sábado, 9 de março de 2013

EDUCAÇÃO CRISTÃ NO LAR




Efésios 6:1-4

Já vimos que a exortação do apóstolo, dirigida aos pais, tem duas facetas. Há a faceta negativa a qual nos diz que não devemos fazer nada que exaspere os nossos filhos, que os irrite, que os provoque; e a faceta positiva: “criai-os na doutrina e admoestação do Senhor”. Voltemo-nos, pois, agora, para esta faceta positiva da injunção apostólica.
A própria maneira pela qual Paulo coloca a sua exortação é interessante - “criai-os”, diz ele, e esse é apenas outro modo de dizer, edificai-os, educai-os para a maturidade”. Noutras palavras, a primeira coisa que os pais têm de fazer é compreender a sua responsabilidade para com os filhos. Como temos acentuado, eles não são nossa propriedade, não pertencem definitivamente a nós, são-nos entregues por Deus por algum tempo. Com que propósito? Não para obtermos o que quisermos deles e usá-los simplesmente para nosso agrado, para gratificar os nossos desejos. Não; o que nos compete é dar-nos conta de que eles precisam ser edificados”, criados”, “educados”, “preparados”, não so­mente para a vida deste mundo, e sim especialmente para o estabelecimento de uma correta relação das suas almas com Deus. Estas injunções nos lembram a grandeza da vida; e não há nada mais triste e trágico quanto ao mundo atual do que a incapacidade das multidões para receberem essa grandeza.
Que coisa tremenda é existirmos e vivermos como indivíduos! E quando consideramos a esfera do lar e da família, esse fato se torna mais maravilhoso ainda. Que grande concepção da paternidade e sua função o ensino do apóstolo nos dá! Diz ele que os filhos nos são dados para que os criemos, os edifiquemos e os treinemos como convém. Os jornais nos lembram constantemente o cuidado e a atenção que as pessoas dedicam à criação de diversos tipos de animais. Não é fácil treinar um animal, seja um cavalo ou um cão ou outro qualquer. Requer muito tempo e atenção. É preciso pensar na alimentação, planejar os exercícios, providenciar adequado abrigo; é preciso proteger o animal de vários perigos; e assim por diante. As pessoas pagam grandes quantias, gastam muito tempo e dedicam muito do seu pensamento para a criação e o treinamento de um animal que pode vir a ganhar prêmios nas exposições. Mas às vezes temos a impressão de que muito pouco tempo, cuidado, atenção e pensamento são dedicados à criação dos filhos. Essa é uma importante razão por que o mundo está como está hoje, e por que nos defrontamos com agudos problemas sociais nesta época. Se as pessoas tão somente dedicassem tanta consideração à criação dos seus filhos como dedicam à criação de animais e ao cultivo de flores, a situação seria muito diferente. Elas lêem livros e ouvem palestras sobre esses assuntos e querem saber exatamente o que precisam fazer. Mas quanto tempo é dedicado à consideração do grande assunto da criação dos filhos? Esta é tomada como coisa sabida, é feita de qualquer maneira, e as conseqüências são dolorosamente óbvias.
Portanto, se é que havemos de cumprir a injunção apostólica, devemos sentar-nos por um momento e ponderar sobre o que fazer. Quando chega o filho, devemos dizer a nós mesmos: somos os guardiães e os depositários desta alma Que terrível responsabilidade! Nos negócios e nas profissões os homens estão bem cientes da grande responsabilidade que pesa sobre eles quanto às decisões que têm de tomar. Todavia, estarão eles cientes da responsabilidade infinitamente maior que eles têm com respeito aos seus próprios filhos? Dedicarão a isso a mesma soma de tempo, pensamento e atenção - para não dizer ainda mais tempo? Pesará tanto essa responsabilidade sobre eles como a que sentem quanto a estas outras áreas? O apóstolo nos concita a considerarmos esta como a maior atividade da vida, a maior coisa que existe para manejar e negociar.
