sábado, 23 de março de 2013

AS PRIORIDADES DO CRISTÃO




Efésios 6:5-9

Tendo notado os princípios bíblicos envolvidos na obediência do cristão a senhores, empregadores, governos e outros, em seguida consideramos a aplicação prática dos princípios, lembrando que a função da Igreja não é tratar das condições políticas ou sociais ou econômicas como tais. Todavia, neste ponto alguns objetam e dizem: “Mas, que dizer dos profetas do Velho Tes­tamento? Não estavam sempre tratando destes problemas e condições de natureza prática?” A resposta é simples: a nação de Israel também era a Igreja. Naquele tempo não havia divisão entre o Estado e a Igreja; o Estado e a Igreja eram um. De modo que, quando os profetas dirigiam as suas advertências à nação, as estavam dirigindo ao povo de Deus, aos crentes. O que sempre cabe à Igreja é tratar das condições da Igreja e, como naqueles dias a Igreja e o Estado eram um, competia à Igreja tratar de problemas políticos e outros. Mas no momento em que chegamos ao Novo Testamento, encontramos uma situação inteiramente diversa. Aqui a Igreja é separada do mundo e reunida à parte dele. Ela tem sua relação com o Estado, porém já não é unida a ele. É vital que observemos esta distinção. Não há contradição entre o Velho e o Novo Testamentos; a atenção é sempre dada à Igreja, ao povo de Deus, e ao povo de Deus em sua relação com Ele como peregrinos da eternidade.
Portanto, a dedução que tiramos é que, primariamente, a tarefa da Igreja é evangelizar, é levar as pessoas ao conhecimento de Deus. Depois, tendo feito isso, deve ensiná-las a viver sob Deus, como Seu povo. A Igreja não está aqui para reformar o mundo, pois o mundo não pode ser reformado. A ocupação da Igreja é evangelizar, é pregar o evangelho da salvação a homens cegados pelo pecado e que se acham sob o domínio e o poder do diabo. No instante em que a Igreja começa a entrar nos detalhes da política e da economia, está fazendo uma coisa que milita contra a sua missão primordial de evangelizar.
Como um exemplo óbvio, vejam o caso da Igreja e o comunismo. Meu ponto de vista é que não cabe à Igreja cristã denunciar o comunismo. Ela está despendendo muito tempo fazendo isso no presente. É errado por esta razão, que a tarefa primária da Igreja é evangelizar os comunistas, abrir-lhes os olhos, levá-los à convicção de pecado e à conversão. Seja qual for a posição dos homens, ou seus conceitos políticos, sejam eles comunistas ou capitalistas ou qualquer outra coisa, devemos considerá-los a todos como igualmente pecadores. Estão todos perdidos, condenados, e todos precisam ser convertidos, todos precisam nascer de novo. Assim, a Igreja olha o mundo e os seus povos de maneira inteiramente diferente dos não cristãos. Se, pois, a Igreja gastar o seu tempo denunciando o comunismo, estará mais ou menos fechando tão herme­ticamente quanto possível a porta da evangelização entre os comunistas. Diz o comunista: “O seu cristianismo é anticomunista e pró-capitalista; não vou dar ouvidos a essa mensagem”. Daí não podermos evangelizá-lo. Ela deve abster-se de entrar em pormenores, para que a sua missão primordial de evangelização não sofra impedimento e atraso, e para que não suceda que ela mesma feche a porta contra a própria coisa que ela alega estar fazendo. É isso que se deduz em geral do ensino bíblico. Sempre devemos fazer o que o apóstolo faz aqui, o que vimos que o Senhor Jesus fez, e o que todos os escritores e mestres bíblicos fazem, quer do Velho Testamento, quer do Novo.
Quais são, porém, os princípios pormenorizados que deduzimos disso tudo? O primeiro princípio é que, obviamente, o cristianismo não suprime a nossa relação com as condições sociais, políticas e econômicas existentes. É necessário dizer isso porque alguns dos cristãos primitivos erraram neste ponto, e há muitos que ainda erram. Há os que continuam pensando como pensavam alguns cristãos primitivos que, uma vez que um homem se tornava cristão, não estava mais preso à sua esposa, se ela não era cristã. Por isso Paulo teve que escrever o capítulo sete da Primeira Epístola aos Coríntios. Isso estava aconte­cendo nos dois lados. O homem, por exemplo, argumentava desta maneira: “Nós nos casamos quando éramos pagãos e incrédulos, mas agora sou cristão e vejo tudo diferentemente. Minha mulher não é cristã, de modo que não estou mais preso a ela, pois isto seria um obstáculo para a minha vida cristã”. A mesma coisa com a mulher. Os cônjuges convertidos tendiam a abandonar os cônjuges não convertidos. Mas o apóstolo lhes escreveu e lhes disse que não fizessem isso. Havia filhos tendentes a proceder da mesma maneira. Haviam sido convertidos, mas os seus pais continuavam pagãos; então diziam: “Natu­ralmente os nossos pais não mandam mais em nós. Eles não entendem, são pagãos e, portanto, não precisamos sujeitar-nos mais a eles e à sua direção”. Paulo, no entanto, os ensina de outro modo. E assim foi com esta questão dos servos em sua relação com os senhores. De fato, vemos na Segunda Epístola aos Tessalonicenses, no capítulo três, que havia alguns cristãos que até pararam de trabalhar. Argumentavam que agora estavam num novo reino e iam passar o tempo aguardando a volta do Senhor. Por isso, abandonaram as suas tarefas diárias e só ficavam a olhar para os céus e a esperar o aparecimento do Senhor. O apóstolo teve que lhes dizer com toda a franqueza: “se alguém não quer trabalhar, também não coma”. O que estavam fazendo era devido à completa incompreensão do cristianismo.
No caso do relacionamento entre servos e senhores, a tendência era de argumentarem erroneamente, baseados no fato de que somos todos iguais aos olhos de Deus, e de dizerem: “Porventura o apóstolo Paulo não ensina que não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”? Somos todos iguais agora. Já não há diferença entre homens e mulheres; assim, que as mulheres sejam ministras do evangelho e preguem, e que os servos não sejam mais sujeitos aos seus senhores. O fato de sermos cristãos aboliu as relações antigas” Outra vez uma completa incompreensão do cristianismo! O que o apóstolo ensina aí é que não há diferença do ponto de vista da possibilidade de salvação. No entanto, isso não acaba com as ordens da sociedade, não elimina a diferença inerente que há entre um homem e uma mulher, nem estes outros diversos relacionamentos.
A história da Igreja cristã mostra que as pessoas constantemente caem neste erro. A seita conhecida como Ana batismo, que surgiu no século dezesseis, fez isso, e dizia que os cristãos nada deviam ter com o Estado. Procuravam isolar-se, segregar-se do mundo em todos os sentidos. Ainda há gente que tem a propensão de seguir nesse rumo; alguns acham que é errado o cristão pagar taxas e tarifas e, para outros, é um erro o cristão participar da política. Não votam nas eleições, e assim por diante. Ora, isso tudo decorre de não levarmos em conta este primeiro princípio - que o fato de nos termos tornado cristãos não dissolve nem elimina a nossa relação com o Estado e com as condições sociais, políticas e econômicas.
Aqui o apóstolo chega ao ponto de dizer que o fato de nos fazermos cristãos não põe fim à escravidão automaticamente. Ele não diz aos escravos que, uma vez que se tornaram cristãos, as condições anteriores são abolidas; na verdade ele diz exatamente o oposto. Os escravos devem continuar como antes, mas com novo ponto de vista e com uma nova atitude que aqui ele ensina. Sua Epístola a Filemom ensina exatamente a mesma coisa. Entretanto, talvez a mais clara exposição disso tudo seja a que se encontra em 1 Co 7:20 a 24: “Cada um fique na vocação em que foi chamado. Foste chamado sendo servo (escravo)? Não te dê cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita a ocasião. Porque o que é chamado pelo Senhor sendo servo (escravo), é liberto do Senhor; e da mesma maneira também o que é chamado sendo livre, servo (escravo) é de Cristo. Fostes comparados por bom preço; não vos façais servos (escravos) dos homens. Irmãos, cada um fique diante de Deus no estado em que foi chamado”. Essa é a declaração clássica sobre esta questão. “Foste chamado sendo servo? Não te dê cuidado.” Não faça disso a coisa mais importante da sua vida; não fique aflito por isso; não deixe que isso absorva toda a sua atenção; não permita que isso ocupe o centro do seu pensamento. “Não te dê cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita a ocasião.”
