Efésios 6:1-4
Já vimos que a exortação do apóstolo, dirigida
aos pais, tem duas facetas. Há a faceta negativa a qual nos diz que não devemos
fazer nada que exaspere os nossos
filhos, que os irrite, que os provoque; e a faceta positiva: “criai-os na doutrina e admoestação do Senhor”. Voltemo-nos, pois, agora, para esta faceta positiva da injunção apostólica.
A própria maneira pela qual Paulo coloca a sua
exortação é interessante - “criai-os”,
diz ele, e esse é apenas outro modo de dizer, “edificai-os,
educai-os
para a maturidade”. Noutras palavras, a primeira coisa que os pais
têm de fazer é compreender a sua responsabilidade
para com os filhos. Como temos acentuado, eles não são nossa propriedade, não pertencem
definitivamente a nós, são-nos entregues por Deus por algum tempo. Com que propósito? Não para obtermos o que
quisermos deles e usá-los simplesmente para nosso agrado, para gratificar os
nossos desejos. Não; o que nos compete é dar-nos conta de que eles precisam ser
“edificados”, “criados”,
“educados”, “preparados”, não somente para a vida deste mundo, e sim
especialmente para o estabelecimento
de uma correta relação das suas almas com Deus. Estas injunções nos
lembram a grandeza da vida; e não há nada mais triste e trágico quanto ao mundo
atual do que a incapacidade das multidões para receberem essa grandeza.
Que coisa tremenda é existirmos e vivermos como
indivíduos! E quando consideramos a esfera do lar e da família, esse fato se
torna mais maravilhoso ainda. Que grande concepção da paternidade e sua função
o ensino do apóstolo nos dá! Diz ele que os filhos nos são dados para que os criemos, os edifiquemos e os treinemos como convém. Os jornais nos
lembram constantemente o cuidado e a atenção que as pessoas dedicam à criação de
diversos tipos de animais. Não é fácil treinar um animal, seja um cavalo ou um
cão ou outro qualquer. Requer muito tempo
e atenção. É preciso pensar na alimentação, planejar os exercícios, providenciar adequado abrigo; é preciso proteger o animal de vários perigos; e
assim por diante. As pessoas pagam grandes quantias, gastam muito tempo e
dedicam muito do seu pensamento para a criação
e o treinamento de um animal que pode vir a ganhar prêmios nas
exposições. Mas às vezes temos a impressão de que muito pouco tempo, cuidado, atenção e pensamento são dedicados à criação dos
filhos. Essa é uma importante razão por que o mundo está como está hoje, e por
que nos defrontamos com agudos problemas sociais nesta época. Se as pessoas tão
somente dedicassem tanta consideração à
criação dos seus filhos como dedicam à
criação de animais e ao cultivo de flores, a situação seria muito diferente.
Elas lêem livros e ouvem palestras sobre esses assuntos e querem saber
exatamente o que precisam fazer. Mas quanto tempo é dedicado à consideração
do grande assunto da criação dos filhos? Esta é tomada como coisa sabida, é
feita de qualquer maneira, e as conseqüências são dolorosamente óbvias.
Portanto, se é que havemos de cumprir a injunção
apostólica, devemos sentar-nos por um momento e ponderar sobre o que fazer.
Quando chega o filho, devemos dizer a nós mesmos: somos os guardiães e os
depositários desta alma Que terrível responsabilidade! Nos negócios e nas
profissões os homens estão bem cientes da grande responsabilidade que pesa
sobre eles quanto às decisões que têm de tomar. Todavia, estarão eles cientes
da responsabilidade infinitamente maior que eles têm com respeito aos seus
próprios filhos? Dedicarão a isso a mesma soma de tempo, pensamento e atenção -
para não dizer ainda mais tempo? Pesará tanto essa responsabilidade sobre eles
como a que sentem quanto a estas outras áreas? O apóstolo nos concita a
considerarmos esta como a maior atividade
da vida, a maior coisa que existe para manejar
e negociar.