O apóstolo não pára ai: “... criai-os”, diz ele, “na doutrina e admoestação do Senhor”. Os dois vocábulos que ele utiliza são carregados de interesse. A diferença entre eles é que o primeiro, “doutrina” (ou “educação” ou “ensino”), é mais geral do que o segundo. É a totalidade do ensino, da instrução, da criação do filho. Portanto, inclui a disciplina geral. E, como todas as autoridades concordam em assinalar, sua ênfase recai nas ações. O segundo vocábulo, admoestação”, refere-se mais às palavras ditas. “Doutrina” é mais geral e inclui tudo o que fazemos pelas crianças. Inclui em geral todo o processo do cultivo da mente e do espírito, a moralidade e o comportamento moral, a personalidade completa da criança. Essa é a nossa tarefa. É olhar pela criança, cuidar dela, protegê-la. Já encontramos esse termo quando estivemos tratando da relação de maridos e esposas, onde nos foi dito que o Senhor “alimenta e sustenta” a Igreja (ou “alimenta a Igreja e dela cuida”, Ef 5:29). Aqui nos é dito que façamos a mesma coisa quanto aos nossos filhos.
A palavra admoestaçãotem praticamente o mesmo sentido que “doutrina” exceto que dá maior ênfase ao falar. Assim, há dois aspectos desta matéria. Primeiro temos que tratar da conduta e do comportamento gerais, das coisas que temos que realizar mediante ações. Depois, em acréscimo, há certas admoes­tações que devem ser dirigidas ao filho, palavras de exortação, de encorajamento, de reprovação, de censura. O termo empre­gado por Paulo inclui todas estas coisas; na verdade inclui tudo o que dizemos aos filhos em palavras reais, quando estamos definindo posições e indicando o que é certo e o que é errado, animando, exortando, e assim por diante. Esse é o sentido da palavra "admoestação”.
Os filhos devem ser criados “na doutrina e na admoestação- e em seguia vem o acréscimo mais importante - “do Senhor”: “doutrina e admoestação do Senhor”. É aí onde os pais cristãos, engajados em seus deveres para com os seus filhos, estão numa categoria completamente diferente de todos os outros pais. Noutras palavras, este apelo dirigido aos pais cristãos não equivale simples­mente a exortá-los a criarem os seus filhos em termos da moralidade geral ou das boas maneiras ou de uma conduta recomendável em geral. Naturalmente isso está incluído; todos devem fazê-lo; os pais não cristãos devem fazê-lo. Devem estar preocupados com boas maneiras, boa conduta em geral, com a fuga do mal; devem ensinar seus filhos a serem honestos, cumpridores do dever, respeitosos, e tudo mais. Essa é somente a moralidade comum, e o cristianismo não partiu daí. Mesmo escritores pagãos, interessados na boa ordem da sociedade, sempre exortaram os seus semelhantes a ensinar esses princípios. A sociedade não pode sobreviver sem um mínimo de disciplina, lei e ordem, em todos os níveis e em todas as idades. O apóstolo, porém, não está se referindo somente a isso; diz ele que os filhos dos cristãos devem ser criados na doutrina e admoestação do Senhor”.
É neste ponto que o pensamento e o ensino peculiar e especificamente cristãos devem entrar. Em primeiro lugar, nas mentes dos pais cristãos sempre deve estar a idéia de que os filhos precisam ser criados no conhecimento do Senhor Jesus Cristo como Salvador e como Senhor. Essa é a tarefa peculiar para a qual somente os pais cristãos são chamados. Seu maior desejo, sua maior ambição quanto aos seus filhos deve ser que eles venham a conhecer o Senhor Jesus Cristo como seu Salvador e como seu Senhor. Seria esta a nossa maior ambição com respeito aos nossos filhos? Isto vem em primeiro lugar? Queremos que venham a “conhecer Aquele a quem conhecer é a vida eterna”, que O conheçam como Seu Salvador e que O possam seguir como seu Senhor? “Na doutrina e admoestação do Senhor!” São estes, pois, os termos empregados pelo apóstolo.
Chegamos agora à questão prática sobre como se deve fazer isto. Aqui, de novo, está uma questão que requer a nossa mais urgente atenção. Na própria Bíblia há abundante ênfase posta no treinamento dos filhos. Tomem, por exemplo, certas palavras que se acham no capítulo seis de Deuteronômio. Moisés tinham chegado ao fim da vida, e os filhos de Israel estavam prestes a entrar na terra prometida. Ele os fez lembrar-se da lei de Deus e lhes disse como deviam viver quando entrassem na terra da sua herança. E, entre outras coisas, foi muito cuidadoso ao dizer-lhes que deviam ensinar a lei aos seus filhos. Não bastava que a conhecessem e a praticassem, deviam passar adiante o seu conhecimento. Os filhos deveriam receber o ensino, e nunca mais esquecê-lo. Por isso ele repetiu a injunção, registrando-a duas vezes no mesmo capítulo. Ela volta a aparecer no capítulo 11 de Deuteronômio, e freqüentemente, aqui e ali, através de todo o Velho Testamento. Semelhantemente se acha no Novo Testamento.