O segundo princípio parece espantoso, de início. O cristianismo não somente não muda a nossa relação com estas condições, nem sequer condena coisas como a escravidão diretamente como sendo pecaminosas. Isso tem sido uma grande pedra de tropeço para muita gente, e particularmente durante este século. Mas o que nos compete é expor as Escrituras. As pessoas argumentam no sentido de que a escravidão é patentemente um mal e um pecado e, portanto, o cristianismo deve necessariamente denunciá-la. Elas argumentam do mesmo modo acerca de várias outras coisas no presente - os conflitos e a guerra, por exemplo. Dizem elas: “Mas é óbvio, toda gente pode ver que é um mal; até o não cristão pode ver isso; todo aquele que tem senso de bondade e de justiça, e noção da dignidade do homem, só pode ver logo que isso é completamente errado”. Todavia, o fato puro e simples é que a Bíblia não condena a escravatura desse modo tão direto. Se ela tivesse a intenção de fazê-lo, certamente Paulo o teria feito aqui; contudo não o faz. Escrevendo a Filemon, ele não faz isso, e não o faz em nenhum outro lugar. O Senhor Jesus também não o fez.
Esta é uma coisa que o homem natural simplesmente não pode entender, de jeito nenhum; e os racionalistas e humanistas de hoje - estes críticos do cristianismo - pensam ter um argumento irrespondível aqui. Naturalmente, a simples resposta a eles é que nunca nem sequer começaram a ver os dois grandes princípios normativos que já firmamos. Não conseguem ver que o que importa fundamentalmente é a relação do homem com Deus, e que no momento em que o homem enxerga isso, tudo mais, a escravidão inclusive, passa a ser diferente para ele. Embora continue escravo, não vê isso como via antes; agora ele é um “liberto de Cristo”. É porque estes humanistas são cegos para o sobrenatural, para o espiritual, porque não enxergam nada senão este mundo, nada senão esta vida, que todo o seu pensamento é pervertido. O pensamento cristão é diverso do pensamento natural em todos os pontos. É por isso que, para mim, é trágico ver atualmente homens que se dizem cristãos se juntarem a estes racionalistas não cristãos e participarem das suas atividades. A abordagem toda, todo o modo de pensar é inteiramente diverso. Fazemos notar, então, que o cristianismo nem mesmo condena diretamente a escravidão como pecaminosa; e essa é, sem dúvida, a razão por que a escravidão persistiu durante muitos séculos.
Partindo para o nosso terceiro princípio, observamos que, conquanto o cristianismo não condene a escravidão, tampouco a justifica. Aqui, mais uma vez, tem havido muito mal-entendido. Tem havido cristãos que julgam, que o cristianismo é apenas uma justificativa do “statu quo”. Espanta-me a cegueira de pessoas que presentemente estão caindo na armadilha católica romana. O catolicismo romano está combatendo o comunismo, e está convidando os protestantes e todos os que usam o nome de cristãos, para se juntarem a ele nessa empresa. Os que aceitam o convite não vêem que o catolicismo romano está mais interessado em defender a sua modalidade particular de totalitarismo. É simplesmente o caso de um sistema totalitário contra outro, uma defesa do “statu quo”. O cristianismo nunca faz isso. Ele não condena a escravidão, mas não a desculpa nem a justifica. Então, qual é a sua atitude? Já expliquei: o cristianismo está interessado é no modo como o escravo se porta para com o seu senhor, e como o senhor se porta para com o seu escravo. Ele não trata diretamente da questão da escravatura propriamente dita.
O problema hoje é que os líderes da Igreja cristã estão despendendo muito do seu tempo para tratar destas coisas diretamente. Estão sempre pregando sobre elas, enviando mensagens e protestos aos governos, tomando parte em marchas. Ação direta! A Bíblia nunca faz isso; o que lhe interessa, e muito, é como os cristãos dos dois lados do problema e da situação se comportam.
Este ensino é de tão vital importância que devo colocá-lo ainda de outra maneira. O cristianismo não está interessado em perdoar práticas como a escravidão; não faz defesa do “statu quo”. Ouço falar tanto hoje sobre a defesa da civilização ocidental contra várias formas de agressão! Está tudo errado! Como cristão, não estou interessado primordialmente na civilização ocidental, estou interessado no reino de Deus; e estou desejoso de que os homens atrás da Cortina de Ferro sejam salvos, bem como os que se acham deste lado dela. Não devemos tomar uma posição de antagonismo para com os que desejamos conquistar para Cristo. Se passarmos todo o nosso tempo falando contra eles, nunca os conquistaremos. É por isso que eu nunca prego o “Sermão de Temperança”, assim chamado - quero ver os beberrões convertidos. Nossa função não é denunciar a bebida; é levar o pobre ébrio a crer no Senhor Jesus Cristo; porque somente isso poderá libertá-lo. Constantemente, porém, a Igreja se engana neste ensino e entra nas minúcias destas coisas.
Outro modo de argumentar sobre isso é dizer que não cabe à Igreja apregoar o divino direito dos reis. Houve tempo em que a Igreja fazia isso. Tiago Primeiro era muito astuto. Ele dizia: “Nenhum bispo, nenhum rei!” Assim, ele e a igreja episcopal permaneceram unidos, e a igreja se tornou uma defesa e um baluarte em prol do divino direito dos reis. Agindo assim, ela abrigou sua posição e foi se tornando desleal à sua doutrina. A missão da Igreja não é defender algum sistema particular - político, social ou econômico. O cristian­ismo, digo e repito, embora não condene a escravidão, não a desculpa. Sua atitude é destacada, visando a princípios e neles interessada.
Isso leva ao quarto princípio. O interesse da Bíblia, o interesse do cristianismo, relaciona-se com o modo como o cristão deve reagir a estas coisas e como deve viver num mundo como este. Essa é a essência do ensino, e aqui a temos. Paulo, quando passa a falar dos “servos e senhores”, não se põe a dar suas opiniões como certos cristãos fazem sobre a questão da escravatura. “Vós, servos”, diz ele, “obedecei a vossos senhores segundo a carne, com temor e tremor, na sinceridade de vosso coração, como a Cristo; não servindo à vista...” Noutras palavras, seu único interesse é quanto a se conduzirem eles como cristãos naquela situação. Igualmente com os senhores. “E vocês, senhores, façam o mesmo para com eles.” Não lhes fala que renunciem aos seus escravos; em vez disso, diz: “Não os ameacem, não sejam maldosos, não sejam cruéis com eles”, - “sabendo também que o Senhor deles e vosso está no céu, e que para com ele não há acepção de pessoas”.
Temos o mesmo ensinamento na Primeira Epístola de Pedro, capítulo 2: “Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos senhores” - e, observem - “não somente aos bons e cortezes, mas também aos maus”. Ele não diz aos escravos que se levantem e se rebelem contra os senhores. A Bíblia nunca faz isso. Mas está muito interessada em asseverar que o cristão jamais deverá abusar da sua posição - “não tendo a liberdade por cobertura da malícia”. Esse é o perigo, que o cristão venha a usar sua posição cristã para acobertar a malícia que há nos seu coração. Isso tem acontecido com freqüência; em nome do cristianismo têm sido feitas coisas que jamais deveriam ser feitas. E isso faz inenarrável dano ao cristianismo. Tem acontecido de ambos os lados. É sempre porque os homens e os senhores esquecem que o seu dever é para com Deus, seu Senhor que está no céu, que surgem os problemas.