O apóstolo não pára ai: “... criai-os”, diz ele, “na
doutrina e admoestação do Senhor”. Os dois vocábulos que ele utiliza são
carregados de interesse. A diferença entre eles é que o primeiro, “doutrina” (ou “educação”
ou “ensino”), é mais geral do que o
segundo. É a totalidade do ensino, da
instrução, da criação do filho. Portanto, inclui a disciplina geral. E, como todas as autoridades concordam em
assinalar, sua ênfase recai nas ações. O segundo vocábulo, “admoestação”, refere-se mais às
palavras ditas. “Doutrina” é mais
geral e inclui tudo o que fazemos pelas crianças. Inclui em geral todo o processo do cultivo da mente e do espírito, a moralidade e o comportamento
moral, a personalidade completa
da criança. Essa é a nossa tarefa. É olhar pela criança, cuidar dela,
protegê-la. Já encontramos esse termo quando estivemos tratando da relação de
maridos e esposas, onde nos foi dito que o Senhor “alimenta e sustenta” a Igreja (ou “alimenta a Igreja e dela cuida”, Ef 5:29).
Aqui nos é dito que façamos a mesma
coisa quanto aos nossos filhos.
A palavra “admoestação” tem praticamente o mesmo sentido que “doutrina” exceto que dá maior ênfase
ao falar. Assim, há dois aspectos desta matéria. Primeiro temos que tratar
da conduta e do comportamento gerais, das coisas que temos que realizar mediante
ações. Depois, em acréscimo, há certas admoestações que devem
ser dirigidas ao filho, palavras de
exortação, de encorajamento, de reprovação, de censura. O termo empregado por Paulo inclui todas estas coisas; na
verdade inclui tudo o que dizemos aos filhos em palavras reais, quando estamos
definindo posições e indicando o que
é certo e o que é errado, animando, exortando, e
assim por diante. Esse é o sentido da palavra "admoestação”.
Os filhos devem ser criados “na doutrina e na admoestação” - e em seguia vem o acréscimo mais importante - “do Senhor”: “doutrina
e admoestação do Senhor”. É aí onde os pais
cristãos, engajados em seus deveres para com os seus
filhos, estão numa categoria completamente diferente de todos os outros pais.
Noutras palavras, este apelo dirigido aos pais cristãos não equivale simplesmente a exortá-los a
criarem os seus filhos em termos da moralidade geral ou das boas maneiras ou de
uma conduta recomendável em geral. Naturalmente isso está incluído;
todos devem fazê-lo; os pais não cristãos devem fazê-lo. Devem estar
preocupados com boas maneiras, boa conduta em geral, com a fuga do mal; devem ensinar seus filhos a
serem honestos, cumpridores do dever, respeitosos,
e tudo mais. Essa é somente a moralidade
comum, e o cristianismo não partiu daí. Mesmo escritores pagãos,
interessados na boa ordem da sociedade, sempre exortaram os seus semelhantes a
ensinar esses princípios. A sociedade não pode sobreviver sem um mínimo de disciplina, lei e ordem, em todos os
níveis e em todas as idades. O apóstolo, porém, não está se referindo somente a
isso; diz ele que os filhos dos cristãos devem ser criados “na doutrina e admoestação do Senhor”.
É neste ponto que o pensamento e o ensino
peculiar e especificamente cristãos devem entrar. Em primeiro lugar, nas mentes
dos pais cristãos sempre deve estar a idéia de que os filhos precisam ser criados no conhecimento do Senhor Jesus Cristo
como Salvador e como Senhor. Essa é a tarefa peculiar para a qual somente os pais cristãos são chamados. Seu
maior desejo, sua maior ambição quanto aos seus filhos deve ser
que eles venham a conhecer o Senhor Jesus
Cristo como seu Salvador e como seu
Senhor. Seria esta a nossa maior
ambição com respeito aos nossos filhos? Isto vem em primeiro lugar? Queremos que venham a “conhecer Aquele a quem conhecer é a vida
eterna”, que O conheçam como Seu Salvador e que O possam seguir como seu
Senhor? “Na doutrina e admoestação do Senhor!” São
estes, pois, os termos empregados pelo apóstolo.
Chegamos agora à questão prática sobre como se
deve fazer isto. Aqui, de novo, está uma questão que requer a nossa mais
urgente atenção. Na própria Bíblia há abundante ênfase posta no treinamento dos filhos. Tomem, por
exemplo, certas palavras que se acham no capítulo seis de Deuteronômio. Moisés
tinham chegado ao fim da vida, e os filhos de Israel estavam prestes a
entrar na terra prometida. Ele os fez lembrar-se da lei de Deus e lhes disse
como deviam viver quando entrassem na terra da sua herança. E, entre outras
coisas, foi muito cuidadoso ao
dizer-lhes que deviam ensinar a lei aos
seus filhos. Não bastava que a conhecessem
e a praticassem, deviam passar adiante o seu conhecimento. Os filhos deveriam receber o ensino, e
nunca mais esquecê-lo. Por isso ele repetiu a injunção, registrando-a duas
vezes no mesmo capítulo. Ela volta a aparecer no capítulo 11 de Deuteronômio, e
freqüentemente, aqui e ali, através de todo o Velho Testamento. Semelhantemente
se acha no Novo Testamento.