É muito interessante observar, na longa história da Igreja cristã, como este assunto particular sempre reaparece e recebe grande proeminência em todos os períodos de avivamento e despertamento. Os reformadores protestantes preocuparam-se com isso e deram grande proeminência à instrução das crianças em questões morais e espirituais. Os puritanos lhe deram ainda maior proe­minência e os líderes do Despertamento Evangélico, há duzentos anos, fizeram também a mesma coisa. Livros têm sido escritos e muitos sermões têm sido pregados sobre este assunto.
Naturalmente isto acontece porque, quando as pessoas se tornam cristãs, isto afeta inteiramente as suas vidas. Não é uma coisa meramente individual e pessoal; afeta a relação matrimonial e, assim, há muito menos divórcios entre os cristãos do que entre os não cristãos. Afeta a vida da família; afeta os filhos, afeta o lar, afeta todos os departamentos da vida humana. As épocas mais grandiosas da história da Inglaterra, e doutros países, sempre foram os anos que se seguiram a um despertamento religioso, a um avivamento da religião verdadeira. O tom moral da sociedade se elevou nesses períodos; mesmo os que não se tornaram cristãos foram influenciados e afetados pelo avivamento.
Noutras palavras, não há esperança de tratamento dos problemas morais da sociedade, a não ser em termos do evangelho de Cristo. O que é direito jamais será estabelecido se não houver vida piedosa; mas quando as pessoas se tornam confiantes em Deus, começam a aplicar os seus princípios o tempo todo, e se vê justiça na nação em geral. Contudo, infelizmente, temos que encarar o fato de que, por alguma razão, este aspecto da questão tem sido tristemente negligen­ciado no presente século. É parte do colapso que estivemos considerando, na vida, na moral e na família, no lar, e noutros aspectos da vida. É parte da louca afobação em que todos estamos vivendo e pela qual estamos tão influenciados. Por uma razão ou outra, a família não tem o valor de outrora, já não é o centro e a unidade que era anteriormente. Toda a idéia de família de algum modo sofreu declínio; e deploravelmente, isto em parte é um fato nos círculos cristãos também. A importância central da família, que se vê na Bíblia e em todos os grandes períodos a que nos referimos, parece que desapareceu. Não se lhe dão mais a atenção e a proeminência que outrora recebia. Isso torna muitíssimo importante que descubramos os princípios que devem governar-nos neste sentido.
Primeiro e antes de tudo, a criação dos filhos “na doutrina e admoestação do Senhor” é algo que deve ser feito no lar e pelos pais. Esta é a ênfase presente na Bíblia toda. Não é uma coisa que se possa confiar à escola, por melhor que ela seja. É dever dos pais, seu primordial e essencial dever. É sua responsabili­dade, e eles não devem passá-la a outrem. Dou ênfase a isto porque estamos todos cientes do que está acontecendo cada vez mais no presente século. Cada vez mais os pais estão transferindo as suas responsabilidades e os seus deveres para as escolas.
Considero isto uma coisa sumamente grave. Não há influência mais importante na vida de uma criança do que a influência do lar. O lar é a unidade fundamental da sociedade, e as crianças nascem num lar, para integrar uma família. Ali temos o círculo que vai constituir a principal influência na vida delas. Não há dúvida sobre isso. Este é o ensino bíblico, de capa a capa; e é sempre nas civilizações, assim chamados, em que as idéias concernentes ao lar começam a deteriorar-se, que a sociedade acaba por desintegrar-se. E assim, cabe ao povo cristão considerar e reconsiderar com muito cuidado toda a questão das escolas com internato, quanto a se é direito mandar os filhos para algum tipo de vida institucional onde passam a metade de cada ano, ou mais, longe de casa e da sua influência especial e peculiar. Poderá isso conciliar-se com o ensino bíblico? A questão é urgente porque isto se tornou mais ou menos o costume e a prática de virtualmente todos os cristãos evangélicos que dispõem de recursos para isso.