Facilmente poderíamos alongar-nos sobre estes problemas. Hoje há muitos que dizem que as classes trabalhadoras, assim chamadas, estão fora da Igreja porque a Igreja da época vitoriana era, em grande parte, uma Igreja de senhores. Vá às regiões mineiras de qualquer parte da Grã-Bretanha, e sistema­ticamente ouvirá isso. Farão você lembrar-se de que, no século passado, com muitíssima freqüência, o chefe no emprego e no templo era o mesmo, o líder dos oficiais da Igreja geralmente era o gerente das obras. Dizem aqueles operários que foi por isso que se revoltaram contra o cristianismo e contra a Igreja. Isso com certeza aconteceu em grande medida na Rússia. A monarquia na Rússia estava sob a forte influência da Igreja Ortodoxa Russa, com aquele mau frade Rasputin dominado a família real. Assim, o povo russo identificava com o cristianismo esse horrível abuso; e jogou fora o que pensava que era o cristianismo. Na realidade não estava fazendo nada disso; estava rejeitando uma horrível perversão do cristianismo, que absolutamente não era cristianismo. No entanto, isso tem acontecido muitas e muitas vezes; tem acontecido dos dois lados (dos servos e dos senhores); e isso em grande parte porque ambos não praticaram e não entenderam o princípio que o apóstolo enuncia aqui. O que nos compete primordialmente é relacionar-nos corretamente com as posições em que nos achamos.
Em Romanos capítulo 13 encontramos exatamente o mesmo ensino. Ali o apóstolo diz aos cristãos que se sujeitem “às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste à potestade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação”. Estas palavras foram escritas a pessoas que estavam debaixo do maligno poder do imperador Nero. Mas é o que cabe ao cristão fazer. Seu interesse principal é ser servo de Deus e de Cristo. Seja qual for a sua posição, sejam quais forem as circunstâncias, seja ele senhor ou servo, rei ou súdito, nada disso importa. Todos devem sujeitar-se jun­tamente, e devem cuidar para, por todos os meios, comportar-se como pessoas cristãs. Não devem preocupar-se primariamente com as situações e condições como tais; sua preocupação como “peregrinos da eternidade”, como “estrangei­ros e peregrinos”, deve ser a de serem fiéis ao seu Senhor e se prepararem para o seu lar eterno.
Passo agora ao quinto e último princípio. Alguém poderá perguntar: “Pois bem, que dizer de melhorar as condições? Não está você, na realidade, tomando apenas e afinal de contas uma defesa desse “statu quo”? Você afirma que não está fazendo isso, mas com efeito é o que está fazendo. Diz você que o cristão não deve ficar preocupado com as condições, porém que deve concentrar-se em ter um comportamento semelhante ao de Cristo nas condições existentes”. A resposta a esta questão é muito simples. Não cabe à Igreja preocupar-se em melhorar as condições; o que lhe compete sempre é propor os princípios bíblicos que venho expondo. Jamais deverá atacar diretamente as circunstâncias e as condições. Entretanto, ao mesmo tempo, não significa que o cristão individual, como cidadão de um país, não deva preocupar-se em melhorar as condições. Aí, parece-me, está a linha divisória. O cristão individual nunca deve agir como indivíduo isoladamente. Mas isso não significa que, como cidadão do país a que pertence, não tenha o direito de tomar parte no melhoramento das circunstâncias e condições em que ele e outros vivem.
Funciona da seguinte maneira: a mensagem cristã visa, antes de tudo, produzir cristãos. Difunde a pregação do evangelho, convence os homens do pecado, chama-os para o sangue de Jesus, trá-los a esta Palavra pela qual eles podem nascer de novo mediante o poder do Espírito, enfim, transforma-os. Depois, tendo-os transformado desse modo, prossegue, ensinando-lhes estes grandes princípios. Essa é a direta missão e atividade própria da Igreja. Todavia, à medida que realiza isso, a Igreja faz indiretamente mais uma coisa; obviamente influencia a personalidade completa dessas pessoas - sua mente, seu pensamento, seu entendimento. E no momento em que isso começa a acontecer com os homens, eles passam a ver as coisas de maneira diferente e começam a aplicar seu pensamento ao viver diário.
Pode-se achar uma ilustração do que digo, por exemplo, no Despertamento Evangélico ocorrido há duzentos anos. Antes desse tempo, a maioria do povo comum da Inglaterra era ignorante, analfabeta e levava uma vida de pecado e sordidez. Os fatos podem ser encontrados nos livros de história seculares. Havia poucas escolas; o povo estava numa condição de ignorância, analfabetismo, pecado grosseiro e vil. Por que aquela situação se tornou muito diferente no século passado, e mais diferente ainda neste século? Foi porque a Igreja cristã dirigiu uma grande campanha social e política? Não é essa a explicação. Sempre houve líderes individuais da Igreja que tentavam fazer tais coisas; mais isso nunca levou a nada de valor. A mudança foi produzida pela obra de evangelização inflamada e apaixonada de George Whitefield, dos Wesley e de outros, e a situação se transformou. Qual era a mensagem deles? O que Whitefield e os Wesley pregavam às multidões populares, por exemplo aos mineiros das vizinhanças de Bristol? Falavam das condições sociais, de salários e das horas de trabalho? Acaso os incentivavam para a agitação e protesto contra as suas misérias, e para se levantarem em rebelião? A resposta se acha nos seus diários. Whitefield pregava uma mensagem que levava os homens a verem que eram pecadores nas mãos de um Deus irado que, não obstante, providenciara um meio para obter-se perdão. Pregava-lhes sobre as suas almas, não sobre os seus corpos, não sobre as circunstâncias e condições em que viviam. Na primeira vez que João Wesley pregou nas ruas do distrito mais pobre de Newcastle-on-Tyne, seu texto foi o de Isaías 53: “Ele foi ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniqüidades: o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados”. A mesma coisa acontecia em toda parte. Os evangelistas sempre tratavam os homens como homens, e o resultado da sua pregação era que as pessoas mudaram e eram convertidas. Tomaram-se cristãs, nasceram de novo. Com que resultado? Os convertidos começaram a usar suas mentes. Não as usavam antes; viviam para beber, jogar e entregar-se a esportes cruéis como a briga de galos. Agora, porém, tendo sido despertados espiritualmente, a personalidade toda se despertou. Des­cobriram que possuíam mentes. A primeira coisa que desejaram fazer foi ler a Bíblia, mas muitos não sabiam ler, e pediram que se lhes ensinasse a ler; não para poderem estabelecer sociedades e agremiações políticas, e sim para pode­rem ler a Bíblia. E assim os ensinaram a ler. Dessa maneira foram despertados e iluminados, e começaram a compreender a verdade sobre o homem, e sobre a personalidade e a dignidade do homem. E tendo avançado tanto, foram mais longe ainda; começaram a examinar as circunstâncias e condições em que viviam. Começaram a inquirir se essas condições eram boas, justas e retas e, chegando à conclusão de que não eram, puseram-se a tomar medidas para mudá-las.
Isso era certo e bom; e inteiramente de acordo com o ensino escriturístico. Esse ensino não denuncia a escravidão, e não a desculpa. Não espera que os homens se levantem e a mudem; tampouco mantém simplesmente o “statu quo”. Cuida primeiro do homem, e depois, sob a influência deste ensino, e com este novo entendimento, o próprio homem começa a examinar a situação e lidar com ela.