É muito interessante observar, na longa história
da Igreja cristã, como este assunto particular sempre reaparece e recebe grande
proeminência em todos os períodos de avivamento
e despertamento. Os reformadores
protestantes preocuparam-se com isso e deram grande proeminência à
instrução das crianças em questões morais
e espirituais. Os puritanos lhe deram
ainda maior proeminência e os líderes do Despertamento Evangélico, há duzentos anos, fizeram
também a mesma coisa. Livros têm sido escritos e muitos sermões têm sido
pregados sobre este assunto.
Naturalmente isto acontece porque, quando as
pessoas se tornam cristãs, isto afeta inteiramente as suas vidas. Não é uma
coisa meramente individual e pessoal; afeta a relação matrimonial e,
assim, há muito menos divórcios entre os cristãos do que entre os não cristãos.
Afeta a vida da família; afeta os filhos,
afeta o lar, afeta todos os departamentos da vida humana. As épocas mais
grandiosas da história da Inglaterra, e doutros países, sempre foram os anos
que se seguiram a um despertamento religioso, a um avivamento da religião
verdadeira. O tom moral da sociedade se elevou nesses períodos; mesmo os que
não se tornaram cristãos foram influenciados
e afetados pelo avivamento.
Noutras palavras, não há esperança de tratamento
dos problemas morais da sociedade, a não ser em termos do evangelho de Cristo.
O que é direito jamais será estabelecido se não houver vida piedosa; mas quando as
pessoas se tornam confiantes em Deus, começam a aplicar os seus princípios o
tempo todo, e se vê justiça na nação em geral. Contudo, infelizmente, temos
que encarar o fato de que, por alguma razão, este aspecto da questão tem sido tristemente negligenciado no presente
século. É parte do colapso que estivemos considerando, na vida, na moral e na família, no lar, e noutros aspectos da vida.
É parte da louca afobação em que todos
estamos vivendo e pela qual estamos
tão influenciados. Por uma razão ou outra, a família não tem o valor de outrora, já não é o centro e a unidade
que era anteriormente. Toda a idéia de família de algum modo sofreu declínio; e
deploravelmente, isto em parte é um fato nos círculos cristãos também. A importância central da família, que se
vê na Bíblia e em todos os grandes períodos a que nos referimos, parece que
desapareceu. Não se lhe dão mais a atenção e a proeminência que
outrora recebia. Isso torna muitíssimo importante que descubramos os princípios
que devem governar-nos neste sentido.
Primeiro e antes de tudo, a criação dos filhos “na doutrina e admoestação do Senhor” é algo
que deve ser feito no lar e pelos pais. Esta é a ênfase presente na
Bíblia toda. Não é uma coisa que se possa confiar à escola, por melhor que ela
seja. É dever dos pais, seu primordial e essencial dever. É sua responsabilidade,
e eles não devem passá-la a outrem. Dou ênfase a isto porque estamos todos cientes
do que está acontecendo cada vez mais no presente século. Cada vez mais os pais
estão transferindo as suas
responsabilidades e os seus deveres para as escolas.
Considero isto uma coisa sumamente grave. Não há
influência mais importante na vida de uma criança do que a influência do lar. O lar é a unidade fundamental da sociedade, e as
crianças nascem num lar, para integrar uma família. Ali temos o círculo que vai
constituir a principal influência na vida delas. Não há dúvida sobre isso. Este
é o ensino bíblico, de capa a capa; e é sempre nas civilizações, assim
chamados, em que as idéias concernentes ao lar começam a deteriorar-se, que a
sociedade acaba por desintegrar-se. E assim, cabe ao povo cristão considerar e
reconsiderar com muito cuidado toda a questão das escolas com internato, quanto
a se é direito mandar os filhos para algum tipo de vida institucional onde
passam a metade de cada ano, ou mais, longe de casa e da sua influência
especial e peculiar. Poderá isso conciliar-se com o ensino bíblico? A questão é
urgente porque isto se tornou mais ou menos o costume e a prática de
virtualmente todos os cristãos evangélicos que dispõem de recursos para isso.