O ensino das Escrituras é que o bem-estar do filho, a alma do filho, sempre deve ser a consideração primordial; e todos as questões de prestígio - para não empregar outra expressão - e todas as questões de ambição devem ser rigorosa­mente postas de lado. Qualquer coisa que milite contra a alma do filho e contra o seu conhecimento de Deus e do Senhor Jesus Cristo, deve ser rejeitada. In­variavelmente, o primeiro objeto de consideração deve ser a alma e sua relação com Deus. Por melhor que seja a educação oferecida por um internato escolar, se esta milita contra o bem-estar da alma, deve ser posta de lado. A promoção desse bem-estar é o elemento essencial da “doutrina e admoestação do Senhor”, e constitui a principal tarefa e dever dos pais.
No Velho Testamento se vê com muita clareza que o pai era uma espécie de sacerdote em sua casa e entre os seus familiares; ele representava a Deus. Era responsável não somente pela moralidade e pelo comportamento dos seus filhos, mas também por sua instrução. A ênfase da Bíblia, em todas as suas partes, é que este é o principal dever e missão dos pais. E continua sendo assim. Se afinal somos cristãos, temos que entender que esta grande ênfase se baseia nas unidades fundamentais ordenadas por Deus - o casamento, a família e o lar. Não se pode facilitar nestas coisas. É inútil dizer, como muitos dizem, sobre o envio dos filhos a internatos ou educandários: “É o que toda gente está fazendo, e isso garante um excelente sistema de educação”. A questão deveras impor­tante é: isso é bíblico, é cristão, é realmente servir aos interesses atuais e eternos da alma do filho?
Aventuro-me a profetizar que a recuperação da espiritualidade e da moralidade na Grã-Bretanha poderá muito bem vir nesta linha de ação. Os cristãos deverão voltar a pensar por si mesmos. Precisamos tornar a ser pioneiros, como o povo de Deus no passado em geral era, sendo então seguidos pelos outros. Devemos ponderar sobre até que ponto o sistema de internatos, mantendo os filhos longe de casa, é responsável pelo descalabro da moralidade neste país. Não estou pensando apenas nos pecados individuais das pessoas, e sim em toda a atitude dos filhos para com os seus respectivos lares. O lar não deve ser um lugar onde os filhos passam suas férias e os seus feriados. Entretanto, há muitas crianças cujos lares não passam disso; e seus pais, em vez de tratá-los como devem, tendem a dar-lhes tratamento indulgente por estarem em casa por pouco tempo. Nesse caso, perdeu-se toda a idéia de disciplina, e da criação dos filhosna doutrina e admoestação do Senhor”. Mas, talvez argumentem, existem muitas circunstâncias especiais. Havendo realmente circun­stâncias especiais, eu concordo. Todavia, se não houver circunstâncias espe­ciais, o princípio que expus deve ser a regra; e são bem poucas as circunstâncias especiais. A tarefa primordial do lar e dos pais é muito clara.
Que é que os pais devem fazer? Devem suplementar o ensino ministrado pela Igreja, e devem aplicar o ensino da Igreja. Tão pouco se pode fazer num sermão! Este deve ser aplicado, explicado, ampliado, suplementado. É onde os pais têm seu papel a desempenhar. E se isso sempre foi certo e importante, quanto mais hoje! Pergunto aos pais cristãos: vocês já pensaram seriamente neste assunto? Vocês enfrentam, talvez, tarefa maior do que a que seus pais jamais enfrentaram, e pela seguinte razão: considerem o que ora se ensina às crianças nas escolas. A teoria e hipótese da evolução orgânica lhes está sendo ensinada como sendo um fato. Não a apresentam como mera teoria ainda não comprovada, porém lhes dão a impressão de que é um fato absoluto, e de que todas as pessoas possuidoras de conhecimento científico e de boa cultura acreditam nela. E os que não a aceitam são considerados estranhos. Temos que enfrentar essa situação. A Alta Crítica referente à Bíblia está sendo ensinada, com os seus supostos “resultados seguros”. Nas escolas há professores que conheço pessoalmente, os quais estão utilizando livros-textos publicados há trinta ou quarenta anos. Poucos deles têm consciência das mudanças ocorridas, mesmo entre o propugnadores da Alta Crítica. Ensinam-se nas escolas coisas perversas às crianças, e estas as ouvem pelo rádio e as vêem na televisão. Toda a ênfase é contra Deus, contra a Bíblia, contra o vero cristianismo, contra o miraculoso e contra o sobrenatural. Quem avançará contra estas correntes? Essa é precisamente a incumbência dos pais - “Criai-os na doutrina e admoestação do Senhor”. Isto exige dos pais grande esforço na presente época, porque as forças contra nós são muito poderosas. Os pais cristãos hoje têm esta missão extraordinariamente difícil de proteger os seus filhos contra essas poderosas forças adversas que estão tentando doutriná-los.