Podemos resumir isso da seguinte maneira: a Igreja não manda fazer nenhuma dessas mudanças; nunca mandou. Não há uma palavra na Bíblia que diga aos homens que suprimam a escravidão; e, contudo, sabemos que foram homens cristãos que finalmente fizeram isso acontecer. E isso está exatamente de acordo com o ensino bíblico. Não há mandamento para fazê-lo; a Bíblia não trata dessas coisas diretamente, todavia, quando os homens se tornam cristãos, começam a pensar, e pensam sobre os dois lados da questão. Já dei um exemplo de como os operários começaram a pensar. Mas, por outro lado, vejam William Wilberforce. Era rico, nascido no regaço do luxo. Por que passou a preocupar-se com a questão da escravatura? Há somente uma resposta para essa pergunta: foi sua conversão. William passou pela experiência de uma conversão tão radical como a dos mineiros beberrões das cercanias de Bristol. Ele foi inteiramente transformado e, de almofadinha da sociedade, veio a ser um grande reformador, e conforme a sua mente ia se tornando cada vez mais cristã, foi examinando a questão da escravatura e viu que esta era um mal. Não porque tivesse achado algum mandamento especial na Bíblia, porém devido ao seu modo de pensar em geral, e da sua perspectiva cristã em geral! A mesma coisa se aplica ao Conde de Shaftesbury, principal responsável pelos Atos sobre a Indústria, ou seja, pelas leis trabalhistas inglesas do século passado. Era outro homem, aristocrata dos aristrocatas, nascido na riqueza e no luxo, alguém que experimentou uma conversão bíblica. No entanto, posto que sua mente fora renovada em Cristo, ele começou a ver tudo diferentemente e veio a preocupar-se com as condições predominantes nas fábricas e nas minas. A mesma coisa se pode dizer do doutor Bernardo, fundador do Lar das Crianças Desamparadas.
E sempre aconteceu assim! Não é tarefa da Igreja tratar desses problemas diretamente. A tragédia hoje é que, enquanto a Igreja fica falando desses problemas particulares e tratando diretamente de política e das condições econômicas e sociais, não estão sendo produzido cristãos, as condições estão piorando e os problemas estão se avolumando. É quando a Igreja produz cristãos que ela muda as condições, mas sempre indiretamente.
Darei outra ilustração deste mesmo ponto. Li num artigo muito recente uma coisa que já soubera, uma coisa que de algum modo me havia fugido da memória. Referia-se ao grande Charles Simeon, um clérigo anglicano que serviu em Cambridge de 1782 a 1836, e que foi uma das maiores influências na igreja anglicana até por volta de 1860, e na verdade além dessa data. Foi o seguinte fato que o artigo me fez recordar. Charles Simeon esteve pregando em Cambridge durante todo o período das guerras da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas, de 1790 a 1815,e durante todo o transcurso desses vinte e cinco anos, a despeito de todas as crises, alarmes e temores, Charles Simeon não pregou nem uma só vez sobre as guerras. Nem uma só ocasião! Foi amarga e severamente criticado por isso. Por que não tratou desses acontecimentos? Por que não dedicou tempo aos fatos correntes e não tratou deles, como se supõe que um clérigo deve fazer? Havia muitos outros que estavam fazendo isso, mas já faz tempo que os seus nomes foram esquecidos. Esses pregadores, de sermões tópicos podem ter sido populares em seu tempo, mas ninguém sabe nada a respeito deles hoje - nem mesmo os seus nomes. Não tiveram efeito sobre as condições da sua época; não fizeram a mínima diferença para Napoleão, nem para as guerras, nem para coisa nenhuma; porém no seu tempo os seus nomes estavam nos jornais e nas manchetes! Mas isso não levou a nada; foi fôlego perdido. O pregador anglicano que realmente influenciou a vida da nação foi Charles Simeon; e o fez pelo método bíblico, isto é indiretamente. Ele o fez pregando o evangelho e transformando homens.
A Igreja não pode mudar as condições; e não foi destinada a mudá-las. No momento em que tenta fazer isso, de várias maneiras fecha a porta da oportunidade evangelística. Se eu atacar o comunismo, os comunistas ficam logo na defensiva, e não se dispõem a ouvir o meu evangelho; nem sequer lhe dão ouvidos. Tenho que evitar isso. Não devo lançar um ataque direto a nenhuma destas coisas, quaisquer que sejam. Minha preocupação como prega­dor do evangelho é com as almas dos homens, minha função é produzir cristãos; e quanto maior for o número de cristãos, maior será o volume de pensamento cristão. Aos cristãos individuais compete entrar no Parlamento, como fez Wilberforce, ou falar na Câmara dos Lordes, como fez o Conde de Shaftesbury, ou candidatar-se à eleição num conselho ou câmara local, e em geral atuar como bons cidadãos. Vocês são cidadãos - procedam de acordo. Não permitam que estas atividades absorvam todo o seu tempo; não façam delas a coisa principal da sua vida. Muitas vezes tem sido esse o erro. Acredito que, em grande parte, as condições das nossas igrejas hoje se devem a esse fato. Sou suficientemente idoso para lembrar o tempo em que, neste país, a principal diferença entre a igreja anglicana e a capela não-conformista era a diferença entre o torysmo e o liberalismo. O torysmo defendia o “statu quo” e, no outro lado, o não-conformismo apresentava reformas. Quanto ao não-conformismo, a época era dos pregadores políticos. Como eu já disse, o pregador político é tão repreensível como os bispos e arcebispos que muitas vezes têm sido apenas capelães do palácio. Juntos eles têm, com freqüência, desviado a atenção do povo para longe da mensagem da Palavra de Deus. Certamente não conseguiram produzir cristãos; e é porque existem tão poucos cristãos no mundo atual que prevalece a impiedade.
Temos, pois, até aqui considerado os cinco princípios bíblicos que regu­lam as relações de governantes e governados, senhores e servos, empregadores e empregados. Devemos ir adiante para descobrir como as Escrituras nos dão mais orientação sobre a maneira de pôr em execução estes cinco princípios. Precisamos dessa orientação e, graças a Deus, ela se acha aqui para nós. Todavia, se omitirmos a ênfase principal, os princípios centrais, qualquer outra consideração adicional será pura perda de tempo. A questão que eu gostaria de levantar é: qual é o seu interesse obcecante? São as condições sociais e políticas em que você se encontra, ou é a sua relação com Deus e com a eternidade? Se estiver obcecado por suas condições atuais; se estiver agitado, irritado e amargado por causa delas, e simplesmente estiver condenando as pessoas de um lado e do outro, você já está fora da posição do Novo Testamento. O interesse ardente do cristão é sua relação com Deus, com o céu e com a eternidade e, sendo assim, considera secundárias todas as outras questões. Ele as observa fria e serenamente, compreendendo que a sua primeira função é relacionar-se como cristão com tudo o que a vida envolve. Ele é diferente dos não cristãos. E somente quando o seu espírito está certo desta forma, que ele começa a considerar se, como cidadão que vive neste mundo (mas que não pertence a este mundo), deverá tentar mudar ou melhorar ou conservar isto ou aquilo - seja qual for o seu ponto de vista. Mas o interesse final, o interesse vital é sempre este: “Meu Senhor está no céu”; seja eu servo ou senhor, seja eu empregado ou empregador, será que estou me sujeitando ao Senhor e vivendo para a Sua glória?

sábado, 9 de março de 2013

EDUCAÇÃO CRISTÃ NO LAR




Efésios 6:1-4

Já vimos que a exortação do apóstolo, dirigida aos pais, tem duas facetas. Há a faceta negativa a qual nos diz que não devemos fazer nada que exaspere os nossos filhos, que os irrite, que os provoque; e a faceta positiva: “criai-os na doutrina e admoestação do Senhor”. Voltemo-nos, pois, agora, para esta faceta positiva da injunção apostólica.
A própria maneira pela qual Paulo coloca a sua exortação é interessante - “criai-os”, diz ele, e esse é apenas outro modo de dizer, edificai-os, educai-os para a maturidade”. Noutras palavras, a primeira coisa que os pais têm de fazer é compreender a sua responsabilidade para com os filhos. Como temos acentuado, eles não são nossa propriedade, não pertencem definitivamente a nós, são-nos entregues por Deus por algum tempo. Com que propósito? Não para obtermos o que quisermos deles e usá-los simplesmente para nosso agrado, para gratificar os nossos desejos. Não; o que nos compete é dar-nos conta de que eles precisam ser edificados”, criados”, “educados”, “preparados”, não so­mente para a vida deste mundo, e sim especialmente para o estabelecimento de uma correta relação das suas almas com Deus. Estas injunções nos lembram a grandeza da vida; e não há nada mais triste e trágico quanto ao mundo atual do que a incapacidade das multidões para receberem essa grandeza.