O ensino das Escrituras é que o bem-estar do filho, a alma do filho, sempre deve ser a
consideração primordial; e todos as questões de prestígio - para não empregar
outra expressão - e todas as questões de ambição devem ser rigorosamente
postas de lado. Qualquer coisa que milite
contra a alma do filho e contra o seu
conhecimento de Deus e do Senhor Jesus
Cristo, deve ser rejeitada. Invariavelmente,
o primeiro objeto de consideração deve ser a alma e sua relação com Deus. Por
melhor que seja a educação oferecida por um internato escolar, se esta milita
contra o bem-estar da alma, deve ser posta de lado. A promoção desse bem-estar
é o elemento essencial da “doutrina e admoestação do Senhor”, e
constitui a principal tarefa e dever dos pais.
No Velho Testamento se vê com muita clareza que o
pai era uma espécie de sacerdote em sua casa e entre os seus familiares; ele representava
a Deus. Era responsável não somente pela moralidade e pelo comportamento
dos seus filhos, mas também por sua instrução.
A ênfase da Bíblia, em todas as suas partes, é que este é o principal dever e missão dos pais. E
continua sendo assim. Se afinal somos cristãos, temos que entender que esta
grande ênfase se baseia nas unidades
fundamentais ordenadas por Deus - o casamento,
a família e o lar. Não se
pode facilitar nestas coisas. É inútil dizer, como muitos dizem, sobre
o envio dos filhos a internatos ou educandários: “É o que toda gente está fazendo, e isso garante um excelente sistema de
educação”. A questão deveras importante é: isso é bíblico, é cristão, é
realmente servir aos interesses atuais e eternos da alma do filho?
Aventuro-me a profetizar que a recuperação da
espiritualidade e da moralidade na Grã-Bretanha poderá muito bem vir nesta
linha de ação. Os cristãos deverão voltar a pensar por si mesmos. Precisamos
tornar a ser pioneiros, como o povo de Deus no passado em geral era, sendo
então seguidos pelos outros. Devemos ponderar sobre até que ponto o sistema de
internatos, mantendo os filhos longe de casa, é responsável pelo descalabro da
moralidade neste país. Não estou pensando apenas nos pecados individuais das
pessoas, e sim em toda a atitude dos filhos para com os seus respectivos lares.
O lar não deve ser um lugar onde os
filhos passam suas férias e os seus feriados. Entretanto, há muitas
crianças cujos lares não passam disso; e seus pais, em vez de tratá-los como
devem, tendem a dar-lhes tratamento indulgente por estarem em casa por pouco
tempo. Nesse caso, perdeu-se toda a idéia de disciplina, e da criação dos
filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”. Mas,
talvez argumentem, existem muitas circunstâncias especiais. Havendo realmente
circunstâncias especiais, eu concordo. Todavia, se não houver circunstâncias
especiais, o princípio que expus deve ser a regra; e são bem poucas as
circunstâncias especiais. A tarefa primordial do lar e dos pais é muito clara.
Que é que os pais devem fazer? Devem suplementar o ensino ministrado pela Igreja, e devem aplicar o ensino da Igreja. Tão pouco se pode fazer num sermão!
Este deve ser aplicado, explicado, ampliado, suplementado. É
onde os pais têm seu papel a desempenhar. E se isso sempre foi certo
e importante, quanto mais hoje! Pergunto aos pais cristãos: vocês já pensaram
seriamente neste assunto? Vocês enfrentam, talvez, tarefa maior do que a que
seus pais jamais enfrentaram, e pela seguinte razão: considerem o que ora se
ensina às crianças nas escolas. A teoria e hipótese da evolução orgânica lhes
está sendo ensinada como sendo um fato. Não a apresentam como mera teoria ainda
não comprovada, porém lhes dão a impressão de que é um fato absoluto, e de que
todas as pessoas possuidoras de conhecimento científico e de boa cultura
acreditam nela. E os que não a aceitam são considerados estranhos. Temos que
enfrentar essa situação. A Alta Crítica referente à Bíblia está sendo ensinada,
com os seus supostos “resultados seguros”.