Eis, pois, o cenário! Para ser prático, quero, em segundo lugar, mostrar como não deveria ser feito. Há um modo de tentar lidar com esta situação que é completamente desastroso, e que faz mais mal do que bem. Como não fazer isso? Nunca devemos fazê-lo de maneira mecânica, quase que “por números”, como se fosse uma espécie de tábua de exercícios. Lembro-me duma ex­periência que tive, com relação a isto, faz uns dez anos. Fui hospedar-me com alguns amigos, quando estive pregando em certo lugar, e encontrei a esposa, a mãe da família, num estado de aguda angústia. Conversando com ela, descobrir a causa da sua angústia. Certa senhora estivera fazendo palestras justamente naquela semana, sobre o tema: “Como criar todos os filhos, em sua família, como bons cristãos”. Foi um trabalho esplêndido! A preletora tinha cinco ou seis filhos, e organizara o seu lar e a sua vida de tal maneira que terminava todo o seu trabalho doméstico às nove horas da manhã, e depois se dedicava a várias atividades cristãs. Todos os seus filhos eram excelentes cristãos; e tudo era tão fácil, tão maravilhoso! A mãe que me falava, que tinha dois filhos, estava dominada por um sentimento de verdadeira aflição, achando-se um completo e total fracasso. Que poderia dizer-lhe? Isto: “Espere um momento; que idade têm os filhos daquela senhora?” Acontece que eu sabia a idade deles, e a senhora em aflição também sabia. Nenhum deles, naquela ocasião, tinha mais de dezesseis anos, ou por aí. Eu continuei: “Espere e veja. Aquela senhora lhe disse que todos os filhos dela são cristãos, e o que você precisa é de um esquema que deve executar com regularidade. Esperem um momento; a situação poderá ser diferente dentro de poucos anos.” E, lastimavelmente, veio a ser muito diferente. É duvidoso se mais de um daqueles filhos são cristãos. Vários deles são francamente anticristãos e deram as costas a tudo que tinham recebido da mãe. Não é possível levar os filhos a serem cristãos daquela maneira. Não é um processo mecânico e de forma alguma pode ser feito de modo tão frio e clínico. Ouvi dizer que a mesma senhora fez a mesma palestra noutro lugar. Ali esteve presente uma pessoa que tinha algum entendimento e algum discernimento. Tendo ouvido a preleção, esta outra senhora fez o que considerei um comentário muito bom. Quando deixava o recinto, virou-se para algumas amigas e disse: “Graças a Deus que ela não é minha mãe!” É para fazer rir, mas, ao mesmo tempo, há algo de trágico nisso. O sentido daquele comentário era que não havia amor ali, não havia calor. Eis aí uma mulher que se orgulhava de si mesma; fazia tudo “por números”, mecanicamente. Que mãe maravilhosa ela era! Esta outra mulher percebeu que não havia amor ali, que não havia compreensão real, que não havia nada que aquecesse o coração do filho. O filho não é uma máquina, e, portanto, não se pode fazer este trabalho mecanicamente.