Que coisa tremenda é existirmos e vivermos como indivíduos! E quando consideramos a esfera do lar e da família, esse fato se torna mais maravilhoso ainda. Que grande concepção da paternidade e sua função o ensino do apóstolo nos dá! Diz ele que os filhos nos são dados para que os criemos, os edifiquemos e os treinemos como convém. Os jornais nos lembram constantemente o cuidado e a atenção que as pessoas dedicam à criação de diversos tipos de animais. Não é fácil treinar um animal, seja um cavalo ou um cão ou outro qualquer. Requer muito tempo e atenção. É preciso pensar na alimentação, planejar os exercícios, providenciar adequado abrigo; é preciso proteger o animal de vários perigos; e assim por diante. As pessoas pagam grandes quantias, gastam muito tempo e dedicam muito do seu pensamento para a criação e o treinamento de um animal que pode vir a ganhar prêmios nas exposições. Mas às vezes temos a impressão de que muito pouco tempo, cuidado, atenção e pensamento são dedicados à criação dos filhos. Essa é uma importante razão por que o mundo está como está hoje, e por que nos defrontamos com agudos problemas sociais nesta época. Se as pessoas tão somente dedicassem tanta consideração à criação dos seus filhos como dedicam à criação de animais e ao cultivo de flores, a situação seria muito diferente. Elas lêem livros e ouvem palestras sobre esses assuntos e querem saber exatamente o que precisam fazer. Mas quanto tempo é dedicado à consideração do grande assunto da criação dos filhos? Esta é tomada como coisa sabida, é feita de qualquer maneira, e as conseqüências são dolorosamente óbvias.
Portanto, se é que havemos de cumprir a injunção apostólica, devemos sentar-nos por um momento e ponderar sobre o que fazer. Quando chega o filho, devemos dizer a nós mesmos: somos os guardiães e os depositários desta alma Que terrível responsabilidade! Nos negócios e nas profissões os homens estão bem cientes da grande responsabilidade que pesa sobre eles quanto às decisões que têm de tomar. Todavia, estarão eles cientes da responsabilidade infinitamente maior que eles têm com respeito aos seus próprios filhos? Dedicarão a isso a mesma soma de tempo, pensamento e atenção - para não dizer ainda mais tempo? Pesará tanto essa responsabilidade sobre eles como a que sentem quanto a estas outras áreas? O apóstolo nos concita a considerarmos esta como a maior atividade da vida, a maior coisa que existe para manejar e negociar.
O apóstolo não pára ai: “... criai-os”, diz ele, “na doutrina e admoestação do Senhor”. Os dois vocábulos que ele utiliza são carregados de interesse. A diferença entre eles é que o primeiro, “doutrina” (ou “educação” ou “ensino”), é mais geral do que o segundo. É a totalidade do ensino, da instrução, da criação do filho. Portanto, inclui a disciplina geral. E, como todas as autoridades concordam em assinalar, sua ênfase recai nas ações. O segundo vocábulo, admoestação”, refere-se mais às palavras ditas. “Doutrina” é mais geral e inclui tudo o que fazemos pelas crianças. Inclui em geral todo o processo do cultivo da mente e do espírito, a moralidade e o comportamento moral, a personalidade completa da criança. Essa é a nossa tarefa. É olhar pela criança, cuidar dela, protegê-la. Já encontramos esse termo quando estivemos tratando da relação de maridos e esposas, onde nos foi dito que o Senhor “alimenta e sustenta” a Igreja (ou “alimenta a Igreja e dela cuida”, Ef 5:29). Aqui nos é dito que façamos a mesma coisa quanto aos nossos filhos.
A palavra admoestaçãotem praticamente o mesmo sentido que “doutrina” exceto que dá maior ênfase ao falar. Assim, há dois aspectos desta matéria. Primeiro temos que tratar da conduta e do comportamento gerais, das coisas que temos que realizar mediante ações. Depois, em acréscimo, há certas admoes­tações que devem ser dirigidas ao filho, palavras de exortação, de encorajamento, de reprovação, de censura. O termo empre­gado por Paulo inclui todas estas coisas; na verdade inclui tudo o que dizemos aos filhos em palavras reais, quando estamos definindo posições e indicando o que é certo e o que é errado, animando, exortando, e assim por diante. Esse é o sentido da palavra "admoestação”.
Os filhos devem ser criados “na doutrina e na admoestação- e em seguia vem o acréscimo mais importante - “do Senhor”: “doutrina e admoestação do Senhor”. É aí onde os pais cristãos, engajados em seus deveres para com os seus filhos, estão numa categoria completamente diferente de todos os outros pais. Noutras palavras, este apelo dirigido aos pais cristãos não equivale simples­mente a exortá-los a criarem os seus filhos em termos da moralidade geral ou das boas maneiras ou de uma conduta recomendável em geral. Naturalmente isso está incluído; todos devem fazê-lo; os pais não cristãos devem fazê-lo. Devem estar preocupados com boas maneiras, boa conduta em geral, com a fuga do mal; devem ensinar seus filhos a serem honestos, cumpridores do dever, respeitosos, e tudo mais. Essa é somente a moralidade comum, e o cristianismo não partiu daí. Mesmo escritores pagãos, interessados na boa ordem da sociedade, sempre exortaram os seus semelhantes a ensinar esses princípios. A sociedade não pode sobreviver sem um mínimo de disciplina, lei e ordem, em todos os níveis e em todas as idades. O apóstolo, porém, não está se referindo somente a isso; diz ele que os filhos dos cristãos devem ser criados na doutrina e admoestação do Senhor”.
É neste ponto que o pensamento e o ensino peculiar e especificamente cristãos devem entrar. Em primeiro lugar, nas mentes dos pais cristãos sempre deve estar a idéia de que os filhos precisam ser criados no conhecimento do Senhor Jesus Cristo como Salvador e como Senhor. Essa é a tarefa peculiar para a qual somente os pais cristãos são chamados. Seu maior desejo, sua maior ambição quanto aos seus filhos deve ser que eles venham a conhecer o Senhor Jesus Cristo como seu Salvador e como seu Senhor. Seria esta a nossa maior ambição com respeito aos nossos filhos? Isto vem em primeiro lugar? Queremos que venham a “conhecer Aquele a quem conhecer é a vida eterna”, que O conheçam como Seu Salvador e que O possam seguir como seu Senhor? “Na doutrina e admoestação do Senhor!” São estes, pois, os termos empregados pelo apóstolo.
Chegamos agora à questão prática sobre como se deve fazer isto. Aqui, de novo, está uma questão que requer a nossa mais urgente atenção. Na própria Bíblia há abundante ênfase posta no treinamento dos filhos. Tomem, por exemplo, certas palavras que se acham no capítulo seis de Deuteronômio. Moisés tinham chegado ao fim da vida, e os filhos de Israel estavam prestes a entrar na terra prometida. Ele os fez lembrar-se da lei de Deus e lhes disse como deviam viver quando entrassem na terra da sua herança. E, entre outras coisas, foi muito cuidadoso ao dizer-lhes que deviam ensinar a lei aos seus filhos. Não bastava que a conhecessem e a praticassem, deviam passar adiante o seu conhecimento. Os filhos deveriam receber o ensino, e nunca mais esquecê-lo. Por isso ele repetiu a injunção, registrando-a duas vezes no mesmo capítulo. Ela volta a aparecer no capítulo 11 de Deuteronômio, e freqüentemente, aqui e ali, através de todo o Velho Testamento. Semelhantemente se acha no Novo Testamento.
É muito interessante observar, na longa história da Igreja cristã, como este assunto particular sempre reaparece e recebe grande proeminência em todos os períodos de avivamento e despertamento. Os reformadores protestantes preocuparam-se com isso e deram grande proeminência à instrução das crianças em questões morais e espirituais. Os puritanos lhe deram ainda maior proe­minência e os líderes do Despertamento Evangélico, há duzentos anos, fizeram também a mesma coisa. Livros têm sido escritos e muitos sermões têm sido pregados sobre este assunto.