Nas escolas há professores que conheço pessoalmente, os quais estão utilizando
livros-textos publicados há trinta ou quarenta anos. Poucos deles têm
consciência das mudanças ocorridas, mesmo entre o propugnadores da Alta
Crítica. Ensinam-se nas escolas coisas perversas às crianças, e estas as ouvem
pelo rádio e as vêem na televisão. Toda a ênfase é contra Deus, contra a
Bíblia, contra o vero cristianismo, contra o miraculoso e contra o
sobrenatural. Quem avançará contra estas correntes? Essa é precisamente a incumbência
dos pais - “Criai-os na doutrina e
admoestação do Senhor”. Isto exige dos pais grande esforço na presente
época, porque as forças contra nós são muito poderosas. Os pais cristãos hoje
têm esta missão extraordinariamente difícil de proteger os seus filhos contra
essas poderosas forças adversas que estão tentando doutriná-los.
Eis, pois, o cenário! Para ser prático, quero, em
segundo lugar, mostrar como não deveria ser feito. Há um modo de tentar lidar
com esta situação que é completamente desastroso, e que faz mais mal do que
bem. Como não fazer isso? Nunca devemos fazê-lo de maneira mecânica, quase que “por
números”, como se fosse uma espécie de tábua de exercícios. Lembro-me duma
experiência que tive, com relação a isto, faz uns dez anos. Fui hospedar-me
com alguns amigos, quando estive pregando em certo lugar, e encontrei a esposa,
a mãe da família, num estado de aguda angústia. Conversando com ela, descobrir
a causa da sua angústia. Certa senhora estivera fazendo palestras justamente
naquela semana, sobre o tema: “Como criar
todos os filhos, em sua família, como bons cristãos”. Foi um trabalho
esplêndido! A preletora tinha cinco ou seis filhos, e organizara o seu lar e a
sua vida de tal maneira que terminava todo o seu trabalho doméstico às nove
horas da manhã, e depois se dedicava a várias atividades cristãs. Todos os seus
filhos eram excelentes cristãos; e tudo era tão fácil, tão maravilhoso! A mãe
que me falava, que tinha dois filhos, estava dominada por um sentimento de
verdadeira aflição, achando-se um completo e total fracasso. Que poderia
dizer-lhe? Isto: “Espere um momento; que
idade têm os filhos daquela senhora?” Acontece que eu sabia a idade deles,
e a senhora em aflição também sabia. Nenhum deles, naquela ocasião, tinha mais
de dezesseis anos, ou por aí. Eu continuei: “Espere e veja. Aquela senhora lhe disse que todos os filhos dela são
cristãos, e o que você precisa é de um esquema que deve executar com
regularidade. Esperem um momento; a situação poderá ser diferente dentro de
poucos anos.” E, lastimavelmente, veio a ser muito diferente. É duvidoso se
mais de um daqueles filhos são cristãos. Vários deles são francamente
anticristãos e deram as costas a tudo que tinham recebido da mãe. Não é
possível levar os filhos a serem cristãos daquela maneira. Não é um
processo mecânico e de forma alguma pode ser feito de modo tão frio e clínico. Ouvi dizer que a mesma senhora fez a mesma palestra noutro
lugar. Ali esteve presente uma pessoa que tinha algum entendimento e algum
discernimento. Tendo ouvido a preleção, esta outra senhora fez o que considerei
um comentário muito bom. Quando deixava o recinto, virou-se para algumas amigas
e disse: “Graças a Deus que ela não é
minha mãe!” É para fazer rir, mas, ao mesmo tempo, há algo de trágico
nisso. O sentido daquele comentário era que não havia amor ali, não havia calor.
Eis aí uma mulher que se orgulhava de si mesma; fazia tudo “por números”, mecanicamente. Que mãe maravilhosa ela era! Esta outra mulher
percebeu que não havia amor ali, que não havia compreensão real, que não havia
nada que aquecesse o coração do filho.
O filho não é uma máquina, e,
portanto, não se pode fazer este trabalho mecanicamente.
Tampouco se deverá agir de maneira inteiramente negativa ou repressiva. Se você der aos filhos a impressão de que ser religioso
é ser infeliz, e que a vida religiosa consiste de proibições e de constantes
repressões, você os lançará nas garras do diabo, e no mundo. Nunca seja
inteiramente negativo e repressivo. Constantemente encontro tragédias nesse
campo. Pessoas há que conversam comigo depois do culto e me dizem: “Esta é a primeira vez que entro num templo,
depois de uns vinte anos”. Eu lhes pergunto: “Como é isso?” Então me contam que haviam reagido contra a aspereza e contra o caráter repressivo da religião em que tinham sido criadas. Não
possuíam nenhuma concepção válida do cristianismo. O que viam não era
cristianismo, mas uma severa religião
feita pelo homem, um puritanismo falso. É pena, todavia ainda existe gente que
representa uma caricatura do puritanismo verdadeiro, e nunca chegaram a compreender
os seus reais ensinamentos. Viram o lado negativo, porém nunca viram o lado
positivo. Isto causa grande dano.