Tampouco se deverá agir de maneira inteiramente negativa ou repressiva. Se você der aos filhos a impressão de que ser religioso é ser infeliz, e que a vida religiosa consiste de proibições e de constantes repressões, você os lançará nas garras do diabo, e no mundo. Nunca seja inteiramente negativo e repressivo. Constantemente encontro tragédias nesse campo. Pessoas há que conversam comigo depois do culto e me dizem: “Esta é a primeira vez que entro num templo, depois de uns vinte anos”. Eu lhes pergunto: “Como é isso?” Então me contam que haviam reagido contra a aspereza e contra o caráter repressivo da religião em que tinham sido criadas. Não possuíam nenhuma concepção válida do cristianismo. O que viam não era cristianismo, mas uma severa religião feita pelo homem, um puritanismo falso. É pena, todavia ainda existe gente que representa uma caricatura do puritanismo verdadeiro, e nunca chegaram a com­preender os seus reais ensinamentos. Viram o lado negativo, porém nunca viram o lado positivo. Isto causa grande dano.
Em terceiro lugar, ao criarmos os nossos filhos “na doutrina e admoes­tação do Senhor”, nunca deveremos fazê-lo de modo tal, que os torne pequenos fingidos e hipócritas. Também tenho visto muito disso. Para mim é muito triste, muito revoltante mesmo, ouvir crianças dizerem frases piedosas que não entendem. Mas seus pais se orgulham delas e dizem: “Ouçam-nas, não é maravilhoso?” As crianças são novas demais para compreenderem tais coisas. Sei que muitas crianças gostam de brincar de pregar. Essa conduta infantil pode ser desculpável, porém quando se vêem pais achando isso maravilhoso e mandando as crianças fazerem isso diante da extasiada contemplação de adultos, é quase blasfêmia. Certamente é muito prejudicial às crianças. É transformá-las em pequenos fingidos e hipócritas.
Minha última negativa neste ponto é que nunca deveremos forçar a criança a tomar uma decisão. Que problema e que estrago essa atitude produz! “Não é maravilhoso?”, dizem os pais, “o meu pequeno Fulano, um simples rapazinho, decidiu-se por Cristo.” Fora feita pressão constrangedora na reunião, no entanto, nunca se deveria fazer isso; é fazer violência à personalidade da criança. Em acréscimo, naturalmente, é demonstrar profunda ignorância do método de salvação. É possível levar uma criança a decidir-se por qualquer coisa. Os pais têm poder e habilidade para isso; mas é errado, é anticristão, não é espiritual. Noutra palavras, jamais devemos ser muito diretos nesta questão, especialmente com uma criança; jamais devemos agir demasiado emocio­nalmente. Se o seu filho fica aborrecido quando você lhe fala de assuntos espirituais, ou se quando você fala com o filho de alguém e ele se aborrece, é evidente que o seu método é errado. Jamais se deve levar o filho a aborrecer-se com os assuntos espirituais. Se acontecer isso é porque estamos sendo diretos demais, ou estamos apelando demais para o emocional, ou estamos coagindo a criança. Não é assim que se faz esta obra.
Também nesta área sei de algumas verdadeiras tragédias. Lembro-me do caso de dois jovens em particular, antes de chegarem à idade de quinze ou dezesseis anos. Seus pais sempre os impulsionavam para diante. Num caso, um dos pais costumava escrever sobre os seus filhos e dava a impressão de que eles eram cristãos notáveis. Todavia, estes jovens repudiaram inteira e comple­tamente a fé cristã, e hoje não vêem nela nada de proveitoso. Os pais cristãos sempre devem lembrar-se de que estão lidando com uma vida, uma personali­dade, uma alma. Meu conselho é: não coajam os seus filhos. Não os forcem a decidir-se. Conheço a ansiedade dos pais. É muito natural; porém, se somos espirituais, se somos “cheios do Espírito”, nunca faremos violência a uma personalidade, nunca faremos qualquer pressão injusta sobre os filhos. Portan­to, os nossos ensinamentos nunca deverão ser exageradamente diretos, nem exageradamente emocionais. Jamais deveremos agir de maneira que os filhos sejam levados a sentir-se desleais para conosco, se não professarem a fé. Isso e imperdoável.
Pois bem, qual é o método verdadeiro? Permitam-me dar algumas sugestões. Houve tempo em que era costume haver nas casas - e ainda o vejo às vezes - um pequeno quadro afixado na parede, com esta frase inscrita: “Cristo é o Chefe desta casa”. Não sou defensor dessa prática, mas havia uma coisa boa nessa idéia. Lemos no Velho Testamento que foram dadas instruções aos filhos de Israel, nestes termos: “E as escreverás (as palavras do Senhor) nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas” (Dt 6:9), em razão de que somos criaturas esquecidiças. Os protestantes primitivos costumavam pintar os Dez Mandamentos nas paredes dos seus templos, em parte pela mesma razão. Entretanto, quer exibamos um quadro quer não, sempre devemos dar a idéia de que Cristo é o Chefe da casa ou do lar.
