jamais poderia fazê-lo.
Querido leitor, tente este caminho! Oportunamente você concluirá ser ele o mais fácil do mundo.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

ESTUDO SOBRE ORAÇÃO - CAPÍTULO 19: TENTAÇÃO






Experimentando as Profundezas de Jesus Cristo
Através da Oração


Madame Guyon









Tentações, assim como as distrações, são um problema maior que você encontrará no início de sua aventura para Deus. Seja muito cuidadoso em sua atitude para com elas. Se você tentar lutar diretamente com tais tentações, você somente as fortalecerá; e, no processo desta luta, sua alma será afastada de sua relação íntima com o Senhor.
Veja: uma relação aproximada, íntima, com Cristo, deveria ser sempre o único propósito de sua alma. Portanto, quando você for tentado, no que diz respeito ao pecado ou às distrações exteriores – não importa o tempo, não importa o lugar, nem a provocação – simplesmente afaste-se desse pecado.
E, ao virar as costas ao pecado, chegue mais perto de seu Senhor.
É assim bem simples.
Que faz a criancinha quando vê algo que a atemoriza ou a confunde? Ela não encara nem tenta lutar contra o que a ame­aça. De fato, dificilmente olhará para a coisa que a atemoriza. Antes, correrá rapidamente para os braços de sua mãe. Aí, nesses braços, estará salva.
Exatamente da mesma forma, você deveria dar as costas aos perigos da tentação e correr para seu Deus!
"Deus está no meio dela: jamais será abalada; Deus a ajudará desde antemanhã" (SI 46.5).
Você e eu somos muito fracos. Em nosso melhor, ainda somos muito fracos. Se você, em sua fraqueza, tentar atacar seus inimigos, frequentemente sairá ferido. Também, seguidamente, se encontrará derrotado.
Há outro caminho.
Em ocasiões de tentações e de distrações, permaneça, pela fé, na simples presença de Jesus Cristo. Você encontrará imediato suprimento de força. Este foi o recurso e sustento de Davi:
"O Senhor; tenho-o sempre à minha presença; estando ele à minha direita, não serei abalado. Alegra-se, pois, o meu coração, e o meu espírito exulta; até o meu corpo repousará seguro" (SI 16.8, 9).
E no livro de Êxodo diz:
"O Senhor pelejará por vós, e vós vos calareis" (Êx 14.14).

CAPÍTULO 18: DISTRAÇÕES






Experimentando as Profundezas de Jesus Cristo
Através da Oração


Madame Guyon


  



Agora que já exploramos alguns dos encontros que você terá nesta aventura – algumas das coisas que o Senhor lhe apresentará e algumas das coisas que Ele exigirá de você – vamos dedicar este capítulo para um assunto práti­co. Como você leu em capítulos anteriores, haverá distrações, especialmente no início. Por algum tempo ainda, sua mente se distrairá, desviando-se da oração. Vamos dar uma rápida olhada neste problema.
Como lidar com aquelas coisas que o distraem? Como tratar aquelas coisas que o atraem, afastando-o das áreas mais interiores de seu ser? Se você pecasse (ou mesmo em se tratando apenas de ficar distraído, por alguma circunstância exterior), que faria você?
Você precisa imediatamente voltar-se para o interior, para seu espírito.
Uma vez que você tenha se afastado de Deus, precisa agora retornar a Ele, tão depressa quanto possível. Aí, uma vez mais com Ele, receba qualquer disciplina que Ele lhe inflija.
Mas eis aqui uma coisa com a qual você deve ser muito cui­dadoso: não fique perturbado porque sua mente andou vagueando.
Sempre cuide para não ficar ansioso por causa de suas faltas. Antes de tudo, saiba que a ansiedade somente agita sua alma e o distrai ainda mais, levando-o às coisas exteriores. Em segundo lugar, sua ansiedade realmente brotou de uma raiz secreta de orgulho, e o que, de fato, você está experimentando é o amor ­próprio, a apreciação de seu próprio valor.
Para colocar em outras palavras, você simplesmente está ferido e perturbado ao ver como você realmente é.
Se o Senhor for tão misericordioso a ponto de dar-lhe do verdadeiro espírito de Sua humildade, você não ficará sur­preendido com suas faltas, seus fracassos, ou mesmo com sua natureza básica.
Quando mais claramente você vir seu verdadeiro eu, mais claro também verá quão miserável é, realmente, a natureza do eu; e mais, você abandonará todo seu ser a Deus. Vendo que tem desesperada necessidade Dele, você caminhará em direção a uma relação mais íntima com Ele.
Este é o caminho no qual você caminhará, como o Senhor mesmo disse:
"Instruir-te-ei e te ensinarei o caminho que deves seguir; e, sob minhas vistas, te darei conselho" (Sl 32:8).