Em terceiro lugar, ao criarmos os nossos filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”, nunca
deveremos fazê-lo de modo tal, que os torne pequenos
fingidos e hipócritas. Também
tenho visto muito disso. Para mim é muito triste, muito revoltante mesmo, ouvir
crianças dizerem frases piedosas que não entendem. Mas seus pais se orgulham
delas e dizem: “Ouçam-nas, não é
maravilhoso?” As crianças são novas demais para compreenderem tais coisas.
Sei que muitas crianças gostam de brincar de pregar. Essa conduta infantil pode
ser desculpável, porém quando se vêem pais achando isso maravilhoso e mandando
as crianças fazerem isso diante da extasiada contemplação de adultos, é quase
blasfêmia. Certamente é muito prejudicial às crianças. É transformá-las em pequenos fingidos e hipócritas.
Minha última negativa neste ponto é que nunca
deveremos forçar a criança a tomar uma decisão. Que problema e que estrago essa
atitude produz! “Não é maravilhoso?”,
dizem os pais, “o meu pequeno Fulano, um
simples rapazinho, decidiu-se por Cristo.” Fora feita pressão
constrangedora na reunião, no entanto, nunca se deveria fazer isso; é fazer
violência à personalidade da criança. Em acréscimo, naturalmente, é demonstrar
profunda ignorância do método de salvação. É possível levar uma criança a
decidir-se por qualquer coisa. Os pais têm poder
e habilidade para isso; mas é errado,
é anticristão, não é espiritual. Noutra palavras, jamais devemos ser muito
diretos nesta questão, especialmente com uma criança; jamais devemos agir
demasiado emocionalmente. Se o seu filho fica aborrecido quando você lhe fala
de assuntos espirituais, ou se quando você fala com o filho de alguém e ele se
aborrece, é evidente que o seu método é errado. Jamais se deve levar o filho a aborrecer-se com os assuntos espirituais.
Se acontecer isso é porque estamos sendo
diretos demais, ou estamos apelando
demais para o emocional, ou estamos
coagindo a criança. Não é assim que se faz esta obra.
Também nesta área sei de algumas verdadeiras
tragédias. Lembro-me do caso de dois jovens em particular, antes de chegarem à
idade de quinze ou dezesseis anos. Seus pais sempre os impulsionavam para
diante. Num caso, um dos pais costumava escrever sobre os seus filhos e dava a
impressão de que eles eram cristãos notáveis. Todavia, estes jovens repudiaram
inteira e completamente a fé cristã, e hoje não vêem nela nada de proveitoso.
Os pais cristãos sempre devem lembrar-se de que estão lidando com uma vida, uma personalidade, uma alma. Meu conselho é: não coajam os seus filhos. Não
os forcem a decidir-se. Conheço a ansiedade
dos pais. É muito natural; porém, se somos espirituais, se somos “cheios do Espírito”, nunca faremos
violência a uma personalidade, nunca faremos qualquer pressão injusta sobre os
filhos. Portanto, os nossos ensinamentos nunca deverão ser exageradamente
diretos, nem exageradamente emocionais. Jamais deveremos agir de maneira que os
filhos sejam levados a sentir-se desleais para conosco, se não professarem a
fé. Isso e imperdoável.
Pois bem, qual é o método verdadeiro? Permitam-me
dar algumas sugestões. Houve tempo em que era costume haver nas casas - e ainda
o vejo às vezes - um pequeno quadro afixado na parede, com esta frase inscrita:
“Cristo é o Chefe desta casa”. Não
sou defensor dessa prática, mas havia uma coisa boa nessa idéia. Lemos no Velho Testamento que foram dadas instruções aos filhos de Israel,
nestes termos: “E as escreverás (as palavras do Senhor) nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas” (Dt 6:9), em razão de
que somos criaturas esquecidiças. Os protestantes primitivos costumavam pintar
os Dez Mandamentos nas paredes dos seus templos, em parte pela mesma razão.