Naturalmente isto acontece porque, quando as pessoas se tornam cristãs, isto afeta inteiramente as suas vidas. Não é uma coisa meramente individual e pessoal; afeta a relação matrimonial e, assim, há muito menos divórcios entre os cristãos do que entre os não cristãos. Afeta a vida da família; afeta os filhos, afeta o lar, afeta todos os departamentos da vida humana. As épocas mais grandiosas da história da Inglaterra, e doutros países, sempre foram os anos que se seguiram a um despertamento religioso, a um avivamento da religião verdadeira. O tom moral da sociedade se elevou nesses períodos; mesmo os que não se tornaram cristãos foram influenciados e afetados pelo avivamento.
Noutras palavras, não há esperança de tratamento dos problemas morais da sociedade, a não ser em termos do evangelho de Cristo. O que é direito jamais será estabelecido se não houver vida piedosa; mas quando as pessoas se tornam confiantes em Deus, começam a aplicar os seus princípios o tempo todo, e se vê justiça na nação em geral. Contudo, infelizmente, temos que encarar o fato de que, por alguma razão, este aspecto da questão tem sido tristemente negligen­ciado no presente século. É parte do colapso que estivemos considerando, na vida, na moral e na família, no lar, e noutros aspectos da vida. É parte da louca afobação em que todos estamos vivendo e pela qual estamos tão influenciados. Por uma razão ou outra, a família não tem o valor de outrora, já não é o centro e a unidade que era anteriormente. Toda a idéia de família de algum modo sofreu declínio; e deploravelmente, isto em parte é um fato nos círculos cristãos também. A importância central da família, que se vê na Bíblia e em todos os grandes períodos a que nos referimos, parece que desapareceu. Não se lhe dão mais a atenção e a proeminência que outrora recebia. Isso torna muitíssimo importante que descubramos os princípios que devem governar-nos neste sentido.
Primeiro e antes de tudo, a criação dos filhos “na doutrina e admoestação do Senhor” é algo que deve ser feito no lar e pelos pais. Esta é a ênfase presente na Bíblia toda. Não é uma coisa que se possa confiar à escola, por melhor que ela seja. É dever dos pais, seu primordial e essencial dever. É sua responsabili­dade, e eles não devem passá-la a outrem. Dou ênfase a isto porque estamos todos cientes do que está acontecendo cada vez mais no presente século. Cada vez mais os pais estão transferindo as suas responsabilidades e os seus deveres para as escolas.
Considero isto uma coisa sumamente grave. Não há influência mais importante na vida de uma criança do que a influência do lar. O lar é a unidade fundamental da sociedade, e as crianças nascem num lar, para integrar uma família. Ali temos o círculo que vai constituir a principal influência na vida delas. Não há dúvida sobre isso. Este é o ensino bíblico, de capa a capa; e é sempre nas civilizações, assim chamados, em que as idéias concernentes ao lar começam a deteriorar-se, que a sociedade acaba por desintegrar-se. E assim, cabe ao povo cristão considerar e reconsiderar com muito cuidado toda a questão das escolas com internato, quanto a se é direito mandar os filhos para algum tipo de vida institucional onde passam a metade de cada ano, ou mais, longe de casa e da sua influência especial e peculiar. Poderá isso conciliar-se com o ensino bíblico? A questão é urgente porque isto se tornou mais ou menos o costume e a prática de virtualmente todos os cristãos evangélicos que dispõem de recursos para isso.
O ensino das Escrituras é que o bem-estar do filho, a alma do filho, sempre deve ser a consideração primordial; e todos as questões de prestígio - para não empregar outra expressão - e todas as questões de ambição devem ser rigorosa­mente postas de lado. Qualquer coisa que milite contra a alma do filho e contra o seu conhecimento de Deus e do Senhor Jesus Cristo, deve ser rejeitada. In­variavelmente, o primeiro objeto de consideração deve ser a alma e sua relação com Deus. Por melhor que seja a educação oferecida por um internato escolar, se esta milita contra o bem-estar da alma, deve ser posta de lado. A promoção desse bem-estar é o elemento essencial da “doutrina e admoestação do Senhor”, e constitui a principal tarefa e dever dos pais.
No Velho Testamento se vê com muita clareza que o pai era uma espécie de sacerdote em sua casa e entre os seus familiares; ele representava a Deus. Era responsável não somente pela moralidade e pelo comportamento dos seus filhos, mas também por sua instrução. A ênfase da Bíblia, em todas as suas partes, é que este é o principal dever e missão dos pais. E continua sendo assim. Se afinal somos cristãos, temos que entender que esta grande ênfase se baseia nas unidades fundamentais ordenadas por Deus - o casamento, a família e o lar. Não se pode facilitar nestas coisas. É inútil dizer, como muitos dizem, sobre o envio dos filhos a internatos ou educandários: “É o que toda gente está fazendo, e isso garante um excelente sistema de educação”. A questão deveras impor­tante é: isso é bíblico, é cristão, é realmente servir aos interesses atuais e eternos da alma do filho?
Aventuro-me a profetizar que a recuperação da espiritualidade e da moralidade na Grã-Bretanha poderá muito bem vir nesta linha de ação. Os cristãos deverão voltar a pensar por si mesmos. Precisamos tornar a ser pioneiros, como o povo de Deus no passado em geral era, sendo então seguidos pelos outros. Devemos ponderar sobre até que ponto o sistema de internatos, mantendo os filhos longe de casa, é responsável pelo descalabro da moralidade neste país. Não estou pensando apenas nos pecados individuais das pessoas, e sim em toda a atitude dos filhos para com os seus respectivos lares. O lar não deve ser um lugar onde os filhos passam suas férias e os seus feriados. Entretanto, há muitas crianças cujos lares não passam disso; e seus pais, em vez de tratá-los como devem, tendem a dar-lhes tratamento indulgente por estarem em casa por pouco tempo. Nesse caso, perdeu-se toda a idéia de disciplina, e da criação dos filhosna doutrina e admoestação do Senhor”. Mas, talvez argumentem, existem muitas circunstâncias especiais. Havendo realmente circun­stâncias especiais, eu concordo. Todavia, se não houver circunstâncias espe­ciais, o princípio que expus deve ser a regra; e são bem poucas as circunstâncias especiais. A tarefa primordial do lar e dos pais é muito clara.
Que é que os pais devem fazer? Devem suplementar o ensino ministrado pela Igreja, e devem aplicar o ensino da Igreja. Tão pouco se pode fazer num sermão! Este deve ser aplicado, explicado, ampliado, suplementado. É onde os pais têm seu papel a desempenhar. E se isso sempre foi certo e importante, quanto mais hoje! Pergunto aos pais cristãos: vocês já pensaram seriamente neste assunto? Vocês enfrentam, talvez, tarefa maior do que a que seus pais jamais enfrentaram, e pela seguinte razão: considerem o que ora se ensina às crianças nas escolas. A teoria e hipótese da evolução orgânica lhes está sendo ensinada como sendo um fato. Não a apresentam como mera teoria ainda não comprovada, porém lhes dão a impressão de que é um fato absoluto, e de que todas as pessoas possuidoras de conhecimento científico e de boa cultura acreditam nela. E os que não a aceitam são considerados estranhos. Temos que enfrentar essa situação. A Alta Crítica referente à Bíblia está sendo ensinada, com os seus supostos “resultados seguros”. Nas escolas há professores que conheço pessoalmente, os quais estão utilizando livros-textos publicados há trinta ou quarenta anos. Poucos deles têm consciência das mudanças ocorridas, mesmo entre o propugnadores da Alta Crítica. Ensinam-se nas escolas coisas perversas às crianças, e estas as ouvem pelo rádio e as vêem na televisão. Toda a ênfase é contra Deus, contra a Bíblia, contra o vero cristianismo, contra o miraculoso e contra o sobrenatural. Quem avançará contra estas correntes? Essa é precisamente a incumbência dos pais - “Criai-os na doutrina e admoestação do Senhor”. Isto exige dos pais grande esforço na presente época, porque as forças contra nós são muito poderosas. Os pais cristãos hoje têm esta missão extraordinariamente difícil de proteger os seus filhos contra essas poderosas forças adversas que estão tentando doutriná-los.