Como dar essa idéia? Principalmente por nossa conduta geral e por nosso exemplo! Os pais devem viver de modo que os filhos sempre percebam que eles estão subordinados a Cristo, que Cristo é o seu Chefe. Esse fato deve ser óbvio em sua conduta, em seu comportamento. Acima de tudo, deve imperar uma atmosfera de amor. “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito.” Esse é o nosso texto dominante, nesta como em todas as demais aplicações particulares. O fruto do Espírito é amor, e se o lar estiver impregnado de uma atmosfera do amor produzido pelo Espírito, a maior parte dos seus problemas será solucionada. É isso que realiza a obra; não as pressões e os apelos, e sim uma atmosfera de amor.
Que mais? Conversação geral! À mesa ou onde quer que estejamos, a conversação geral é sumamente importante. Ouvimos, talvez, as notícias pelo rádio, e começa a conversação sobre as notícias. Grandes temas são menciona­dos - negócios internacionais, política, problemas industriais etc. Uma parte da nossa tarefa, na criação dos nossos filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”, é ver que mesmo essa conversação geral seja sempre conduzida em termos cristãos. Sempre devemos introduzir o ponto de vista cristão. Os filhos vão ouvir outras pessoas falando acerca das mesmas coisas. Talvez, ao cami­nharem pela rua, ouçam dois homens argumentando sobre as mesmas coisas que ouviram discutidas em casa. Depressa notarão uma grande diferença: toda a abordagem era diferente em casa.
Noutra palavras, o ponto de vista cristão deve ser introduzido na totali­dade da vida. Quer vocês estejam discutindo questões internacionais quer locais, ou assuntos pessoais ou de negócios - seja o que for, tudo deverá ser considerado sob o título geral de cristianismo. Este é um ponto deveras vital, pois quando se faz isto, os filhos inconscientemente se dão conta do fato de que há um princípio normativo nas vidas dos seus pais; seu modo de pensar e tudo a seu respeito é diferente de tudo o que eles vêem e ouvem no mundo incrédulo. Toda a atmosfera é diferente. Assim os filhos, gradativamente, e em parte inconscientemente, vão sabendo que existe um ponto de vista cristão. Essa é uma realização veraz. Uma vez que se apossam desse fato, o problema fica muito mais fácil.
O ponto subseqüente é a resposta a perguntas. Aí os pais cristãos têm uma grande oportunidade. Às vezes é extremamente difícil, eu sei; mas nos é dada a oportunidade de responder perguntas. Gosto da maneira como esta matéria é apresentada no capítulo seis de Deuteronômio, versículos vinte em diante: “Quando teu filho te perguntar pelo tempo adiante, dizendo: Quais são os testemunhos, e estatutos, e juízos que o Senhor nosso Deus vos ordenou? Então dirás a teu filho: Éramos servos de Faraó no Egito, porém o Senhor nos tirou com mão forte do Egito”, e assim por diante. Noutras palavras, virá o dia em que os filhos farão perguntas como estas: “ Por que vocês não fazem isto ou aquilo? O pai e a mãe do meu amiguinho fazem isto; por que vocês não fazem?” Aí vocês estarão recebendo uma oportunidade para criar o seu filho “na doutrina e admoestação do Senhor.” Contudo, se havemos de aproveitá-la, precisamos saber a resposta certa e ter habilidade para apresentá-la. Não poderão “dar a razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3:15), não poderão criar seus filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”, se não conhecerem a Bíblia e os seus ensinamentos. “Por que vocês fazem isto, por que não fazem aquilo? Os pais dos meus amigos passam as noites em casas de diversão; vocês não. Passam as noites em clubes, passam as noites dançando; vocês não. Por quê? Qual a diferença?” Quando interrogados dessa maneira, vocês não devem menos­prezar o filho e dizer: “Ora, somos diferentes, você vê, e é como preferimos," Não; antes, vocês dirão ao seu filho: “No fundo, somo todos iguais, para começar; e não é por sermos naturalmente melhores do que os outros que nos portamos desta maneira diferente. Não é essa a explicação. Não é porque nós temos certos