Entretanto, quer exibamos um quadro quer não, sempre devemos dar a idéia de que
Cristo é o Chefe da casa ou do lar.
Como dar essa idéia? Principalmente por nossa conduta geral e por nosso exemplo! Os pais devem viver de modo que os filhos sempre
percebam que eles estão subordinados a
Cristo, que Cristo é o seu Chefe.
Esse fato deve ser óbvio em sua conduta, em seu comportamento. Acima de tudo,
deve imperar uma atmosfera de amor. “E
não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito.”
Esse é o nosso texto dominante, nesta como em todas as demais aplicações
particulares. O fruto do Espírito é amor, e se o lar estiver impregnado de uma
atmosfera do amor produzido pelo Espírito, a maior parte dos seus problemas
será solucionada. É isso que realiza a obra; não as pressões e os apelos, e sim
uma atmosfera de amor.
Que mais? Conversação
geral! À mesa ou onde quer que estejamos, a conversação geral é sumamente
importante. Ouvimos, talvez, as notícias pelo rádio, e começa a conversação
sobre as notícias. Grandes temas são mencionados - negócios internacionais,
política, problemas industriais etc. Uma parte da nossa tarefa, na criação dos
nossos filhos “na doutrina e admoestação
do Senhor”, é ver que mesmo essa conversação geral seja sempre conduzida em
termos cristãos. Sempre devemos introduzir o ponto de vista cristão. Os filhos vão ouvir outras pessoas falando
acerca das mesmas coisas. Talvez, ao caminharem pela rua, ouçam dois homens
argumentando sobre as mesmas coisas que ouviram discutidas em casa. Depressa
notarão uma grande diferença: toda a
abordagem era diferente em casa.
Noutra palavras, o ponto de vista cristão deve
ser introduzido na totalidade da vida. Quer vocês estejam discutindo questões
internacionais quer locais, ou assuntos pessoais ou de negócios - seja o que
for, tudo deverá ser considerado sob o
título geral de cristianismo. Este é um ponto deveras vital, pois quando se
faz isto, os filhos inconscientemente se dão conta do fato de que há um princípio normativo nas vidas dos seus
pais; seu modo de pensar e tudo a seu respeito é diferente de tudo o que eles
vêem e ouvem no mundo incrédulo. Toda a atmosfera é diferente. Assim os filhos,
gradativamente, e em parte inconscientemente, vão sabendo que existe um ponto de vista cristão. Essa é uma
realização veraz. Uma vez que se apossam desse fato, o problema fica muito mais
fácil.
O ponto subseqüente é a resposta a perguntas. Aí os pais cristãos têm uma grande
oportunidade. Às vezes é extremamente difícil, eu sei; mas nos é dada a
oportunidade de responder perguntas. Gosto da maneira como esta matéria é
apresentada no capítulo seis de Deuteronômio, versículos vinte em diante: “Quando teu filho te perguntar pelo tempo
adiante, dizendo: Quais são os testemunhos, e estatutos, e juízos que o Senhor
nosso Deus vos ordenou? Então dirás a teu filho: Éramos servos de Faraó no
Egito, porém o Senhor nos tirou com mão forte do Egito”, e assim por
diante. Noutras palavras, virá o dia em que os filhos farão perguntas como
estas: “ Por que vocês não fazem isto ou
aquilo? O pai e a mãe do meu amiguinho fazem isto; por que vocês não fazem?”