Eis, pois, o cenário! Para ser prático, quero, em segundo lugar, mostrar como não deveria ser feito. Há um modo de tentar lidar com esta situação que é completamente desastroso, e que faz mais mal do que bem. Como não fazer isso? Nunca devemos fazê-lo de maneira mecânica, quase que “por números”, como se fosse uma espécie de tábua de exercícios. Lembro-me duma ex­periência que tive, com relação a isto, faz uns dez anos. Fui hospedar-me com alguns amigos, quando estive pregando em certo lugar, e encontrei a esposa, a mãe da família, num estado de aguda angústia. Conversando com ela, descobrir a causa da sua angústia. Certa senhora estivera fazendo palestras justamente naquela semana, sobre o tema: “Como criar todos os filhos, em sua família, como bons cristãos”. Foi um trabalho esplêndido! A preletora tinha cinco ou seis filhos, e organizara o seu lar e a sua vida de tal maneira que terminava todo o seu trabalho doméstico às nove horas da manhã, e depois se dedicava a várias atividades cristãs. Todos os seus filhos eram excelentes cristãos; e tudo era tão fácil, tão maravilhoso! A mãe que me falava, que tinha dois filhos, estava dominada por um sentimento de verdadeira aflição, achando-se um completo e total fracasso. Que poderia dizer-lhe? Isto: “Espere um momento; que idade têm os filhos daquela senhora?” Acontece que eu sabia a idade deles, e a senhora em aflição também sabia. Nenhum deles, naquela ocasião, tinha mais de dezesseis anos, ou por aí. Eu continuei: “Espere e veja. Aquela senhora lhe disse que todos os filhos dela são cristãos, e o que você precisa é de um esquema que deve executar com regularidade. Esperem um momento; a situação poderá ser diferente dentro de poucos anos.” E, lastimavelmente, veio a ser muito diferente. É duvidoso se mais de um daqueles filhos são cristãos. Vários deles são francamente anticristãos e deram as costas a tudo que tinham recebido da mãe. Não é possível levar os filhos a serem cristãos daquela maneira. Não é um processo mecânico e de forma alguma pode ser feito de modo tão frio e clínico. Ouvi dizer que a mesma senhora fez a mesma palestra noutro lugar. Ali esteve presente uma pessoa que tinha algum entendimento e algum discernimento. Tendo ouvido a preleção, esta outra senhora fez o que considerei um comentário muito bom. Quando deixava o recinto, virou-se para algumas amigas e disse: “Graças a Deus que ela não é minha mãe!” É para fazer rir, mas, ao mesmo tempo, há algo de trágico nisso. O sentido daquele comentário era que não havia amor ali, não havia calor. Eis aí uma mulher que se orgulhava de si mesma; fazia tudo “por números”, mecanicamente. Que mãe maravilhosa ela era! Esta outra mulher percebeu que não havia amor ali, que não havia compreensão real, que não havia nada que aquecesse o coração do filho. O filho não é uma máquina, e, portanto, não se pode fazer este trabalho mecanicamente.
Tampouco se deverá agir de maneira inteiramente negativa ou repressiva. Se você der aos filhos a impressão de que ser religioso é ser infeliz, e que a vida religiosa consiste de proibições e de constantes repressões, você os lançará nas garras do diabo, e no mundo. Nunca seja inteiramente negativo e repressivo. Constantemente encontro tragédias nesse campo. Pessoas há que conversam comigo depois do culto e me dizem: “Esta é a primeira vez que entro num templo, depois de uns vinte anos”. Eu lhes pergunto: “Como é isso?” Então me contam que haviam reagido contra a aspereza e contra o caráter repressivo da religião em que tinham sido criadas. Não possuíam nenhuma concepção válida do cristianismo. O que viam não era cristianismo, mas uma severa religião feita pelo homem, um puritanismo falso. É pena, todavia ainda existe gente que representa uma caricatura do puritanismo verdadeiro, e nunca chegaram a com­preender os seus reais ensinamentos. Viram o lado negativo, porém nunca viram o lado positivo. Isto causa grande dano.
Em terceiro lugar, ao criarmos os nossos filhos “na doutrina e admoes­tação do Senhor”, nunca deveremos fazê-lo de modo tal, que os torne pequenos fingidos e hipócritas. Também tenho visto muito disso. Para mim é muito triste, muito revoltante mesmo, ouvir crianças dizerem frases piedosas que não entendem. Mas seus pais se orgulham delas e dizem: “Ouçam-nas, não é maravilhoso?” As crianças são novas demais para compreenderem tais coisas. Sei que muitas crianças gostam de brincar de pregar. Essa conduta infantil pode ser desculpável, porém quando se vêem pais achando isso maravilhoso e mandando as crianças fazerem isso diante da extasiada contemplação de adultos, é quase blasfêmia. Certamente é muito prejudicial às crianças. É transformá-las em pequenos fingidos e hipócritas.
Minha última negativa neste ponto é que nunca deveremos forçar a criança a tomar uma decisão. Que problema e que estrago essa atitude produz! “Não é maravilhoso?”, dizem os pais, “o meu pequeno Fulano, um simples rapazinho, decidiu-se por Cristo.” Fora feita pressão constrangedora na reunião, no entanto, nunca se deveria fazer isso; é fazer violência à personalidade da criança. Em acréscimo, naturalmente, é demonstrar profunda ignorância do método de salvação. É possível levar uma criança a decidir-se por qualquer coisa. Os pais têm poder e habilidade para isso; mas é errado, é anticristão, não é espiritual. Noutra palavras, jamais devemos ser muito diretos nesta questão, especialmente com uma criança; jamais devemos agir demasiado emocio­nalmente. Se o seu filho fica aborrecido quando você lhe fala de assuntos espirituais, ou se quando você fala com o filho de alguém e ele se aborrece, é evidente que o seu método é errado. Jamais se deve levar o filho a aborrecer-se com os assuntos espirituais. Se acontecer isso é porque estamos sendo diretos demais, ou estamos apelando demais para o emocional, ou estamos coagindo a criança. Não é assim que se faz esta obra.
Também nesta área sei de algumas verdadeiras tragédias. Lembro-me do caso de dois jovens em particular, antes de chegarem à idade de quinze ou dezesseis anos. Seus pais sempre os impulsionavam para diante. Num caso, um dos pais costumava escrever sobre os seus filhos e dava a impressão de que eles eram cristãos notáveis. Todavia, estes jovens repudiaram inteira e comple­tamente a fé cristã, e hoje não vêem nela nada de proveitoso. Os pais cristãos sempre devem lembrar-se de que estão lidando com uma vida, uma personali­dade, uma alma. Meu conselho é: não coajam os seus filhos. Não os forcem a decidir-se. Conheço a ansiedade dos pais. É muito natural; porém, se somos espirituais, se somos “cheios do Espírito”, nunca faremos violência a uma personalidade, nunca faremos qualquer pressão injusta sobre os filhos. Portan­to, os nossos ensinamentos nunca deverão ser exageradamente diretos, nem exageradamente emocionais. Jamais deveremos agir de maneira que os filhos sejam levados a sentir-se desleais para conosco, se não professarem a fé. Isso e imperdoável.
Pois bem, qual é o método verdadeiro? Permitam-me dar algumas sugestões. Houve tempo em que era costume haver nas casas - e ainda o vejo às vezes - um pequeno quadro afixado na parede, com esta frase inscrita: “Cristo é o Chefe desta casa”. Não sou defensor dessa prática, mas havia uma coisa boa nessa idéia. Lemos no Velho Testamento que foram dadas instruções aos filhos de Israel, nestes termos: “E as escreverás (as palavras do Senhor) nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas” (Dt 6:9), em razão de que somos criaturas esquecidiças. Os protestantes primitivos costumavam pintar os Dez Mandamentos nas paredes dos seus templos, em parte pela mesma razão. Entretanto, quer exibamos um quadro quer não, sempre devemos dar a idéia de que Cristo é o Chefe da casa ou do lar.