temperamentos e os outros pais têm outros diferentes. Todos nascemos “em pecado”, todos somos, por natureza, escravos de várias coisas. Há algo de errado dentro de todos nós, há um mau princípio em nós, e nenhum de nós conhece verdadeiramente a Deus. Você vê, a diferença é esta, que Deus nos fez ver como são erradas certas coisas. Mas nós continuaríamos sendo semelhantes aos pais dos seus amigos, se não tivéssemos crido e conhecido que Deus enviou ao mundo o Seu Filho único, o Senhor Jesus Cristo, a respeito de quem você já ouviu, para resgatar-nos, para libertar-nos”. É assim que se introduz o evangelho; vocês terão que decidir quanto comunicar. Depende da idade do filho. Mas respondam as suas perguntas, façam-no saber, façam-no saber com exatidão, quando ele fizer suas perguntas, por que vocês vivem como vivem. Vocês não devem impingir nada nele, não devem pregar para ele; mas, se ele fizer perguntas, falem com ele, falem com muita simplicidade. Digam-lhe cada vez mais coisas, à medida que ele vá crescendo; mas estejam sempre prontos para responder suas perguntas. Procurem conhecer bem os fatos, compreender bem o evangelho, estruturem-se sobre o evangelho para poder transmiti-lo e infundi-lo. Assim vocês poderão criar os seus filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”.
Depois, vocês poderão orientar a leitura deles. Levem-nos a lerem boas biografias. As biografias exercem atração sobre eles. Orientem a leitura deles de várias maneiras; induzam-lhes a mente na direção certa, e procurem familiarizá-los com as glórias da fé cristã em ação.
Que mais? Sempre tenham o cuidado de, toda vez que fizer alguma refeição, dar graças a Deus por ela, e pedirem a bênção de Deus sobre ela. Quase ninguém faz isso hoje em dia, exceto os que de fato são cristãos. Se os seus filhos se habituarem a ouvi-los darem graças, e a repetirem a ação de graças, e a suplicarem bênção, isto lhes fará algum bem. Vão além. Tenham o que se chama altar familiar (ou culto doméstico), o que significa que pelo menos uma vez por dia vocês e os seus se reunirão como família ao redor da Palavra de Deus. O pai como chefe da casa, deverá ler uma porção das Escrituras e elevar uma oração singela. Não precisa ser longa, mas que leve ao reconhecimento de Deus e agradecer a Deus a dádiva do Senhor Jesus Cristo. Vocês devem levar os filhos a ouvirem com regularidade a Palavra de Deus. Se lhes fizerem perguntas sobre ela, respondam-lhes. Dêem-lhes a instrução que puderem. Sejam prudentes, sejam judiciosos. Não façam da sua instrução uma coisa desagradável, odiosa, maçante; façam dela algo que eles mesmos busquem, de que gostem, em que achem prazer.
Noutras palavras - em suma - o que nos compete fazer é apresentar um cristianismo atraente. Devemos dar aos nossos filhos a idéia de que o cristia­nismo é a coisa mais maravilhosa do mundo; e de que não há nada no mundo que se compare a ser cristão. Devemos criar dentro deles o desejo de serem parecidos conosco. Eles nos observam e vêem a alegria que sentimos, e o modo como nos maravilhamos e nos enchemos de admiração pela vida cristã. Oxalá digam a si mesmos: espero chegar à idade dos meus pais, para poder ter o gozo que obviamente eles têm. Nosso método jamais deverá ser mecânico, legalista, repressivo. Nosso testemunho nunca deve ser forçado, mas, em tudo o que somos, fazemos e dizemos, saibam eles que somos “escravos cativos de Jesus Cristo”, que Deus, em Sua graça, abriu os nossos olhos e nos despertou para a coisa mais gloriosa do mundo, e que o nosso maior desejo para com eles é que entrem no mesmo conhecimento e tenham o mesmo gozo, e tenham o mais alto privilégio possível neste mundo, o de servir ao Senhor e de viver para o louvor da glória da Sua graça (cf. Efésios 1:6,12,14). Seja qual for o seu trabalho, seja negócio ou profissão liberal ou trabalho manual ou pregação, façam todas as coisas para a glória de Deus, e, desse modo, estarão criando os seus filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”.

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