Aí vocês estarão recebendo uma oportunidade
para criar o seu filho “na doutrina e
admoestação do Senhor.” Contudo, se havemos de aproveitá-la, precisamos
saber a resposta certa e ter habilidade para apresentá-la. Não poderão “dar a razão da esperança que há em vós”
(1 Pe 3:15), não poderão criar seus filhos “na
doutrina e admoestação do Senhor”, se não conhecerem a Bíblia e os seus
ensinamentos. “Por que vocês fazem isto,
por que não fazem aquilo? Os pais dos meus amigos passam as noites em casas de
diversão; vocês não. Passam as noites em clubes, passam as noites dançando;
vocês não. Por quê? Qual a diferença?” Quando interrogados dessa maneira, vocês
não devem menosprezar o filho e dizer: “Ora,
somos diferentes, você vê, e é como preferimos," Não; antes, vocês
dirão ao seu filho: “No fundo, somo todos iguais, para começar; e não é por
sermos naturalmente melhores do que os outros que nos portamos desta maneira
diferente. Não é essa a explicação. Não é porque nós temos certos temperamentos
e os outros pais têm outros diferentes. Todos nascemos “em pecado”, todos somos, por natureza, escravos de várias coisas. Há algo
de errado dentro de todos nós, há um mau
princípio em nós, e nenhum de nós conhece verdadeiramente a Deus. Você vê,
a diferença é esta, que Deus nos fez ver como são erradas certas coisas. Mas
nós continuaríamos sendo semelhantes aos pais dos seus amigos, se não
tivéssemos crido e conhecido que Deus enviou ao mundo o Seu Filho único, o
Senhor Jesus Cristo, a respeito de quem você já ouviu, para resgatar-nos, para
libertar-nos”. É assim que se introduz o
evangelho; vocês terão que decidir
quanto comunicar. Depende da idade do filho. Mas respondam as
suas perguntas, façam-no saber, façam-no saber com exatidão, quando ele fizer
suas perguntas, por que vocês vivem como vivem. Vocês não devem impingir nada
nele, não devem pregar para ele; mas, se ele fizer perguntas, falem com ele,
falem com muita simplicidade. Digam-lhe cada vez mais coisas, à medida que ele
vá crescendo; mas estejam sempre prontos para responder suas perguntas.
Procurem conhecer bem os fatos, compreender bem o evangelho, estruturem-se
sobre o evangelho para poder transmiti-lo e infundi-lo. Assim vocês
poderão criar os seus filhos “na doutrina
e admoestação do Senhor”.
Depois, vocês poderão orientar a leitura deles.
Levem-nos a lerem boas biografias. As biografias exercem atração sobre eles.
Orientem a leitura deles de várias maneiras; induzam-lhes a mente na direção
certa, e procurem familiarizá-los com as
glórias da fé cristã em ação.
Que mais? Sempre tenham o cuidado de, toda vez
que fizer alguma refeição, dar graças a
Deus por ela, e pedirem a bênção de
Deus sobre ela. Quase ninguém faz
isso hoje em dia, exceto os que de fato são cristãos. Se os seus filhos
se habituarem a ouvi-los darem graças, e a repetirem a ação de graças, e a
suplicarem bênção, isto lhes fará algum bem. Vão além. Tenham o que se chama altar familiar (ou culto doméstico), o
que significa que pelo menos uma vez por dia vocês e os seus se reunirão como família ao redor da Palavra de Deus. O pai como chefe da casa, deverá ler uma
porção das Escrituras e elevar uma oração singela. Não precisa ser longa,
mas que leve ao reconhecimento de Deus e agradecer a Deus a dádiva do Senhor
Jesus Cristo. Vocês devem levar os filhos
a ouvirem com regularidade a Palavra de Deus. Se lhes fizerem perguntas
sobre ela, respondam-lhes. Dêem-lhes a instrução que puderem. Sejam prudentes,
sejam judiciosos. Não façam da sua instrução uma coisa desagradável, odiosa, maçante; façam dela algo que eles mesmos busquem, de que gostem, em que achem
prazer.
Noutras palavras - em suma - o que nos compete
fazer é apresentar um cristianismo atraente.
Devemos dar aos nossos filhos a idéia de
que o cristianismo é a coisa mais maravilhosa do mundo; e de que não há nada no mundo que se compare
a ser cristão. Devemos criar dentro
deles o desejo de serem parecidos conosco. Eles nos observam e vêem a
alegria que sentimos, e o modo como nos maravilhamos e nos enchemos de
admiração pela vida cristã. Oxalá digam a si mesmos: espero chegar à idade dos
meus pais, para poder ter o gozo que obviamente eles têm. Nosso método jamais
deverá ser mecânico, legalista, repressivo. Nosso testemunho nunca deve ser
forçado, mas, em tudo o que somos, fazemos e dizemos, saibam eles que somos “escravos cativos de Jesus Cristo”, que
Deus, em Sua graça, abriu os nossos olhos e nos despertou para a coisa mais
gloriosa do mundo, e que o nosso maior desejo para com eles é que entrem no
mesmo conhecimento e tenham o mesmo gozo, e tenham o mais alto privilégio
possível neste mundo, o de servir ao Senhor e de viver para o louvor da glória
da Sua graça (cf. Efésios 1:6,12,14). Seja qual for o seu trabalho, seja
negócio ou profissão liberal ou trabalho manual ou pregação, façam todas as
coisas para a glória de Deus, e, desse modo, estarão criando os seus filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”.
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