Como dar essa idéia? Principalmente por nossa conduta geral e por nosso exemplo! Os pais devem viver de modo que os filhos sempre percebam que eles estão subordinados a Cristo, que Cristo é o seu Chefe. Esse fato deve ser óbvio em sua conduta, em seu comportamento. Acima de tudo, deve imperar uma atmosfera de amor. “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito.” Esse é o nosso texto dominante, nesta como em todas as demais aplicações particulares. O fruto do Espírito é amor, e se o lar estiver impregnado de uma atmosfera do amor produzido pelo Espírito, a maior parte dos seus problemas será solucionada. É isso que realiza a obra; não as pressões e os apelos, e sim uma atmosfera de amor.
Que mais? Conversação geral! À mesa ou onde quer que estejamos, a conversação geral é sumamente importante. Ouvimos, talvez, as notícias pelo rádio, e começa a conversação sobre as notícias. Grandes temas são menciona­dos - negócios internacionais, política, problemas industriais etc. Uma parte da nossa tarefa, na criação dos nossos filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”, é ver que mesmo essa conversação geral seja sempre conduzida em termos cristãos. Sempre devemos introduzir o ponto de vista cristão. Os filhos vão ouvir outras pessoas falando acerca das mesmas coisas. Talvez, ao cami­nharem pela rua, ouçam dois homens argumentando sobre as mesmas coisas que ouviram discutidas em casa. Depressa notarão uma grande diferença: toda a abordagem era diferente em casa.
Noutra palavras, o ponto de vista cristão deve ser introduzido na totali­dade da vida. Quer vocês estejam discutindo questões internacionais quer locais, ou assuntos pessoais ou de negócios - seja o que for, tudo deverá ser considerado sob o título geral de cristianismo. Este é um ponto deveras vital, pois quando se faz isto, os filhos inconscientemente se dão conta do fato de que há um princípio normativo nas vidas dos seus pais; seu modo de pensar e tudo a seu respeito é diferente de tudo o que eles vêem e ouvem no mundo incrédulo. Toda a atmosfera é diferente. Assim os filhos, gradativamente, e em parte inconscientemente, vão sabendo que existe um ponto de vista cristão. Essa é uma realização veraz. Uma vez que se apossam desse fato, o problema fica muito mais fácil.
O ponto subseqüente é a resposta a perguntas. Aí os pais cristãos têm uma grande oportunidade. Às vezes é extremamente difícil, eu sei; mas nos é dada a oportunidade de responder perguntas. Gosto da maneira como esta matéria é apresentada no capítulo seis de Deuteronômio, versículos vinte em diante: “Quando teu filho te perguntar pelo tempo adiante, dizendo: Quais são os testemunhos, e estatutos, e juízos que o Senhor nosso Deus vos ordenou? Então dirás a teu filho: Éramos servos de Faraó no Egito, porém o Senhor nos tirou com mão forte do Egito”, e assim por diante. Noutras palavras, virá o dia em que os filhos farão perguntas como estas: “ Por que vocês não fazem isto ou aquilo? O pai e a mãe do meu amiguinho fazem isto; por que vocês não fazem?” Aí vocês estarão recebendo uma oportunidade para criar o seu filho “na doutrina e admoestação do Senhor.” Contudo, se havemos de aproveitá-la, precisamos saber a resposta certa e ter habilidade para apresentá-la. Não poderão “dar a razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3:15), não poderão criar seus filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”, se não conhecerem a Bíblia e os seus ensinamentos. “Por que vocês fazem isto, por que não fazem aquilo? Os pais dos meus amigos passam as noites em casas de diversão; vocês não. Passam as noites em clubes, passam as noites dançando; vocês não. Por quê? Qual a diferença?” Quando interrogados dessa maneira, vocês não devem menos­prezar o filho e dizer: “Ora, somos diferentes, você vê, e é como preferimos," Não; antes, vocês dirão ao seu filho: “No fundo, somo todos iguais, para começar; e não é por sermos naturalmente melhores do que os outros que nos portamos desta maneira diferente. Não é essa a explicação. Não é porque nós temos certos temperamentos e os outros pais têm outros diferentes. Todos nascemos “em pecado”, todos somos, por natureza, escravos de várias coisas. Há algo de errado dentro de todos nós, há um mau princípio em nós, e nenhum de nós conhece verdadeiramente a Deus. Você vê, a diferença é esta, que Deus nos fez ver como são erradas certas coisas. Mas nós continuaríamos sendo semelhantes aos pais dos seus amigos, se não tivéssemos crido e conhecido que Deus enviou ao mundo o Seu Filho único, o Senhor Jesus Cristo, a respeito de quem você já ouviu, para resgatar-nos, para libertar-nos”. É assim que se introduz o evangelho; vocês terão que decidir quanto comunicar. Depende da idade do filho. Mas respondam as suas perguntas, façam-no saber, façam-no saber com exatidão, quando ele fizer suas perguntas, por que vocês vivem como vivem. Vocês não devem impingir nada nele, não devem pregar para ele; mas, se ele fizer perguntas, falem com ele, falem com muita simplicidade. Digam-lhe cada vez mais coisas, à medida que ele vá crescendo; mas estejam sempre prontos para responder suas perguntas. Procurem conhecer bem os fatos, compreender bem o evangelho, estruturem-se sobre o evangelho para poder transmiti-lo e infundi-lo. Assim vocês poderão criar os seus filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”.
Depois, vocês poderão orientar a leitura deles. Levem-nos a lerem boas biografias. As biografias exercem atração sobre eles. Orientem a leitura deles de várias maneiras; induzam-lhes a mente na direção certa, e procurem familiarizá-los com as glórias da fé cristã em ação.
Que mais? Sempre tenham o cuidado de, toda vez que fizer alguma refeição, dar graças a Deus por ela, e pedirem a bênção de Deus sobre ela. Quase ninguém faz isso hoje em dia, exceto os que de fato são cristãos. Se os seus filhos se habituarem a ouvi-los darem graças, e a repetirem a ação de graças, e a suplicarem bênção, isto lhes fará algum bem. Vão além. Tenham o que se chama altar familiar (ou culto doméstico), o que significa que pelo menos uma vez por dia vocês e os seus se reunirão como família ao redor da Palavra de Deus. O pai como chefe da casa, deverá ler uma porção das Escrituras e elevar uma oração singela. Não precisa ser longa, mas que leve ao reconhecimento de Deus e agradecer a Deus a dádiva do Senhor Jesus Cristo. Vocês devem levar os filhos a ouvirem com regularidade a Palavra de Deus. Se lhes fizerem perguntas sobre ela, respondam-lhes. Dêem-lhes a instrução que puderem. Sejam prudentes, sejam judiciosos. Não façam da sua instrução uma coisa desagradável, odiosa, maçante; façam dela algo que eles mesmos busquem, de que gostem, em que achem prazer.
Noutras palavras - em suma - o que nos compete fazer é apresentar um cristianismo atraente. Devemos dar aos nossos filhos a idéia de que o cristia­nismo é a coisa mais maravilhosa do mundo; e de que não há nada no mundo que se compare a ser cristão. Devemos criar dentro deles o desejo de serem parecidos conosco. Eles nos observam e vêem a alegria que sentimos, e o modo como nos maravilhamos e nos enchemos de admiração pela vida cristã. Oxalá digam a si mesmos: espero chegar à idade dos meus pais, para poder ter o gozo que obviamente eles têm. Nosso método jamais deverá ser mecânico, legalista, repressivo. Nosso testemunho nunca deve ser forçado, mas, em tudo o que somos, fazemos e dizemos, saibam eles que somos “escravos cativos de Jesus Cristo”, que Deus, em Sua graça, abriu os nossos olhos e nos despertou para a coisa mais gloriosa do mundo, e que o nosso maior desejo para com eles é que entrem no mesmo conhecimento e tenham o mesmo gozo, e tenham o mais alto privilégio possível neste mundo, o de servir ao Senhor e de viver para o louvor da glória da Sua graça (cf. Efésios 1:6,12,14). Seja qual for o seu trabalho, seja negócio ou profissão liberal ou trabalho manual ou pregação, façam todas as coisas para a glória de Deus, e, desse modo, estarão criando os seus filhos “na doutrina e admoestação do Senhor”.